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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Deputado do PS publica recibos de ordenado no Facebook

23/4/2018, 12:09

Ascenso Simões diz que o fez em resposta à "deriva de ataque aos deputados" que diz existir neste momento. E considera que deve "essa explicação aos eleitores" do seu distrito de eleição, Vila Real.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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O deputado do PS Ascenso Simões publicou esta manhã nas redes sociais os recibos de vencimento como deputado na Assembleia da República. Ao Observador explica que o fez porque considera que existe “uma deriva de ataque aos deputados e às suas realidades próprias”: “dadas as circunstâncias do momento que vivemos, eu devo essa explicação aos eleitores do meu distrito”.

Eleito por Vila Real, o deputado manteve sempre residência no seu círculo de eleição — “a minha família vive em Vila Real” — e no vencimento que expôs esta manhã mostra que recebeu, no mês de abril, 1.920,72 euros com os subsídios a que os deputados têm direito por deslocação, no seu caso num círculo que fica quase a 400 km de Lisboa. Também mostra a folha relativa à remuneração enquanto deputado, que totaliza 3.693,83 euros líquidos.

Quanto à “deriva” que diz existir relativamente aos deputados, o socialista diz que “não é nova”, fazendo referência à questão levantadaesta segunda-feira pelo Jornal de Notícias sobre os subsídios dos deputados. A questão foi suscitada depois de uma denúncia do Expresso há uma semana sobre a duplicação de apoios no caso dos deputados residentes nas regiões autónomas. Uma situação que fez o presidente da Assembleia da República pronunciar-se a favor dos deputados insulares, ao dizer que “não infringiram a lei nem a ética” ao pedir o reembolso dos bilhetes ao abrigo do Subsídio Social de Mobilidade ao mesmo tempo que recebem um subsídio para quatro viagens de avião mensais para irem até às regiões autónomas.

No texto da publicação da sua página como deputado no Facebook, Ascenso Simões diz-se “disponível para explicar cada parcela” das duas folhas que torna públicas e correspondem ao recibo de vencimento do mês de abril. Na primeira é possível ver um vencimento ilíquido 3.624,41 euros, a que se somam ajudas de custo (69,19 euros\dia em 23 dias de presenças em trabalhos parlamentares) no valor de 1.591,37 euros. O deputado explica ainda os 370,32 euros relativos ao regime de exclusividade surgem “erradamente” indicados como “despesas de representação”.

Na segunda folha é onde constam as despesas com deslocações dos deputados, as primeiras são relativas a viagens no país em trabalho parlamentar, um valor fixo definido pelo Parlamento de 376,32 euros por trabalho político em território nacional. A parcela maior, nesta folha, é relativa às deslocações de ida e volta para o local de residência durante as cinco semanas do mês: 1.371,60 euros (para os deputados que residem num círculo afastado de Lisboa são pagos 36 cêntimos por km por cada vez que se deslocam à Assembleia da República para marcarem presença em trabalho parlamentar). Já as deslocações para trabalho político no distrito chegaram a 172,80 euros (36 cêntimos por quilómetro, pela distância que vai da sede do distrito até à sede do concelho onde reside, ida e volta).

Meninos de Deus. A seita polémica que passou por Portugal

22 Abril 2018

Cátia Bruno

Defensores do amor livre, criaram comunas na linha de Cascais. O líder, suspeito de abuso de menores, morreu na Caparica. História do polémico grupo religioso que tinha uma "estratégia ibérica".

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“Tinha 4 ou 5 anos quando descobri que o mundo ia acabar em 1993. Nós, porque éramos os escolhidos por Deus, seríamos os mártires. A ideia de que ia ser uma mártir aos 12 anos apoderou-se da minha cabeça. Todas as noites deitava-me a pensar nisso e tinha pesadelos.” Esta é apenas uma das memórias que Flor Edwards, 36 anos, tem sobre a sua infância. Filha de mãe sueca e pai norte-americano, cresceu dentro de um grupo invulgar, que juntou os seus pais: uma associação religiosa, com traços de seita, chamada Meninos de Deus.

O seu dia-a-dia, dentro de uma das casas-forte do grupo, era “cheio de regras”, explica ao Observador. Dezenas de crianças no mesmo quarto, várias famílias no mesmo edifício e um sem número de horários e tarefas: leitura das escrituras e aprendizagem dos ensinamentos do Padre David pela manhã, limpeza da casa, aulas e desporto pela tarde. “Das sete da manhã até à hora de dormir, éramos constantemente vigiados pelos ‘pastores’”, descreve Flor, que acabaria por escrever o livro de memórias ‘Apocalypse Child’ (sem edição em português). “Tive uma infância muito solitária”.

“A ideia de que ia ser uma mártir aos 12 anos apoderou-se da minha cabeça”, lembra Flor Edwards (D.R.)

