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sexta-feira, 20 de abril de 2018

O eterno pára-arranca da Educação

Novo artigo em Aventar


por Autor Convidado

Santana Castilho*

1 . Como é sabido, está a ser testado em 235 escolas, desde Setembro transacto, um projecto de autonomia que lhes permite definirem estratégias diferentes de ensino em 25% da carga curricular. Não se conhece qualquer avaliação consistente sobre a experiência. Mas o Governo aprovou a generalização da autonomia e flexibilidade curricular a todas as escolas do ensino básico e secundário. E para completar o quadro surreal de tudo isto, a generalização é … facultativa.

Do mesmo passo, foi igualmente aprovada a reintrodução no currículo oficial da área de Cidadania e Desenvolvimento, que Nuno Crato, sob a designação de Formação Cívica, havia abolido em 2012. E foram definitivamente extintos os cursos vocacionais, a partir do 5º ano, igualmente instituídos por Nuno Crato, para alunos que manifestavam repetidos insucessos em sede de currículo regular.

Finalmente, o quadro de mudanças eliminou aquilo a que o Governo chamou “requisitos discriminatórios” para acesso ao ensino superior dos alunos dos cursos profissionais e artísticos (dois exames nacionais, um dos quais de Português). Recorde-se que, até agora, apenas 16% dos alunos desta via prosseguiram estudos superiores: 10% em cursos de especialização tecnológica ou cursos de técnicos superiores profissionais, que não outorgam o grau de licenciado, e apenas 6% em cursos de licenciatura.

2 . O Governo nomeou Jaime Carvalho e Silva, da Universidade de Coimbra, para dirigir um grupo de trabalho que deverá mudar os programas de Matemática introduzidos por Nuno Crato. Está reaberta a discórdia entre a Sociedade Portuguesa de Matemática e a Associação de Professores de Matemática. Jorge Buescu, presidente da primeira, perguntou (Público de 10.4.18):

“Não tem sido, afinal, opinião unânime dos agentes do sistema educativo que todos os indicadores de sucesso em Matemática têm vindo a melhorar, alguns deles espectacularmente, na última década e meia? Como é possível que, da noite para o dia, se descubra que afinal se vive um estado de emergência e que, mais uma vez, é preciso mudar tudo?”

Lurdes Figueiral, presidente da segunda, lamentou (Correio da Manhã de 5.4.18) o "tempo perdido", defendendo que os programas já deviam ter mudado.

Ora, para além do anterior, que é essencial, há o complementar, que torna o problema algo caricato. Admitem os intervenientes (e o próprio secretário de Estado também o afirmou) que não haverá novos programas para 2018/19. Sendo assim, só em Setembro de 2019 qualquer alteração poderá ser operada, donde a pergunta óbvia: admite-se que uma mudança deste tipo, com a polémica que lhe está associada, seja decidida por um Governo em final de mandato?

3 . A incompetência, que virou obstinação, de Alexandra Leitão, foi corrigida pelo Parlamento (votos a favor do PSD, CDS-PP, PCP, PEV e BE, abstenção do PAN e voto contra do PS), ao decidir realizar este ano um concurso de mobilidade para os docentes dos quadros, por ela grosseiramente prejudicados em Agosto de 2017. Perdeu-se um ano para corrigir os danos causados a, pelo menos, 799 professores. Mas desmentiu-se o ministério, que sempre afirmou tratar-se de um conjunto residual de docentes. Entretanto, o tempo que decorreu para corrigir o erro provocou e vai provocar prejuízos graves. Quem os compensará?

4 . Falta-me espaço para falar sobre o monumento ao “eduquês” que é o Parecer do CNE sobre o Regime Jurídico de Educação Inclusiva. De todas as tolices que aí estão impressas, retiro a paradigmática substituição da velha sigla NEE (Necessidades Educativas Especiais) pela ultra moderna CJNMMASAI (Crianças e Jovens com Necessidades de Mobilização de Medidas Adicionais de Suporte à Aprendizagem e à Inclusão). É de tirar o folego a qualquer. Mas é útil para alimentar o caos da gestão pedagógica do ministério, preparar para o que se seguirá e desviar as atenções, como convém, do reposicionamento e recuperação do tempo de serviço dos professores.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Entre as brumas da memória


25 Abril – Faltam 6 dias

Posted: 19 Apr 2018 02:04 PM PDT

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Mistificações e rigor no debate sobre a despenalização da eutanásia

Posted: 19 Apr 2018 09:42 AM PDT

«A primeira [mistificação] é a de que, havendo despenalização da eutanásia, virá aí uma vaga de eutanásias involuntárias, de eutanásias de crianças, de eutanásias de doentes mentais, de eutanásias por motivos fúteis. É o conhecido argumento da rampa deslizante: começado o caminho, a descida é imparável. É o argumento do medo: o receio de descontrolo deveria impedir a despenalização, mantendo tudo como está. Sejamos, porém, claros: em todos os projetos de lei até agora apresentados, a eutanásia involuntária, a eutanásia de crianças, a eutanásia de doentes mentais ou a eutanásia por motivos fúteis são pura e simplesmente crimes. Porque todas essas situações são claramente excluídas do elenco de casos em que os projetos admitem despenalização.»

José Manuel Pureza

Ler também: Eutanásia: É tempo de respeitar a autonomia de todos nós.

