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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Bloco central, o cemitério dos partidos socialistas

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, In Expresso Diário, 12/12/2017)

Daniel

Daniel Oliveira

Sempre foi claro que, cumpridos os acordos do BE e PCP com o PS, os problemas iriam começar a surgir. Estando fora do governo, a intervenção dos partidos mais à esquerda acabaria por ficar exclusivamente dependente do Orçamento. Não havendo acordos que balizem o funcionamento da “geringonça”, isso acabaria por dar um enorme dramatismo a esse momento e esvaziaria esta maioria de consensos políticos que ultrapassassem a dimensão orçamental do governo. Para tornar tudo mais difícil, Mário Centeno quis fazer um brilharete em Bruxelas, ultrapassando em muito as metas definidas e sacrificando a sustentabilidade dos serviços públicos. As cativações acabaram por ser uma forma de subverter o Orçamento negociado. A ida de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo só agudizou a sensação de fim de festa à esquerda.

Era mais ou menos evidente que este seria, mesmo com uma situação económica favorável, um Orçamento de Estado mais difícil de negociar. As críticas do BE a propósito do episódio das rendas para as renováveis e o endurecimento do discurso PCP retratam um mal-estar mais geral que resulta de uma maioria que, cumpridos os acordos, deixou de ter guião. Não foi só por falta de ambição que esse acordo foi cumprido num ano. Se a questão fosse essa novos acordos teriam sido negociados, com novas metas e objetivos. Os três partidos quiseram ficar soltos para, mais próximos das eleições, afirmarem as suas diferenças.

A entrada deste governo para o quadro de honra da ortodoxia europeia não se limita a deixar os partidos mais à esquerda desconfortáveis. Deixa PSD e CDS sem discurso. Mesmo que o diabo viesse, vinha com a bênção do santo padroeiro de Bruxelas. Resta dizerem que este governo está a fazer o mesmo que o anterior, o que, para além de não ser rigoroso, é fraco: quer dizer que faz o mesmo com aumento do emprego e do rendimento. Mesmo que isto fosse a continuação da austeridade, parece mais agradável do que a de Passos.

Não podendo vencer Costa e Centeno, a estratégia é explorar o mal-estar entre os partidos de esquerda. Já não se trata dizer, como diziam antes, que o BE e PCP meteram a viola no saco para passar a dizer que a “geringonça” acabou. O apelo é para reconstrução das pontes do bloco central, para que ele volte a dominar a política nacional. Percebemos que é essa a estratégia da direita quando vemos Francisco Assis, que nunca lhe tem falhado nos momentos fundamentais, espicaçar o orgulho do PS perante as criticas do BE. Isto apesar de nunca Catarina Martins ter dito de António Costa e do seu governo metade do que Assis escreveu e disse nos dois últimos anos.

Por enquanto, a tentativa de reconstruir o espírito do bloco central está fora dos partidos políticos da oposição. Será necessária uma nova liderança do PSD para isso ganhe um corpo. Não lhe falta quase nada. Tem em Belém o seu padrinho de sempre – não foi para outra coisa que Marcelo Rebelo de Sousa andou a acumular popularidade à esquerda – e nos dois putativos líderes do PSD protagonistas fáceis. Qualquer novo líder do PSD que se queira afirmar tem de contrariar a imagem de radicalização ideológica de Passos Coelho. As aproximações ao PS, libertando-o das garras da “extrema-esquerda”, cumpre bem esse papel. Também no PS haverá, fora e dentro da esfera de influência de António Costa, saudosistas desse tempo. A grande incógnita é o que querem os principais protagonistas desta maioria: António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Se querem regressar a tempos mais sossegados, quando as derrotas civilizacionais mais do que garantidas baixavam as expectativas do eleitores.

Há, no entanto, um elemento que joga contra a tentativa desesperada de regressar ao passado: o que está a acontecer na Europa. Bem sei que não falta quem julgue que vivemos apenas um susto e nos esperam tempos de sanidade e convergência na União Europeia. Mas a maior crise financeira desde 1929 não foi só um susto, foi uma rutura. A ilusão de regresso à normalidade ignora todas a fragilidades estruturais do euro e as fraturas que esta crise provocou. Mas, sobretudo, ignora a recomposição política que se está a dar na Europa e até fora dela.