Flor, contudo, teve a sorte de não ser uma das vítimas de abusos físicos e sexuais a que foram expostas outras crianças dentro do grupo, como Julia (nome fictício), ouvida pelo Observador. E, ao contrário de Julia e de outros, não teve de fugir sozinha — a sua família acabou por se afastar dos Meninos de Deus após a morte do líder, David Brandt Berg.

O início do movimento nas “sarjetas dos hippies” na Califórnia

Foi precisamente com este homem, David Berg, que tudo começou. O próprio site do movimento — que ao longo da sua existência mudou de nome e de regras várias vezes, passando de Meninos de Deus para A Família e atualmente para A Família Internacional — define a sua história como “colorida e pouco convencional desde o seu início”.

Nascido em 1919, a expulsão de Berg da Aliança Cristã e Missionária em 1951 levou-o a procurar caminhos menos tradicionais para exercer a sua fé. Chegado à Califórnia, no meio dos anos 60, rapidamente descobriu uma fatia da população disposta a ouvir a sua mensagem pouco ortodoxa: os hippies. No café Light Club, em Huntington Beach, começou a pregar à audiência um modelo anti-sistema que anunciava a destruição do mundo pela geração dos seus pais. Era necessário, dizia Berg, que também se apresentava como Moisés David, combater com “a paz, o amor, a verdade, Deus e a liberdade”.

O próprio Berg reconheceria mais tarde a eficácia da sua mensagem junto da comunidade jovem dos anos 60, como é visível no site com o seu nome: “Seguimos os hippies até às suas sarjetas e aos seus covis da droga e aos seus infernos do hard-rock e convidámo-los — não a vir à Igreja, não para se sentarem em aprumados bancos de igreja — mas para vir até Jesus. Ele resolveria todos os seus problemas, responderia a todas as suas dúvidas, satisfaria todos os seus desejos e fomes, e dar-lhes-ia algo maravilhoso pelo qual viver, a verdade do Seu incrível Amor!”

David Berg foi o líder dos Meninos de Deus (Site oficial de David Berg)

A leitura perspicaz do pastor sobre o espírito daqueles tempos fez com que muitos se juntassem ao grupo, deixando as suas famílias e posses para trás, passando a viver em comunas e, por vezes, adotando nomes bíblicos. Nas ruas, a evangelização fazia-se tocando guitarra e distribuindo panfletos. Os traços ligados ao movimento hippie manter-se-iam durante as décadas seguintes, como testemunhou Flor Edwards já nos anos 80. “A música era muito proeminente, cantava-se muito. Rejeitávamos o capitalismo, ninguém possuía nada”, ilustra, sublinhando a música e a sexualidade como traves mestras do grupo.

“Esta é a ala dentro do Jesus Movement [movimento cristão evangélico da costa oeste dos EUA, popular nos anos 60 e 70] mais radical, que não chegou a sair do movimento hippie. É um cruzamento desse movimento com a religiosidade cristã”, explica ao Observador Helena Vilaça, socióloga especialista em religiões. Assim, “ideias como a paz, o amor livre e ‘sexo, drogas e rock&roll’” foram incorporadas de certa forma no movimento, explica Vilaça. “O grupo reflete muito o que acontecia nos anos 60 e 70.”

Os Meninos de Deus foram espalhando a sua mensagem e o número de comunas cresceu. Em 1974, o procurador-geral de Nova Iorque estimou que haveria pelo menos 120 comunas no país, de acordo com informação divulgada pelo The Guardian, que teve acesso a documentos do FBI sobre o grupo.

120

Comunas dos Meninos de Deus nos EUA, em 1974

Procuradoria-geral de Nova Iorque

Os Meninos de Deus evangelizavam para fora, mas fechavam-se cada vez mais: “Para evitar os olhares curiosos dos Sistemitas [nome dado a todos os que não pertencem ao grupo], a Família desencorajava a posse de propriedade ou de quaisquer outros bens. Berg dava instruções ao seu rebanho para não votarem, não pagarem impostos ou abrirem contas bancárias. O ensino em casa era prática comum e poucas crianças iam além do ensino secundário”, pode ler-se numa peça da revista Rolling Stone, publicada em 2005. O líder comunicava com as suas comunas sobretudo através de cartas, conhecidas como Cartas de Mo. Nelas havia interpretações bíblicas, regras práticas e até considerações políticas — ao longo da vida de Berg, centenas de Cartas de Mo seriam publicadas.

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A chegada a Europa — e a Portugal

Em 1971, Berg decide sair da América do Norte e estender a sua ação à Europa. A organização passa a fazer-se com as tarefas a serem delegadas aos tais “pastores” de que fala Flor Edwards, responsáveis pelas respetivas comunas.

