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sábado, 24 de fevereiro de 2018

PR não patrocina nem confia na dança PSD/PS

por estatuadesal

(Ângela Silva, in Expresso, 24/02/2018)

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(Normalmente só publico textos de opinião, mas não resisti a publicar este artigo de Ângela Silva publicado no último Expresso. Na verdade também é um artigo de opinião, a opinião de Marcelo "soprada" para o Expresso. Ou seja, Marcelo, de há uns tempos para cá, assina como Ângela... São as fontes de Belém ao serviço da intriga e da conspiração, artes em que Marcelo sempre foi exímio. Agora, aquilo que não pode, ou não lhe convém, dizer em público saem no Expresso sob a forma de recados, uns verosímeis, outros para levar os incautos ao engano.

Comentário da Estátua, 24/02/2018)



É com este objetivo comum — evitar a maioria absoluta socialista — que Marcelo e Rio se vão sentar à mesa. Marcelo,

Marcelo Rebelo de Sousa não vai assumir o papel de patrocinador de entendimentos entre António Costa e Rui Rio. Embora defenda, há muito tempo e de forma persistente, acordos interpartidários para áreas-chave do regime, o Presidente da República não acredita que a ano e meio das legislativas isso seja possível. E, mesmo depois das eleições, Marcelo acha difícil António Costa libertar-se da lógica predominante no atual PS ao ponto de trocar as cumplicidades que firmou com a esquerda por compromissos consequentes com o PSD.

Pelo contrário, da última ronda de conversas que teve com os partidos antes do congresso social-democrata, Marcelo retirou duas ideias-chave: por um lado, que BE e PCP farão cada vez mais barulho até às eleições mas estão de pedra e cal na defesa da ‘geringonça’ e, a menos que o PS consiga a maioria absoluta em 2019, tenderão até a querer manter este espírito numa próxima legislatura; por outro, que António Costa, se ganhar as eleições sem maioria e tiver de optar, prefere (e não tem espaço para outra coisa no atual PS) entender-se com a esquerda do que avançar para um acordo de regime com o PSD.

O Presidente congratulou-se com a forma como a entrada em cena de Rui Rio reabriu o canal de comunicação com o Governo e retirou o seu partido do registo isolado (amuado?) dos últimos dois anos. Mas nem por isso acredita em milagres. Para Marcelo, Costa e Rio vão entender-se nos dois dossiês mais pacíficos que escolheram para negociar — a descentralização e o próximo quadro comunitário até 2030. Mas não irão além disso. Por um lado, porque o primeiro-ministro não quer mais. Por outro, porque Rui Rio, na opinião do Presidente, só se for suicida é que se vai entregar de forma duradoura nos braços de António Costa, cuja habilidade para gerir os outros em proveito próprio Marcelo conhece “de ginjeira”.

Cavaco apadrinhou acordo Seguro/Passos e perdeu. Marcelo só aceita “acompanhar o esforço” de Rio e Costa

Segunda-feira, quando receber Rio em Belém, o Presidente da República espera, por isso, que este lhe explique como tenciona demarcar-se do Governo, se não antes pelo menos depois de fechar os dois dossiês que escolheu negociar com António Costa. Dois, três meses é o timing expectável para chegarem a bom porto — Costa ganha em apresentar-se em Bruxelas com o apoio do PSD em matérias como a descentralização e o quadro comunitário, e Rio conta ganhar junto do eleitorado, que tradicionalmente aprecia líderes da oposição responsáveis e capazes de dialogar. Mas, antes do verão, Marcelo aguarda que o novo líder do PSD comece a mostrar ao país qual a alternativa com que se propõe chegar a primeiro-ministro.

Evitar uma maioria absoluta do PS é um objetivo central para o chefe de Estado, que, num cenário desses, veria o seu poder mirrar. E, portanto, o sucesso de Rui Rio passou a ser um objetivo para Marcelo. Publicamente, o PR continuará a dizer que a democracia e o país ganham em ter como contraponto a um Governo forte uma oposição forte e clara. Em privado, Marcelo já não esconde que o que mais quer é que as coisas corram bem ao sucessor de Passos Coelho.

