Translate

domingo, 13 de maio de 2018

Os obstáculos à ofensiva chinesa sobre a EDP e o que pode estar por trás da OPA

12/5/2018, 23:56

Uma maratona de autorizações regulatórias, entraves quase certos em Bruxelas, uma gestão com vontade própria e um preço baixo. Muito pode falhar na OPA chinesa à EDP. O jogo ainda agora começou.

José Goulao/LUSA

Autor
Mais sobre

Mais de 10 mil milhões de euros é quanto os chineses da China Three Gorges colocam em cima da mesa para segurar o controlo da maior empresa portuguesa. Este é o investimento máximo associado às ofertas públicas de aquisição (OPA) lançadas sobre a EDP e a EDP Renováveis, caso sejam compradas todas as ações abrangidas nas duas ofertas. Nesse cenário seria a maior oferta de sempre na bolsa de Lisboa, comparável em valor apenas à OPA falhada da Sonae sobre a Portugal Telecom, já depois da revisão do preço feita em 2007.

A ofensiva chinesa, que foi preparada durante meses que envolveram contactos ao mais alto nível com o Governo português, acontece seis anos depois de a empresa de capitais públicos chineses ter vencido a privatização da EDP, oferecendo mais (em euros por ação) para comprar 21,5% do capital do que propõe agora para ganhar o controlo acionista.

Mas por trás da dimensão dos números, são muitos os obstáculos a ultrapassar e há mesmo quem admita que esta oferta não vai chegar ao mercado. Um desfecho provável que não será desconhecido dos oferentes, e que levanta a dúvida: o que pretendem efetivamente os chineses com a esta OPA? E porquê agora? E está a administração da EDP alinhada com esta ofensiva ou preferia outras alternativas de consolidação dentro da Europa, a avaliar pelas notícias dos últimos meses? Com uma OPA lançada, os poderes de António Mexia e da comissão executiva da EDP ficam muito limitados à gestão corrente da empresa. E este, como se percebe, poder ser um processo muito longo.

Mas há outras notas a reter. O preço baixo — apenas 4,8% acima do fecho de sexta-feira — deixa margem para aparecerem ofertas concorrentes. E estas podem vir dos gigantes europeus de energia que têm aparecido na imprensa internacional como potenciais interessados, mas também de investidores financeiros internacionais. No jogo pelo controlo da EDP, os chineses são os primeiros a fazer uma jogada, fora das conversas dos bastidores. À mesa estão os acionistas e a administração da EDP, mas não só. Há também reguladores, a Comissão Europeia, empresas internacionais, fundos de investimento e até governos.

E mesmo que a OPA anunciada na sexta-feira não tenha pernas para chegar ao fim, isso não significará, necessariamente, uma derrota para a China.

Reguladores, muitos e exigentes

A lista de autorizações que é necessário obter para levar para a frente a oferta sobre a EDP está descrita no anúncio preliminar da operação divulgado na sexta-feira à noite pela China Three Gorges. E é longa. Sendo que uma fatia muito substancial destas aprovações regulatórias, em particular nos Estados Unidos, resultam das operações da EDP Renováveis. A primeira passa pelo registo prévio das duas OPA junto da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários — e sabe-se já que o supervisor da bolsa pediu esclarecimentos adicionais às condições já conhecidas.

A operação terá de ser autorizada pelas autoridades da concorrência, sendo que a China Three Gorges admite que o processo seja analisado pela Autoridade da Concorrência portuguesa, mas também pela Direção-geral da Concorrência da Comissão Europeia, caso a concentração proposta tenha dimensões comunitárias, considerando os ativos que a EDP tem em vários países da União Europeia.

Os chineses apontam também para a confirmação da parte do Governo português de que não se irá opor, ao abrigo do decreto-lei de 2014, aprovado pelo Executivo PSD/CDS, que cria um regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais. Este diploma visa “garantir a segurança da defesa e segurança nacional e do aprovisionamento do País em serviços fundamentais para o interesse nacional, nas áreas da energia, dos transportes e comunicações.” Mas até agora não foi invocado em nenhuma operação.

E, por outro lado, o primeiro-ministro já sinalizou não ter reservas à oferta chinesa — confirmando, sem o dizer de forma expressa, a informação de que esta operação já estaria a ser negociada com o Governo há meses. Resta saber se esses contactos passaram pelo ministro adjunto Pedro Siza Vieira, que até ir para o Executivo em 2016 foi sócio do escritório de advogados Linklaters, que está a trabalhar com a China Three Gorges na montagem desta OPA.

O grupo chinês identifica ainda duas autoridades americanas que terão de dar luz verde ao negócio: a Comissão de Investimento Estrangeiro dos Estados Unidos, que pode exigir remédios ou condições, e a Comissão Federal Reguladora da Energia dos Estados Unidos. O aval americano é necessário por causa das operações da EDP Renováveis neste país, que é um dos principais mercados da empresa liderada por João Manso Neto. E é nos EUA que pode surgir um dos maiores entraves, já que têm sido vários os chumbos americanos a aquisições chinesas no país, sobretudo em setores considerados sensíveis a nível da tecnologia. E o ambiente de guerra comercial à China ganhou força com a Administração Trump.

A norte, os chineses terão de garantir a não oposição do Governo canadiano, do Departamento de Concorrência Federal do Canadá e do operador de rede do sistema elétrico que pode ser chamado a pronunciar-se sobre o mérito da operação no mercado do Canadá.

A sul, no Brasil, onde opera a EDP Brasil, são exigidas decisões de não oposição do regulador da concorrência, a CADE (Conselho Administrativo da Defesa Econômica do Brasil) e da energia, a ANEEL. Apesar de a EDP Brasil ser cotada na Bolsa de S. Paulo — ao contrário do que acontece em Portugal, as ações não foram suspensas após a primeira notícia da OPA e a cotação disparou mais de 10% –, a China Three Gorges não refere a necessidade de lançamento de qualquer OPA sobre a subsidiária brasileira da EDP.

Em França será necessário obter uma decisão escrita do ministro da Economia e Finanças, a confirmar que a oferta não tem de ser submetida aos regulamentos franceses de investimento estrangeiro. Caso contrário terá de haver uma autorização expressa de Paris.

São ainda referidas autorizações de reguladores nacionais de países como a Roménia e da Polónia.

Em Espanha, são as autoridades portuárias de Gigon e Avilés que têm de dar luz verde por causa das concessões atribuídas à Hidrocantábrico, empresa comprada pela EDP na década passada.

A Comissão Europeia pode opor-se?