O primeiro local onde se estabelecem é no Reino Unido. Daí espalham-se para Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Suécia, Dinamarca, Itália, Suíça, França e Espanha. O crescimento do grupo é exponencial, com os nomes “Les Enfants de Dieu” ou “Niños de Dios” a alcançarem um tal sucesso musical que são gravados discos e organizados concertos. “A música foi a chave para os corações espanhóis e, independentemente das diferenças de nome, as músicas dos Meninos de Deus em espanhol conquistaram todo o tipo de pessoas, de estudantes a hippies a padres católicos e a bispos!”, ilustra o grupo no seu site. A certo ponto, Berg e a sua amante, entretanto tornada uma espécie de primeira-dama, Karen Zerby, estabeleceram-se nas Canárias. O salto para Portugal não demoraria muito.

Um dos principais relatos que existem sobre a presença do movimento durante os anos 70 no nosso país está presente no livro “Parasitas de Deus — As Novas Seitas”, publicado pelo jornalista Fernando Semedo em 1988. Nele, o autor garante que o grupo contou com “algumas centenas de aderentes” em Portugal, estabelecidos em comunas concentradas na linha de Cascais. Semedo diz que era distribuída literatura do grupo em português, com apartados de contacto em Lisboa e na Póvoa de Santa Iria, bem como moradas noutros países.

“A linguagem e a filosofia que proclamam nesta altura joga com termos sedutores — ‘amor’, ‘igualdade’, ‘paz’, ‘suavidade’. Isto para, nos meses e anos que se sucederam ao 25 de Abril, protestarem contra a agitação e intranquilidade originadas pelas revoluções”, explica Semedo. A exploração de ideias políticas é visível num dos panfletos escritos em português de 1978, disponível no arquivo EPHEMERA de José Pacheco Pereira, onde Moisés David (outro dos nomes utilizados por David Berg nas suas Cartas) fala no “espesso fumo negro do ardente problema do petróleo” e na declaração de guerra dos “ricos E.U., Oeste e Israelitas” contra “os pobres árabes”. Também a Rede Iberoamericana de Estudo de Seitas forneceu ao Observador fotos de um livro com “As Cartas de Moisés David aos Meninos de Deus” escrito em português.

Livro em português com Cartas de David Berg (D.R.)

A presença do movimento na linha de Cascais foi testemunhada por alguns, como o músico Carlos Alberto Vidal. “Existia um grupo em Cascais, de quatro ou cinco estrangeiros, que com as suas guitarras e o seu ar hippie abordavam as pessoas”, conta ao Observador. “Montavam tenda na praça Camões ou na rua Direita, sítios emblemáticos de Cascais.”

As músicas que tocavam davam nas vistas e, após um primeiro contacto, revelavam ao que vinham, falando imediatamente de Jesus. Carlos Alberto Vidal, que na altura era um jovem “à procura do eu interior”, como o próprio define, sentiu-se tocado pela mensagem de amor ao próximo e crê que esse diálogo nas ruas com o grupo pode tê-lo ajudado a estar mais em contacto com o seu lado espiritual — mais tarde conheceria o movimento do Guru Maharaj Ji, que o inspirou a criar o álbum Changri-Lá.

No entanto, o seu contacto limitou-se a algumas conversas nas ruas, a ouvir as músicas e a ler os folhetos do grupo. Recorda-se que eram todos estrangeiros, adultos e não sabe onde viviam na altura. “Nunca mais ouvi falar deles”, diz.

Outros, no entanto, ter-se-ão envolvido de forma mais profunda com o grupo. Fernando Semedo escreve no seu livro as declarações de um ex-membro português que aceitou falar: Carlos Zina, da comuna de São João do Estoril, que esteve dois anos no movimento. “Apesar de ter sido tesoureiro da comunidade onde estive, nunca soube de onde é que vinha o dinheiro. O que é certo é que quando nós não tínhamos, o dinheiro não faltava; aparecia sempre”, revelou ao jornalista.

Evangelização nas ruas de Paris (Flickr Children of God)

Contactada pela Observador, a Família Internacional (formulação atual dos antigos Meninos de Deus) confirmou ao Observador que o grupo esteve em Portugal nos anos 70. “A sua missão era a de evangelizar nas ruas, fazendo espetáculos de rua com a mensagem do Evangelho, desafiando a juventude da altura para que esquecesse objetivos seculares e as drogas e se tornassem discípulos de Cristo”, escreveu Carol Cunningham, responsável pelas Relações Públicas do grupo. “Suponho que cidadãos portugueses tenham estado envolvidos, tendo em conta que onde quer que o movimento fosse, recrutava nacionais (mas como o movimento nunca foi muito grande, eles seriam provavelmente poucos).”

Se os portugueses envolvidos com o grupo eram poucos, não há dúvidas da presença de estrangeiros membros do grupo em Portugal. O Observador falou com Julia, que aos 7 anos veio para Portugal para viver com a família numa comuna. “O meu pai era músico dos ‘Enfants de Dieu’ em França, por isso atuava. Cantávamos nas ruas e eu depois passava com o chapéu para recolher o dinheiro enquanto ele cantava.” Julia diz que esteve cerca de um ano em Portugal e viveu em duas casas diferentes. Não sabe dizer ao certo onde, mas recorda-se que “o mar não ficava muito longe”.

