Posted: 01 May 2018 01:51 AM PDT
Do filme Matrix Revolutions
Revista Manifesto: lançamento em Lisboa
Posted: 30 Apr 2018 05:34 PM PDT
«Começar de novo era uma expressão frequentemente utilizada por Miguel Portas, quando se tratava de dar impulso a um processo político ou um projeto editorial, demonstrando dessa forma o seu entusiasmo e a vontade de o semear em seu redor. Talvez por isso seja também apropriado encarar a série que agora se inicia como um certo recomeço. Curiosamente, apesar das diferentes conjunturas em que a revista Manifesto existiu – nos anos 90 dirigida por Ivan Nunes, em formato jornal; nos anos 2000, pelo Miguel Portas – os propósitos de fundo mantêm-se, porventura, pouco alterados. Com novos problemas e outros desafios, certamente, continuamos interessados nos debates plurais à esquerda, nas discussões sobre o seu futuro e o seu papel no contexto português, e nos possíveis processos de convergência entre as diferentes sensibilidades que a constituem, incluindo pessoas e movimentos que não integram nenhuma formação partidária.»
Do editorial do primeiro número da segunda série da Revista Manifesto, que será lançada a 9 de maio em Lisboa, às 18:30h, na Livraria Linha de Sombra, na Cinemateca Portuguesa (Rua Barata Salgueiro, 39). A apresentação estará a cargo de Helena Roseta, José Neves e Ana Drago. Apareçam.
O folclore e a fragilização da democracia
Posted: 30 Apr 2018 07:01 AM PDT
Há dias foi a votos no Parlamento o Programa de Estabilidade do Governo.
Espanta que, ao fim de dez anos sobre o desencadear da crise internacional, ainda se pugne por mais austeridade. E no entanto é isso que a direita e a direita do PS sustentam como programa. E mais tarde ou mais cedo vão ter de assumi-lo.
A direita do PS terá de assumi-lo porque essa é consequência prática da ideia vazia de quem quer "mais Europa", a qual se baseia nas vantagens do cumprimento estrito do Tratado Orçamental, até que alguém poderoso o reforme. Em privado, são capazes de se lastimar, mas em público aplaudem essas regras que mais não representam do que o dispositivo que força governos de esquerda (por muitos votos que tenham) a aplicar políticas de direita. Ir além das metas pode parecer uma ideia cautelosa, mas redunda apenas em ir além de um programa de direita traçado em Bruxelas.
A direita à direita do PS assume hoje aquela posição bipolar: acusa o governo apoiado à esquerda de praticar a austeridade - por cortar no SNS, nas escolas e na segurança, no investimento público, etc. - e grita que o "Estado está a falhar". Mas os deputados contorcem-se em resoluções que gostariam de aprovar no Parlamento em que se esquivam para não dizer que querem ainda mais "menos despesa" (caso do CDS) ou em que condenam o governo por "agravar a despesa corrente permanente do Estado", porque é feita sem um "qualquer exercício de racionalização da despesa corrente" (caso do PSD)...
Ora, ao ponto a que chegaram os serviços públicos ao fim de dez anos de austeridade, é impossível continuar com jogos: ou se quer "menos Estado" e, por isso, "menos despesa pública" e, por isso, "mais austeridade"; ou se quer "menos austeridade" e, por isso, "mais despesa pública" e, por isso, "mais Estado".
Mas esta esquizofrenia hipócrita é apenas um epifenómeno com causas profundas.
A direita e a direita do PS alimentam este falso dilema de curtas visões, porque querem evitar tocar na ferida do problema. E a ferida do problema é que essa política representa um mecanismo de transferência de rendimento - em cada país dos mais pobres para os mais ricos e, na Europa, dos países mais pobres para os países mais ricos, vulgo Alemanha - que está a favorecer a ascensão da extrema-direita e a fragilização da democracia.
E nada fazer para o evitar é levar a Europa ao abismo, com a cumplicidade até de um partido de esquerda. Como há décadas atrás. Mas talvez seja isso que se pretende, porque só isso justifica que se mantenha de pé todos os mecanismos que estão a alimentar essa vaga de fundo. Para quê mais democracia, se vai ser possível ter menos? "Mais Europa" vai significar "menos democracia".
A direita - e a direita do PS - sabem que, desde 1992, que a moeda única é coxa. Vítor Constâncio sempre o disse, sem que nunca a tenha deixado de defender, tanto em Portugal como em Frankfurt. E sabem que, sendo-o, enriquece os países mais ricos e empobrece os mais pobres, porque as economias fracas têm uma moeda forte, enquanto as economias fortes têm uma moeda fraca.
Essa esquizofrenia - ao mesmo tempo que se deu a liberalização da globalização - favorece a desigualdade e acentua-a. Favorece a tomada de activos pelos países ricos nos países pobres, acentuando a concentração da riqueza. Cria défices comerciais nas economias fracas, enquanto faz aumentar superávites nas economias fortes.
