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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Entre as brumas da memória


Dica (701)

Posted: 22 Jan 2018 12:54 PM PST

The High Cost of Denying Class War (Yanis Varoufakis)

«The rise of populism on both sides of the Atlantic is being investigated psychoanalytically, culturally, anthropologically, aesthetically, and of course in terms of identity politics. The only angle left unexplored is the one that holds the key to understanding what is going on: the unceasing class war waged against the poor since the late 1970s.»

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If you live in America

Posted: 22 Jan 2018 08:53 AM PST

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Afinal, vivemos no paraíso e não sabíamos

Posted: 22 Jan 2018 05:54 AM PST

Portugal, los nórdicos del sur de Europa.

É ler o texto e agradecer o exagero aos deuses galegos.
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22.01.1961 – O dia em que o Santa Maria foi assaltado por «piratas»

Posted: 22 Jan 2018 03:05 AM PST

Em 22 de Janeiro de 1961, algures no mar das Caraíbas, 12 portugueses e 11 espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.

Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)

Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.

Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...

A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)

Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de 60.

A ler: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.

Bombeiro vê o pai morto em acidente Homem, de 78 anos, circulava em contramão e chocou de frente.

Por Ana Palma e João Mira Godinho|20.01.18

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Jorge Santos, bombeiro nos Voluntários de Lagos, foi um dos elementos dos meios de socorro que acorreram esta sexta-feira a um acidente na periferia de Lagos. Mas quando chegou ao local, deparou-se com o cadáver do próprio pai. O pequeno Fiat Cinquecento, conduzido por Inácio Santos, de 78 anos, ia em contramão na avenida da Fonte Coberta, a variante de acesso à A22, em Lagos, e foi embater de frente num Seat que circulava em sentido contrário. VIDEOBombeiro vê o pai morto em acidente Homem, de 78 anos, circulava em contramão e chocou de frente. Menos de uma hora depois, outra colisão, na variante 4 da EN125, em Almancil, no concelho de Loulé, provocou a morte de uma mulher. No espaço de dois dias, registaram-se quatro mortes em acidentes no Algarve, duas das quais envolvendo motociclos, na EN125. O alerta para o acidente de Lagos foi dado às 15h31. O óbito foi declarado no local pelo INEM, tendo o corpo sido levado pelo filho da vítima, para o Gabinete Médico Legal de Portimão, para ser autopsiado. No outro carro, seguia um casal de turistas holandeses, com cerca de 60 anos, que ficaram feridos e foram transportados para o Hospital de Portimão. Uma terceira viatura embateu nos carros acidentados, mas os seus ocupantes ficaram ilesos. Pouco tempo depois, às 16h10, uma violenta colisão frontal entre dois veículos fez um morto e quatro feridos. O carro onde seguia a vítima mortal, de matrícula alemã, capotou. As viaturas ficaram destruídas. Este acidente obrigou ao corte da via (EN125/4), que liga Esteval e Vilamoura, durante toda a tarde.
Ler mais em: http://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/bombeiro-ve-o-pai-morto-em-acidente

A eleição de Rui Rio é um problema para Rui Rio, não para a atual maioria

por estatuadesal

(João Galamba, in Expresso Diário, 2201/2018)

galamba

A chamada Geringonça não é nenhuma anomalia política tornada possível pela existência de Passos Coelho, nem a saída deste último da liderança do PSD é a chave para um qualquer regresso a um espaço mitificado de grandes consensos que alegadamente aproximariam o PS do PSD. Anómala, isso sim, era a incomunicabilidade à esquerda. Anómala quando olhamos para o panorama europeu e, sobretudo, nada vantajosa para o PS e para uma governação do país à esquerda, porque ou o PS tinha maioria absoluta ou ficava na mão da direita para governar.

Paradoxalmente, a chamada Geringonça acabou por recentrar e reequilibrar o nosso sistema político. Recentrar e reequilibrar porque pôs termo à vantagem artificial de que a direita dispunha para governar ou influenciar a governação do país. É natural que quem beneficiava da realidade anterior não goste particularmente desta mudança, mas convém situar a anomalia onde ela realmente existe, ou melhor, existia.