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As liberais práticas sexuais: do Flirty Fishing ao abuso de menores

Cunningham, da Família Internacional, diz não ter forma de confirmar se o grupo criou comunas na linha de Cascais naquela época, mas avança com outro dado: “Sei que David Berg viveu em Portugaldurante um breve período, como está patente nos seus escritos. Também sei que ele e aqueles que trabalhavam com ele à época viveram durante um curto período em Portugal durante pelo menos duas alturas diferentes.”

Os “escritos” de Berg a que o grupo se refere são provavelmente uma série de cartas de 1977, disponibilizadas no site Ex-Family, criado por pessoas que abandonaram o grupo. Nelas, Berg diz ter-se mudado com a família para o Estoril e classifica Portugal como “um país estranho”. Diz frequentar o Casino Estoril e refere inclusivamente um representante do Casino chamado “Francisco”. “Graças a Deus não parece haver muita informação sobre nós aqui em Portugal, pelo que sabemos. Não ouvimos nada de ninguém a ler artigos sobre nós ou coisa do género. E os portugueses, graças a Deus, não parecem ter muito a ver com os espanhóis — ou com o resto da Europa!”, escreveu o líder.

Noutra carta não assinada, Berg divaga sobre a influência africana em Portugal como uma razão pela qual os portugueses não parecem ser “tão católicos” como os espanhóis. E, em 1977, tece considerações políticas sobre o país, escrevendo que o último Governo a controlar a situação foi o de Salazar e que “Deus sabe quando as pessoas precisam de um ditador”. “Desde aí o país tem estado a cair aos bocados”, sentencia.

Nesta altura, Berg já tinha dado início a práticas sexuais como forma de evangelização. De acordo com a primeira carta, trouxe essas mesmas práticas para a zona do Estoril, anunciando que “fizemos amor com toda a gente aqui e conquistámos o lugar com amor. Amávamos este e aquele e por aí adiante, até praticamente termos tomado o lugar através do amor.”

200.000

Mulheres terão praticado o Flirty Fishing, prática de evangelização através de atos sexuais

Family International

A passagem refere-se provavelmente à prática do Flirty Fishing (FFing), criado pelo próprio Berg e pela sua companheira Karen, que seria a primeira cobaia do esquema nas discotecas de Tenerife. O FFing consistia numa espécie de “evangelização através de atos sexuais”, em que as mulheres do grupo mantinham relações sexuais com homens de fora do grupo, na tentativa de os aliciar para os Meninos de Deus. Inspirado na citação bíblica “sigam-me e farei de vós pescadores de homens”, o grupo passou a entender esta forma de prostituição como um sacrifício necessário a que as mulheres se deveriam sujeitar com gosto. De acordo com o artigo da Rolling Stone sobre o movimento, estatísticas do grupo dão conta de que em 1988 mais de 200 mil mulheres tinham sido “Flirty Fishers”.

As Cartas de Mo ilustram os ensinamentos sexuais cada vez mais liberais que Berg passava ao grupo. Em 1974, cria a chamada “Lei do Amor”, que institui um ambiente de permissividade sexual, em quequalquer ato sexual é visto com bons olhos desde que seja praticado com amor — com exceção da sodomia.

Membros do grupo (Flickr Children of God)

David Millikan, teólogo que investigou a presença do grupo na Austrália, concluiu que essas práticas sexuais evoluíram para comportamentos pedófilos: “Houve momentos em que a divisão sexual entre adultos e crianças tornou-se pouco clara. Tenho conhecimento de várias ocasições em que as cartas levaram alguns membros da Família a explorar em pleno todas as suas dimensões sexuais, até com crianças.” As Cartas de Mo tornaram-se bastante claras a certa altura: “Não há nada de errado no mundo com o sexo, desde que seja praticado com amor. Seja com quem for. Não interessa quem é ou que idade tem ou se é um familiar ou de que forma é praticado — mas não se atrevam a dizer estas palavras. Se a Lei alguma vez apanhasse isto, tentariam enforcar-me.”

Ao longo da década de 70, o grupo foi crescendo, espalhando as suas comunas para lá do Ocidente e chegando à América do Sul e à Ásia. “Ao mesmo tempo, houve uma evolução da ‘Lei do Amor’, que se tornou cada vez mais sexualizada e passou a incluir violações dos limites entre adultos, adolescentes e crianças”, resume ao Observador Stephen Kent, professor especialista em movimentos religiosos alternativos da Universidade de Alberta. “O grupo usava o sexo como instrumento de recrutamento e a sua proibição dos métodos contraceptivos fez com que o número de crianças crescesse exponencialmente (bem como a propagação de doenças venéreas entre os membros do grupo).”

