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domingo, 6 de maio de 2018

A social-democracia para além da “terceira via”

por estatuadesal

(Pedro Nuno Santos, in Público, 04/05/2018)

pedro_nuno

(Excelente texto de Pedro Nuno Santos. A separar as águas dentro do PS. Demarcando-se totalmente daqueles que, no PS - Assis, Santos Silva, Sousa Pinto e companhia -, acham que descartar a Geringonça e cair nos braços do Dr. Rui Rio é uma solução com futuro.

Comentário da Estátua, 06/05/2018)


I

Num momento em que social-democracia está em forte retrocesso político em toda a Europa, o Partido Socialista em Portugal é uma exceção. Sem pretender dar lições a outros partidos da família social-democrata – cada partido opera num contexto nacional com oportunidades e constrangimentos específicos –, precisamos compreender o que nos permite ter hoje níveis de apoio popular elevados.

Como venho defendendo, a decisão tomada em 2015 de procurarmos construir com a esquerda parlamentar uma solução de governo maioritária, alternativa à viabilização de um governo de direita, pode ter salvo o PS do destino de outros partidos europeus da mesma família política.

A solução traduziu-se num programa político que restituiu a esperança de uma vida melhor a muitos portugueses. A configuração inédita da nova maioria enriqueceu a democracia, trazendo para a esfera governativa partidos que representam cerca de um milhão de portugueses. Mas foi o seu programa, que promoveu a recuperação de rendimentos e direitos, o crescimento económico e a criação de emprego, por um lado, e o respeito por quem trabalha ou trabalhou uma vida inteira, por outro, que gerou o nível de apoio de que o PS dispõe atualmente.

Teria sido bem diferente se tivéssemos feito o que alguns, mesmo dentro do PS, consideravam natural: a viabilização de um governo minoritário do PSD/CDS. Nesse caso, estaríamos hoje, certamente, na posição de outros partidos social-democratas europeus e incapacitados de disputar a liderança governativa em Portugal. Sobretudo, nunca teria sido possível construir com o PSD e o CDS o programa de mudança económica e social e de comprometimento com o Estado social público e universal, base de uma comunidade decente, que foi possível – apesar das diferenças com estes partidos – com o apoio do PCP, BE e PEV.

Num momento em que o PS reflete sobre o caminho a trilhar no futuro, temos não só de olhar para o que fizemos desde 2015, mas ir mais longe - para evitar o mesmo destino de muitos partidos irmãos - e refletir sobre o que aconteceu à social-democracia europeia.

II

Nos anos noventa, o centro-esquerda encontrou um paradigma de aparente renovação e de superação das derrotas sofridas nos anos oitenta, conhecido por “terceira-via”, que foi até à Grande Recessão de 2008 a referência principal da social-democracia na Europa.

Do ponto de vista ideológico e programático, a terceira-via tentou adaptar o papel do Estado às dinâmicas de um capitalismo global, repensando a centralidade e o significado de princípios como a igualdade, a liberdade e a solidariedade.

Do ponto de vista do papel do Estado, aceitou, por um lado, a introdução generalizada da lógica mercantil nos serviços públicos e, por outro, que os mercados fossem os únicos motores do crescimento económico. O Estado devia limitar-se a criar as condições para que os mercados funcionassem, com regulação minimalista, colhendo o dividendo orçamental para financiar as funções do Estado.

Do ponto de vista eleitoral, promoveu um discurso que visava explicitamente as classes médias mais qualificadas e as suas aspirações de mobilidade social, em detrimento das preocupações com os trabalhadores industriais dos setores tradicionais.

Mas, tal como a esquerda dos anos setenta e oitenta foi forçada a fazer uma autocrítica, hoje impõe-se fazer uma avaliação crítica da terceira-via. No plano ideológico, a fronteira entre a esquerda e a direita foi demasiado esbatida, e a corrida para o centro descaracterizou o nosso ideário ideológico, programático e linguístico, deixando que muitas bandeiras fossem apropriadas por forças à nossa esquerda.