Para não lhe chamar reforma, chamemos-lhe mudança estrutural. Esta mudança é estrutural porque reconfigura as possibilidades políticas ao dispor de cada partido. Nesse sentido, a eleição de Rui Rio não vem alterar nada. Melhor dizendo: a única coisa que a eleição de Rui Rio altera é que o PSD passa finalmente a ter um líder que foi eleito e que inicia o seu mandato já sabendo que deixou de haver incomunicabilidade à esquerda e que, portanto, a direita perdeu a vantagem relativa de que tradicionalmente dispunha. O que para Passos Coelho foi um evento traumático, para Rio passa a ser uma realidade com a qual terá de lidar. Ou seja, não é Rui Rio que ameaça a chamada Geringonça, mas esta que cria um problema a Rui Rio, que enfrenta uma  situação inédita no PSD.

Ainda é cedo para perceber exatamente o que fará Rui Rio, mas já sabemos o que pensam alguns dos seus mais destacados apoiantes, como Manuela Ferreira Leite: temos de salvar o país (e o PS) da esquerda à esquerda do PS. Esta ideia tem um problema: como o país não aparenta querer ser salvo da experiência de diálogo à esquerda, a única forma de afirmar projeto político autónomo passa por apresentar uma alternativa clara ao que existe, o que obrigaria Rui Rio a fazer aquilo que sempre disse que não queria fazer, e que me parece claramente não ser o que Manuela Ferreira Leite tinha em mente quando falou do diabo, isto é, assumir que o PSD é um partido de direita, em tudo semelhante ao que foi liderado por Passos Coelho. Algumas das ideias ventiladas por Rui Rio, como cortar pensões em contextos recessivos ou reduzir o défice a um ritmo ainda mais acelerado que o do atual Governo, parecem apontar nesse sentido. No momento atual, esse projeto parece muito longe de reunir o apoio maioritário dos portugueses, mas sempre confere uma identidade própria ao PSD. Pode não ser a identidade que Rui Rio sempre disse desejar, mas pode mesmo ser a única ao seu dispor.

Fraude no Banco Mundial: índices da normalização política

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 22/01/2018) 

Daniel

Daniel Oliveira

Na última década a posição do Chile no índice Doing Business, que supostamente mede a facilidade de fazer negócios em cada país, sofreu uma enorme volatilidade. Uma volatilidade que coincidiu totalmente com os seus ciclos políticos. Entre 2006 e 2010, quando o Chile foi governado pela socialista Michelle Bachelet, caiu a pique. Durante a presidência de Sebastián Piñera (2010-2014), de direita, voltou a subir. E quando Bachelet regressou ao poder desceu de novo. Nestes 12 anos, as subidas andaram entre o 25º e o 57º lugar, o que faz da política económica chilena uma autêntica montanha russa.

A semana passada foi desvendado o mistério. O economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer, pediu desculpas ao Chile. As subidas e descidas nada tiveram a ver com mudanças reais na política chilena, mas com mudanças nos critérios usados. O facto de essas alterações coincidirem com as mudanças de ciclos políticos no Chile levou Paul Romer a assumir, no “The Wall Street Journal”, que os critérios terão sido “potencialmente contaminados pelas motivações políticas do pessoal do Banco Mundial”. Não é preciso dizer que esta revelação causou grande indignação no Chile e que a Presidente Bachelet, que em março volta a dar lugar a Piñera, exigiu uma investigação profunda ao sucedido. Os números destes anos serão recalculados, mas, como é evidente, os efeitos na credibilidade da economia chilena não são retroativos.

O responsável por este importante ranking, que serve de indicador para muitos investidores, era o boliviano Augusto López-Carlos, um economista que, para além de quadro de topo do Banco Mundial, já trabalhou no FMI, foi diretor do Programa de Competitividade Global do Fórum Económico Mundial e deu aulas na Universidade do Chile, em Santiago (o que explica o seu interesse político). Agora leciona na Universidade de Georgetown.