Ainda que os chineses façam referência à eventual necessidade de uma decisão favorável por parte das autoridades europeias da concorrência, não mencionam eventuais restrições regulatórias que têm a ver com o quadro comunitário para o setor de energia e, em particular, para as redes elétricas. E que podem pôr fim às pretensões chinesas na EDP, segundo especialistas ouvidos pelo Observador que acreditam que Bruxelas não vai deixar a operação por ter implicações, ainda que indiretamente, num TSO certificado (Transport System Operador), neste caso a REN. E recordam as complexas negociações e exigências de Bruxelas para permitir a venda de uma participação, minoritária mas relevante, gestora das redes à gigante chinesa State Grid. As redes de transporte de energia, sobretudo quando estão em causa interligações internacionais, são o ativo mais protegido por regulação na energia.

O assunto deverá ser abordado diretamente junto da D.G. Comp para avaliar qual será a sensibilidade da Comissão a esta matéria. O cenário de oposição não é imediato, exige uma avaliação de Bruxelas à natureza jurídica, mas também ao poder na gestão do Estado chinês nas empresas que têm investimentos no setor elétrico em Portugal. Para já, são sinalizadas duas limitações.

O quadro legal europeu que estabelece o unbundling — a separação económica, jurídica e acionista entre os produtores de eletricidade e os operadores de redes de transporte e distribuição — define que uma produtora, como a EDP, não pode ter uma posição qualificada e relevante no operador de transporte de eletricidade que em Portugal é a REN (Redes Energéticas Nacionais). Aliás, a EDP já vendeu a totalidade das suas ações na REN.

A tomada de controlo da EDP pela China Three Gorges, que já é o maior acionista com 23,2%, levanta o problema porque este grupo, ainda que não seja uma empresa detida diretamente pelo Estado chinês, é controlado por empresas com capitais públicos. Esta circunstância, combinada com o facto de a maior acionista da REN, a State Grid — que detém 25% do capital — ser uma empresa do Estado,que até surge identificada na agência financeira Bloomberg como República Popular da China, pode ser fatal para a OPA chinesa.

Outro impedimento da regulação europeia poderá resultar da diretiva que trava o controlo por parte de grupos não europeus de empresas de distribuição de eletricidade e a EDP explora as redes em baixa, média e alta tensão.

O preço convence?

Evolução da cotação das ações da EDP no último ano

Apesar da escala internacional da operação e dos muitos bis — abreviatura para o billions (milhares de milhões) — que envolve, quando chegamos ao preço por ação o valor não é assim tão impressionante. A China Three Gorges propõe pagar 3,26 euros por cada ação da EDP, descontando dividendos, e diz que oferece um prémio de 10,8% face ao preço médio ponderado nos últimos seis meses e bónus de 17.9% face ao preço ajustado, já sem o efeito do dividendo.

Mas o prémio em relação ao fecho de sexta-feira — 3,11 euros — é modesto, abaixo dos 5%. Não é preciso recuar muito no tempo para encontrar as ações da EDP a valer mais, sem o efeito OPA, além de que é provável que essa margem extra desapareça logos nos primeiros dias de negociação pós-OPA, a partir de segunda-feira. A contrapartida é ainda menos convincente quando comparada com o preço que a China Three Gorges pagou para comprar 21,3% em 2011, numa operação fora do mercado. Os chineses pagaram 3,45 euros euros por ação, no pior momento da economia portuguesa. E nesta OPA está em causa a conquista de mais 50% dos direitos de voto, o quepressupõe um prémio de controlo que não parece estar refletido na oferta. Ainda que isso possa mudar.

Para a EDP Renováveis, a contrapartida ainda é menos atraente — 7,33 euros, contra os 7,854 euros a que fechou a ação. Mas, neste caso, há um racional. Esta é uma OPA (oferta pública de aquisição) obrigatória e que teria sempre que ser lançada, num cenário de mudança de controlo acionista da EDP, a casa-mãe que controla mais de 80% do capital da Renováveis. No ano passado, a EDP já tinha lançado uma oferta sobre a sua participada, a um preço pouco convidativo, e só conseguiu comprar mais 5% do capital.

O que vai dizer a administração de Mexia?

Ao contrário do que seria de esperar, sendo a China Three Gorges a maior acionista destacada da EDP, a posição favorável do conselho de administração da elétrica a esta oferta não é um dado adquirido. A primeira notícia do Expresso que revelou a operação chinesa admitia que a gestão poderia chumbar a OPA. A versão foi suavizada para referir que esta OPA não teria sido solicitada pela equipa de António Mexia.

A administração da EDP terá de se pronunciar sobre a oferta da maior acionista, assim que receber o projeto do prospeto da OPA

Para fazer a recomendação aos acionistas sobre a aceitação de uma oferta, a administração olha para o preço (neste caso pouco convidativo) e para o projeto estratégico proposto. Sendo a China Three Gorges a maior acionista da EDP há seis anos, há uma continuidade na orientação proposta. Fazer, ou aliás manter, a EDP como a ponta de lança para os investimentos na Europa, América e países lusófonos, ainda que transfira para a elétrica outros negócios internacionais. Assegurar que a EDP continua a ser uma empresa portuguesa cotada na bolsa de Lisboa.

Mas a gestão da EDP tem outras considerações estratégicas a ponderar e que passam pelo movimento de consolidação das empresas de energia na Europa onde a elétrica portuguesa tem sido frequentemente apontada como alvo de apetite por parte de grandes players europeus. As conversas com a francesa Engie foram as mais recentemente anunciadas, mas são recorrentes notícias sobre abordagens da espanhola Gas Natural e até se fala na italiana Enel, dona da Endesa.

Mais do que interesse, tem havido conversas e contactos, sobretudo protagonizados pelos gestores da EDP, mas que não passaram ao lado dos maiores acionistas, nem sequer do Governo, pelo menos num caso (CaixaBank/Gas Natural). E se é certo que António Mexia não teria a iniciativa de promover esses contactos sem o conhecimento dos maiores acionistas da EDP, também não é evidente que conseguisse luz verde para dar passos em frente e fechar algum negócio. Por outro lado, também há especulação sobre a vontade da gestão em reduzir a dependência do acionista chinês, quer a nível de capital, quer ao nível da influência na gestão.

A China Three Gorges não está apenas na EDP, controla também participações relevantes em muitos projetos na área das renováveis, incluindo a EDP Renováveis Portugal. Além de que a EDP será sempre uma empresa mais apelativa no mercado de fusões se a sua base acionista mantiver a margem para novos donos. E, em muitos mercados, será mais fácil, do ponto de vista político e regulatório, investir como empresa europeia com investidores internacionais e uma gestão portuguesa com autonomia de decisão, o que deixará de acontecer no momento em que os chineses assumam o controlo.