O elemento que tornou mais visível o abuso sexual de menores dentro do movimento foi a publicação da “História de Davidito”, em 1975. O livro detalhava a infância de Ricky Rodriguez, filho de Karen com outro homem, concebido através do Flirty Fishing, mas adotado por David Berg. No livro aparecem múltiplas fotografias de Ricky (à altura com menos de três anos) com a sua ama, Sara, ambos nus na cama. O texto de Sara descreve atos sexuais entre ela e a criança, entre Ricky e outras mulheres, e revela que a criança assistia frequentemente a contactos sexuais entre adultos. O teólogo Millikan diz que o livro saiu de circulação em 1987 e que não chegou a ser lido pela maioria dos membros do grupo.

“O grupo usava o sexo como instrumento de recrutamento e a sua proibição dos métodos contraceptivos fez com que o número de crianças crescesse exponencialmente.”

Stephen Kent, especialista em movimentos religiosos alternativos da Universidade de Alberta

Vários antigos membros relatam episódios de abuso sexual quando ainda eram menores, sobretudo relacionados com a família do próprio Berg. É o caso da sua neta, Merry Berg, que contou ter sido abusada sexualmente pelo avô múltiplas vezes e exposta a inúmeros atos sexuais enquanto criança. Para além disso, relatou ter sido vítima de vários abusos físicos. O académico Stephen Kent teve oportunidade de a entrevistar várias vezes e garante “não existirem muitas dúvidas de que David Berg a atacou sexualmente inúmeras vezes”.

Aos 14 anos, Merry terá sido enviada para um dos campos de treino criados pelo grupo para educar adolescentes considerados problemáticos. Aí, à semelhança de outros adolescentes, foi espancada e submetida a períodos de silêncio. O campo de treino em questão localizava-se em Macau, à altura ainda sob administração portuguesa. Kent garante que o campo funcionou durante o final dos anos 80.

Também Julia, que cresceu no grupo, relatou ao Observador ter sido vítima de vários tipos de abuso, entre eles sexuais. Garante que esses abusos nunca decorreram em Portugal, mas sim num país asiático. Foi para lá que foi enviada aos 8 anos, para viver com a família de David Berg, que se encontrava na Ásia na altura. “Eles prometeram ao meu pai que cuidariam de mim, que me deixariam estudar música, que eu seria treinada para a liderança do grupo… Ele foi coagido a entregar-me”, recorda.

“Em Portugal era tudo muito inocente, não assisti a nenhum tipo de abuso sexual, nem fui vítima. Mais tarde sim, no círculo íntimo havia muito abuso sexual e com crianças. E era tudo incentivado pelo próprio Berg.” Abusos que ela própria sentiu na pele: “Eu era tratada como uma adulta. Tinha responsabilidades de adulta, horários de adulta. A certa altura passei a ter também responsabilidades sexuais.

9800

Pessoas fariam parte do movimento no início dos anos 90, dos quais cinco mil seriam menores de idade

Associação pela Defesa da Família e do Indivíduo

David Berg e os que o rodeavam tinham noção de que começavam a surgir suspeitas sobre os atos do seu movimento e que a proliferação de crianças e de doenças sexualmente transmissíveis como o VIH colocavam o grupo em risco. Por essa razão, no final dos anos 80 o grupo começa a tomar uma série de iniciativas que tentam controlar as práticas sexuais dentro do movimento, entretanto renomeado para A Família. Em 1987, é oficialmente extinta a prática do Flirty Fishing e nesse mesmo ano “A História de Davidito” é retirada de circulação. Por esta altura, de acordo com informações da Associação pela Defesa da Família e do Indivíduo(um grupo de Paris que estuda seitas), o grupo contava com 4800 membros adultos e mais de 5 mil menores.

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As investigações judiciais inconsequentes

As medidas preventivas de Berg, no entanto, não conseguiram impedir múltiplas investigações judiciais que surgiram no início dos anos 90. Na Argentina, as autoridades retiraram crianças à Família e abriram investigações ao grupo. O mesmo aconteceu por volta da mesma altura na Austrália e em França. As suspeitas em todos estes países relacionavam-se com os crimes de abuso físico, psicológico e sexual de menores.

A investigação mais conhecida acabaria por acontecer no Reino Unido, a propósito de um pedido de custódia por parte de uma avó, relativamente ao seu neto, que vivia com a mãe numa comuna da Família. O juiz Ward iniciou uma profunda investigação ao grupo: concluiu que os campos de treino como o de Macau eram “bárbaros” e deu como provado que houve abuso sexual de crianças e adolescentes. No entanto, deixou que a mãe da criança mantivesse a custódia do filho. Em causa estavam “as mudanças fundamentais” que o grupo efetuara desde 1986, quando começou a restringir as práticas sexuais. “Acredito que as mudanças feitas são provavelmente irreversíveis e que A Família avançou e não retrocederá”,concluiu o juiz Ward.

O padrão repetiu-se em todas as investigações judiciais. Os juízes concluíram que, à data das investigações, não era possível provar que as práticas sexuais com menores continuavam a decorrer. Em França, por exemplo, o juiz que liderava a investigação acabou por não avançar sequer com uma acusação formal.

“Acredito que as mudanças feitas são provavelmente irreversíveis e que A Família avançou e não retrocederá.”