No plano do modelo de desenvolvimento, a terceira-via deu prioridade à contabilidade do crescimento económico, independentemente do seu padrão: todo o crescimento da economia e do emprego era positivo, até porque gerava receita. A terceira-via abraçou um modelo de crescimento demasiado assente no imobiliário e no setor financeiro. Sim, sofreu o impacto da Grande Recessão; o problema é que participou na construção do modelo que a causou. Quando a bolha imobiliária estalou e o setor financeiro colapsou, o dividendo orçamental desapareceu e os governos tiveram de resgatar os bancos e cortar nos serviços públicos. E a terceira-via, que dependia do sucesso desses setores, caiu com eles.

No plano eleitoral, a terceira-via considerou garantidos os votos dos trabalhadores e que era possível falar apenas para as frações qualificadas das classes médias. Em algumas versões, promoveu mesmo o fim da aliança entre operariado e diferentes segmentos da classe média que dera coerência ideológica e força eleitoral à social-democracia.

Hoje, com raras exceções, os partidos social-democratas europeus são praticamente partidos das classes médias mais qualificadas. Isto não resulta apenas das transformações no mundo laboral. É verdade que o operariado industrial tem hoje um peso menor, mas a expansão do setor terciário gerou uma enorme massa de trabalhadores. Tantas vezes sujeitos a emprego precário, mal pago, rotineiro e sem expectativas de promoção, estes constituem a maioria do eleitorado, enquanto os profissionais liberais e as classes médias mais qualificadas continuam a ser uma minoria. Isto ajuda a explicar por que razão são poucos os partidos social-democratas que, na Europa, ultrapassam os 20% de apoio eleitoral. Por negligência ou escolha, a social-democracia deixou de representar os eleitores com baixas e média-baixas qualificações. Em muitos casos, passou a olhá-los como “deploráveis”.

III

Esta atitude é bem visível nas análises sobre o populismo na Europa. A ascensão deste, em particular o de extrema-direita, coloca desafios muito sérios, mas é, antes de mais, um sintoma de outros problemas: as regressões económicas e sociais das últimas décadas produziram justificadas reações de medo e ansiedade em grupos menos preparados para lidar com mudanças que não controlam e mais vulneráveis aos seus efeitos destruidores.

Combater o populismo sem tentar, antes, perceber o que o alimenta e, depois, sem procurar saber se e como é possível corrigir as suas causas, faz da crítica ao populismo pouco mais que mera projeção da arrogância das elites. Há mais de uma década que esta atitude impera no centro-esquerda e, no entanto, o populismo não parou de crescer. Seria bom repensar a forma de combatê-lo.

Esta análise não implica nenhuma “cedência” ao populismo. Ironicamente, quem cede são os que aceitam como clivagem central a distinção entre sociedades “abertas” e “fechadas”, pela simples razão que é precisamente essa a dicotomia que os populistas promovem. Centristas e populistas partilham a mesma visão de um mundo dividido entre um pólo aberto e outro fechado, divergindo apenas na valorização feita: onde centristas veem sectores dinâmicos e cosmopolitas, populistas veem elites corruptas; onde os primeiros veem grupos manipulados, os segundos veem o povo traído pelas elites. Mas ambos concordam que a clivagem esquerda-direita – que durante décadas deu identidade programática, autonomia estratégica e utilidade política à social-democracia – deve ser desvalorizada.

O resultado está à vista por toda a Europa: quando a social-democracia se demite de representar os que mais precisam do Estado como instrumento de desenvolvimento e proteção, os partidos populistas ocupam esse lugar; quando a social-democracia passa a falar sobretudo para os grupos ganhadores da globalização, ela deixa de ser politicamente necessária: qualquer partido centrista, liberal ou conservador pode fazê-lo com mais convicção.

IV

A esquerda soube evoluir em relação aos anos setenta e oitenta, mas é agora preciso que o saiba fazer em relação aos anos noventa e dois mil. Precisamos de olhar com humildade para os problemas, em vez de ceder à tentação de replicar modelos passados.