“Conheço-os a todos. Bem demais”

Neste quadro, ao contrário do que Cavaco Silva fez na anterior legislatura, quando tentou promover um acordo entre o então líder socialista António José Seguro e o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa não vai patrocinar diretamente as negociações entre Rio e Costa.

Nuno Morais Sarmento, vice-presidente de Rio, fez um discurso no congresso a pedir ao Presidente da República que assumisse esse papel e explicou quais as vantagens — esfumava-se a ideia de que era mais uma vez o ‘tóxico’ centrão a funcionar. Mas o Presidente não está disposto a ir tão longe. “Foi-me comunicada pelo PSD a intenção de procurar convergências com os diversos partidos em domínios considerados estruturais e com efeitos duradouros na vida pública”, afirmou Marcelo, “e ao mesmo tempo foi perguntada a recetividade do Presidente da República não para pilotar, não para coordenar, não para patrocinar, mas para acompanhar, de forma empenhada, esse esforço.” Registado (pelo próprio) tudo o que não está em causa ele fazer, Marcelo deu a resposta. “Só podia ser uma”, disse, lembrando os apelos repetidos que ele próprio fez para consensos: “Eu reagi favoravelmente a uma ideia que penso que é boa para Portugal.”

Mas o PR passou logo a bola aos partidos: “Vamos esperar o tempo suficiente para perceber o que vai resultar destes contactos.” Em São Tomé, que visitou esta semana, disse mais: “Eu conheço-os bem a todos para ser surpreendido. O PM foi meu aluno. A líder do CDS também. Jerónimo de Sousa esteve comigo na Constituinte. E o novo líder do PSD foi meu secretário-geral. Nada me surpreende.” A fé do Presidente no centrão, percebe-se, está por um fio.


Marcelo e Rio: da velha zanga à meta comum

Há 20 anos, entraram em choque no PSD. Hoje, Marcelo precisa que 2019 corra bem a Rio. Na 2ª-feira almoçam a sós

A zanga de há 20 anos (quando Marcelo Rebelo de Sousa liderava o PSD e tinha Rui Rio como secretário-geral do partido) foi séria e terminou com uma notícia do Expresso dando conta dos termos em que Marcelo tinha criticado Rio: “Em política não incomoda quem quer, incomoda quem pode”. O que estava em causa não eram peanuts. Rui Rio chegou disposto a afrontar o aparelho e a acabar com as chapeladas dos caciques. Mas entrou de tal forma a matar que, enquanto na sede do partido ameaçou instalar um relógio de ponto, chegou a escrever uma carta aos presidentes dos conselhos de administração dos bancos a pedir o envio de todas as contas abertas em nome do PSD e respetivos saldos. As verbas para as campanhas (em 1997 havia autárquicas) tardavam a ser libertadas. E o líder do partido começou a perder a paciência. A notícia do Expresso foi apenas a gota de água.

A última coisa que Marcelo quer em 2019 é uma maioria absoluta do PS. Rio sabe que ou a evita ou é corrido

Rui Rio não se ficou. Mandou um fax (isto foi noutro século) a Marcelo, que estava de férias no Algarve, a pedir-lhe que desmentisse a notícia. Marcelo respondeu que não podia desmentir todas as notícias, ele é que devia esclarecer se apoiava ou não as decisões da direção. E Rio escreveu uma carta ao líder a demitir-se, com queixas contra o clima de intriga. Marcelo limitou-se a comentar que a vida continuava.

Há três anos, voltaram a viver momentos tensos, desta vez à distância, quando competiram na sombra por uma candidatura presidencial. Rio desistiu. Marcelo avançou e ganhou. E Rio, que entretanto ganhou o partido, tem na próxima segunda-feira um almoço a sós com Marcelo, agora Presidente da República, para falarem das linhas com que se irá coser o resto da legislatura, que é como quem diz, até onde podem ir os sonhos do PSD perante um primeiro-ministro que está com mais de 40% nas sondagens.