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TV: o serviço público que temos

Posted: 19 Apr 2018 07:00 AM PDT

No telejornal das 20:00 de ontem, na RTP1, este senhor anunciou nos seguintes termos a sucessão de Raul Castro em Cuba: «O novo DITADOR deverá ser agora o actual vice-presidente, Miguel Diaz-Canel».

Que o cidadão José Rodrigues dos Santos use os termos que quiser nos seus romances de sucesso é lá com ele. Que use os microfones que nós pagamos para o fazer, é inadmissível. Fico à espera de que um dia destes se refira ao «LOUCO que é presidente dos EUA», ou ao «BEIJOQUEIRO de Belém».

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E a ala esquerda do PS onde está?

Posted: 19 Apr 2018 02:58 AM PDT

«Ontem António Costa e Rui Rio assinaram dois acordos. Na substância, não há muito de novo: PS e PSD sempre se entenderam sobre as prioridades a dar aos fundos europeus (e a reclamar que o país não perca dinheiro). Na forma, é uma viragem de 90 graus, porque António Costa só chegou a primeiro-ministro porque teve o acordo da esquerda, mas agora encontrou um parceiro para aplicar o que à esquerda não lhe interessa discutir.

A viragem ao centro não chega em momento neutro — porque Mário Centeno fez uma revisão do défice que a esquerda não queria, porque catalogou a receita da esquerda como um regresso “ao pesadelo”.

Por outro lado, a viragem ao centro chega no momento certo, porque o PS está prestes a ir para um congresso, no qual lançará as bases para o seu próximo programa eleitoral — e a estratégia para todas as próximas eleições. É o momento certo, portanto, porque é altura de ouvir o Partido Socialista, para saber onde está e para onde quer ir.

Não é segredo para ninguém que o PS não é um, alberga dois. E que cada vez tem nele maior peso uma ala esquerda que já não é só dos históricos Manuel Alegre e António Arnaut — é também de jovens que ambicionam um dia comandar o partido que tantas vezes governa Portugal. Hoje, esses dois partidos convivem num só barco, liderado pelo que alguém chamava “o último dos moderados no PS”, António Costa.

Para a ala esquerda, Costa tem a autoridade de quem chegou e derrubou um muro, levando o Bloco e PCP para a responsabilidade da governação. Mas autoridade não é unanimidade — sobretudo não, se ficar aberta no congresso uma porta, mesmo que só uma janela, para governar com o apoio do PSD.

Os caminhos não são neutros. Costa, por exemplo, assumiu ontem com clareza que a sua prioridade é reduzir a dívida. E ala esquerda deixou cair a reestruturação?

Costa assumiu que falará com o PSD onde a esquerda não colabora — e o seu Governo pediu a Maria de Belém uma lei de bases da Saúde. E a ala esquerda? Prefere essa ou a do Bloco, que António Arnaut está a preparar?

Costa já abriu a porta, com o acordo de ontem, para ter um programa comum com o PSD, nas próximas legislativas, sobre a segunda fase da descentralização — que já inclui novos poderes e a eleição de líderes supramunicipais. E a ala esquerda o que acha disso?

Na moção ao congresso, Costa promete outros temas: a nova economia, as mudanças nas relações de trabalho, o desafio demográfico. Em tudo isto, há dois caminhos. A dúvida é se a ala esquerda aparece no congresso — ou deixa Costa fazer como mais gosta: navegar ao meio, para depois escolher.»

David Dinis

Nos centros históricos: «entram os ricos e saem os mais pobres e vulneráveis»

A gentrificação, “uma palavra suja” que agrava o desalojamento e a segregação residencial, é retratada ao Tornado pelo geógrafo Luís Mendes, investigador do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT) da Universidade de Lisboa. “A habitação não é hoje vista como um direito do Estado Social mas como mero activo financeiro”, diz. O académico e coordenador do movimento “Morar em Lisboa” fala da viragem neoliberal nas políticas urbanas e recorda os últimos dados do Banco Nacional de Arrendamento: “em média, são despejadas por dia cerca de 5,5 famílias, em todo o país”

Luís Mendes: Lisboa está a viver um pico de projecção internacional enquanto destino turístico, ao mesmo tempo que o seu mercado de habitação adquire formatos de activo financeiro e atrai dinâmicas globais de procura e de investimento estrangeiro. Este processo foi alavancado por programas governamentais do anterior governo durante o período da austeridade e pela viragem neoliberal na política urbana, esta última desde já o início do século XXI. Estes factores fomentaram a atracção de uma procura global e transnacional, colocaram o mercado de habitação lisboeta no mapa-mundo e favoreceram a financeirização do imobiliário e a reestruturação urbana na capital portuguesa. A habitação não é hoje vista como um direito do Estado Social mas como mero activo financeiro que serve a reprodução de capital através da especulação imobiliária e produção de mais-valias.

O processo de gentrificação em curso…

Sim, assiste-se também a uma gentrificação turística, mediante a transformação dos bairros populares e históricos da cidade centro em locais de consumo e turismo, pela expansão da função de recreação, lazer ou alojamento turístico/arrendamento de curta duração que começa a substituir gradualmente as funções tradicionais da habitação para uso permanente, arrendamento a longo prazo e o comércio local tradicional de proximidade, agravando tendências de desalojamento e segregação residencial.

Os bairros são esvaziados da sua população original ou impede-se a população de baixo estatuto socioeconómico de aceder à habitação nessas áreas, colocando em risco a resiliência do centro histórico. Contudo, o turismo e a expansão do alojamento local parecem-me agora factores secundários e conjunturais face a factores mais estruturais como as forças globais das geografias do investimento de capital.