O mais apelativo da “terceira-via” era querer compatibilizar o que via como o melhor de dois mundos: do lado da produção, deixar os mercados funcionarem sem freios; do lado da distribuição, caberia ao Estado o papel de (mesmo que de forma punitiva) compensar os perdedores. Há vinte anos atrás talvez fosse possível acreditar que uma separação tão clara entre produção e distribuição de riqueza poderia ser eficaz e sustentável. Hoje, face ao crescimento dependente de atividades voláteis, à incapacidade geral para travar o aumento de desigualdades, ou à falta de credibilidade da social-democracia para proteger os mais vulneráveis, hoje é muito difícil aceitar essa divisão.

É, assim, urgente trabalhar – sem os fantasmas inúteis da “radicalização programática” e do “anti-capitalismo” – num diagnóstico sério sobre os desafios que a transformação do capitalismo e as dinâmicas laborais e demográficas colocam à social-democracia. Precisamos de corrigir os excessos liberalizadores cometidos nos últimos 20 anos e repensar o papel do Estado nas políticas de crescimento, regulação e inovação.

Em vez de esperar que os mercados destruam e criem, limitando-se a política social a apanhar os “cacos” gerados pela destruição criativa, o Estado necessita de melhor intervir previamente nos mercados, desenhando-os segundo critérios de justiça e eficácia. Trata-se, nuns casos, de limitar os mercados, como nos serviços públicos universais de educação e saúde (forçando o capital privado a investir em setores transacionáveis); trata-se, noutros, de limitar a ação dos mercados (no trabalho, na habitação, na energia, no ambiente) através de regulação inteligente; trata-se, noutros casos ainda, de construir mercados através de políticas de inovação onde o Estado deve ser capaz de definir missões coletivas, coordenando a atividade dos privados na resolução de problemas económicos, ambientais e sociais.

Se, por exemplo, o Estado português definisse como missão libertar o país da dependência de combustíveis fósseis num dado horizonte temporal e concentrasse recursos e incentivos aos privados para esse fim, não só estaria a dar resposta a problemas concretos (défice da balança de bens e qualidade de vida) e a potenciar os recursos naturais, como criaria novos mercados e oportunidades de inovação para o tecido produtivo, gerando emprego com salários mais elevados.

Esta não é uma agenda anticapitalista, mas também não é o liberalismo económico. É uma agenda social-democrata para o século XXI.

V

A relevância de toda esta discussão para o PS é dupla. Primeiro, o sucesso deste governo e desta maioria nada deve à terceira via. O PS não precisou de mercadorizar os serviços públicos, de liberalizar o mercado laboral, de diabolizar os “radicalismos programáticos”, de estigmatizar os mais fracos ou de ignorar os abusos do mercado para obter bons resultados sociais, económicos e orçamentais e para merecer o apoio popular.

Em segundo lugar, o PS deve evitar cometer os erros que contribuíram para que, em muitos países, se alienasse parte do eleitorado tradicional da social-democracia. É essencial, no plano ideológico, saber os valores em que acreditamos, evitando uma excessiva diluição das fronteiras com outros partidos; no plano programático, definir como esses valores se devem traduzir em políticas públicas de desenvolvimento económico e de proteção social; no plano eleitoral, saber quem queremos representar, compreendendo que o projeto social-democrata depende da construção ativa de uma maioria que vá dos trabalhadores menos qualificados às novas classes médias do privado e do público, da indústria aos serviços, do interior às cidades.

É o debate e a resposta a estas questões que garante a nossa autonomia e identidade, e não a discussão sobre se o PS deve ser “moderado” ou “radical”, que não só é espúria, como esvazia o debate que realmente interessa ter; sobretudo, é irrelevante para as pessoas. Para elas, o essencial é se as políticas são capazes de traduzir as suas intuições morais de justiça e de responder às suas aspirações materiais, individuais e coletivas. Essa tem sido a força deste governo e desta maioria, que nestes anos demonstrou que não é preciso afastarmo-nos da esquerda nas políticas para, com os resultados obtidos, convencer muitos eleitores do centro de que o nosso projeto é mesmo aquele que lhes dá esperança de viver melhor em Portugal.