Presidente espera que o líder do PSD dê atenção a Cristas. Rio já tratou de lhe copiar a agenda

Ironias do destino, os dois homens cujos estilos nunca se entenderam — Marcelo sempre achou Rio rígido, autoritário e inflexível, e Rio sempre achou Marcelo disperso, a falar de mais e pouco confiável — reencontram-se quando os objetivos de ambos quase se sobrepõem. O Presidente pode não ter como desejo uma vitória do PSD nas legislativas, mas tem como objetivo cimeiro evitar uma maioria absoluta do PS. E Rui Rio, que vai lutar pela vitória, sabe que só por milagre a consegue, mas também sabe que para tentar sobreviver perdendo, tem de evitar um resultado em que António Costa se baste a si próprio.

que há dois anos conversa com Costa, tem coisas para lhe dizer sobre a sua convicção de que o primeiro-ministro não tem espaço no PS para blocos centrais. E tem conselhos para lhe dar sobre a urgência de o PSD começar a fazer pontes com o CDS para, juntos, sinalizarem ao país que há uma alternativa. Rui Rio, que viu Marcelo ser acusado durante ano e meio de andar com o Governo ao colo, sabe que o Presidente não cairá na asneira de dar argumentos para que o acusem de passar o próximo ano e meio com o PSD ao colo. Mas lá que têm agulhas para acertar têm.

Dá um trabalhão, e tão bem pago, ser caluniador profissional

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 22/02/2018)

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Portugal é pequenino, a nossa imprensa é minúscula, a chamada “imprensa de referência” corresponde a pouco mais do que uma mão cheia de títulos na comunicação social. Essa diminuta dimensão só engrandece a responsabilidade das entidades e indivíduos que são decisores do que diariamente é vertido em forma de notícias e opiniões. O espaço público é alimentado, moldado e excitado pela produção contínua de informações e interpretações protegidas por um quadro legal que até consente, facticamente, a prática de crimes sob as capas da “liberdade de imprensa” e da “liberdade de expressão”. A sociedade aceita estas normas tácitas, não se conhecendo qualquer intenção política para as alterar nem para diminuir as suas consequências.

Recentemente, explodiu com estrondo nesse pequeníssimo mundo jornalístico que é o nosso a problemática da violação do segredo de justiça, a qual também arrastou para a arena o conceito da presunção de inocência. O segundo tema é uma novidade como arma de arremesso político, e liga-se directamente a Sócrates e ao seu processo judicial. O primeiro, é uma presença regular nas conversas e peças mediatizadas há anos e anos, mas o qual também apresenta novidade. Em ambos, estamos a assistir pela primeira vez à defesa em “órgãos de referência” da abolição de uma lei e de um princípio jurídico. Abolição temporária e selectiva, claro, e ao serviço das agendas políticas e do lucro, claríssimo.

É fácil identificar aqueles a quem o crime da violação do segredo de justiça está a favorecer – Cui bono? São todos os que relativizam, desvalorizam e tentam que desapareça da atenção das audiências e dos eleitorados a prática de crimes no seio da Justiça, sejam procuradores ou juízes os seus agentes. Sempre que se aponta para os advogados, ou funcionários menores, ou entidades sobrenaturais conhecidas como “qualquer um” e “um qualquer”, em vez de se denunciar os casos em que só magistrados do Ministério Público podem ser acusados pelos crimes, sabemos que estamos perante um cúmplice de criminosos.

Criminosos que, como explicou divertida Joana Marques Vidal, andam a aproveitar a benesse de o crime apenas ser punido com um máximo de 2 anos de prisão. Logo, não existe ninguém sequer para o investigar, quanto mais para o prevenir. Pelo que é fartar, vilanagem, na Procuradoria-Geral da República que se especializou em conteúdos para a indústria da calúnia a partir de 2012 a troco da promoção dos seus interesses corporativos e ideológicos.