A fraude com o índice de competitividade empresarial do Chile, que só tem esta clareza porque o próprio Banco Mundial confessou as motivações políticas do seu executor, é apenas um caso extremo. Os organismos internacionais, com os quais enchemos a boca para procurar autoridade técnica nas nossas posições políticas, são organizações de poder. Políticas da cabeça aos pés. Assim como é política a hegemonia que as correntes neoliberais ganharam nas faculdades de economia. Nestes casos agravada pela mercantilização absoluta das universidades, prontas para dizer as verdades que quem paga quer ouvir.

A subordinação do discurso político à tecnocracia não é movida, ao contrário do que parece, por um imperativo de rigor nas decisões dos eleitos. É uma tentativa de transferência do poder de quem vota para quem supostamente “sabe”, tornando o debate político numa charada incompreensível e devolvendo às elites a capacidade única de decidir. O poder político sempre baseou as decisões no saber técnico. Nem podia ser de outra forma. O que é novo é a ideia de que o saber técnico substitui as escolhas políticas, como se o conflito de interesses e os diferentes destinos que se podem procurar pudessem ser esmagados por uma espécie de evidência matemática a que o bom governo se deve resumir. O crescente peso deste tipo de avaliações, que supostamente servem como indicador para os investidores (e que, como podemos ver com as agências de notação, em 2008, são totalmente permeáveis a todas as interferências), conheceu o seu Nirvana na União Europeia. A isso não é estranha a natureza antidemocrática que hoje marca todo o projeto europeu.

O que é velho é o cerco internacional a qualquer país que tente escolher um caminho diferente do que é tolerável pelo poder do dinheiro. E aí, as agências internacionais, sem qualquer vínculo a regras de transparência, sempre foram um instrumento de esmagamento da vontade democrática dos povos.

No caso do índice Doing Business (ele próprio necessariamente carregado de certezas ideologicamente construídas), o trabalho pode ter sido feito por um mercenário não respaldado por poderes superiores. Mas, no quotidiano, o principal papel destas instituições é o de “normalizar” as políticas. Não em defesa da democracia, da igualdade e do progresso, mas para proteger os interesses de quem pode pagar a inteligência de um exército diligente de economistas.

“Rui Rio como presidente do meu partido é uma faca espetada no meu coração”

POLÍTICA

20.01.2018 08:00 por Sara Capelo853

Aos 40 anos, Conceição Monteiro trocou a acalmia da vida de casa pela de secretária e confidente de Sá Carneiro. Entrou no PPD de pá e esfregona e confessa que, desde a morte deste há 37 anos, muito mais teria limpo.

Era o 27 ou 28 de Abril quando a revolução – em forma de entrevista televisiva a Francisco Sá Carneiro – entrou em definitivo na vida de uma dona de casa de Lisboa. Conceição, 40 anos, decidiu procurá-lo. Seria o seu braço-direito até ao desastre de Camarate, a 4 de Dezembro de 1980 – faz agora 37 anos.

O que é que Sá Carneiro disse que a inspirou mudar de vida?
Eu conhecia-o de nome, mas não pessoalmente. E ele fez uma descrição do que é que pretendia para o País. E lembro-me de pensar: "É exactamente o que eu queria. Tenho de arranjar maneira de ir trabalhar com este homem". Estava sozinha em casa, ninguém me influenciou.

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Rui Rio avisou: agora vão ver como as coisas são

Escreveu uma carta ao seu primo direito, Francisco Balsemão.
A mãe dele era irmã do meu pai. Disse: "Estou disponível 24 horas por dia." Dias depois, tinha um telefonema da secretária do Francisco Balsemão para eu me apresentar no Rato.
Podemos dizer que entrou no Rato (onde era a sede do PSD) a fazer limpezas.
As instalações tinham sido da Legião Portuguesa, e tinham sido assaltadas, era porcaria, papéis queimados no chão, coisas rasgadas, um consultório médico desfeito, a porta arrombada. Como vivia na Calçada da Estrela, fui chamar a Antonieta [empregada doméstica], mais a esfregona, mais o balde, mais a pá, a vassoura.
Conceição Monteiro: as memórias da confidente de Sá Carneiro