A habitação não é hoje vista como um direito do Estado Social mas como mero activo financeiro que serve a reprodução de capital através da especulação imobiliária e produção de mais-valias”

Luís Mendes

Explique-nos como surgiu o termo gentrificação.

Gentrificação que é uma buzzword recente em Portugal, na verdade, é uma palavra suja e tem já meio século noutras cidades do mundo desenvolvido como Londres, Paris ou Nova Iorque e designa um processo de atracção de capital privado e novas populações endinheiradas para bairros tradicionais dos centros históricos, durante muito tempo alvo de desinvestimento e de avançado estado de degradação e conservação. Esse investimento requalifica os bairros produzindo uma regeneração urbana a nível económico, cultural e ambiental, o que acaba por encarecer os preços fundiários e imobiliários. Perante esta subida dos preços de arrendamento e para habitação de casa própria, as classes populares, que residem nestes bairros inicialmente, vêem-se incapazes de suportar estes custos e são obrigadas a sair. Falando de uma forma simplificada e genérica: entram os ricos e saem os mais pobres e vulneráveis destes bairros populares.

Quando começou o fenómeno em Portugal?

A gentrificação é um dos processos mais fortes de mudança urbana no mundo actual e tem-se agudizado nos anos recentes, sobretudo em Lisboa e Porto. Em Portugal, começou nos anos 80 por ser um processo local e relativamente marginal que afectava apenas alguns fogos ou imóveis (se tanto) isolados e dispersos no centro histórico. Geograficamente, era um processo fragmentado. Os novos moradores apreciavam o património, a arquitectura, o ambiente cosmopolita e diverso dos bairros históricos, sendo estes os principais factores para a tomada de decisão de residência no centro da cidade, a par, obviamente, da excelente localização e da proximidade de serviços e oferta cultural. Não existia desalojamento com os contornos a que hoje se assiste, pois muitos dos imóveis renovados já se encontravam vazios ou em avançado estado de degradação, e o congelamento das rendas não permitia a expulsão dos inquilinos. Falava-se de gentrificação marginal. Designei-a de “gentrificação embrionária” para o caso português.

Entretanto, alastrou e agigantou-se.

Actualmente, e a partir do início do século XXI, o processo de gentrificação em Lisboa expandiu as suas fronteiras. A escala e extensão, as modalidades de oferta, os agentes e protagonistas do processo, em tudo mudaram. A gentrificação tornou-se madura e afigura-se com contornos mais agressivos, o que implica desalojamento dos mais pobres e uma perspectiva da habitação esvaziada da noção de direito, para ganhar o estatuto de mero activo financeiro para atracção de investimento estrangeiro.

Tendo-se sobretudo a cidade de Lisboa tornado num destino de procura internacional do imobiliário, a subida dos preços acompanha os rendimentos médios dessa procura que são muito elevados comparativamente aos nacionais e excluem o português médio da possibilidade de aquisição de habitação em Lisboa. Portanto, a questão já não é apenas a do desalojamento directo, que implica expulsão das pessoas das suas casas e bairros, negando-lhes o direito à habitação e ao lugar, mas é também uma questão de desalojamento indirecto, porque se está a impedir ou a negar o acesso dos grupos mais vulneráveis a esse lugar, ao mesmo tempo que se abre o caminho para permitir que os grupos mais favorecidos o possam fazer.

A gentrificação tornou-se madura e afigura-se com contornos mais agressivos, o que implica desalojamento dos mais pobres e uma perspectiva da habitação esvaziada da noção de direito”

Luís Mendes

As 1100 casas anunciadas pela CML a preços acessíveis são uma medida importante, mas não trava os despejos que todos os dias ocorrem”

Luís Mendes

A lei do arrendamento urbano é uma das causas directa desse processo?

Comumente tem-se considerado que a gentrificação que se verifica no centro histórico da cidade de Lisboa resulta directamente da expansão do Alojamento Local e que reside na conjugação de uma série de elementos decisivos. Contudo, em boa verdade, esta mudança revela causas mais profundas e estruturais do que as que têm sido divulgadas.

Tais como?

Começou com uma viragem neoliberal nas políticas urbanas desde 2004 (criação das sociedades de reabilitação urbana), com a aprovação de uma série de pacotes de leis que foram surgindo sucessivamente defendendo uma visão pró-mercado no que respeita à habitação, favorecendo a iniciativa privada, as parcerias públicas-privadas e a competitividade no sector. Esta viragem neoliberal culminou com a aprovação da Nova Lei do Arrendamento Urbano em 2012, em conjunto com a simplificação da Lei do Alojamento Local em 2014, com os pacotes para atracção de investimento estrangeiro, tais como o regime fiscal muito favorável para os Residentes Não Habituais (já desde 2009) e para os Fundos de Investimento Imobiliário, bem como com o programa dos Golden Visa ou Autorização de Residência para Actividade de Investimento, e ainda com o regime excepcional e temporário da reabilitação urbana de 2014, no sentido da agilização e dinamização, flexibilizando e simplificando os procedimentos de criação de áreas de reabilitação urbana e de controlo prévio das operações urbanísticas. Acrescente-se ainda a liberalização dos usos do solo operada pela Câmara Municipal de Lisboa em 2012 durante a revisão Plano Director Municipal de Lisboa.