Juiz Ward, responsável pela investigação aos Meninos de Deus no Reino Unido, que considerou provados abusos sexuais no grupo mas considerou-os erradicados

Os casos em tribunal promoveram debates sobre até que ponto o Estado pode intervir na forma de educar uma criança, com muitos a questionar a violência exercida pelas próprias autoridades ao separarem temporariamente os filhos dos pais durante as investigações. A maior parte dos especialistas que avaliaram o grupo, como Millikan, reconheceram práticas abusivas ao longo dos anos 70 e 80, mas defenderam que, com o fim dessas práticas, “o facto de o grupo ser isolado ou ter crenças excêntricas ou restringir o acesso ao sistema educacional público ou ainda defender uma expressão sexual mais aberta” não são necessariamente suficientes para retirar as crianças às famílias.

Para alguns, como o juiz Ward, há uma “minoria ruidosa”, envolvida em organizações anti-seitas, que revela profunda hostilidade aos Meninos de Deus, o que levanta dúvidas sobre até que ponto todas as acusações podem ser levadas a sério. Para outros, como Kent, “os antigos membros que querem permanecer anónimos querem proteger as suas identidades e, por isso, é mais provável que menorizem do que exagerem as suas experiências.”

Em Espanha, uma acusação formal avançou nos tribunais, em 1990. No entanto, os juízes do tribunal em Barcelona absolveram os dez suspeitosdos crimes de fraude, agressão, criação de um centro de ensino ilegal e associação ilícita. O tribunal considerou não ser possível provar que aquela comuna estava formalmente ligada aos Meninos de Deus e sublinhou que muitas das dúvidas levantadas sobre a educação das crianças poderiam abrir a porta a que se questionasse a educação dada por outros grupos, como “ciganos ou imigrantes de raças, culturas e religiões diferentes das predominantes”.

A investigação, contudo, deixou mais claras as possíveis ligações do grupo a Portugal. Em julho de 1990, graças a material descoberto pela polícia, o La Vanguardia noticiava que os Meninos de Deus tinham uma estratégia ibérica conjunta e que nesse ano tinham acumulado quase 33 milhões de pesetas com a venda de pósteres e cassetes de vídeo em Portugal e Espanha.

Mas os laços entre os dois países poderão ter-se estendido para lá do julgamento. Entre os dez membros absolvidos pelo tribunal de Barcelona encontravam-se o norte-americano Dennis Molinski (para quem o Ministério Público tinha pedido a pena mais alta, de 23 anos) e a espanhola Maria José Díaz. Ao Observador, a Rede Iberoamericana de Estudo das Seitas confirmou que o casal abandonou Barcelona após o julgamento, movendo-se por várias cidades espanholas e acabando por se fixar em Portugal.

Nas suas páginas de Facebook, os dois membros do casal identificam-se como sendo parte da organização Associação Nova Dimensão (AND), uma ONG portuguesa de matriz cristã que participa em vários projetos de ação social — levando a cabo ações como embrulho de presentes pelo Natal na loja do Toys’R’Us do Centro Cometcial Colombo ou entrega de kits escolares em escolas por todo o país. No site da Associação, há uma referência a Molinski, que fez uma apresentação intitulada “A Vida de um Missionário” num Centro de Acolhimento de crianças e jovens onde foram distribuídos esses mesmos kits pela associação.

A Família Internacional diz não ter informações sobre a possível ligação de Molinski e da sua mulher ao grupo, porque não mantém “registos dos seus membros ou das suas atividades ao longo dos anos”, sublinhando que mais de 10 mil pessoas estiveram ligadas ao movimento em determinado ponto das suas vidas. O grupo nega também ter ligações à AND. No entanto, na mesma troca de emails, Cunningham explica que os membros da Família “há décadas” que ajudam os mais desfavorecidos através de programas de assistência humanitária e “médica, com comida e roupa para os menos privilegiados, criando abrigos, cantinas sociais e campos de refugiados”.

Contactada pelo Observador, a AND confirmou que Molinski e Garcia são membros da associação e que foram convidados para fazerem parte da AND em 2012, “pela distinção e integridade das suas condutas pessoais de entrega ao trabalho humanitário”, mas rejeita quaisquer ligações formais à Família Internacional. A associação admite que chegou a ter contacto com a Aurora Productions, uma produtora de audiovisuais para crianças que está oficialmente ligada à Família, fazendo um “pedido de autorização/licença de direitos de autor de um dos seus produtos”, mas garante que esse é o único contacto que manteve com o grupo. “Nunca existiu nenhuma ligação entre a AND e o referido grupo Family International, esclarecem.