Ainda que existam argumentos, não deixaria de ser surpreendente uma recomendação negativa à OPA, sobretudo quando juntamos à equação o facto de António Mexia e os elementos fundamentais da sua equipa — exceção feita ao CFO, Nuno Alves, que abandonou o cargo — terem sido eleitos para um novo mandato em abril, sob proposta e com a votação da China Three Gorges.

A decisão pertence à comissão executiva composta por administradores independentes dos acionistas, pelo menos em tese. De fora, fica para já o conselho geral e de supervisão da elétrica onde estão os principais acionistas da EDP e onde Eduardo Catroga se senta agora na qualidade de representante da China Three Gorges.

E os outros acionistas?

A pretensão da China Three Gorges tem ainda de passar junto dos outros acionistas da EDP. O capital chinês na elétrica é predominante, a CTG e a CNIC (fundo estatal chinês) controlam mais de 28% da empresa, mas há outros acionistas com peso, como o fundo americano Capital Group, ou a fundação Masaveu, uma poderosa família das Astúrias, para além de fundos soberanos de outros países, sobretudo produtores de petróleo e gás. Português pelo menos de nome, só resta o fundo de pensões do BCP, um banco cujo maior acionista também fala chinês: a Fosun.

Estes acionistas estratégicos, com assento no conselho geral e de supervisão da empresa, têm sido fieis à gestão de António Mexia, que foi reconduzido no seu quinto mandato, mesmo com investigações judiciais aos contratos das centrais da EDP, que levaram à constituição como arguidos dos presidentes da EDP e EDP Renováveis, João Manso Neto. E terão uma palavra decisiva no sucesso desta OPA, uma vez que a principal condição de sucesso da oferta é a obtenção de mais de 50% dos direitos de voto na elétrica que, neste momento, estão limitados a 25%. Acabar com esse limite exige o apoio de dois terços dos votos presentes numa assembleia geral.

Porquê lançar uma OPA e porquê agora?

Mais do que um percurso longo, o caminho para o sucesso desta operação parece estar armadilhado, há muitas coisas que podem deitar a perder a OPA. Então, porque avançam os chineses agora?

Uma oferta pública de aquisição desta dimensão demora no mínimo três a quatro meses a preparar, e há informação de que essa preparação envolveu conversas ao mais alto nível com o Governo português, como refere o Expresso na edição de sábado. Mas também o Governo chinês estará empenhado, anunciado-se para os próximos dias a vinda do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês a Portugal.

De acordo com informação recolhida pelo Observador, a OPA chinesa ganhou forma em resposta aos crescentes rumores de conversas e negociações para um processo de consolidação da EDP com este e aquele gigante europeu. As notícias cresceram em dimensão no verão passado com o interesse da Gas Natural, que terá envolvido conversas ao mais alto nível com o Governo português, mas também com o acionista chinês da elétrica.

A história mais recente veio de França e envolve contactos entre António Mexia e a Engie, grupo que sucedeu à GDF Suez, e que em Portugal detém 50% da empresa que explora as centrais da Turbogás e da Tejo Energia. A EDP desmentiu a existência de negociações, mas a imprensa francesa dizia que o desenvolvimento das conversas estava a aguardar a eleição do novo presidente do conselho de administração do grupo francês, que tem assembleia-geral marcada para o dia 18 de maio.

A OPA chinesa seria assim uma jogada de antecipação a eventuais ofertas de empresas europeias e pode passar várias mensagens para cada um dos protagonistas do jogo. Para além de mostrar que os acionistas chineses estão na EDP para ficar, e que afastam qualquer cenário de venda, o lançamento de uma oferta a um preço pouco apelativo condiciona os movimentos futuros dos concorrentes. E nem todos são necessariamente empresas de energia. Pode haver fundos de investimento a entrar na corrida, aliás alguns já lá estão. Dois dos investidores relevantes na EDP são os fundos americanos Capital Group e Blackrock.

Uma OPA concorrente sobre a EDP teria de ser mais cara, pelo menos 2%, e não poderia apresentar condições mais desfavoráveis, mas uma contrapartida modesta pode estimular o aparecimento de mais ofertas. E a China Three Gorges pode estar preparada para cobrir uma subida de parada. Até porque um preço modesto pode sinalizar que há margem para dar mais.

Mas mais do que o do dinheiro, o tempo pode ser um fator mais importante. Com uma OPA na mesa, ainda que sem grandes probabilidades de sucesso, qualquer alternativa de consolidação terá mais dificuldade em impor-se. Tanto mais que a comissão executiva liderada por António Mexia fica com seu raio de ação muito limitado, não pode tomar decisões relevantes que ultrapassem a gestão normal da empresa, como estabelece o código do mercado.

A partir do momento em que tome conhecimento da decisão de lançamento de oferta pública de aquisição que incida sobre mais de um terço dos valores mobiliários da respectiva categoria e até ao apuramento do resultado ou até à cessação, em momento anterior, do respectivo processo, o órgão de administração da sociedade visada não pode praticar actos susceptíveis de alterar de modo relevante a situação patrimonial da sociedade visada que não se reconduzam à gestão normal da sociedade e que possam afectar de modo significativo os objectivos anunciados pelo oferente.”

E o obstáculo aparentemente incontornável das restrições europeias ao investimento chinês na energia? Aqui há quem admita que a China Three Gorges, com o comité de investimento chinês por trás, pretende testar até onde vai essa limitação.  Já este ano, o apetite chinês teve um sério contratempo. A State Grid, a empresa que está na REN, tentou reforçar a sua participação num operador de rede alemão, 50Hertz. O negócio falhou porque uma empresa belga, que era já acionista, exerceu o direito de preferência, cobrindo o elevado preço proposto pelos chineses. Mas há notícias de que o negócio não agradava ao Governo alemão, menos recetivo ao investimento chinês do que têm sido os executivos portugueses.

Coincidência ou não, o lançamento da OPA acontece num momento de alta pressão sobre a EDP que vem de todos os lados: política, justiça, regulação, opinião pública. E quando está aprovada uma comissão parlamentar de inquérito para investigar as chamadas rendas excessivas pagas nos últimos anos e que são apontadas como culpadas pelo elevado preço da eletricidade em Portugal.

PCP critica “opção política” de Costa de preferir contratar a dar aumentos na função pública

HÁ 2 HORAS

O líder do PCP criticou o primeiro-ministro por preferir contratar funcionários públicos a dar aumentos salariais, ironizando que "é uma opção política".