O erro de cálculo é este: o bloco central, na sua versão formal ou informal, morreu quando o projeto europeu deixou de ser um meio para reforçar o Estado Social e garantir a convergência entre as nações da União e passou a ser um projeto ideologicamente marcado por teses neoliberais e politicamente determinado por um Estado apostado em expandir o seu poder económico. O que unia o centro já não existe. Qualquer bloco central, para ser reeditado, implica uma total descaracterização do centro-esquerda. Se quisermos dizer a coisa de forma mais simples, o centro político está muito mais à direita do que estava. Para os partidos socialistas lá chegarem têm de deixar muito eleitorado pelo caminho, entregando a agenda social à direita xenófoba ou aos partidos à sua esquerda.

Não preciso de muito esforço para provar o que digo. Em todos os países onde, de uma forma ou de outra, esta convergência foi tentada os partidos socialistas foram dizimados. O “centro” ficou representado pelos seus parceiros de direita. Na Holanda, o Partido do Trabalho passou, depois de uma aliança com a direita austeritária, de 28% para 6%. Na Grécia, o PASOK foi descendo, desde 2009, de 44% para 13% e, a partir do momento que ajudou a Nova Democracia a governar, para 5%. Sempre a cair desde 1998, o SPD alemão passou dos 34% para os 20% (o pior resultado do pós-guerra), desde que se coligou com Merkel, tendo sido a sua única recuperação em 2013, quando ficou na oposição. A reedição desta coligação poderá levar os social-democratas à irrelevância. Não é por acaso que SPD resistiu enquanto pôde a voltar a governar com Merkel, que o PSOE recusou entender-se com o Rajoy e que CDU e PP desejaram tanto esses entendimentos: eles têm acabado invariavelmente na pasokização dos partidos socialistas.

O bloco central, no governo ou na construção de um consenso sempre favorável ao centro-direita, tem sido, em toda a Europa, o beijos da morte para o centro-esquerda. O Labor, onde a viragem à esquerda coloca Corbyn no caminho de uma possível vitória, e o PS, onde os entendimentos com BE e PCP reforçaram a posição dos socialistas no eleitorado do centro, são dos poucos partidos de onde vêm boas notícias. O “bloco central” é, nos tempos que correm, o cemitério dos partidos socialistas europeus. Compreende-se que ele entusiasme a direita que pensa a longo prazo.

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Vulgaríssimo

por estatuadesal

(Carlos Matos Gomes, in Facebook, 12/12/2017)

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Vulgaríssimo. O caso da associação Raríssima é vulgaríssimo. É uma receita vulgaríssima: A partir de um vulgar caso de irregularidades, neste caso uso de dinheiros públicos por parte de uma associação, em que a dirigente recebia um salário, despesas de representação, andava de BMW de luxo, comprava camarão e vestidos com o cartão de crédito, encena-se um vulgar espectáculo mediático de justiça popular.
Como se monta este espectáculo e esta trama? Como se faz desde a antiguidade, passando pela inquisição! Como se montaram os autos de fé. Um dado poder, neste caso, um dado grupo de comunicação (TVI/Media Capital), recebe uma denúncia de existência de pecados ou heresias. Esse grupo está em dificuldades económicas, ou pretende chantagear o governo. O chefe manda investigar a existência de ligações a quem quer que seja no governo – só isso interessa - tem de haver alguém, há sempre!
Logo que descoberto, neste caso um ministro que foi um vice-presidente de um órgão social (Assembleia Geral), uma deputada que foi a uma atividade da organização, previamente transformada para o efeito em inimigo público, há, como dizem os encenadores (directores de comunicação e informação), carne para colocar na fogueira – literalmente no caso da Inquisição, metaforicamente neste caso. A partir daqui é só atear a fogueira e manter as chamas. Este caso substitui na arena dos média o célebre capitulo 6 do relatório dos incêndios!
Sou contra os salários dos corpos directivos destas associações, os BMW de serviço, o camarão, os vestidos e até as gravatas de seda à custa do contribuinte, não conheço de lado nenhum a senhora, desconhecia e existência da Raríssimas, não conheço o ministro que foi vice presidente da Assembleia geral, nem a deputada que viajou, nem o deputado que estava para ser dirigente. Mas também me repugna ser metido numa bancada geral de um espectáculo com uma fogueira no meio, ou no peão de uma arena para onde vão ser atirados uns condenados às feras. Também recuso ser tratado como parte da matilha que vai meter o dente nos condenados.
Não acredito na bondade e, menos ainda, na prestação de serviço público, de uma estação de televisão que investe (é de investimento que se trata) horas de antena (horas e não minutos já de si caríssimos de emissão) para punir exemplarmente uma anónima senhora que recebia um salário de 6 mil euros tinha um BMW de serviço e comprava 250 euros de camarão! Admiro os justiceiros que acreditam nesta bondade comunicacional!
Eu não acredito. Acredito numa outra possibilidade menos pura, mais manhosa e ranhosa.