A Europa na hora da verdade

Opinião

A Europa na hora da verdade

Pedro Silva Pereira

Ontem às 00:10

Para a União Europeia, aproxima-se o tempo das grandes decisões. Que quadro financeiro vamos ter para os próximos anos? Que ambição será assumida na agenda para a reforma da União Económica e Monetária? Que acordo de divórcio será assinado com o Reino Unido? E, já agora, que sucessor vai ter Mario Draghi na liderança do Banco Central Europeu? Sobre tudo isto vão ser tomadas importantes decisões a curto prazo, as quais vão ditar, em boa medida, o destino do projeto europeu.

Neste quadro, a proposta orçamental apresentada esta semana pela Comissão Europeia, apesar de alguns aspetos positivos, justifica a maior das apreensões, quer pelo que propõe no plano financeiro, quer pelo que revela sobre a ausência de uma visão partilhada a nível europeu para uma resposta política à altura das circunstâncias.

Sabia-se que a elaboração do próximo Quadro Financeiro Plurianual seria sempre um exercício difícil por consequência do Brexit e dos novos desafios em matéria de integração dos refugiados, controlo das fronteiras, combate ao terrorismo e defesa. Todavia, é precisamente porque os desafios são incontornáveis que não podemos ter um orçamento insuficiente como aquele que agora foi proposto e que representa um muito ligeiro aumento de 1,03% para apenas 1,11% do Rendimento Nacional Bruto europeu, muito aquém, portanto, dos 1,3% exigidos como mínimo pelo Parlamento Europeu.

Mais grave, porém, é a proposta de um corte financeiro drástico nas políticas de coesão. Depois do euro, da crise financeira e das políticas de austeridade terem agravado ainda mais as divergências na Europa, desinvestir na coesão e na convergência é fazer exatamente o contrário do que seria necessário para corresponder às expectativas dos cidadãos. É uma escolha política manifestamente errada, que precisa de ser corrigida no processo de discussão orçamental que agora começa.

Como um mal nunca vem só, a falta de ambição da proposta da Comissão e as reações muito contraditórias que recebeu fazem temer o pior também quanto à discussão da agenda para a reforma do euro, de que a capacidade orçamental deveria ser um dos pilares essenciais.

Como disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, "o debate orçamental não começa bem". Vamos ver como termina.

EURODEPUTADO

Bilionários mais jovens do mundo assombrados pelo fantasma do passado nazi

Por trás dessas riquezas, geridas com discrição por uma "family office" na Áustria, está a história sombria de uma das mais ricas dinastias industriais da Alemanha.

Bilionários mais jovens do mundo assombrados pelo fantasma do passado nazi

Friedrich Flick, ladeado por militares norte-americanos, no Palácio da Justiça em Nuremberga

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Bloomberg05 de maio de 2018 às 18:00

O avô de ambos teria sido o homem mais rico da Alemanha nazi após construir um império de armamento com recurso a trabalho escravo. O pai esteve envolvido num dos maiores escândalos políticos do pós-guerra. E quase perdeu a fortuna da família.

Sobrou o suficiente para que Viktoria-Katharina Flick e o seu irmão gémeo, Karl-Friedrich Flick, possam declarar, aos 19 anos, que são os bilionários mais jovens do mundo. Cada um deles possui 1,8 mil milhões de dólares, segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Por trás dessas riquezas, geridas com discrição por uma "family office" na Áustria, está a história sombria de uma das mais ricas dinastias industriais da Alemanha.