MÁRIO CRUZ/LUSA

Autor
  • Agência Lusa
Mais sobre

O líder do PCP criticou hoje o primeiro-ministro por preferir contratar funcionários públicos a dar aumentos salariais, ironizando que “é uma opção política” e que continua a haver dinheiro para “pagar uma dívida que não é pagável”.

A crítica de Jerónimo de Sousa foi feita hoje no encerramento de um debate sobre “Crianças e pais com direitos”, na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Lisboa, em que fez a defesa de medidas estatais no apoio aos jovens pais, que, admitiu, precisa de investimento.

“Dizem-nos: têm razão, mas não há dinheiro”, improvisou Jerónimo de Sousa no seu discurso, comentando a entrevista do primeiro-ministro, António Costa, ao Diário de Notícias, em que disse preferir contratar funcionários públicos a avançar com aumentos salariais, como pretendem PCP e Bloco de Esquerda.

O secretário-geral comunista afirma que Costa, “ao mesmo tempo que afirma não ser possível um justo aumento salarial para quem não recebe aumentos há nove anos”, garante, ao mesmo tempo, que “não faltarão 35 mil milhões de euros para uma dívida [do país] que não é pagável sem ser negociada”.

Para já não falar, afirmou, “dos que, para a banca, há sempre uns milhares de milhões de euros para acudir aos desmandos dos banqueiros”.

“O problema não está em não haver dinheiro. O problema está na injustiça da sua distribuição e na falta de investimento. Não é por falta de dinheiro, é por opção política”, afirmou.

Quase duas horas depois de debate, Jerónimo de Sousa encerrou os trabalhos, para defender políticas integradas para a família, de estímulo à natalidade ou combate à precariedade.

Jerónimo de Sousa propõe reduzir o horário de trabalho para as 35 horas semanais, por exemplo, e “aumentar o tempo das licenças de maternidade e paternidade para 180 dias pagos a 100%, divididos por decisão livre do casal”, bem como o alargamento das licenças obrigatórias, da mãe para nove semanas e do pai para 30 dias”.

Para apoiar crianças e pais, e porque “as crianças também precisam de tempo”, os comunistas também sugerem a criação de um plano nacional de ocupação de tempos livres, em substituição das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC).

O secretário-geral comunista terminou, nas suas palavras, com “uma frase de notável sensibilidade” do líder histórico dos comunistas, Álvaro Cunhal: “O amor pelas crianças, a luta para lhes assegurar tudo quanto necessitam no presente e para lhes assegurar o futuro, é parte inalienável do progresso e da luta dos comunistas.”

O general que quis demitir Salazar

13 Maio 2018

Rui Ramos

Há 60 anos, Humberto Delgado avançou contra Salazar. A sua campanha não foi o resultado da percepção do poder da oposição, mas sim a sensação de desagregação interna do regime. Ensaio de Rui Ramos.

Partilhe

Foi há 60 anos, a 10 de Maio de 1958, que o general Humberto Delgado explicou no café Chave de Ouro, no Rossio, em Lisboa, o que faria a Salazar, caso fosse eleito presidente da república nas eleições de 8 de Junho: “Obviamente, demito-o”. Aqueles que viveram a campanha de Delgado em 1958 citam-na muito como o despertar ou a confirmação do seu anti-salazarismo. Por isso, a história tem sido geralmente interpretada do ponto de vista do confronto entre o Estado Novo e a oposição de esquerda. O próprio Delgado é geralmente apresentado como se, em 1958, tivesse nascido outra vez, e fosse irrelevante tudo o que fora antes, como protegido de Salazar. Nada disto faz muito sentido. A dinâmica política nestes anos não passava pelo confronto entre o regime e a oposição, que se encontrava na situação de maior irrelevância desde 1945, mas pela disputa do poder no topo do Estado Novo. Quanto a Delgado, a verdade é que não mudou a sua maneira de ser e de pensar em 1958. Como, aliás, fez questão de esclarecer a um dos oposicionistas que conheceu então: “Sou e era pessoa e não fantoche, já antes da candidatura”. Essa seria, aliás, a fonte de muitos dos seus problemas. Como é que o capítulo mais exaltante do “anti-fascismo” em Portugal foi protagonizado por alguém que era — a acreditar no que o PCP ainda dizia nesse mês de Maio de 1958 — um “fascista americanizado”?

A guerra civil do salazarismo

A irreverência que o mais jovem general das forças armadas portuguesas exibiu no café Chave de Ouro em 1958, aos 51 anos, era antiga, e nunca prejudicara a sua carreira fulgurante dentro do Estado Novo. Em 1944, tinha sido condenado a 15 dias de prisão por motim, e quase ao mesmo tempo nomeado director-geral do Secretariado da Aeronáutica Civil. Mesmo na década de 1950, o regime ainda não estava limpo da iconoclastia que o caracterizara nos seus inícios, quando pretendera romper com décadas de piedades liberais e democráticas. Os dois principais salazaristas em 1958, Marcelo Caetano, o ministro da presidência, e o coronel Fernando Santos Costa, o ministro da defesa, permitiam-se muitas franquezas com Salazar, que as tolerava. Em Abril de 1958, antes de Delgado iniciar a campanha, foi Santos Costa quem ameaçou Salazar de que “ou isto muda”, ou “tudo se perderá”, porque “o descontentamento no país é enorme”.

O descontentamento era, em primeiro lugar, “enorme” entre os próprios salazaristas. As razões para isso eram várias. Embora Salazar passasse por “doutrinário”, nunca tinha sido claro o que o regime era, para além de uma ditadura onde os partidos políticos estavam proibidos e a imprensa era censurada. Ora, nos anos 50, o país e o mundo mudavam. Já se percebera que Portugal não ia continuar a ser a sociedade ainda rural dos anos 30. Na Europa ocidental, só Portugal e Espanha eram ditaduras à maneira de 1940. Como evoluiria o regime? Para uma monarquia nacional-católica, como o Estado espanhol de Franco? Ou para uma democracia ocidental, igual à dos outros Estados da NATO, a que Portugal pertencia desde 1949?