Acontece que este lado sórdido e assustador de termos magistrados criminosos que se sabem impunes é apenas uma parte do problema, quiçá a de menor importância. Quando vemos o que a Cofina faz com os crimes dos magistrados – ao pegar nas versões da investigação maximizadas para denegrir e caluniar os suspeitos ou arguidos, e depois passando a tratar as vítimas como definitivamente culpadas de tudo e mais alguma coisa que lhes apeteça agitar em frente dos borregos, haja ou não acusação – podemos acabar por esquecer o que vem a seguir. Ora, há algo que se segue, algo que temos visto com holofotes de gala no processo “Face Oculta”: uma efectiva influência sobre os juízes, os quais são pressionados para punirem ideologicamente certos acusados. É o caso de Vara e Manuel Godinho, condenados a penas muito acima do que foi a prática comum nos tribunais portugueses perante valores pecuniários similares, e sem provas directas de se ter cometido qualquer ilícito no que a ambos diz respeito. Os juízes foram explícitos acerca do que estava em causa, descrevendo como a partir do que consideram o sentimento popular quiseram fazer de Vara e do sucateiro um exemplo para atingir a classe política – isto é, certas pessoas da classe política, bem entendido, a tal ralé que não pertence ao grupo da “gente séria” e andava a pedi-las. A indústria da calúnia à portuguesa tem gostos refinados, não dispara sem fazer cuidada pontaria, mas quando atinge o alvo podemos ver o edifício da Justiça a oscilar para o lado da sua estratégia.

Há um aspecto grotesco nisto de tropeçarmos em autopropalados “liberais” a reclamarem o direito a destruírem os direitos de terceiros. Em celebrarem crimes de magistrados. Em explorarem as difamações e mentiras vertidas no espaço público. E em declararem que a presunção de inocência não passa de uma burocracia lá dos tribunais que eles não têm nem querem respeitar enquanto chafurdam nas manchetes tão mais melhores boas do que a honra alheia. Preferem satisfazer a pulsão de violentarem o nome e a personalidade dos seus ódios e vítimas. Preferem o gozo do assassinato ritual dos que concebem como inimigos à defesa do Estado de direito democrático e da módica decência sem a qual não há comunidade, apenas guerra civil. E depois interrompemos o pasmo. Olhamos com mais atenção e vemos que eles estão apenas a tentar sacar o seu, que têm despesas, têm filhos, têm de garantir o pão na mesa e ainda ir de férias para sítios giros e confortáveis depois de tanto esforço ao longo do ano. Ficamos em demorada e condoída contemplação. Coitados. Dá tanto trabalho ser caluniador profissional.

A zona cinzenta

por estatuadesal

(Pacheco Pereira, in Público, 24/02/2018)

JPPPacheco Pereira

Há um problema na política em democracia, e na política portuguesa em particular, que só se resolve com as pessoas. Nem as leis, nem muitas vezes uma lista de boas práticas, nem controlos burocráticos, são eficazes para o resolver. E, sem se darem passos para o resolver, não se consegue mitigar a pressão populista, nem prestigiar a vida política ou o exercício de cargos públicos.

Qualquer pessoa que tenha experiência política ou que conviva com a vida pública, mesmo para lá da política, nas instituições e no Estado, sabe que há muitas práticas que, não sendo ilegais, são inaceitáveis em si mesmas e por maioria de razão para a imagem das instituições e dos homens. Refiro-me a esta coisa tão simples: o acesso a determinados tipos de poder, quase sempre pequenos poderes, permite utilizar lugares e funções em proveito próprio ou dos próximos.

Insisto: não estou a falar de crimes, nem mesmo na maioria dos casos de evidentes ilegalidades — estou a falar de abusos e aproveitamentos, infelizmente tão comuns na vida pública portuguesa. Conheci muita gente, e não é retórica o “muita”, que quando acede a um lugar ou um cargo deixa de ter a economia que a maioria das pessoas sem poder tem. Arranja maneira de quase todas as despesas pessoais e nalguns casos dos seus familiares e próximos serem cobertas por dinheiros públicos, aumenta-se a si própria, de forma directa ou indirecta, através de alcavalas ou de prebendas, usa o poder que tem para beneficiar amigos, familiares ou pessoas a quem se devem favores ou se quer que fiquem a dever favores.