Esses défices têm de ser pagos e traduzem-se na subida de dívida privada. Essa dívida privada caminha no mesmo sentido da progressiva perda de competitividade externa da economia, que se transforma em menores crescimentos económicos, que se reflectem num maior desemprego estrutural, que se traduz em menores receitas fiscais para pagar maiores despesas públicas, decorrentes do aumento do desemprego, do empobrecimento e do envelhecimento relativo da população. Ou seja, tudo se transforma em maiores défices públicos que se transformam em maiores dívidas públicas.
A dívida vai rolando. Mas quando se dá uma crise, então os "mercados" - ou seja, quem nos países ricos está a financiar esses défices dos países pobres - exigem os seus retornos rapidamente. Agravam os "prémios do risco país"e tudo se torna impossível de pagar.
Então, os credores tudo fazem para evitar perder dinheiro. Sensibilizam quem está à frente dos Estados dos países ricos credores, que também não querem que nada mude e, muito menos, que tenham de cobrir essas perdas dos financiadores privados. Então tudo fazem para evitar a falência dos Estados pobres devedores porque sabem que isso corresponderia a penalizar quem emprestou aos Estados devedores. Para o evitar, zangam-se publicamente. Começam por culpar os Estados pobres devedores - que viveram acima das suas possibilidades, que foram gastadores, que não foram formiguinhas como no Norte, que não sabem gerir a sua casa, que não foram como uma dona de casa. E depois, no clímax da pressão (ajudada pelo BCE, com o corte do financiamento aos bancos nacionais), com os ditos "mercados" a pressionar nas taxas de juro, "resgatam" esses Estados dos países pobres.
Com o dinheiro do "resgate", os Estados dos países pobres pagam de imediato a quem lhes emprestou levianamente, que assim se escapam da aflição de perder dinheiro. Ficam sempre a ganhar, antes e após a crise. Dessa forma, passam a sua potencial perda (que adviria com uma reestruturação ou corte da dívida) para o Estado pobre, que dessa forma acumula mais dívida, a qual terá de pagar tudo. Mais não seja porque se repete à exaustão - e a comunicação social repete igualmente - aquelas leviandades de quem é pobre mas honesto, que está disposto a honrar todas as suas dívidas, independentemente de quem esteja no Governo.
Mas como pagar? Com políticas de austeridade sobre toda a população.
A dívida pública dos Estados dos países pobres aumenta, os encargos públicos com a dívida aumentam e fazem pressão para que o Estado encolha, cortando-se no investimento público e nas suas despesas correntes - serviços de Saúde, de Educação, de protecção social, na Segurança, etc. - , degradando-se em consequência a sua economia, o que prejudicará ainda mais as contas públicas, o que faz com que o Estado se encontre cada vez mais fragilizado, a necessitar de novos "resgates" num momento de crise...
O "resgate" é o mecanismo de redistribuição invertida de rendimento em favor de quem mais tem e em prejuízo de quem menos tem.
É desta forma que a austeridade se auto-alimenta e reproduz. Como um vírus. O vírus não pára até matar o hospedeiro. Só que tudo está controlado: se o hospedeirofor bem comportado, o dono do vírus abranda o aperto; se for mal comportado, mantém a pressão, nunca soltando a trela apertada, com acentuados conselhos para que faça reformas estruturais.
A direita e a direita do PS sabem isto. A direita e a direita do PS contam ser bem comportados. Mas sabem que não podem fazer nada para colocar em perigo este ciclo de exploração dos países pobres pelos países ricos e, com ele, os rendimentos de quem lucra com isto. E por isso evitam discutir este imbróglio. Preferem submeter-se e fazer com que todos paguemos a quem tem interesse nisso.
Possivelmente, as pessoas honestas de direita ou da direita do PS pensam que assim protegem melhor os portugueses. Que evitam o fecho dos bancos e as bichas à frente de um Multibanco. Mas se os portugueses soubessem que é assim que pensam, tenderiam - acho - a votar de outra forma. Como o fizeram na Grécia, no referendo. Aliás, é por isso que, de cada vez que isso se torna possível, todas as instituições dos poderosos países chantageiam os povos para que não adoptem uma posição de força, de rompimento, que faria o carrocel parar de repente, com prejuízo para todos, mas também para os emprestadores... E há povos que se deixam chantagear e outros não.
Aliás, o problema é que cada vez menos o fazem. E tendem a votar na Europa, só que nos ditos populismos que tanto parecem - repito, parecem - assustar o status quo. Em face disso, e em desespero, defende-se uma reforma do sistema político - vulgo eleitoral - para que a direita - e a social-democracia de direita - vençam sempre. Nada de novo. Em Portugal, tivemos isso durante 48 anos.
Ora, se isto assusta realmente, mais valia que se actuasse sobre as causas do problema. E nos deixássemos de folclore. Porque se repetirmos as mesmas políticas, é provável que tenhamos os mesmos resultados.
Mas tanta teimosia em nada fazer, faz pensar se não é isso mesmo que se pretende: uma fragilização da democracia.