Delgado disse a Marcello Caetano que Salazar estava “fora de moda”

Tudo isso parecia depender, já não de Salazar, que em 1958 faria 69 anos, mas de quem fosse o seu delfim. Por isso, as rivalidades e as suspeitas que havia muito separavam os salazaristas tornaram-se mas intensas. Marcello Caetano, à frente da administração civil, parecia seduzido pela ideia de dar uma base popular ao regime, através de uma política desenvolvimentista e de previdência social, o que aliás o fazia ressentir uma política financeira que lhe parecia excessivamente restritiva; mas Santos Costa, à frente das forças armadas, não acreditava que o Estado Novo pudesse ser senão aquilo que, no fundo, sempre fora, uma ditadura sustentada pelo exército. Salazar, anos antes, avisara os seus correligionários sobre o perigo de se dividirem. Mas de facto, nunca se importou de suscitar uma certa divisão e tensão, que o fazia emergir como o árbitro do regime. Era, por isso, o primeiro a fazer constar a sua disponibilidade para voltar a Santa Comba Dão, o que ele sabia enervar sempre muito os seus ministros.

Ninguém levava muito a sério o suposto cansaço de Salazar e as suas saudades do campo. Mas a possibilidade de Salazar sair existia. Bastava o presidente da república querer. Segundo a constituição de 1933, o presidente podia demitir o presidente do conselho de ministros, que dependia inteiramente da sua confiança. Ora, em meados dos anos 50, o presidente, o general Craveiro Lopes, incompatibilizara-se com o ministro da Defesa, e tornara-se o muro das lamentações de todos os oficiais melindrados com Santos Costa, patrão das forças armadas desde os anos 30. Como seria de esperar, Craveiro Lopes aproximou-se de Marcello Caetano. No Verão de 1957, aproveitando uma indiscrição de Craveiro, Santos Costa alarmou o salazarismo com a ideia de que o presidente se inclinava para substituir Salazar por Marcello Caetano. O objectivo do ministro da defesa era, obviamente, comprometer a reeleição de Craveiro, seu rival militar. Salazar hesitou ou fingiu hesitar, mas acabou por optar pela não-reeleição de Craveiro Lopes em 1958. O presidente, que esperava ser tratado como o seu antecessor, o general Carmona, sucessivamente reeleito até morrer, sentiu-se traído. Ele e Caetano viram na não-reeleição mais uma manobra de Santos Costa. Todos começaram a contar espingardas. Nas suas memórias, Marcello Caetano descreve aliás um incidente que dá ideia do ar do tempo. Em determinada altura, foi chamado pelo presidente da república, para tratar de um assunto, e a seguir teve uma reunião com Salazar. Quando, ao chegar à residência do chefe do governo, lhe disse que vinha de falar com Craveiro Lopes, viu ou julgou ver uma grande perturbação na cara de Salazar. Caetano convenceu-se de que, por uns instantes, Salazar receou que lhe viesse anunciar que o presidente da república o demitira para o substituir por ele próprio, Caetano.

Em 1958, nos comícios da sua campanha, Delgado invocou a democracia como antítese da oligarquia e da plutocracia de que acusou Salazar. Mas o seu argumento mais forte não era esse. Era um argumento corporativo.

Foi este ambiente que levou Humberto Delgado, recém-chegado da América, a arriscar a campanha de 1958. Os salazaristas conspiravam e intrigavam, mas nos gabinetes e nos corredores, mesmo quando já o faziam nos quartéis. Delgado, que logo disse a Marcello Caetano que Salazar estava “fora de moda”, resolveu trazer a questão para a rua, candidatando-se às eleições presidenciais como “independente”. Quando, a 10 de Maio, pronunciou o seu “obviamente, demito-o”, estava a assumir publicamente a intenção que as murmurações do regime atribuíam ao despeitado Craveiro Lopes. Talvez só faltasse um empurrão. Delgado convenceu-se de que a sua campanha podia ser esse empurrão. Ia agravar as discussões, aumentar as fissuras no edifício. A sua iniciativa não foi, portanto, o resultado da percepção do poder da oposição, mas sim a sensação de desagregação interna do regime.

O “tenente de Maio”

Há o hábito de reduzir Humberto Delgado à sua psicologia, como se tivesse sido apenas alguém em quem a coragem era o reverso positivo de uma certa falta de bom senso. Mário Soares definiu-o como “um homem que não sabia evitar situações de melindre”. Em 1953, Santos Costa aconselhou-o a que se deixasse de “atitudes de rapaz”, e arranjasse mais “senso e equilíbrio”. O próprio Delgado referia-se a si próprio como um “general que sabia ser tenente”.

De facto, Delgado correspondia a uma das figuras mais típicas da vida portuguesa desde o século XIX: o oficial literato e desinibido, militarista e repontão. Nas Memórias, revela a sua admiração pelos mais célebres exemplos desse género: Mouzinho de Albuquerque, o governador de Moçambique, e sobretudo Francisco Homem Cristo, de quem Delgado, em determinada altura, se sentiu o sucessor. Deu-se ainda com outra figura parecida, o capitão Henrique Galvão. Foi dessa tradição que Delgado derivou o estilo truculento do seu livro A Pulhice do Homo Sapiens (1933), e a também o seu culto do modelo cívico anglo-saxónico, assente na responsabilidade individual e no sentido prático, sem preconceitos, por contraste com os barroquismos ideológicos do jacobinismo e o reaccionarismo de importação francesa. Tinha sido esse o espírito de muitos dos jovens tenentes e capitães que haviam dinamizado o movimento militar de 28 de Maio de 1926, como Delgado. No Estado Novo, os “tenentes de Maio”, o equivalente dos “capitães de Abril” da democracia de 1974, reservaram-se sempre o direito de protestar. No regime, havia espaço para isso. Mais: o salazarismo, no seu auge, vivera dessa energia, da truculência de gente como Delgado ou Galvão. Tinham sido eles quem, em Fevereiro de 1927, defendera a Ditadura Militar perante a sublevação dos republicanos. Tinham sido eles quem, dentro da Ditadura Militar, sustentara Salazar, a quem – curiosamente — reconheceram um espírito parecido, igualmente desempoeirado e frontal. E foram eles que, à medida que o tempo passou, se desiludiram com a rotina e a indefinição de um regime que lhes pareceu, finalmente, um simples exercício de tirania pessoal. A pouco e pouco, passaram à oposição: David Neto, Mário Pessoa, depois Galvão, e finalmente Delgado.

Em 1958, nos comícios da sua campanha, Delgado invocou a democracia como antítese da oligarquia e da plutocracia de que acusou Salazar. Mas o seu argumento mais forte não era esse. Era um argumento corporativo. Delgado, filho de um militar, tinha sido formado num exército que, nos anos a seguir à I Guerra Mundial, fora o maior e mais importante em Portugal desde as invasões franceses. O corpo de oficiais cultivou então o brio profissional e o patriotismo, traduzidos no nojo aos “políticos”. O exército era a “nação em armas”. Era, por isso, mais representativo do que políticos eleitos através de fraudes eleitorais. O que Delgado propôs aos outros generais, em 1958, foi que assumissem esse mandato. Em 1926, tinham-se revoltado contra a incompetência e o facciosismo dos republicanos. Em 1958, deviam, pelas mesmas razões, fazer outro “28 de Maio” contra aqueles que, em 32 anos, haviam aproveitado a revolução de 1926 para instalar um sistema “totalitário”. Por isso, na sua proclamação eleitoral, invocou o “espírito do 28 de Maio”, na qualidade de “um dos patriotas que intervieram” na revolta.

