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sábado, 7 de abril de 2018

A ideia de geração

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 06/04/2018)

Guerreiro

António Guerreiro

A  morte de Manuel Reis, fundador das discotecas Frágil e Lux (para além de muitas outras “obras” que marcaram a vida urbana lisboeta nos últimos trinta anos) deu origem a uma pequena e bem localizada discussão pública que, pelo menos implicitamente, faz apelo ao conceito de geração. As divergências que ressaltaram da polémica mostram que mesmo pessoas que viveram nos mesmos sítios e ao mesmo tempo não têm a experiência histórica comum que é constitutiva daquilo a que se chama “geração”, segundo o uso que na historiografia (e na história muito espontânea, onde prevalece a memória) se faz desse conceito. Nesta acepção, não basta ter a mesma idade, ser contemporâneo e ter andado pelos mesmos sítios para se pertencer à mesma geração.

O que conta para transformar um grupo de indivíduos numa geração identificada, com um sentido de pertença geracional, é a maneira como um acontecimento se torna uma experiência partilhada. É neste sentido que falamos da geração do Maio de 68, da qual excluímos aqueles que na época tinham entre 16 e 25 anos (isto é, tinham a mesma idade dos estudantes envolvidos) mas não participaram nem foram tocados pelo acontecimento.

Para gerar uma geração (uso conscientemente o pleonasmo) é necessário um acontecimento que se torne uma experiência comum. As posições muito polarizadas a que assistimos, em torno daquilo a que foi o “efeito Manuel Reis” (ao qual cada um dos pólos atribui um alcance e um significado completamente diferentes), mostram precisamente que o efeito de geração é diferenciado não apenas segundo os meios sociais, culturais e geográficos, mas também segundo a maneira como se constitui a experiência de cada indivíduo.

O conceito sócio-histórico de geração tem hoje, como sabemos, usos bastante alargados e pouco rigorosos. É um conceito nómada. Filósofos como Mannheim e Ortega Y Gasset tentaram dar-lhe um sentido preciso, mas o regime de historicidade que se impôs entretanto é o do curto termo, de maneira que a actual ideia de geração acabou por ser assimilada por uma prática muito comum que consiste em escandir o tempo histórico em décadas, atribuindo-lhes uma certa autonomia.

É uma contagem completamente convencional, que não pode ter nenhum verdadeira significado histórico, mas que satisfaz a ilusão historicista de que a história é uma perpétua actualização. E é assim que na polémica a que me referi várias vezes se mencionou a “geração dos anos 80”. Esta “epoquização” fixada por uma regularidade decimal foi imposta pela obsessão dos media por balanços, efemérides, fins e recomeços. As construções historiográficas por décadas são uma apropriação jornalística da história que rouba o tempo para o devolver sob a forma de passado histórico. Mal as coisas acontecem, já estão transformadas em história. Deste modo, nada produz efeito e até o que é sólido se dissolve no ar, de acordo com a lei formulada por um velho senhor do século passado. A discussão que teve lugar a propósito de Manuel Reis está profundamente contaminada, de um lado e de outro, por uma lógica jornalística que não conhece os instrumentos para analisar aquilo a que, na linguagem de uma sociologia sem pretensões científicas mas com um grande poder de interpretação, se chama “fenómenos de superfície”. O Frágil foi um desses fenómenos. Julgo que é tão errado atribuir-lhe a profundidade que ele não tem e fazer dele um centro urbano de irradiação geracional, como retirar-lhe completamente o seu significado alegórico, enquanto cristalização de acções, desejos, tendências e tropismos que hoje podem ser lidos na sua plena significação.

As ansiedades ultracostistas

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 07/04/2018)

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Estamos em vésperas de eleições? Nada disso, ainda falta terminar um campeonato de futebol, que anda aflitivo, fazer-se um mundial e mais outro campeonato nacional e ainda começará um terceiro. Uma eternidade. De onde vêm então estas ansiedades sobre os resultados de eleições que serão dentro de tanto tempo? De dois fatores, na minha opinião, e nenhum deles recomendável: primeiro, o PSD dá por adquirida a derrota da direita, no que é seguido por empresários que, mais descarados e habituados às coisas da vida, fazem fila pela putativa e salvífica maioria absoluta do PS; segundo, para tantos comentadores isto é não é uma profissão nem uma vocação, a cenarização é uma obsessão. Mas o que revela então este jogo?