Todo este quadro criou um contexto fiscal e legal que facilitou imenso a financeirização do imobiliário, forma acabada de acumulação e reprodução do capital no ambiente construído; bem como os despejos, tendo agravado o desalojamento e a segregação residencial.

Não há aqui nenhuma teoria da conspiração! O governo anterior deu um impulso forte à gentrificação, mesmo que de forma, a meu ver, não intencional, pois, em pleno período de crise económica e de forte austeridade, e na necessidade urgente de atracção de investimento internacional, promoveu leis que são responsáveis pelo avanço do processo.

Especificamente, o que desencadeou o Novo Regime de Arrendamento, apelidado por alguns inquilinos, por “lei dos despejos”?

O Novo Regime de Arrendamento, promulgado em 2012, imposto pela Troika e subordinado aos interesses da propriedade, veio liberalizar ainda mais o arrendamento, aumentar o poder dos senhorios, actualizar excessivamente as rendas e facilitar os despejos, levando à expulsão de muitos habitantes e ao encerramento de actividades económicas, sociais e culturais, como o comércio tradicional, associações e colectividades.

O direito à cidade

Como classifica as actuais políticas de gestão da capital e dos seus espaços urbanos no momento em que o turismo é a “galinha dos ovos de ouro”?

Quer a Câmara Municipal de Lisboa (CML), quer o actual Governo Central, que durante muito tempo pareceram dormentes, têm-se, finalmente, demonstrado atentos ao que se está a passar no centro histórico de Lisboa, até porque diversos movimentos locais, como as comissões de moradores, associações de bairro, organizações não governamentais, meio universitário, assim como a sociedade civil e a opinião pública, com o apoio da comunicação social, se têm manifestado, de forma a que se comecem a tomar medidas que mitiguem a intensa turistificação e os despejos que se registam.

Mas os despejos continuam a aumentar.

As várias medidas até agora tomadas são uma condição importante para manter uma estrutura residencial e comercial sustentável e resiliente nos bairros históricos, mas não suficientes se não forem articuladas estruturalmente com uma política de habitação justa que garanta o direito à cidade. Só por via da fixação da população nos bairros, valorizando a função de residência permanente e não a de alojamento turístico ou short-rental e apenas apartamentos de luxo, estaremos a garantir uma procura constante que mantenha vivo o comércio local e a própria vida social nestes bairros. Os bairros devem ser espaços de mistura social e funcional! As 1100 casas anunciadas pela CML a preços acessíveis são uma medida importante, mas não trava os despejos que todos os dias ocorrem.

O que propõe como medidas urgentes?

A CML devia agilizar o desbloqueio das casas vazias, com penalização fiscal dos proprietários que as mantenham desabitadas e devolutas e penalizar o investimento especulativo, criando novos impostos de propriedade que agravem punições sobre os espaços desocupados.

Existem várias medidas que devem ser adoptadas neste momento para mitigar os impactos de uma gentrificação pelo turismo e que passam por adoptar uma política de cidade que se faça de uma reabilitação urbana para e pelas pessoas, ao mesmo tempo que se combate a especulação imobiliária e promove o mercado social de arrendamento; ao invés do investimento em edifícios emblemáticos de grande projecção internacional ou de uma política de regeneração urbana única e exclusivamente cativa das dinâmicas predatórias do grande capital imobiliário, ao abrigo da contínua financeirização do mercado de habitação.

O município, que dispõe de um vasto património imobiliário em toda a cidade, deve requalificá-lo e mobilizá-lo para uso afecto de bolsas de arrendamento a custos controlados, regulando o mercado imobiliário, limitando os custos do arrendamento residencial tradicional, garantindo uma oferta habitacional a preços acessíveis, sobretudo para os mais vulneráveis.

Tudo isto na linha do projecto já existente da criação de bolsas territoriais – conjuntos de fogos municipais todos localizados numa mesma área ou bairro, aos quais se podem candidatar os interessados em residir nessa zona da cidade, no âmbito do Regulamento do Regime de Acesso à Habitação Municipal, mas privilegiando o realojamento local dos moradores expulsos ou alvo de desalojamento, todavia, oriundos do bairro em questão. Assim, podia-se intensificar a reabilitação urbana de propriedades/edifícios de propriedade municipal ou estatal para uso como residência temporária para populações vulneráveis ou entretanto desalojadas.

Se a expropriação é ainda uma questão tabu em Lisboa, o exercício do direito de preferência já não parece ser. Deste modo, devia-se averiguar a possibilidade de exercício de “direito de preferência” da CML que, nos termos da lei, tem preferência na aquisição de alguns imóveis.

A “disneyficação” dos bairros históricos

De acordo com os últimos dados do Banco Nacional de Arrendamento, os despejos duplicaram desde 2013 e, em média, são despejadas por dia cerca de 5,5 famílias, em todo o país”

Luís Mendes

A turismofobia alastra por várias cidades europeias. As manifestações anti-turistas correm o risco de se intensificar em Lisboa?

Percorrendo as ruas de Lisboa deparamo-nos pontualmente com alguns slogans ou frases feitas mas repara-se que as mensagens dirigem-se sobretudo aos grandes grupos e agentes com responsabilidade na gentrificação e turistificação da cidade, como as agências imobiliárias, plataformas de alojamento turístico como o “airbnb”, ou até a autarquia de Lisboa, entre outros.