Como é que a sua família viu esta sua mudança de vida aos 40?
Era dona de casa [risos]. Muito bem, muito bem. A minha família sempre foi muito democrática: tinha duas irmãs e cunhados do Partido Socialista e uma irmã militante activa do Partido Comunista. Mas nunca houve discussões. Como o meu pai dizia: "Daquela porta para dentro não se discute política", porque a família sempre foi unidíssima, não íamos deixar que a política nos separasse.
Nasceu em 1934 em Lisboa e era a mais velha de 9 irmãos. Para o seu pai o liceu não era recomendável às meninas. Mas isso afectou-a mais a si do que às suas irmãs.
Houve uma evolução muito rápida, de mim e da irmã que tinha menos 14 meses do que eu [para as mais novas]. A vida delas e a nossa eram muito diferentes.
O que é que lhe estava limitado?
Quando acabei o chamado curso geral dos liceus, que era então o 5º ano, não havia no colégio suficiente número de alunas para fazer uma turma de letras. "Ó pai, então vou para o Liceu." [suspira] "Não me faças isso!" [gargalhada] Ele achava que não ia ter mão em nós. Fizemos aquilo que se fazia muito: tive liceu com a senhora dona Isabel Ramos, filha do escritor João de Deus. Deu-nos uma grande cultura geral, tanto à minha irmã Madalena, como a mim.
É verdade que tinha o sonho de ser médica?
Tinha... Mas sabia que não ia ser porque nunca fui boa a Matemática.
O que é que o seu pai fazia?
Vendia coisas para construção civil. No fim do ano, os lucros eram partilhados com os funcionários. Depois, ele fundou com um tio meu e engenheiros amigos dele uma coisa grande: Construções Técnicas Limitada. Fizeram as fundações da Ponte sobre o Tejo, onde trabalhou muitos anos o Severiano Falcão. Era um dos encarregados de obra e, depois, foi eleito deputado, ainda eu não estava na Assembleia. Um dia no elevador, vinha o Vasco da Gama Fernandes...
Que já era presidente da Assembleia da República.
Entra o Severiano e entro eu. "Ó menina Conceição!", porque ele conhecia-me desde pequena. "É tão bom vê-la aqui. O paizinho como é que está?" E eu disse: "Você arruinou-lhe uma empresa florescente, conseguiu uma nacionalização. Como é que acha que o meu pai deve estar?" Ele, cabisbaixo: "Se todos os patrões fossem como o seu pai, não teria sido preciso o 25 de Abril."
Foi um processo difícil?
Ah, foi, foi. Uns foram presos, mas o meu pai nunca foi.
O que é que o protegeu?
Estou convencida que era a maneira como ele tinha tratado [os funcionários]. E o Severiano dizia: "O seu paizinho sempre soube que era na empresa que eu fazia as fotocópias para o sindicato. E nunca me disse nada."
O seu sogro, Armindo Monteiro, foi ministro de Salazar, embaixador em Londres. Conversava muito com ele sobre política?
Muito, muito, muito, muito. Era uma pessoa interessantíssima. Ele acabou de mal com o Salazar, com a minha sogra a esconder os papéis todos com medo que a PIDE fosse à procura; mostravam que ele era anti-germânico e a favor dos aliados. Ele tinha mexido as coisas para a ilha Terceira ter lá a base americana, coisa com que o Salazar não estava de acordo e demitiu-o. Mandou-o vir de Londres, onde ele era embaixador. Passava tardes inteiras a conversar com o meu sogro. Ele criou uma grande empatia com a política inglesa e eu pensava: viver em democracia deve ser uma maravilha.
Conceição Monteiro:

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O seu cunhado Luís de Sttau Monteiro, o dramaturgo…
[gargalhada]
Porque é que se riu? Ia-lhe perguntar: ele viveu em Inglaterra por causa da PIDE, esteve preso.
Tive que ajudar a minha cunhada a tomar conta dos filhos e ele foi para Inglaterra, segundo dizia, lavar pratos para um restaurante – não era bem assim. Mas, enfim, ele tinha muita imaginação e nem sempre correspondia totalmente à realidade. Nunca nos demos bem.
Personalidades distintas.
Era. E eu não gostava muito da maneira como ele tratava a família.
A Conceição, de certa forma, foi uma pioneira: não era comum nos anos 60/70 falar-se em separação, divórcio, anulação de casamento. Ainda mais uma católica. Sentiu-se estigmatizada?
Não, não, não. Nós já estávamos separados desde 71. Quando iniciámos o processo da anulação, não havia divórcio. Quando acabámos já [risos]. Ele é que teve a ideia de pedir a anulação e correu normalmente, com advogado cá e outro em Roma. Daí toda a gente me conhecer por Conceição Monteiro e eu não ser [risos]. Tive de ir três vezes a Roma.
Com a sua irmã a testemunhar.
A ser interrogada. Aquilo é duro, é um tribunal, com três cardeais, advogado de defesa e de acusação – o advogado do diabo, não é? Foi um processo sério e demorado.
A relação com Deus ficou abalada?
De maneira nenhuma, graças a Deus. A pessoa quando sofre até se agarra mais a Deus.
Como foram aqueles primeiros tempos do partido?
Primeiro, era tudo voluntários. Depois, começaram a contratar uma ou outra secretária. Eu não sabia escrever à máquina. Era a telefonista porque, quando assaltaram a sede, os nossos gloriosos revolucionários partiram o telefone ao meio. Eu levei adesivo e consertei. Como tenho uma mão grande, conseguia agarrar e discar os números. Fui à Papelaria Fernandes, que era ali no Rato, comprei um dossiê, que ainda tenho, para ter números de telefone e um bloco para escrever as pessoas que queriam ser militantes – não havia ainda sequer fichas de inscrição. Era realmente de um amadorismo total. Enquanto os outros partidos tinham estruturas organizadas, congressos, programas, nós não tínhamos nada. Eu só fui para a Duque de Loulé [a segunda sede] em Agosto e foi a primeira vez que tivemos telefone.
É aí que Sá Carneiro a convida para ser sua secretária?
Ah! Isso foi logo que saiu do Governo provisório. "Eu vinha cá para perguntar se quer trabalhar comigo." Eu pensei que me caía a alma aos pés: "Eu? Ó sôtor, eu não sei sequer escrever à máquina." "Mas eu não estou a pedir para vir escrever à máquina, eu estou a pedir para vir trabalhar comigo." "Ah! Isso adoro!"
Como é que foram cimentando a amizade?
Foi muito fácil. Entendíamo-nos quase sem falar, sabe? Eu falo correntemente inglês e francês.
Ele tinha dificuldade no inglês.
Tinha. Falávamos um com o outro em inglês para ele treinar para poder falar com a Snu.
Era a língua comum deles?
Não, não. Era o português. Mas, às vezes, iam às recepções em que se falava mais inglês.