O património começou a crescer com Friedrich Flick, que passou três anos na prisão após condenação pelo tribunal de crimes de guerra de Nuremberga por usar trabalho escravo para produzir armamentos para os nazis, entre outros crimes. Criou um gigante siderúrgico, tomando empresas em territórios ocupados pelos nazis e na Alemanha através da chamada arianização — ou expropriação e venda forçada de empresas detidas por judeus. Segundo um estudo de 2008 sobre os seus negócios da altura nazi, 40.000 pessoas podem ter morrido a trabalhar nos projectos de Flick.

Flick saiu da prisão em 1950 depois do alto comissariado dos EUA para a Alemanha ter concedido indultos controversos a industriais alemães. Os EUA e o Reino Unido devolveram os seus negócios e dinheiro, incluindo um activo arianizado. Flick vendeu as operações de carvão e investiu os recursos em várias empresas, inclusive na Daimler-Benz, tornando-se posteriormente o maior accionista da fabricante de automóveis.

"Deixando de lado todos os padrões morais, Friedrich Flick teve a capacidade genial de se tornar a pessoa mais rica da Alemanha duas vezes", disse Thomas Ramge, autor de "The Flicks", uma história da família.

O filho Friedrich Karl Flick assumiu os negócios após a morte do pai, em 1972. Tornou-se o único proprietário do então maior conglomerado privado e não cotado em bolsa da Alemanha após adquirir as partes de três membros da família, em 1975. Naquele ano, vendeu o activo arianizado que restava — a siderurgia em Luebeck, no norte da Alemanha — à U.S. Steel.

Na década de 1980, o seu nome foi envolvido em doações políticas ilegais, num escândalo que provocou a renúncia do ministro da Economia e do presidente do Parlamento. Friedrich Karl Flick negou que tivesse conhecimento dos pagamentos e não foi indiciado. Em 1987, o seu sócio mais próximo foi multado por evasão fiscal e condenado a dois anos de prisão, com pena suspensa.

Quase uma década depois, Flick mudou-se para a Áustria, residência da sua terceira esposa, Ingrid Ragger, 32 anos mais jovem. Os dois conheceram-se quando ela trabalhava como recepcionista num resort de esqui. Flick morreu em 2006, quando Viktoria-Katharina e Karl-Friedrich, um minuto mais novo que a irmã, tinham 7 anos. Hoje, a fortuna dos gémeos é administrada pelo Flick Privatstiftung, uma "family office" com sede em Viena e em Velden am Woerthersee, na Áustria. Stefan Weiser, um integrante do conselho, preferiu não comentar sobre a dimensão da fortuna calculado pela Bloomberg.

"Como somos um escritório de uma única família, não divulgamos nenhum detalhe a pessoas de fora", afirmou Weiser por e-mail. Os gémeos não se mostraram disponíveis para entrevistas. As suas duas meias-irmãs, Alexandra Butz, 50, e Elisabeth von Auersperg-Breunner, 44, do segundo casamento de Friedrich Karl Flick, vivem em Munique e na Áustria. O património líquido das irmãs também é de 1,8 mil milhões de dólares cada. E também preferiram não comentar.

Texto original: The World’s Youngest Billionaires Are Shadowed by a WWII Weapons Fortune

Governo quer baixar preço da electricidade em mais de 10%

O secretário de Estado da Energia assume o objectivo de alinhar os preços de electricidade em Portugal com a média europeia até ao final da legislatura. A verificar-se, representaria uma redução superior a 10% face aos preços praticados em 2015 e 2016.

Governo quer baixar preço da electricidade em mais de 10%

Bruno Simão/Negócios

Manuel Esteves

Manuel Esteves mesteves@negocios.pt05 de maio de 2018 às 19:40

O diagnóstico está feito há muito tempo, foi sublinhado em Março pela Comissão Europeia e é reconhecido pelo Governo: Portugal está entre os países onde a electricidade é mais cara. E se for considerado o nível de vida, então Portugal é mesmo o país onde mais se paga pela electricidade, segundo o Eurostat.