Considero que não existe turismofobia nem risco de tal acontecer em Lisboa ou Portugal. As frases e expressões grafitadas nas paredes de Lisboa revelam na verdade algum tipo de xenofobia dirigida ao turista, mas dizem respeito sobretudo aos impactos que o excesso turístico provoca na vida das comunidades dos bairros históricos e não apresentam nenhum princípio de causar terror ou amedrontar, mas sensibilizar a opinião pública e a sociedade civil. São sintomáticas de algum mal-estar social que se vive, porque, na opinião de activistas e habitantes destes bairros, o fenómeno parece estar a atingir limites que comprometem a carga turística destes espaços e a sustentabilidade da qualidade de vida urbana.

A descaracterização do centro histórico é cada vez mais intensa, com a “disneyficação” dos bairros históricos e a destruição e desmembramento de relações sociais entre antigos moradores da comunidade”

Luís Mendes

“Lisboa menina e moça menina/Da luz que os meus olhos vêm tão pura”. E vista pelos seus olhos, a capital está a perder autenticidade, pureza, identidade?

A questão da genuinidade e autenticidade dos bairros tradicionais é polémica, porque parece que sempre que se invoca a identidade e memória urbanas destes espaços se está a defender um saudosismo e regresso ao passado e uma aversão à modernização e ao progresso, o que de todo não é verdade. O que se defende é que a relação entre modernidade e tradição que tão bem sempre caracterizou Lisboa se mantenha equilibrada. A observação empírica revela, contudo, que a descaracterização do centro histórico é cada vez mais intensa, com a “disneyficação” dos bairros históricos e a destruição e desmembramento de relações sociais entre antigos moradores da comunidade, atingindo a identidade e memória destes espaços, aspectos que são, por sua vez, um dos fortes atractivos para a chamada dos turistas a Lisboa. A proliferação de serviços e comércio sofisticado, única e exclusivamente para agradar ao turista, “urbanaliza”, porque massifica e torna igual, o que acaba por tornar indistintas as características tipicamente associadas ao comércio local. Deixa de ser distinto e portanto de valor como factor de atractividade turística. Era importante que certos políticos na CML e na Assembleia da República descessem à realidade e falassem com moradores e com os próprios turistas para lhes sentirem o pulso…

OS NÚMEROS INVISÍVEIS DAS PESSOAS DEJALOJADAS

  • Nos últimos 6 anos, os preços da habitação para arrendamento aumentaram entre 13% e 36%, e para aquisição subiram até 46%, consoante as áreas da cidade, de que resulta, estima-se, uma taxa de esforço com a habitação situada entre 40% e 60% do rendimento familiar, quando os padrões comuns aconselham uma taxa de esforço até 30%.
  • Na capital, desde 2013, a freguesia de Santa Maria Maior perdeu quase dois mil habitantes. Isto dá mais de um habitante por dia, nos 4 anos que vão de 2013 a 2017. O despovoamento não é um fenómeno recente no centro histórico de Lisboa, sendo que os registos estatísticos do INE indicam que esta sangria demográfica se iniciou nos anos 40 do século XX, onde residiam 160 mil habitantes, residem agora 40 mil. Este processo durante o século passado relacionou-se sobretudo com a expansão da suburbanização e consequente formação da Área Metropolitana de Lisboa.
  • O último recenseamento populacional de 2011 não capta a perda populacional nos últimos anos agravada pelos despejos da nova lei das rendas de 2012 nem o impacto do Alojamento Local no mercado de habitação local. O número de desalojamentos recentes no centro histórico de Lisboa é desconhecido, até pela falta de estudos de diagnóstico que comprovem o que parece ser uma evidência clara para o investigador Luís Mendes, mas invisível aos olhos da opinião pública e sociedade civil. Várias associações falam no conhecimento de centenas de casos nos últimos anos, sobretudo nas freguesias centrais de Santa Maria Maior, Misericórdia e São Vicente, o que num universo de residentes de alguns milhares é bastante significativo, tratando-se, ainda para mais, de populações vulneráveis e em risco social.
  • Perante um cenário de rendas cada vez mais altas, aliado ao facto de os salários serem baixos para a maioria dos portugueses, o número de despejos disparou. De acordo com os últimos dados do Banco Nacional de Arrendamento (BNA), os despejos duplicaram desde 2013 e, em média, são despejadas por dia cerca de 5,5 famílias, em todo o país.
  • Segundo os dados do Ministério da Justiça, o número de pessoas despejadas em 2016 foi 91,7% superior ao número contabilizado três anos antes, o que pode sugerir evidência das dinâmicas descritas. Nesta matéria, este fenómeno continua a ser um buraco negro em Lisboa. O geólogo defende que as Juntas de Freguesia, com a ajuda de recursos técnicos, humanos e financeiros da Câmara Municipal, podiam avançar com um cadastro de levantamento aproximado do número de desalojados, bem como dos edifícios devolutos, com apoio das redes de vizinhança.

O poder mundial em jogo

Na última sexta feira a Síria foi atacada por mais de cem mísseis, concentrados nas províncias de Damasco e Homs. Em artigo, a analista Rita Coitinho discute o que está por trás do novo conflito entre Donald Trump e Vladimir Putin.