Acredito que por detrás das horas de antena da TVI sobre o tema estejam a fossar a porca da política e a porca dos negócios. Acredito numa outra tese: que o grupo de investimentos Altice, dedicado a negócios especulativos, ao sentir dificuldades no negócio da compra da TVI/Media Capital quis dar um sinal ao governo do que poderá esperar de agressividade se não abrir as pernas ao negócio. Eis aqui uma amostra como vos vamos tratar se não nos deixarem fazer o que queremos!

Acredito, pois, que o caso TVI/Raríssima é um vulgaríssimo caso de ameaça velada (do tipo chantagem preventiva) ao governo.
Por mim, recuso-me a participar neste espectáculo degradante de atirar carne à matilha. Recuso- me a fazer parte da matilha e a ladrar quando me acenam com restos! Repugnam-me linchamentos, multidões e jogadas de falso moralismo que me utilizam como carne para canhão, ou membro de uma claque.

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Cartão de Natal ao Presidente da República

por Ana Moreno

Querido Presidente da República,

este ano trouxeste-nos o presente de Natal muito cedo. Recebêmo-lo no dia 09.12.2017, com uma mensagem dizendo: „Embora suscitando algumas dúvidas específicas, a coerência com uma linha fundamental da política externa portuguesa explica que, após longa ponderação, o Presidente da República tenha assinado a ratificação do Acordo Económico e Comercial Global entre o Canadá, por um lado, e a União Europeia e os seus Estados Membros, por outro, assinado em Bruxelas em 30 de outubro de 2016 e aprovado pela Assembleia da República em 20 de setembro de 2017”.

Apesar de saberes que não queríamos receber este presente envenenado, já estávamos preparados para que o pusesses junto à árvore de Natal. Tínhamos-te pedido repetidamente para nos receberes, para falarmos sobre esse acordo que vai roubar-nos soberania e embrulhar-nos mais ainda nos liames das multinacionais, que adquirem direitos especiais para processarem estados. Uma vez, foi-nos respondido que a agenda não permitia. Continuámos a tentar, mas parece que aquela resposta era para sempre, pois nunca recebemos mais nenhuma. Para nós, nunca há agenda. Na última carta, éramos quinze organizações da sociedade civil - e sabemos que em Portugal não é fácil que as pessoas se empenhem voluntariamente por causas comuns de advocacia – solicitando uma audiência sobre o CETA; mas somos pouco mediáticos e o que queríamos não era compaixão, mas sim a defesa dos direitos dos portugueses. Ler mais deste artigo

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É oficial: Kim Jong-un tem poderes sobrenaturais

por estatuadesal

O líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, subiu ao Monte Paektu, de onde, na teoria, os homens da sua família recebem o desígnio divino de governar. Durante a escalada, o monte estava envolto num nevão de proporções bíblicas mas, assim que Kim lá chegou, logo um enorme sol abriu-se sobre o horizonte. A agência de notícias norte-coreana não tem dúvidas: o líder tem poderes sobrenaturais.