Conceição Monteiro

Conceição Monteiro

Como é que um homem casado, pai de 5 filhos, justificava para si esta relação com uma mulher casada, mãe de 3 filhos?
Eu penso que não fosse fácil para ele, até porque tinha convicções católicas. Mas houve qualquer coisa muito forte entre os dois que fez com que ele ultrapassasse isso. Não foi de um dia para o outro que ele deixou tudo e foi viver com ela. Levou muito a pensar e a ouvir muitas pessoas.
Ela tornou-o num homem mais feliz, melhor?
A Snu trouxe ao Francisco uma tranquilidade, porque ela era assim.
Em 76, ele não quer que se fale abertamente sobre a relação porque tem medo de pôr em risco o resultado eleitoral.
Eu fui "cúmplice" dele e da Snu desde o princípio, mas pus-lhe uma condição: até às eleições, não deixe que ninguém saiba disto, porque era um Portugal muito diferente.
O país estava claramente dividido, havia violência. Ele era bem recebido no Alentejo?
Em Beja, na praça de toiros, todos os discursos foram a falar para cima [por causa das] pedras que eram atiradas de fora. E teve que ser a GNR a cavalo a proteger o Dr. Sá Carneiro, para ele chegar a um helicóptero. Foi terrível: um militante nosso, que era notário, levou com uma pancada da cabeça e nunca mais foi gente.
A Conceição saiu da praça de toiros a conduzir com muito medo do que poderia suceder.
Eu tinha o carro um bocadinho longe porque os de Beja tinham-nos dito: "Eles vão escavacar os carros." Eu ia a guiar um Renault do Dr. Sá Carneiro, com mais três pessoas a bordo. E ainda me lembro do barulho que faz uma corrente de bicicleta a zurzir a correrem atrás de nós e o GNR a dizer: "Corram, corram, corram!" E eu vejo à minha frente um sinal de proibição e disse: "É sentido proibido." Ele até disse um palavrão "… p’ro sentido proibido!" e mandou-me avançar assim com toda a força.
Foi uma época interessante.
Ah! Foi uma época fantástica. Ele morreu em 80. Estes seis anos e meio do partido, o que se passou equivale aos outros 30 e tal que já se passaram em que não houve metade disto. O que era um conselho nacional nessa altura: durava dois dias e, às vezes, não íamos à cama porque era realmente muita política.
Está desiludida com o rumo que o partido tomou?
Não. Eu acho que os tempos tomaram outros rumos. Agora, que estou muitas vezes desiludida com o partido, ai isso estou com certeza. Não me revejo em muitas coisas que fez ao longo destes anos todos desde que o Francisco se foi embora. Mas com qualquer dos dirigentes.
Imagino que Pedro Santana Lopes seja o seu candidato nesta eleição.
Ai, sem dúvida nenhuma.
Compreende que ele, agora que tinha uma vida fora da política, tenha sentido este apelo?
Ele tem o bichinho da política. Sempre teve desde os 19 anos, que foi quando eu o conheci. Eu acho que o Pedro foi muito generoso e muito corajoso, candidatou-se porque mais ninguém apareceu para ir contra o Rui Rio. E o Pedro é PPD, é como eu, quer um partido com coração e com alma. A ideia de ter o Rui Rio como presidente do meu partido é uma faca espetada no meu coração. O Francisco era assim: todos os seus objectivos eram para as pessoas, o Rui é as pessoas para alcançar os seus objectivos. É exactamente o contrário.
Os seus, quer dizer os dele?
Os dele. Políticos, não é pessoais. Ele serve-se das pessoas.
Houve uma incompatibilidade da Conceição com o Rui Rio, quando ele era secretário-geral?
Houve porque os nossos feitios são muito diferentes.
Mas algum episódio concreto?
Eu desses não falo porque era trabalho e, como funcionária, não vou dizer o quanto ele me magoou. Deu para compreender quem ele era e pensar nele como presidente do partido que eu considero que é o meu filho – eu nunca tive filhos, infelizmente, mas digo sempre eu ajudei a dar à luz o PPD e foi um parto muito difícil – custa-me. O Rui é muito honesto, íntegro, muito trabalhador, impecável, mas falta aqui o coração.