O tipo de “informação” que nos fornece a mídia empresarial não nos permite enxergar nada que seja próximo da realidade dos fatos. Um termo muito utilizado por um analista de conflitos internacionais que assina como “The Saker” talvez seja o melhor para se descrever essa “fonte” de informações de que dispomos nos países do chamado “ocidente”: presstitutes – um trocadilho com as palavras press (imprensa) e prostitutes. E ele nem está falando da imprensa aqui de Pindorama, que reproduz com cortes o material ruim difundido pela mídia a soldo do império. Os recentes bombardeios dirigidos à Síria foram amplamente justificados pelas agências de presstitutes como retaliações humanitárias em razão do suposto uso de armas químicas contra a população civil síria. De acordo com a mídia empresarial, os governos de Washington, Londres e Paris estavam muito preocupados com as mortes de civis. Interessante que se preocupem com as alegadas mortes desses inocentes, mas não tenham dito nada a respeito dos palestinos baleados durante uma marcha pacífica e desarmada, há poucas semanas ou que não se preocupem com o uso de fósforo branco contra os palestinos ou ainda com o que faz a Arábia Saudita contra as populações no Iêmen. Mas vamos adiante.

A mídia empresarial alardeia um suposto ataque químico ordenado por Damasco. Um crime de guerra que merece imediata retaliação. Prepara, assim, os espíritos de seu público para as ações bélicas desencadeadas pelos EUA. O governo Sírio, desde que teve início a guerra, há sete anos, é pintado como vilão que massacra a “oposição democrática”. Nada se diz a respeito do armamento pesado a que têm acesso os grupos oposicionistas. Se se questionasse a origem dos arsenais, chegaria-se facilmente às digitais da OTAN e da CIA. De acordo com Serge Marchand, na Red Voltaire e o diário libanês Al-Watan, ambos citados em artigo de Eduardo Luque para a TopoExpress, havia cerca de duas centenas de oficiais da OTAN dirigindo as forças terroristas, alguns dos quais sob o disfarce de pertencer à ONG Médicos sem Fronteiras quando as forças Sírias desmantelaram as bases jihadistas fixadas em Goutha oriental. A comprovação desta informação não poderia espalhar-se pelo mundo e, para encobri-las, orquestrou-se a campanha mundial de difamação das forças sírias e russas, conforme temos acompanhado nas últimas semanas.

Desde a entrada do apoio russo a Damasco, a situação do governo, que esteve a ponto de perder o controle do país para os grupos terroristas, vem mudando. A partir de 2015, com o aporte russo, o governo sírio conseguiu reconquistar Alepo, que tem enorme importância econômica e geoestratégica, bem como Palmira, a simbólica cidade histórica, e ainda as zonas produtoras de gás que estavam sob o controle dos “jihadistas”.

Nos últimos tempos, dada a ofensiva sírio-russa (com o apoio do grupo libanês Hezbollah) somente o enclave da Ghouta oriental permanecia como ponto de concentração dos grupos terroristas que a partir dali bombardeiam a capital, Damasco. Dali os mísseis dos grupos terroristas caíam de forma indiscriminada na capital, inclusive sobre bairros residenciais – em 23 de fevereiro um míssil terra-terra caiu sobre o mercado Ruk el-Dinh, matando mais de 30 pessoas e ferindo outras várias. Entre fevereiro e março deste ano, as forças terroristas desencadearam mais de cem ataques diários, como forma de rebater a ação das forças armadas da Síria e seus aliados que visa “limpar” a área do domínio dos jihadistas. Essa ofensiva das forças legais da Síria tinha como objetivo, além de “limpar” a área de forças terroristas, livrando Damasco dos ataques diários, fechar a fronteira com a Jordânia.

Conforme apontamos acima, passou desapercebida à “falsimídia” (termo usado por Eduardo Luque, no artigo a que nos referimos acima), a declaração de Nikki Haley, embaixadora dos EUA na ONU, na qual exigiu do governo sírio o compromisso de não atacar a zona dominada pelas forças jihadistas em Goutha oriental. A falsimídia preferiu inundar os noticiários do mundo com preocupações “humanitárias” nas quais pretendia esconder sua posição de defesa das forças de desestabilização da Síria. Enquanto isso, as forças sírias desmantelavam uma sofisticada rede de túneis por onde podiam circular até veículos e que abasteciam as zonas controladas pelos grupos terroristas com armamento e munições e detinham dezenas de combatentes jihadistas – alguns dos quais pretendiam fugir usando vestes femininas. A derrota que a coalizão liderada pelo governo de Bashar-al-Assad impôs aos grupos terroristas desencadeou uma ampla campanha internacional de acusações contra o governo Sírio, nas quais incluem-se acusações de assassinatos de civis e uso de armas químicas, um argumento “requentado” que já foi utilizado durante a administração Obama para justificar sanções dos EUA e apoio logístico (armas) às forças de oposição.

Conforme o artigo de Eduardo Luque, as “provas” dos ataques são dois vídeos: o primeiro, mostra cerca de trinta crianças mortas, com idades entre dois e dez anos. Parecem asfixiados. Não há homens nem mulheres adultas entre os mortos. O segundo vídeo, divulgado pelos “Capacetes Brancos”, mostra uma espécie de bomba lançada de um helicóptero, que teria caído, perfurado dois pisos e ficou intacta sobre uma cama, sem se abrir. A Rússia, que tem observadores no local, bem como os médicos do Crescente Vermelho, que atuam na Síria, afirmam que não encontraram evidências do uso de gases tóxicos, tampouco cadáveres. O único fato confirmado foi o desmantelamento de três laboratórios de armas químicas que, aliás, eram controlados por jihadistas. Porém a desculpa dos gases tóxicos correu na imprensa mundial como um rastilho de pólvora. Correu antes, aliás, de que se tivesse qualquer imagem, as quais só apareceram no dia 07 de abril – provavelmente foi preciso produzi-las. Em poucos dias, formou-se a coalizão para os ataques que se sucederam neste final de semana.