O exemplo de De Gaulle era inspirador para Delgado

O contexto internacional era inspirador. Em França, a 15 de Maio de 1958, o general De Gaulle ofereceu-se para assumir os plenos poderes na IV República, apoiado pelo exército da Argélia. O fracasso dos políticos franceses entregou o poder a um chefe militar. Portugal parecia num impasse semelhante. A proposta de Delgado, porém, não era entregar o governo às forças armadas, mas precisamente impedir que as forças armadas se confundissem com o governo. As forças armadas deviam defender a ordem, não um partido. Ora, a crise do pós-guerra, entre 1945 e 1949, tornara claro que o Estado Novo se mantinha apenas pela força que lhe vinha do apoio do exército. Como então Marcelo Caetano disse a Salazar, “o exército voltou a ser o fiador do Estado Novo”. Para Delgado, isto representava a identificação das forças armadas com um partido, e a sua diminuição como instituição nacional. Separava-as da Nação. O símbolo disso era o ministro Santos Costa, que pusera o exército ao serviço de Salazar.

Em Chaves, a 22 de Maio, Delgado explicou: “Eu quero ser presidente da República de um regime provisório e ir-me embora! Porque eu sou contra a tropa metida em política”. O seu objectivo era “acabar com essa vergonha de a tropa estar a substituir o civil nas funções que só a um civil competem”. Não por acaso, era exactamente o mesmo raciocínio corporativo que, neste menos anos de 1958, esteve na base do protesto de D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, contra Salazar. Nos grandes corpos que tinham sustentado o regime, as Forças Armadas e a Igreja, havia quem visse que o futuro dependia de se libertarem da identificação com o salazarismo. Mas a insistência de Humberto Delgado neste tópico, durante a sua campanha de 1958, revela bem a quem se dirigia: aos comandos militares, mais do que aos eleitores da oposição. Delgado nunca teve ilusões.

Ganhar as eleições antes do voto

Depois de muitos anos no estrangeiro, Humberto Delgado não tinha verdadeira influência nas forças armadas. Não comandava tropas, não dispunha de oficiais que lhe fossem fiéis. A sua personalidade exuberante e imprevisível também não o fazia demasiado popular entre os outros generais. Decidiu por isso sair para fora do círculo do regime, e apoiar-se na oposição que a ditadura mais ou menos tolerara desde 1945, e que, ao contrário do que acontecia aos dissidentes nas ditaduras comunistas do leste, dispunha de jornais, revistas, associações e alguma actividade pública, sobretudo nos recorrentes períodos eleitorais, quando a censura e a polícia abrandavam. Para os contactos com a oposição, Delgado terá seguido a pista aberta por Henrique Galvão, que, durante a sua prisão, se relacionara com António Sérgio. A oposição tinha, para Delgado, esta dupla vantagem: por um lado, tinha suficientes meios para lhe ser útil; por outro lado, não tinha suficiente força para lhe resistir.

A oposição tivera alguma iniciativa política pela última vez entre 1945 e 1949. A repressão policial e os dilemas da Guerra Fria tinham acabado por a paralisar. O general Norton de Matos, o candidato presidencial da oposição em 1949, morrera tão anti-comunista como anti-salazarista. Em 1958, não restava à oposição mais do que esperar uma ruptura dentro do regime, seguindo, como já fizera em 1951 com o almirante Quintão Meireles, um candidato vindo da “situação”. Foi esta predisposição que Delgado aproveitou. A oposição dispunha de gente para iniciar alguma agitação nas ruas. Aparecendo fardado de general, ele atrairia curiosos. Podiam assim, entre eles, encher praças e ruas. Para trazer as pessoas para a rua, era preciso mostrar que o regime já não metia medo, que era possível criticar e rir de Salazar em público. Muita gente haveria de pensar que isso era um sinal de fraqueza da ditadura, e talvez tentar colocar-se do lado de quem parecia tão confiante. Nos campos e nas fábricas, segundo um relatório da embaixada espanhola, houve indiferença. Mas Delgado parece ter interessado um público urbano de funcionários, empregados de escritório e do comércio, e profissionais liberais, que ressentiam o condicionamento policial da vida portuguesa, e sobretudo a contenção financeira de Salazar.

Ao contrário do que era costume da oposição, Humberto Delgado foi mesmo a votos. Obrigou assim a ditadura a reconhecer-lhe uma votação de 23,5 %. Delgado, como seria de esperar, tratou sempre este resultado como fraudulento. Mas, mesmo fraudulento, era notável.

A ideia era provavelmente obrigar o regime, com estas estas movimentações de massas, a elevar a repressão a um nível que, devido às suas divisões, talvez não conseguisse sustentar. Delgado sabia exactamente o que estava a fazer: “Se eu não ganhar as eleições antes do dia 8 de Junho, também nunca mais as ganho”. Salazar e sobretudo Santos Costa, porém, responderam ao desafio. A escolha do almirante Américo Tomás, o ministro da marinha, como candidato do regime foi, ao contrário do que se diz, astuta: precisamente porque não entusiasmava ninguém, o almirante também não agravou as divisões dos salazaristas – era o candidato do apaziguamento. Santos Costa, pelo seu lado, provou que a força armada estava com ele, através de uma exibição brutal de polícia nas ruas. Aproveitou ainda a coincidência do aniversário do 28 de Maio para promover, em Braga, grandes comemorações. No seu discurso, reclamou as bandeiras de Delgado: “Os homens do 28 de Maio somos nós, não são eles”, “o Exército somos nós, não são eles” e, por isso, “os homens com medo são eles, não somos nós”. Esta última referência é importante. Em Chaves, a 22 de Maio, Delgado dissera que quem tinha medo agora era a gente do regime. Santos Costa tratou de o desmentir. Mas isto revela o que estava verdadeiramente em jogo na eleição presidencial: era uma batalha do medo: ganharia quem tivesse menos medo, e teria menos medo quem mais medo metesse aos adversários. A política em Portugal não era uma questão de argumentos, mas de força. Perante as massas de Delgado, apareceram as polícias de Santos Costa. Santos Costa deu assim ânimo à clientela do regime, que até então, segundo o próprio, “tinha desaparecido como que por encanto”.