Conceição Monteiro era secretária de Francisco Sá Carneiro

Conceição Monteiro era secretária de Francisco Sá Carneiro

E como foi trabalhar com Cavaco Silva? Tem uma personalidade distinta de Sá Carneiro.
Mas uma coisa tinham em comum: a vontade de servir e melhorar o país. Foi muito fácil trabalhar com ele.
Acha injusta a imagem com que saiu de Presidente da República?
Eu não acho que seja injusta pela forma como ele se apresentou aos portugueses. Não foi capaz de mostrar aquilo que ele é. É uma pessoa de uma timidez muito grande, de uma grande bondade e amizade. Não teve o à-vontade, não teve a alma necessária para que o povo português percebesse as capacidades que tinha. Eu sofria quando ele falava em público. Só pensava: "Tu não és assim. Está a dar a ideia de que é uma pessoa amarga." Não é.
Agrada-lhe o estilo de Marcelo?
Olhe, ali aquela cadeira é a do senhor Presidente, como lhe chamo.
Ele costuma visitá-la?
Toca à porta. "Avó! Estava ali em Belém. Estou a fazer horas para não sei quê…" Tão querido. Conversamos imenso, mensajamos (sic) pelo telemóvel. Ele chama-me avó porque diz que eu me zango mais com ele do que a avó dele ralhava [risos]. Desde a fundação do partido, eu ralhava tanto com ele porque tinha a mania de aceitar convites para três sítios ao mesmo tempo e quem apanhava as descomposturas era eu. É mais um dos meus meninos. Quando foi o fogo de Pedrógão, como eu tinha tido as cheias [de 1967], mandei-lhe uma mensagem: "Não os deixe esquecer dos desgraçados que foram afectados. Caia em cima deles." E ele, graças a Deus, tem feito. Eu lembro-me do que foi Loures, nunca mais ninguém se lembrava de nós. Os portugueses precisavam de alguém assim.
Foi apanhada pelas cheias?
Fui, só que eu não estava em casa. Se não, tenho a certeza que tinha morrido. Deram-me cabo da casa, só vizinhos meus morreram 22.
E aquele 4 de Dezembro de 80: foi a noite mais difícil da sua vida?
Sem dúvida. A meio da noite já parecia anestesiada, sabe? Passei a noite do desastre a trabalhar.
Teve a percepção de que os filhos de Sá Carneiro e de Snu não podiam saber disto pela televisão e foi a correr à casa deles.
Quando eu cheguei lá, a Teresa, a empregada: "A senhora já sabe?" E a Beca [Rebecca Abecassis] só me dizia: "Ó Conceição, mas a mummy onde é que está?" O Francisco fechou-se no quarto. Já estava na faculdade. Mas a Beca não, tinha 7 anos. Ela percebeu que tinha acontecido alguma coisa.
Inicialmente, a Conceição não achava que tinha sido atentado.
Um atentado precisava de um certo tempo para ser preparado. Se tivesse sido um rocket, é num instante. Mas uma coisa tão sofisticada, que ninguém conseguia perceber se era avaria, se era atentado? Como é que é possível que entre as 3 da tarde e as 6 e meia, [quando] o Dr. Sá Carneiro foi para o aeroporto, se consiga montar um atentado?
Como é que 36 anos e 10 comissões de inquérito depois, ainda não se fixou aquilo que ocorreu?
Ao princípio foi tudo muito mal tratado, mesmo os destroços foram armazenados de qualquer maneira. Aquela primeira comissão de inquérito deu logo que era acidente. Até no nosso partido, um que era piloto dizia que o avião não prestava para nada e que era naturalíssimo que tivesse caído. A investigação foi muito mal feita de princípio. E criaram-se tantos vícios que já não dava. E, depois, mesmo que tenham chegado à conclusão que foi atentado, não sei quantos anos depois vão descobrir quem? Eu acho que é praticamente impossível.
Quarenta e três anos depois de ter dado uma volta à sua vida, ficou alguma coisa por fazer?
Se eu soubesse que o Francisco Sá Carneiro ia morrer a 4 de Dezembro de 1980, teria tido muito mais cuidado com as minhas agendas e em guardar algumas recordações e alguns discursos. Às vezes há lapsos na vida e na história do PPD/PSD porque nós estávamos muito virados para o futuro. Mas nunca pensámos que o futuro fosse tão curto. E, hoje em dia, a coisa que mais confusão me faz é pensar [que] tenho 83 anos, o Francisco teria feito 83 em Julho. Não sou capaz de o imaginar com 83 anos. Para mim é sempre um miúdo dos 46 com que morreu. O que é que nós teríamos feito? É uma coisa em que eu penso muitas vezes. Tenho pena de não ter tentado influenciar mais algumas decisões do partido, mas a gente não pode fazer tudo e a certa altura também deixaram de me ouvir. Já não conto para nada.
Artigo originalmente publicado na edição n.º 709, de 29 de Novembro de 2017.