Os ataques foram lançados sobre Damasco e Homs apenas poucos dias após o sucesso das operações de desmantelamento das bases jihadistas, onde revelou-se a incrível infraestrutura com que contavam os grupos terroristas – incompatível com sua pretensa posição de “resistência popular armada” como querem vender as mídias empresariais – e inúmeros agentes ligados aos países da OTAN. Está claro que o eixo Washington-Londres-Paris tem algo a esconder. Ao mesmo tempo, os bombardeios não atingiram nenhuma área significativa. Conforme relatório do ministro da defesa da Rússia (o vídeo, bem como a transcrição dos principais dados podem ser conferidos em thesaker.is), as forças de defesa aérea da Síria derrubaram 71 dos 103 mísseis lançados pelo bloco liderado pelos EUA. De acordo com o relatório,

  • Quatro mísseis foram lançados na área do Aeroporto Internacional de Damasco e todos foram interceptados;
  • Doze mísseis foram lançados no Aeroporto Militar de Al-Dumayr, todos interceptados;
  • Dezoito mísseis foram lançados no Aeroporto Militar de Baly, todos interceptados;
  • Doze misseis foram lançados sobre o Aeroporto Militar Shayarat, todos interceptados;
  • Nove mísseis lançados sobre o Aeroporto Militar Mezzeh. Cinco deles foram interceptados;
  • Dezesseis mísseis lançados sobre o Aeroporto Militar de Homs, tendo sido treze interceptados;
  • Trinta mísseis lançados sobre alvos nas áreas de Barzah e Jaramani. Sete foram interceptados.

Ainda conforme o site thesaker.is, o Pentágono rejeita as informações e afirma que as ações dos EUA e aliados tiveram “sucesso em todos os alvos”. O Pentágono afirma que lançou 105 mísseis e que todos acertaram instalações relacionadas a armas químicas do governo de Bashar Al-Assad. Como em qualquer guerra, o controle sobre as informações é parte indissociável do conflito.

O general Sergei Rudskoy, chefe do Estado Maior Russo, declarou, a respeito dos ataques, que “as agressões americanas provam que os EUA não estão interessados em garantir a objetividade das investigações em curso, mas visam romper o processo de restabelecimento da paz na Síria e desestabilizar o desenvolvimento no Oriente Médio, e nada do que têm feito tem algo a ver com o objetivo declarado de conter o terrorismo internacional”.

Ao que tudo indica, o objetivo central dos EUA nessa aventura tresloucada – pois se a Rússia de fato responder, como anunciou que faria, pode ter início um conflito nuclear – é fazer uma demonstração de poder. Esta começa pela facilidade com que logrou o apoio de Londres e Paris, ainda que todos saibam que uma escala da situação de conflito pode colocar o mundo inteiro sob o risco de um conflito nuclear. Não é à toa, portanto, que outros membros da OTAN e aliados costumeiros de Washington não quiseram participar da aventura – como a Alemanha, a Itália, a Austrália e o Canadá.

Até o momento, apesar das enfáticas declarações de Moscou, de que responderia duramente a um ataque ao aliado Sírio, não houve nenhuma ação russa em resposta aos ataques estadunidenses. Por outro lado, a maneira como os mísseis da coalizão atingiram o território Sírio, sem causar estragos em nenhum prédio do governo ou base operacional militar, levantam suspeitas de que os EUA não têm certeza quanto ao seu real objetivo com a escalada da violência. Ao mesmo tempo, a posição do Irã, que também vem prestando apoio ao governo de Assad, pode ter tido impacto sobre alguns aliados importantes dos EUA, especialmente Israel. Corre a notícia de que Teerã teria informado Moscou que responderia duramente caso Israel também tomasse parte da “missão” de atacar a Síria.

Por que os EUA, com o poderio militar de que dispõem – o maior poder de todos, muito maior inclusive que o da Rússia, ainda que esta disponha, atualmente, de tecnologia para defender-se por algum tempo – lançariam sobre a Síria um ataque tão mal-sucedido? O que está por trás dessa ação de Washington? O que está, de fato, em jogo?

Em primeiro lugar, é evidente que a guerra na Síria está para ser vencida pelas forças governistas. Isso posto, a OTAN, maior patrocinadora dos grupos terroristas (há vídeos de helicópteros da OTAN resgatando jihadistas) surge como principal derrotada. Ao mesmo tempo, todos os três presidentes da coalizão que bombardeou a Síria na sexta-feira passada enfrentam graves crise políticas e econômicas em seus países. Têm muito o que esconder de seus eleitores, problemas de toda ordem que, agora, somam-se à derrota na Síria e às evidências da participação da OTAN do lado dos grupos terroristas. A Arábia Saudita, que apoiava abertamente os jihadistas, teme a ascensão da aliança Síria-Turquia-Irã-Rússia. Ao mesmo tempo, o recente anúncio do acordo entre Ankara, Moscou e Teerã para realização de trocas comerciais em moedas nacionais – dando adeus ao dólar – enfraquece sobremaneira tanto a posição dos EUA quanto de seus aliados na região (Arábia Saudita, Israel etc.). Isso tudo somado à decisão chinesa de comprar petróleo com “Petro-Yuans”, jogará por terra a hegemonia do dólar – e, por certo, dos EUA. Todas essas iniciativas regionais somam-se ao avanço da “Nova Rota da Seda”, projeto de integração que aproximará definitivamente toda a Ásia e a Europa, chegando ao Oriente Médio e o Norte da África. Está claro que essas iniciativas, que unem China e Rússia, abrem no mundo um novo polo de poder. Na medida em que consolida-se também a relação entre Moscou e Teerã, abre-se uma nova linha de preocupações para Israel, inimigo declarado do Irã e cujo lobby é extremamente eficaz no congresso dos EUA.