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A morte do Pai, na Costa da Caparica

Os Meninos de Deus foram sendo sucessivamente ilibados das investigações às suas comunas. No entanto, os alegados crimes mais graves que vinham a público envolviam frequentemente Berg e a sua família — e esses nunca foram julgados. Em 1993, o mundo não acabou como Berg previa nas suas cartas; contudo, nesse mesmo ano, tanto a Interpol como o FBI começaram investigações ao pastor, de acordo com os registos do FBI a que o Guardian teve acesso. Esses mesmos registos revelam uma última ligação a Portugal: a de que foi aqui, quando estava fugido, que David Berg morreu. Tinha 75 anos.

Fonte policial confirmou ao Observador que as autoridades portuguesas não tiveram conhecimento da morte de Berg em solo nacional, mas receberam em 1993 um pedido de paradeiro de Berg, enviado pela Interpol, que foi anulado no mesmo ano. O porquê dessa anulação, ninguém sabe. “Foi há muito tempo, os sistemas mudaram, as orgânicas também… Ao ponto de não se conseguir perceber ”, explica a mesma fonte ao Observador, que aponta como possíveis explicações uma resposta positiva de outro país, o facto de os crimes em causa terem prescrito ou, simplesmente, “questões de natureza informática”.

Não há dúvidas, no entanto, de que Berg morreu em solo português. “Sim, ele morreu em Portugal e essa informação foi divulgada aos membros”, confirma a Família Internacional ao Observador, não confirmando, no entanto, em que local. Os sites de antigos membros do grupo avançam que terá sido na Costa da Caparica, onde Berg vivia à altura. Certo é que a sua segunda mulher, Karen Zerby, assumiu então a liderança do grupo.

David Berg com Ricky Rodriguez enquanto criança (Site oficial de David Berg)

Zerby e o resto da sua entourage terão vivido ainda em Portugal alguns anos, de acordo com os relatos de alguns antigos membros. No livro “Talking with the Children of God”, dos académicos Gordon e Gary Shepherd, uma antiga secretária de Zerby recorda como a certa altura o grupo se tinha “mudado para uma casa grande e bonita no norte de Portugal”.

Também Celeste Jones, que fugiu do grupo juntamente com duas irmãs, mostrou no documentário “Cult Killer” (exibido no Channel 4 no Reino Unido e na MSNBC nos EUA) a casa no Porto onde diz ter vivido com Karen Zerby e o seu filho Ricky Rodriguez, em 1997. No documentário é dito que na altura as práticas de pedofilia já tinham sido banidas do seio do grupo, mas que a partilha de parceiros sexuais continuava a ser comum naquela casa.

Segundo Celeste Jones, Zerby manteve-se em Portugal até ao ano de 2001. O pequeno Davidito viria a protagonizar um dos episódios mais negros da história dos Meninos de Deus quando, em 2005, assassinou uma das suas antigas amas e se suicidou de seguida. Deixou uma gravação onde explicava que se sentia atormentado pelos abusos sexuais de que tinha sido vítima ao longo de toda a infância e culpava também a sua mãe por tê-lo exposto a isso e ter inclusivamente abusado dele. O facto de Portugal ter sido o último país onde esteve com Karen Zerby, em 2000, foi ainda confirmado por Elixcia Manumel, mulher de Ricky Rodriguez, após a morte deste.

A investigação da Interpol levou a que os últimos passos da vida de Berg e de seguida os de Karen, fossem cada vez mais secretos. “Os líderes do movimento mudavam de localização frequentemente e viviam em locais secretos, incluindo em Portugal. Ricky foi criado em determinadas alturas em Portugal e noutros países. O paradeiro de Zerby e de [Steve] Kelly [amante de Zerby que se tornou no seu companheiro depois da morte de Berg] continuam a ser um segredo bem guardado hoje em dia”, explica ao Observador Laura Vance, socióloga norte-americana que estuda movimentos religiosos.

Não é certo se Berg e os membros do seu círculo levaram a cabo crimes como abuso sexual de menores em território português. Questionada pelo Observador sobre se houve alguma investigação ao indivíduo ou ao grupo em causa, a Procuradoria-Geral da República respondeu que, “com os elementos fornecidos, e também devido à antiguidade dos factos mencionados, não foi possível localizar qualquer investigação”. A esta data, quaisquer eventuais crimes em causa já prescreveram.

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‘O Reinício’ ou o princípio do fim?

Os sucessivos processos judiciais e a censura social que se abateram sobre o grupo levaram à introdução de novas regras, que se acentuaram ainda mais com a morte do líder: em 1995 foi criado “O Estatuto”, que proibia quaisquer práticas abusivas com crianças e limitava os contactos sexuais entre adultos. Atualmente, a Família Internacional tem uma Política de Proteção da Criança e reconhece erros no passado: “Expressámos as nossas desculpas sinceras a quaisquer antigos membros que tenham tido experiências negativas ou dolorosas enquanto estiveram na Família, particularmente no final dos anos 70 e início dos anos 80”, disse a representante da organização ao Observador. No entanto, sublinham que mais de 600 crianças que viviam em comunidades do grupo foram sujeitas a perícias nos anos 90 e que nenhum membro do grupo foi condenado em tribunal.