Ao contrário do que era costume da oposição, Humberto Delgado foi mesmo a votos. Obrigou assim a ditadura a reconhecer-lhe uma votação de 23,5 %. Delgado, como seria de esperar, tratou sempre este resultado como fraudulento. Mas, mesmo fraudulento, era notável, se pensarmos que Delgado o obteve num eleitorado pequeno, vigiado e composto de muitos funcionários públicos, e em pouco mais de um mês de campanha, sempre sujeito à censura na imprensa e sem meios para impedir burlas. A oposição não tivera antes nem jamais voltou a ter depois uma votação igual. Em 1959, à cautela, Salazar desistiu de se submeter a outra provação semelhante, mudando o sistema de eleição do presidente da república, que passou a ser escolhido num colégio eleitoral restrito, composto por deputados, procuradores à câmara corporativa e outros dirigentes da ditadura. Nunca mais seria provável o que ele chamava “o golpe de Estado constitucional”, isto é, a hipótese de o candidato da oposição vencer umas eleições presidenciais e, como Delgado prometera, “obviamente demiti-lo”.

Rumo ao desconhecido

Depois da eleição presidencial, Salazar tentou atenuar algumas das tensões entre os salazaristas, pelo seu velho expediente de fazer circular o pessoal do regime. A Marcello Caetano, deu a entender que considerava Santos Costa o verdadeiro vencedor das eleições. Mas acabou por demitir Santos Costa, provavelmente para apaziguar os militares que se haviam posto ao lado de Craveiro Lopes. Depois, despediu também Marcello Caetano, para não irritar os partidários de Santos Costa. Não foram boas notícias para Delgado. Percebeu que o afastamento de Santos Costa iria, pelo menos temporariamente, diminuir a tensão golpista que se vivera no princípio de 1958 e que fora a razão de ser da sua iniciativa.

O que esperava Delgado não era difícil de prever. Havia o precedente de Henrique Galvão, também um protegido de Salazar, mas que no momento em que desafiou publicamente o salazarismo, experimentou a violência de que o regime era capaz, a começar por uma pesada pena de prisão. Marcello Caetano, logo em Junho de 1958, tentou persuadir Salazar a moderar as “retaliações” contra Delgado. Pelo seu lado, o novo ministro da Defesa, general Botelho Moniz, tentou persuadi-lo a que saísse do país, dando a entender que, nessas circunstâncias, talvez ele próprio fizesse alguma coisa contra Salazar. Delgado, porém, não aceitou sair de cena, como fizera o almirante Manuel Quintão Meireles em 1951. Tinha apenas 52 anos, e não 71 como Meireles, e nunca cultivara a discrição e a obscuridade. Em vez disso, tornou-se ainda mais ousado.

Marcello Caetano, logo em Junho de 1958, tentou persuadir Salazar a moderar as “retaliações” contra Delgado

Uma vez que os generais não lhe respondiam, Delgado voltou-se para os oficiais mais novos. As divisões do salazarismo e a campanha eleitoral haviam gerado uma efervescência geral, em que, contra o regime, já não apareciam só os velhos republicanos e comunistas do costume, mas também monárquicos e católicos até aí enfileirados na ditadura. Ressurgiram então, por pouco tempo, o tipo de conspirações de antes de 1926, em que civis armados ajudavam jovens oficiais a tomar conta de instalações militares. Foi a ideia por detrás da chamada “revolta da Sé”, de Março de 1959. Tudo falhou. Em grande medida, porque o medo não tinha acabado. Havia o medo da polícia, que vigiava, prendia e torturava. Mas era um medo que, apesar de tudo, não impedia as pessoas, pelo menos em privado, de comentar e maldizer, como se nota nas informações da PIDE. O medo maior, que impedia qualquer mudança, não era esse, mas outro: era o medo do “desconhecido”. Comentando a “revolta da Sé”, Mário Soares notou nas suas memórias, em 1972: “O que sairia de um tal movimento se acaso tivesse triunfado? É difícil de prever”. Havia republicanos e monárquicos, socialistas e comunistas, católicos e maçons. Todos queriam derrubar Salazar – mas se o fizessem, que aconteceria depois? Por isso, houve sempre grupos que faltaram ou se retiraram – em Março de 1959, por exemplo, os comunistas, provavelmente desconfiados que talvez não aproveitassem com uma vitória, abandonaram a conspiração. Ninguém sabia o que estava do outro lado.

Foi esse medo do imprevisível que também paralisou os generais que sucederam a Santos Costa em 1958. Três anos depois, em Abril de 1961, tentaram obrigar Américo Tomás a fazer o que Delgado prometera: demitir Salazar. Quando Tomás resistiu e Salazar os demitiu a eles, desistiram. Queriam acabar com o poder de Salazar, mas tinham medo de “aventuras” que dividissem as forças armadas e precipitassem uma guerra civil. Era este medo do desconhecido, tanto como o medo da polícia, que sustentava Salazar. Em 1958-1961, em Portugal, a liberdade, isto é, um mundo sem Salazar, metia medo: tanto aos opressores, como aos oprimidos.

A questão da autoridade numa transição entre regimes era grave. O próprio Delgado estava consciente disso. Prometera a “adopção progressiva e tão rápida quanto possível dos hábitos correntes nos países democráticos”. Era a democracia pluralista o seu objectivo final. Mas no seu discurso de Chaves, a 22 de Maio de 1958, admitiu que nada havia, no imediato, para “suceder a trinta anos de ditadura senão um regime de força”. E reflectiu: “Eu pergunto a alguém se tem qualquer ideia de como é que um país infantil do ponto de vista democrático, sem partidos organizados, completamente amorfo, louco, sedento de liberdade, se pensa que em vinte e quatro horas se podem fazer eleições gerais?” Quer dizer que Delgado, no imediato, oferecia sobretudo a expulsão do poder de Salazar e de Santos Costa. Mas não podia garantir exactamente o que viria a seguir, a não ser que ele próprio estaria à frente de outra ditadura, embora uma ditadura democratizante. Para as oposições, isto era pouco. Delgado não lhes garantia posições, apenas a benevolência de um antigo salazarista.