Os instrumentos usados são muitas vezes meios que seriam legítimos em si mesmos — na verdade, ninguém deve “pagar” para ter um cargo, suportando despesas que lhe são inerentes e tem direito a que lhe paguem viagens, despesas de deslocações e estadia ou outras do mesmo género. Mas outra coisa é usar cada um destes direitos para os “aproveitar” para melhorar o seu trem de vida, com mil e uma pequenas (às vezes grandes) entorses ao que devia ser, sendo pagos por viagens e despesas hipotéticas com critérios que maximizam o que se recebe, sem apresentação de documentação, porque se está muitas vezes numa posição em que existe um poder discricionário para decidir pagamentos e prescindir de comprovativos. É isso que muitas auditorias infelizmente revelam, mesmo quando não há aparentes ilegalidades.

Essas pessoas acham que isso é “natural”, não pensam que exista qualquer problema e que é uma espécie de direito próprio e conhecem mil e um truques para maximizarem os seus “aproveitamentos”. No caso do Parlamento Europeu, eu só percebi muitas das práticas habituais que se passavam à minha volta quando estava para me vir embora, porque quem as conhecia escondia-as. Algumas eram conhecidas e muitas vezes motivo de escândalo, como seja o emprego de familiares como assessores, nalguns casos pagando a uma única pessoa que ganhava o que devia financiar um gabinete, assim como a utilização de transportes e viagens desnecessárias, quando estas eram pagas por um preço simbólico, acima do valor real.

Algumas dessas práticas foram sendo corrigidas, e hoje não são possíveis, outras continuam. E muito dos aproveitamentos tinham também que ver com práticas absurdas destinadas a garantir para alguns deputados de países mais pobres condições de igualdade, com os dos mais ricos, mas quase sempre feitas de forma enviesada e hipócrita para não dar azo à pressão populista — e na maioria dos casos esses disfarces, aceites e propostos pela própria instituição, tinham o efeito contrário do pretendido. Como muitas vezes defendi e defendo, mais vale não ser hipócrita e pagar mais e melhor de forma transparente e equilibrada, salários e benefícios, do que andar com estratagemas  destinados a enganar as pessoas, que são exactamente aqueles que permitem muitos abusos, tudo inteiramente legal. Talvez por isso eu tenha uma grande susceptibilidade ao aproveitamento dos cargos para daí se retirarem benefícios pessoais, insisto dentro da lei, ao mesmo tempo que defendo que os cargos políticos e públicos tenham remunerações dignas numa hierarquia de serviços, funções e de autoridade que precisam também de ter reflexo naquilo que se ganha.

Este é um aspecto fundamental — é que não se trata de crimes ou ilegalidades, mas daquilo a que chamo “zona cinzenta”. Antes usava-se uma expressão que me parece ambígua, a da “ética republicana”, para exemplificar comportamentos que deveriam ser os eticamente aceitáveis, com recusa de abusos, mesmo quando eram legais. A mais sinistra e comprometedora das respostas a esta questão da “ética republicana” foi a de um ex-ministro do PS que, quando acusado de desmandos, respondeu que no seu entender a “ética republicana é a lei”.

Não, não é. É mais do que isso, é “ética”, é seguirem-se regras não escritas de forma sensata e sem exageros moralistas, mas com a compreensão de que se está  a lidar com dinheiros públicos ou de natureza semelhante e uma certa severidade no seu uso é exigível — como quem respira. E é também por isso que não adianta dar a resposta tradicional sempre que se conhece um novo abuso, que é legislar, aumentar o emaranhado de leis e procedimentos. A única forma eficaz é acentuar o valor dos comportamentos individuais e escolher para as funções mais delicadas quem não transija com este tipo de práticas e ache que a “ética republicana” está muito para além da lei. Basta uma pessoa destas num lugar em que pode escolher pessoas vetar outras e não deixar impunes no plano público esta “zona cinzenta” que vale mais do que mil leis.