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O raríssimo escrutínio ao terceiro sector

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/12/2017) 

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Mesmo que tenha algumas observações a apontar ao rigor da reportagem da TVI sobre a Raríssima – que se prende sobretudo com o facto de se ter perdido o bom hábito de ouvir sempre todas as pessoas envolvidas, o que já resultou num ou noutro desmentido factual –, o que lá se vê e ouve chega e sobra para ficar arrepiado. Como é possível que alguém use uma associação com aqueles fins para se instalar na vida? Claro que é possível. Como em todo o lado, basta que a oportunidade exista. A ideia que as pessoas se dedicam a este tipo de atividades são genericamente boas e generosas – a própria ideia que o mundo se divide entre pessoas boas e más – é infantil.

A história contada pela TVI poderá ser mais grave do que outras histórias que conhecemos, mas ela é, em dimensões diferentes, muito mais comum do que pensamos. A verdade é que as ONG, IPSS e associações (o terceiro sector, depois do Estado e do privado) funcionam, em Portugal e não só, com pouquíssimo escrutínio. Assumimos que este tipo de organizações se dedica a atividades altruístas, ignorando que onde há seres humanos há todas as virtudes e defeitos que podemos encontrar em qualquer lado. E isso é verdade, sem qualquer diferença, numa ONG, numa igreja, num partido político, numa empresa, num organismo do Estado. A questão é sempre saber que instrumentos de escrutínio e controlo temos para impedir que o abuso aconteça.

Na realidade, com alguma experiência política e de associativismo que levo, não encontrei ainda, com todos os seus enormes defeitos, nenhum tipo de organização tão sujeita a escrutínio como os partidos políticos. Porque, ao contrário das associações ou sindicatos, eles estão preparados para o conflito interno. Não vivem na ilusão de uma intrínseca bondade de quem lá está. É este cinismo pessimista, que tanto incomoda as pessoas, que os defende. E, mesmo assim, como tão bem sabemos, está muito longe de chegar para impedir o abuso e a corrupção. Pelo contrário, a maior parte das ONG, IPSS e associações funcionam numa lógica quase familiar, onde não existe rotatividade de dirigentes e o seu líder se confunde com a própria organização. Daí ao abuso é um passo quase inevitável.

Quando passamos isto para a escala global, com organizações que trabalham em todo o mundo e movem milhões de dólares e milhares de funcionários e colaboradores, as coisas ganham contornos assustadores. À medida que vamos conhecendo as suas perversidades, perdemos as ilusões em relação a este tipo de organizações. Mas não devemos. Assim como não devemos descrer da democracia só porque sabemos de políticos corruptos. Elas são apenas tão más ou tão boas como todas as outras.

Ao contrário do que gostamos de pensar, o trabalho feito por associações, ONG ou IPSS não garante à partida mais empenho e honestidade do que o trabalho feito por serviços do Estado. Pode ser, por uma questão de proximidade e especificidade, mais eficaz. Mas a capacidade de escrutínio será sempre menor.

O apoio público do Estado a estas associações é legítimo mas comporta sempre riscos. Porque a Raríssima não é assim tão excepcional. Porque atrás de boas intenções podem estar negócios, agendas religiosas e ideológicas, ambições pessoais. Não devemos diabolizar o associativismo, que tanta falta nos faz. Mas é bom percebermos que muitos dos pecados que atribuímos à política são apenas pecados humanos. Estão em todo o lado. E de forma especialmente aguda onde há menos mecanismos controlo.

Talvez ajude a explicar a falta de escrutínio a este tipo de organizações a reação que imediatamente se sentiu ao caso da Raríssima. A vontade de encontrar uma qualquer ligação, próxima ou distante, de políticos do PS ou do PSD à associação – incluindo quem colaborou sem qualquer contrapartida com esta associação, provavelmente movido pela mesma boa-fé que todos nós perante os seus propósitos – reflete uma ideia estranha: que o escrutínio só se justifica perante o envolvimento do poder político, que um escândalo só o merece ser se envolver deputados ou ministros, que se as coisas cheiram mal têm de ter um eleito à mistura. De repente, parece que o que nos foi relatado só nos incomoda se estiver envolvido um malandro de um político.