Este retrato não abala a ambição do secretário de Estado da Energia que, em entrevista ao Diário de Notícias, define como meta trazer os preços praticados em Portugal ao nível da média europeia. "O meu grande objectivo é que Portugal, que em 2015 tinha o preço da electricidade mais caro da Europa, possa chegar ao fim da legislatura na média europeia", disse Jorge Seguro Sanches, lembrando, contudo, que quem fixa os preços da electricidade é o regulador.

A avaliar pelos dados do Eurostat, os portugueses pagavam 23,6 euros por cada 100 quilowatt-hora (kWh), no segundo semestre de 2016, 3,1 euros acima da média europeia, de 20,5 euros. Um ano antes, o custo era ligeiramente mais baixo, de 22,9 euros. Assim, para igualar os dois valores, os preços da electricidade em Portugal teriam de baixar mais de 10% ao longo da legislatura.

Mais de um terço (36%) da factura de electricidade doméstica vai para taxas e impostos. E também aí Portugal compara mal face à média europeia: é o terceiro país onde a carga fiscal mais pesa. Por cada euro pago na conta da luz, quase 50 cêntimos destinam-se a taxas e impostos.

Porém, quando questionado sobre se o preço da electricidade vai baixar de novo em 2019, o governante não se compromete. "Não consigo dizer isso. Há questões que não podemos controlar, mas o objectivo é fazer uma redução. O Governo está a trabalhar para que os preços da energia sejam mais competitivos".

"Empresas defendem os seus interesses"

Jorge Seguro Sanchez rejeita que exista um braço-de-ferro com a EDP. "Não entendo que seja um braço-de-ferro. O relacionamento com todas as empresas do sector tem-se pautado pela maior cordialidade", afirmou para pouco depois concluir: "as empresas defendem os seus interesses, o Estado defende o interesse público. Umas vezes estaremos de acordo, noutras não". Já antes na entrevista o governante sublinhara que "o interesse dessas empresas é um, o interesse público é o outro".

Quanto ao risco de a EDP recorrer aos tribunais para inverter a decisão sobre os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), o secretário de Estado da Energia defende que "temos de estar bem preparados do ponto de vista técnico para que as decisões sejam atacadas o mínimo possível e que, se forem atacadas, não vençam".