Ainda que, à primeira vista, a ação militar liderada pelos EUA tenha sido um tanto desvairada – dados os pífios resultados, do ponto de vista militar –, desenha-se para o mundo uma situação de grande perigo. Não parece possível que, dados os desafios à manutenção de seu poder, os EUA e seus aliados possam simplesmente retirar-se do cenário. Uma escalada intervencionista na região do Oriente Médio, tendo a Síria como porta de entrada, parece muito mais provável. A divisão do território Sírio serviria de base para o avanço sobre o Irã, principal objetivo de Israel e Arábia Saudita, dois fortes aliados dos EUA na região. Ao mesmo tempo, o enfraquecimento da posição de Moscou é de interesse central para os EUA, bem como a criação de dificuldades para o avanço dos projetos envolvidos na Nova Rota da Seda. O caos no Oriente Médio e na Eurásia já estava nos planos de Obama, que acabou por recuar no final do seu governo em razão da disposição russa de reagir a um ataque à Síria. Trump nada mais faz do que retomar os planos, embora com sua marca registrada, que é a decisão atabalhoada e sem objetivo bem delimitado. Se a Rússia tivesse em seu governo um desqualificado do nível de Trump, como quer nos fazer crer a falsimídia, o mundo já estaria sob as grossas nuvens das explosões nucleares. Felizmente não tem. A Rússia, até o momento, mantém-se aberta a conversações com Washington e Paris. A nós, aqui na periferia do mundo, olhando a partir de um país cujo governo destrói deliberadamente sua própria posição diplomática, só nos resta torcer pelo sucesso das negociações e por um pouco de lucidez também dentre os loucos que dirigem a política externa dos EUA. Loucos por poder, que fique bem claro, pois é isso que está em jogo. Um poder ameaçado é infinitamente mais perigoso do que um poder bem consolidado.

Por Rita Coitinho, Socióloga, Doutora em Geografia e membro do Conselho Consultivo do Cebrapaz | Texto original em português do Brasil

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Só a democracia resgatará o Brasil

Estão estreitamente associados o impeachment que derrubou uma presidente democraticamente reeleita pelo voto popular – sem nenhum argumento jurídico que o justificasse, – e a colocação em prática de uma política econômica desastrosa para o país. Sem aquele, esta não seria possível, porque os que a propuseram nos processos eleitorais foram sucessivamente derrotados quatro vezes.

Não haverá resgate do Brasil sem o retorno da democracia. Enquanto o líder político mais popular que o país já teve siga sendo perseguido, preso, condenado, não haverá democracia e não haverá retomada do crescimento econômico. Quanto mais se intensificam os processos de judicialização da política, de expropriação do direito do povo de decidir livremente sobre os destinos do pais, votando em quem prefira, maior o desastre para o pais.

Governam para o 1% mais rico, para o capital especulativo, que não produz nem bens, nem empregos. Um capital financeiro que não financia a produção, o consumo ou a pesquisa, mas que vive da venda e compra de papeis, do rentismo. Que concentra renda, com vergonhosos balanços dos bancos privados que revelam onde está o dinheiro que falta na produção. Está na especulação financeira, na sonegação, nos paraísos fiscais. Dinheiro há, só que está na mãos de quem vive da especulação.

Todo grande grupo econômico tem, à sua cabeça, um conglomerado financeiro, que canaliza os recursos conforme a rentabilidade. E na etapa atual do capitalismo, se ganha mais na especulação do que na produção, se paga menos impostos, se dispõe de uma liquidez quase que absoluta.

Sem romper com a espinha dorsal do capital financeiro na sua modalidade especulativa, não haverá retomada do desenvolvimento econômico. E para tanto, é indispensável colocar nas mãos do povo a decisão do tipo de governo e de politicas que ele quer e precisa. Hoje uma minoria irrisória decide, com executivos dos bancos privados dirigindo diretamente a política econômica, os destinos da economia do pais. Foram colocados lá não pela decisão democrática do povo, mas por um golpe, contra a vontade manifesta pelo povo, nas eleições, desde 2002.

O resgate da democracia requer, entre outros requisitos, a livre disputa por todos os candidatos à eleição presidencial, sem exclusões. Não são juízes, sem mandato popular, nem a polícia, que devem decidir quem pode e quem não pode ser candidato. É o povo quem deve decidir. E o povo tem preferências claras. Nenhum candidato identificado com o governo que surgiu do impeachment e que coloca em pratica políticas radicalmente antidemocráticas, antissociais e antinacionais, tem chances de ganhar as próximas eleições. Daí as ameaças contra o caráter livre dessas eleições, até mesmo contra sua realização.

Não haverá democracia, nem retomada do desenvolvimento econômico, com perseguição política a líderes a quem o povo mostra preferência e que se propõem a retomar políticas que já demonstraram seu potencial de combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social. Só a democracia plena, com eleições livres, resgatará o país da pior, mais prolongada e profunda crise da sua história.

Por Emir Sader, Colunista do 247, e um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros | Texto original em português do Brasil

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