Cuidado com as contas que não contam

Martim Silva disparou no Expresso a primeira salva da recente reencarnação deste debate, se é que é um debate. Com a elegância dos números, comparou a recente sondagem do Expresso com os resultados eleitorais de 2005 para dizer que, se a distribuição dos votos se desviasse em 5,9% entre esta sondagem e a conta final, teríamos uma maioria absoluta do PS. Portanto, não estamos longe. O autor resguarda-se de todos os imprevistos e não dá por certa essa convergência cósmica, e é nisso prudente, ele sabe que em ano e meio tudo pode mudar. Mas a analogia é fraca. Terão passado 14 anos sobre a tal vitória socratista quando chegarmos às próximas eleições: haverá votantes que só tinham 4 anos quando Sócrates ganhou essa maioria absoluta e, entretanto, tanta água passou debaixo das pontes.

Além disso, cuidado com as sondagens, elas enganam-se e conseguem mesmo enganar-se por muito: a que serve de referência a Martim Silva enganou-se ao adivinhar um emparelhamento entre Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa em 2016 (a diferença foi de 18,64%), e este jornal que tem nas mãos anunciava, com base na mesma sondagem, que o que veio a ser o terceiro partido nas últimas eleições iria desvanecer-se nas urnas. Entre as sondagens e a realidade, a realidade é mais teimosa. Assim, cuidado com conclusões simplistas a partir das sondagens e cuidado com as solenes analogias históricas.

A direita faz tudo o que Costa precisa?

Fica o problema: será que a antecipada derrota do PSD e do CDS abre suficiente espaço para essa reviravolta que daria a maioria absoluta a António Costa? Poderá ele então dar corpo a essa esperança calada de uma reviravolta à la cavaquismo, salvo seja, passando de maioria relativa para absoluta e impondo então a predominância do PS? Só no fim do desafio se pode fazer uma previsão, dizia um sensato treinador. Por outras palavras, tudo é especulação para tempos demasiado afastados, o assunto não vale uma lauda.

O que, em contrapartida, já sabemos, são três certezas, como se diria em bom politiquês. Primeira, Costa procederá como se o assunto lhe fosse indiferente. É a sua melhor estratégia: se fugir o bicho pega se ficar o bicho come. Aparecer exasperado com o poder absoluto acentuaria desconfianças de que o PS quer voltar à sua governação do passado; só sendo cordial com a esquerda pode tranquilizar esses receios, que lhe poderiam ser fatais. Segunda certeza, a esquerda saberá que não terá condições para novo acordo se o PS tiver maioria absoluta, assunto encerrado. Terceira, a direita continuará a oferecer os seus préstimos para libertar o PS da influência nefanda das esquerdas, e Marques Mendes faz um favor às esquerdas relembrando, aqui em sintonia com Rio, que uma solução de Bloco Central ainda pode estar escrita nas estrelas. No mesmo sentido, Júdice insiste e persiste, clamando pela maioria absoluta para Costa. Essas são as certezas, se a leitora ou o leitor me permitem a conclusividade.

Tudo o que é certo se pode desvanecer

Só que o incerto é muito mais território. É incerto se a pressão que está a ser exercida sobre o PCP resultará, pois é muito agressiva senão descarada: que o partido perde, vide as autárquicas (como se não tivesse subido das legislativas para as municipais), que fica sempre de lado (como se não tivesse conseguido vitórias negociais significativas), que os militantes não querem (como se as sondagens não dessem um larguíssimo apoio ao Governo entre os eleitores do PCP). Ora, é desse elemento de instabilização que depende a manobra que se repete todos os anos, sugerindo a impossibilidade de negociação orçamental. Foi assim desde janeiro de 2016. Por essa razão, João Oliveira arrumou o assunto ao declarar precocemente que o PCP aprovará o próximo orçamento.

Em todo o caso, será sempre tudo mais difícil: para o centro, porque os acordos pós-eleitorais serão sempre mais exigentes, seja à esquerda seja à direita; para a direita, porque arriscar uma campanha eleitoral para ajudar Costa é receita para o desastre; para a esquerda, que só se pode colocar na posição de propor um programa para o desenvolvimento social em Portugal, para a segurança da vida das pessoas e para uma economia mais protegida das intempéries externas. É por isso que, para a esquerda, o debate é o que faz Centeno agora, não sobre o cargo que este ocupará dentro de ano e meio.

paraiso

O cinema que gosta de si

Lembrou um crítico arguto, João Lopes, que passam trinta anos sobre “Cinema Paraíso”, o filme de Giuseppe Tornatore que foi premiado em Cannes e recebeu o Óscar para o melhor filme estrangeiro. Lembra-se? Olhe que viu, de certeza. O filme é um flashback sobre a vida de um miúdo, futuro realizador, na sua aldeia natal, na Sicília, onde descobre a magia da imagem e de onde recebe, já adulto e com carreira reconhecida, uma prenda inesperada e póstuma do seu cúmplice de então, o projetista, que lhe manda uma comovedora montagem das cenas censuradas dos filmes da infância, tudo o que então só podia adivinhar. Neste caso, o cinema homenageia-se contando a história de uma vida e mostrando também, nota Lopes, como o cinema se faz de luz, sombras e composição. É essa iluminação que quero homenagear.