Ladrões de Bicicletas


Descobrimentos e Encobrimentos

Posted: 05 May 2018 05:46 PM PDT

«Existe uma diferença radical entre descobrir uma coisa e descobrir um ser humano: descobrir um ser humano implica reciprocidade. Quem descobre é descoberto. Se por qualquer razão esta reciprocidade é negada ou ocultada, o acto de descobrir, sem deixar de o ser, torna-se simultaneamente um acto de encobrir. A negação ou ocultação da reciprocidade assenta sempre no poder de negar ou ocultar a humanidade de quem é descoberto. Só assim é possível descobrir sem se descobrir, pôr a nu sem se pôr a nu, identificar sem se identificar, encontrar sem se encontrar, ver sem se ver. A modernidade é uma vasta teia de reciprocidades negadas: entre o sujeito e o objecto, entre a natureza e o homem, entre o civilizado e o selvagem, entre o sagrado e o profano, entre o indivíduo e o Estado, entre o patrão e o operário, entre o homem e a mulher, entre jovens e velhos. Os descobrimentos de Quinhentos são como que a metáfora fundadora da negação moderna de reciprocidade. São, pois, tão decisivos como descobrimentos quanto como encobrimentos.»
Boaventura de Sousa Santos, Descobrimentos e Encobrimentos
«Além de ser incompleta, a palavra Descobertas pode ainda fazer recair sobre nós, portugueses, a suspeita de querermos apagar da memória e do registo público aspetos menos positivos da nossa história, insistindo numa palavra que serviu esse propósito quando uma forma nacionalista de enaltecimento coletivo era considerada legítima. Não é esse, felizmente, o programa da Câmara Municipal de Lisboa, o que torna ainda mais importante procurar outro nome. (...) Com a palavra Descobertas estaríamos a ignorar que, além da CPLP, vivem em Portugal muitos portugueses (e pessoas que, não sendo legalmente portuguesas, nasceram em Portugal, falam o português e nunca conheceram outro país) que dificilmente se identificariam com ela. Quando se afirma a necessidade de considerar o “ponto de vista de todos os envolvidos” fala-se não só dos não-europeus (...), mas também de muitos portugueses do presente. De afrodescendentes, de descendentes de asiáticos e de americanos, dos que vieram de outros continentes para Portugal, fazendo do país o que ele hoje é.»
Cristina Nogueira da Silva, O museu da expansão portuguesa deve chamar-se dos descobrimentos?
«A carta em causa é um documento sensato e fundamentado, subscrito por um leque abrangente de académicos de universidades e quadrantes diversos, nacionais e internacionais, que faz eco das reticências que o termo “Descobrimentos” suscita – há muito – entre historiadores e cientistas sociais. É uma espécie de ground zero, de mínimo denominador comum, de ponto de partida sobre o qual estamos todos razoavelmente de acordo. (...) A exclusão do nome “das Descobertas” no futuro museu de Lisboa é um passo, ainda muito inicial e precoce. E a ver pelas reações alucinadas na fase do “como não se deve chamar”, não se anuncia pacífica a etapa do “como se vai chamar” e, muito menos, a do “o que terá lá dentro”. Para recomendar e atestar escolhas e opções, bastaria uma pequena equipa de biólogos, químicos, astrónomos, se fosse outro o campo. Como é o da História, a tal dos “descobrimentos” “ultramarinos”, “coloniais” ou do “império”, valerá a pena sequer obter uma validação científica?»
Paulo Jorge de Sousa Pinto, Voando sobre um ninho de corvos
«Um museu sobre a Expansão é ou não um museu a mais? Não só creio que não é, como acho que viria num momento certo. Precisamos de um sítio onde, em duas a três horas, o visitante fique com uma ideia global, rica e rigorosa, do que era esse mundo que os portugueses tocaram, de que modo o tocaram e com que consequências. Para mais, muitos dos que passam por Lisboa têm também a ver com essa expansão e gostarão de saber de que modo as viagens dos portugueses afetaram a vida e o destino das suas comunidades. Também os lisboetas e os portugueses sabem muito pouco da Expansão portuguesa e do seu impacto na história do mundo. (...) Para um museu destes, do que se precisa mais é de um bom guião, de uma narrativa inventiva e atual, não de muitas peças. (...) Quanto ao nome, o importante é que não se comece logo a enviesar o projeto, com palavras que o ‘fecham”, em vez de o manter bem aberto a todos. De resto, só faltava que se optasse pelo crioulo francês “descobertas”...»
António Hespanha (facebook)

Um jornal com garantias

Posted: 05 May 2018 02:18 PM PDT


Os incentivos fiscais oferecidos a uns poucos têm sempre o reverso da medalha: lesam todos os outros no volume de impostos total que poderia ser recolhido e distribuído. Se os neoliberais tanto insistem nos «incentivos» é porque eles são formas extremamente eficazes de substituir políticas universais e igualitárias por benefícios de classe (sempre apresentados como beneficiando todos), de corroer serviços públicos (subfinanciados, elitizados) e de não impor a efectivação de direitos fundamentais, campo que fica então entregue à exploração, à mercadorização e à financeirização. O problema é que, depois de décadas de colonização neoliberal das mentes, mesmo os que afirmam opor-se a este projecto caem nesta armadilha. Como se não houvesse outra caixa de ferramentas onde ir buscar instrumentos melhores para resolver problemas (…) O quadro mental dos incentivos que tem sido disseminado pelo neoliberalismo não tem instrumentos apropriados à efectivação de direitos fundamentais. É tempo de o substituir por instrumentos que defendam a provisão pública, pensem a socialização e visem a igualdade. É assim que se garantem direitos.

Sandra Monteiro, Direitos, não incentivos, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, Maio de 2017.