O problema com uma nova direcção política como a que é hoje responsável pelo PSD (mas o mesmo se passa com o PS) é que não pode ser laxista com estas questões. Rio tem uma fama muito difícil de obter na vida política de honestidade e probidade. É um dos adquiridos mais poderosos e ao mesmo tempo mais frágeis, mais fácil de perder. Por isso, a pior das polémicas é sobre as suas escolhas para a sua equipa de pelo menos um caso em que esta “zona cinzenta” de aproveitamento está mais do que documentada e de forma incontroversa, como é o caso da antiga bastonária da Ordem dos Advogados. Pode não haver ilegalidades, mas não é aceitável que alguém em plena crise económica tenha aumentado o seu salário de forma discricionária, contrate amigos e próximos sem concurso e aí concentre milhares de euros dos recursos de uma instituição pública. E a obrigação era informar, quando foi convidada, de que havia esta “sombra”, porque é impossível que a própria não o soubesse e agora se vitimize. Fez mal ao PSD, a Rui Rio e à sanidade da vida política, e nada a impedia de esperar e, quando tudo estivesse esclarecido, então dizer: estou agora disponível para aceitar qualquer convite.

É que nestas matérias não há segundas oportunidades para conseguir uma boa impressão, pelo que, mesmo com o risco de cometer pelo caminho algumas injustiças, só se pode lidar com intransigência com esta matéria. Ora, esta intransigência faz muita falta aos partidos políticos, nos quais há uma cultura de laxismo face a estas coisas e mesmo quem não as faz permite-as.

O que é preocupante na vida política é que no último congresso do PSD essa antiga bastonária da Ordem dos Advogados, membro da direcção de Rio, foi vaiada por ter tido posições contra Passos Coelho e o seu Governo, mas nunca seria vaiada por aquilo que poderia justificar essa mesma vaia, as suas práticas de aproveitamento pessoal nessa mesma “zona cinzenta” de que estou a falar. Esta é a cultura que Rio prometeu submeter a um “banho de ética”, porque ele sabe e conhece muito bem que esta é a cultura que infelizmente domina a vida política.

Começou a rebelião no PSD

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

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via Público

Fernando Negrão avisou que abandonaria a liderança parlamentar do PSD em caso de rebelião interna, apesar de presumir que tal conspiração não estaria em curso. Agora que a rebelião começou, quanto tempo demorará a renunciar ao cargo?

Depois da votação desastrosa, e das farpas de Paula Teixeira da Cruz, eis que regressa a cena Sérgio Azevedo, que até há poucos dias era vice-presidente da direcção Hugo Soares na bancada parlamentar, e que esteve com Santana Lopes na corrida à São Caetano, para colocar novamente em cheque a eleição de Fernando Negrão, isto depois de classificar de "autoritária e fascizante" a argumentação do novo líder parlamentar do PSD, que considerou os votos em branco como "benefício da dúvida" que lhe foi dado por 32 deputados. Ler mais deste artigo

Sigilo absoluto

Novo artigo em Aventar


por Carla Romualdo

A senhora dos Messies barrou-me o caminho, rua abaixo, obrigou-me a parar, a tirar os óculos de sol, a dar a última sacudidela ao sono, e a ouvir-lhe a suspeita:

-Esta chave… Devem ter andado a roubar…

Na sua mão reluzia uma chave que ela encontrara no chão enquanto passeava os Messies. Esperava em silêncio que eu lhe completasse a história, mas eu fui sempre lenta para enredos policiais, ainda que tanto os aprecie.

-Eles têm andado a roubar… e deixaram cair esta chave… Os ladrões daqui do bairro, sabe?

Estávamos frente à porta de um edifício em ruínas, com um cadeado na porta carunchosa e já sem pingo de tinta, e um cartaz da imobiliária a ponto de cair. Os Messies, resignados, sentaram-se no chão. Ler mais deste artigo