“Cinema Paraíso” não era uma nostalgia, ao contrário de muitas evocações posteriores do cinema por si próprio. Esse será o caso, por exemplo, de “O Artista”, de Michel Hazanavicius, que ganhou o Óscar em 2012, e de “A Invenção de Hugo”, de Martin Scorsese, de 2011. “O Artista” conseguiu a lágrima simpática do júri e não deixa de ser um objeto imaginoso. Lembra-nos um cinema em que ainda não se tratava da vida, mas sim da aventura; queria simplesmente escrever uma fantasia escapista. Para mais, ao usar as técnicas narrativas do cinema mudo (a música, as legendas intercalando as imagens) num filme que joga na ambiguidade, porque alguns dos atores representam em mudo e outros já usam o som, Hazanavicius homenageava a capacidade camaleónica do cinema: aquele novo cinema fazia tudo, da comédia ao musical e do drama à novela de amor.

“A Invenção de Hugo”, de Martin Scorsese, é uma homenagem mais assumida, recordando Georges Meliès, um esquecido precursor do cinema moderno, transferido do circo e da prestidigitação para a indústria do cinema. O filme mostra a produção em série de adaptações que levavam a fantasia ao seu píncaro. Meliès era um industrial, logo derrotado pela concorrência e pelos sentimentos de um tempo atravessado pela tristeza de uma guerra mundial, mas que teve a sorte de se cruzar com um órfão engenhoso e implausível — mas não é tudo isto fantasia delirante? — que recupera uma das suas máquinas e que a esconde dentro do labirinto dos relógios de uma estação de caminho de ferro.

É, portanto, no meio das máquinas modernas, e o caminho de ferro é o arquétipo do mundo moderno, da sua velocidade, do aço moldado, da energia, que se vai descobrir um vislumbre do passado no cinema e nas suas imagens ingénuas. Scorsese só inclui no filme um relance do outro cinema, o contemporâneo, quando abre a cortina sobre um filme que as duas crianças vão espreitar; mas só espreitam. Os dois mundos — o cinema mudo e o falado, como em Hazanavicius — eram simplesmente uma montagem sobre a azáfama e os encantamentos da estação de caminho de ferro, onde a ação se passava. O cinema mirava-se deste modo como elogio da técnica.

O que “Cinema Paraíso” tinha, e outros não, é essa comovente exigência consigo próprio, porque olhava para este lado do ecrã. No verdadeiro cinema, é a emoção que faz a técnica e não a técnica que faz a emoção. Disso só houve um vislumbre nos últimos Óscares, e só um vislumbre, com Daniel Day-Lewis e com “Chama-me pelo Teu Nome”. Trinta anos depois, o cinema ainda é paraíso em alguns dos seus momentos.

Líder separatista catalão é solto sob fiança na Alemanha

Líder separatista catalão é solto sob fiança na Alemanha

Carles Puigdemont, ex-presidente da Catalunha, pivô da crise separatista pela qual a comunidade autônoma vem passando nos últimos meses, foi libertado na Alemanha.

Puigdemont estava preso desde o dia 25 de março no norte do país, a pedido do Tribunal Supremo espanhol, após cruzar a fronteira com a Dinamarca

O Tribunal Territorial de Schleswig-Holstein decidiu nesta quinta-feira que o delito de rebelião, pelo qual Puigdemont é acusado pela Justiça espanhola, está descartado. O tribunal entende que as acusações que pesam contra o catalão não seriam puníveis de acordo com a legislação alemã. Decidiram liberar Puigdemont, após o pagamento de fiança de 75 mil euros, enquanto decidem a respeito do pedido de extradição para a Espanha, feito pelo juiz espanhol Pablo Llarena.

Histórico

Desde 1º de outubro do ano passado, a Espanha se viu imersa no conflito separatista catalão. Naquela data, foi realizado um referendo para decidir sobre a independência da Catalunha. O pleito, que não foi reconhecido pelo governo espanhol, teve maioria dos votos pela separação da região.