Em 2010, a Família diz ter ido ainda mais longe na sua transformação: através de um processo a que chamou Reinício, todas as comunas e centros cooperativos foram encerrados. Atualmente, o grupo é apenas uma comunidade online, com cerca de dois mil membros, sem quaisquer estruturas físicas. “Não há centros, edifícios ou qualquer organização estruturada”, resumem.

A dissolução da vida como a conheciam provocou novos traumas em jovens que tinham crescido isolados do mundo. “O Reinício foi devastador para a maioria dos membros”, explica Laura Vance. “Os membros mais antigos não tinham quaisquer planos para a reforma a não ser viverem amparados pelas suas comunas, que desapareceram. Os mais novos não sabiam o que fazer a seguir.”

“O Reinício foi devastador para a maioria dos membros. Os mais antigos não tinham quaisquer planos para a reforma a não ser viverem amparados pelas suas comunas, que desapareceram. Os mais novos não sabiam o que fazer a seguir.”

Laura Vance, socióloga das religiões

Foi o fechar de um ciclo que se tinha iniciado com a morte de Berg, altura em que muitos dos lares comunitários se dissolveram, à medida que a nova liderança afrouxava o controlo. Foi o caso da família de Flor Edwards. “A morte dele teve um impacto extremo. Foi o princípio do fim”, diz. A sua família separou-se do resto da comuna e passou a viver sozinha. Mais tarde juntaram-se a outros familiares nos EUA e consolidaram a sua separação. “Estas seitas contra o mundo, contra a cultura dominante, são sempre a prazo”, explica Helena Vilaça, que realça que a morte do líder leva-as geralmente a reconciliarem-se com a sociedade. “Foi o que aconteceu com os Mórmons, por exemplo. Acaba por haver uma certa secularização e rotinização do grupo.”

“A Família tem todas as características de uma fé moribunda”, resume o professor Stephen Kent, que destaca a queda acentuada no número de membros desde a morte de Berg. A sua influência, quer em Portugal quer no resto do mundo, é cada vez mais diminuta e mesmo antigos membros como Molinski e Garcia já não parecem ter ligações a uma estrutura efetiva do grupo. Mas os efeitos que os Meninos de Deus tiveram em muitos dos seus membros continuam a fazer-se sentir. O isolamento do resto do mundo criou dificuldades de integração no “mundo real” — Julia, por exemplo, demorou cinco anos a ganhar coragem para abandonar o grupo.

A Família Internacional rejeita acusações de que o isolamento a que sujeitou muitas das suas crianças tenha deixado traumas: “Certamente tínhamos a nossa cultura distinta, mas não creio que possa ser dito que diferenças culturais constituem obrigatoriamente abuso”, diz Carol Cunningham. Para além do caso de Ricky Rodriguez — que assassinou um membro do grupo e se suicidou de seguida –, a Rolling Stone descobriu outros casos de jovens abusados dentro do grupo que se suicidaram, como Josh Lykins e Ben Farnsworth. “A Família diz que o número de suicídios nos últimos 13 anos foi dez, mas os seus detratores falam em pelo menos 31”, pode ler-se no artigo de 2005.

“Tentamos reconstruir as nossas vidas, mas é muito difícil”, desabafa Julia. “Não estávamos preparados, estivemos sequestrados do mundo durante 25 anos. Muitos dos miúdos tiveram muitos problemas com a adaptação, quer em termos sociais, quer financeiros”, acrescenta Flor Edwards, que recorda a dificuldade de encaixar no mundo “cá fora” em coisas tão simples como saber usar um chafariz ou ir ao cinema.

“Não estávamos preparados, estivemos sequestrados do mundo durante 25 anos. Muitos dos miúdos tiveram muitos problemas com a adaptação, quer em termos sociais, quer financeiros.”

Flor Edwards, que cresceu numa comunidade dos Meninos de Deus

É impossível saber ao certo quantas pessoas foram abusadas sexualmente dentro dos Meninos de Deus — e nem sequer é claro se algum desses crimes ocorreu em Portugal. Certo é que grande parte dos envolvidos eram norte-americanos, filhos dos membros iniciais do grupo. Esses eram os hippies desiludidos de Huntington Beach que decidiram pregar pelo mundo ao som da guitarra, promovendo teorias apocalípticas e, por vezes, expondo os seus filhos a vários tipos de abuso.

Aqueles que, como Flor, tiveram a sorte de escapar a maus tratos, recordam uma infância separada do resto do mundo. Os outros, regra geral, preferem não falar do que lhes aconteceu. “Muitas destas histórias parecem duras demais para ser verdade, eu sei”, admite Julia. “Mas são bem reais”, acrescenta a norte-americana. Também ela, à semelhança de muitos ex-membros que não querem ser identificados, preferiu que o seu verdadeiro nome não fosse tornado público: “É difícil reconstruir a nossa vida quando todos sabem que estivemos numa seita.”

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23 Abril, 2018
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Sérgio Alexandre
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por João Mendes

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