Após uma declaração unilateral de independência (DUI) por parte dos separatistas, o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy acionou o artigo 155 da Constituição, que permitiu suspender temporariamente a autonomia da Catalunha; destituir Puigdemont e diversos conselheiros envolvidos na tentativa independentista; e convocar novas eleições.

Após uma campanha turbulenta, o partido de Puigdemont, JuntsXCat (Juntos pela Catalunha), e o Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), obtiveram a maioria dos votos e o direito de indicar o novo presidente da região.

No entanto, Puigdemont, o principal líder dos separatistas, estava autoexilado na Bélgica desde o início de novembro do ano passado, com outros quatro ex-conselheiros. Em janeiro deste ano, Puigdemont foi para a Dinamarca. A promotoria da Espanha solicitou, então, ao Tribunal Supremo, a ativação do mandado europeu de detenção no país. Em março, foi detido na Alemanha.

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial Brasil247 / Tornado

«Moro agiu fora da lei, a serviço dos EUA, e brasileiros devem resistir»

«Moro agiu fora da lei, a serviço dos EUA, e brasileiros devem resistir»

Na presidência do Senado nesta sexta-feira, o senador Roberto Requião afirmou, em discurso na tribuna, que Sérgio Moro cumpriu à risca o protocolo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos ao ordenar a prisão do ex-presidente Lula, e não os procedimentos legais brasileiros.

Na presidência do Senado nesta sexta-feira 6, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) afirmou que Sérgio Moro cumpriu à risca o protocolo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos ao ordenar a prisão do ex-presidente Lula, e não os procedimentos legais brasileiros.

Moro cometeu ilegalidade e está a serviço de fora”

Declarou o parlamentar, em um duro discurso na tribuna.

Requião convocou ainda os brasileiros à resistência contra o avanço do arbítrio e a entrega do país aos interesses internacionais. Em seguida, o senador não encerrou a sessão, apenas suspendeu-a para que outros parlamentares pudessem usar a tribuna.

Em sua conta no Twitter mais cedo, Requião já havia criticado a decisão de Moro, que determinou que Lula se apresente à Polícia Federal em Curitiba até 17h desta sexta-feira. “Por todos os títulos a prisão de Lula é ilegal. Cabe ao STF RESOLVER RAPIDAMENTE ESTÁ AGRESSÃO AO DIREITO”, postou o senador. “Crime é o juro abusivo, o entreguismo, o corte de direitos, o fim da soberania, a supressão da dignidade de sermos brasileiros”, acrescentou.

Assista ao discurso de Requião no Senado feito nesta manhã:

Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial Brasil247 / Tornado

Guerra comercial assusta. Fed afunda Wall Street

Rita Atalaia

  • 6 Abril 2018

Os receios em torno da guerra comercial entre os EUA e a China pressionaram as bolsas norte-americanas. Wall Street fechou no vermelho, com as perdas a rondarem os 2%.

Os receios em torno da guerra comercial entre os EUA e a China levaram as principais praças norte-americanas a afundarem na última sessão desta semana. Wall Street encerrou no vermelho, com perdas superiores a 2%.Uma queda que se intensificou depois de o presidente da Reserva Federal dos EUA ter dito que o banco central deverá continuar a subir as taxas de juro para manter a inflação controlada.

Neste contexto, o Dow Jones caiu 2,34% para 23.932 pontos, enquanto o S&P 500 cedeu 2,19% para 2.604,47 pontos. O Nasdaq acompanhou a tendência de queda, com o índice tecnológico a afundar 2,28% para 6.915,11 pontos.

A Casa Branca anunciou, depois do fecho dos mercados na quinta-feira, que Trump perguntou à representação dos EUA para o comércio internacional se a imposição de mais 100 mil milhões de dólares em tarifas seria apropriada e, se assim for, que se identifiquem os produtos a serem taxados.

“Pode ser só uma tática de negociação, mas isto apenas resulta no nervosismo e extrema volatilidade a que temos assistido”, afirma Robert Pavlik, responsável pela estratégia de investimento e gestor de portefólios da SlateStone Wealth LLC, à Reuters.

Mas os receios em torno desta guerra comercial não foram os únicos responsáveis pela queda das bolsas. As principais praças norte-americanas agravaram as perdas depois de presidente da Reserva Federal dos EUA ter dito que o banco central deverá continuar a subir as taxas de juro para manter a inflação controlada.

“O mercado não estaria a reagir tão negativamente a tudo se não fosse a vulnerabilidade já existente”, Jim Paulsen, responsável pela estratégia de investimento do The Leuthold Group.