É conhecida a resistência do PCP à sua candidatura. Mas os outros oposicionistas não foram muito mais acolhedores. Delgado era alguém que viera do outro lado, e que permanecia um ser estranho. No fim de 1958, quando os oposicionistas preparavam a visita a Portugal de um deputado trabalhista inglês, Delgado sugeriu que, para provocar agitação, arranjassem uns rapazes para lhe atirar “uns tomates”, de modo que os salazaristas ficassem com as culpas. Os seus novos correligionários ficaram chocados: “Era o antigo oficial da Legião Portuguesa que tinha vindo de súbito à superfície”, notou Mário Soares. A oposição nunca confiou nele. Nas suas memórias, Santos Costa conta que perguntou a Aquilino Ribeiro se a oposição queria mesmo Delgado como presidente. Aquilino ter-lhe-ia respondido: “Mas é evidente que não, meu caro amigo”. O que “nós precisamos, acima de tudo, é de alguém que nos abra a porta. O resto se verá depois”. Só que Delgado não queria ser o Américo Tomás da oposição: se era essa a ideia, como disse numa carta de 1958, “enganaram-se no tipo de general que escolheram”. Devido ao fracasso da sua aposta de 1958, Delgado condenou-se a fazer oposição com gente que não confiava nele, e em quem ele não confiava.

Depois de 1961, tudo pareceu diluir-se. Os militares aplicaram-se nas guerras em África. A população entregou-se às grandes expectativas proporcionadas pela rápida industrialização do país e pela emigração para França. Humberto Delgado, porém, foi sempre em frente, “mais longe do que iria a maioria dos homens”, como disse em 1962. Em 1959, partiu para o exílio, depois de fazer perigar as relações entre Portugal e o Brasil, ao refugiar-se na embaixada brasileira em Lisboa. Vagueando entre o Brasil e a Argélia, conspirou com todos e adoptou os pontos de vista mais radicais. Foi dos primeiros não-comunistas a admitir a independência do ultramar, revelando a mesma audácia do general De Gaulle no caso da Argélia francesa. Imprevisível e impetuoso, tornou-se insuportável para os outros oposicionistas, com quem foi cortando relações até ficar quase sozinho. Permaneceu, porém, a referência principal do combate ao salazarismo. Como Silva Marques contou nas suas memórias de militante clandestino no princípio da década de 1960, até aos simpatizantes do PCP o que mais interessava não era o que Álvaro Cunhal explicava nos seus longos relatórios escritos em Moscovo, mas “notícias de Humberto Delgado”. Delgado era o homem de acção, que não esperava mudar o regime com citações de Lenine. No fim do ano de 1961, entrou disfarçado em Portugal, para secundar uma tentativa de assalto ao quartel de Beja. Depois, deu entrevistas à imprensa internacional, mostrou fotografias de óculos e bigode em Lisboa. Ninguém como ele soube humilhar o regime.

Ao contrário do que por vezes se diz, a PIDE tinha razões para o matar. Ele nunca iria desistir, e, quem sabe, talvez um dia tivesse sorte. Nestes anos, todos tinham presente o modo improvável como Fidel Castro, em Cuba, passara de foragido na serra a dono absoluto do país. Mas nem sempre foi fácil aguentar a deambulação sem fim entre países, hotéis e identidades falsas. Em 1964, na cama de um hospital de Praga, magro e envelhecido, Mário Soares ouviu-lhe uma confissão tremenda: “Arrisquei e perdi tudo na luta: família, posição, amigos, dinheiro. Sou um homem aniquilado e terrivelmente só”. Mas, imediatamente a seguir, pediu champanhe para comemorar a visita de Soares. E uns meses depois, num novo encontro em Paris, outra vez efusivo e confiante, marcou-lhe “rendez-vous em Portugal!” Também ele não sabia o que podia acontecer. Mas não tinha medo.

Cientistas portugueses pelo mundo com regresso adiado

De uma ponta à outra do mundo há cientistas portugueses que estudam galáxias, doenças, escritos antigos e fogos florestais, uns com os olhos postos num possível regresso a Portugal, se melhores oportunidades surgirem, outros sem razões para tal.

Cientistas portugueses pelo mundo com regresso adiado

© iStock

Notícias ao Minuto

HÁ 7 HORAS POR LUSA

ECONOMIA CIÊNCIA

Não se sabe ao certo quantos investigadores portugueses vivem e trabalham no estrangeiro. As estatísticas oficiais cingem-se ao número de bolseiros a desenvolverem projetos científicos temporariamente em instituições estrangeiras, não incluindo os cientistas que, por sua iniciativa, emigraram.

Em abril, de acordo com dados da Fundação para a Ciência e Tecnologia, principal entidade nacional que financia bolsas de formação científica, havia 184 bolseiros com planos de trabalho a decorrerem exclusivamente em laboratórios ou universidades fora de Portugal, a maioria no Reino Unido, a maioria com bolsas de doutoramento.

Num relatório preliminar de fevereiro, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) considerava "particularmente problemática" a falta de informação sobre os doutorados portugueses que trabalham no estrangeiro, propondo o seu registo numa base de dados.

Uma ronda pela plataforma digital GPS da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que coloca os investigadores portugueses no mapa e que totaliza mais de mil pessoas inscritas a título voluntário, permitiu descobrir que se faz ciência com cunho português em todos os continentes (com exceção da Antártida, mas onde Portugal já teve cientistas, na Estação Halley).

Em vésperas do Dia Nacional dos Cientistas, que se comemora na quarta-feira, a Lusa 'deu uma volta ao mundo' pela mão dos investigadores portugueses na diáspora, para perceber o que fazem, o que os motiva a trabalhar no estrangeiro e o que pensam, à distância, da ciência feita em Portugal pelos portugueses.

A opinião é consensual entre a dezena de investigadores contactados, dos Estados Unidos ou Chile à Austrália e Nova Zelândia, passando por Reino Unido, Suécia e Etiópia: os cientistas portugueses são tão bons como os demais, falta-lhes em Portugal oportunidades, trabalho mais bem pago e estável e o reconhecimento por parte das instituições.

David Sobral, astrofísico, está há dois anos e poucos meses no Reino Unido, onde fez o seu doutoramento e onde regressou depois de um contrato de investigador de cinco anos que lhe permitiu trabalhar na Faculdade de Ciências de Lisboa e no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

Mudou-se de 'armas e bagagens' para a Universidade de Lancaster, onde dá aulas e estuda a evolução de galáxias como a Via Láctea, devido "à inevitabilidade de ter de sair de Portugal mais tarde ou mais cedo".

A falta de garantias de emprego levou-o a concorrer a um lugar na universidade britânica, que "estava a criar um novo grupo" de investigação. Ao fim de um mês, contrataram-no.

"A experiência tem sido fantástica", assinala.

Voltar a Portugal, "num futuro mais ou menos longo", só se for para "começar um projeto de raiz, apenas com pessoas com uma mentalidade aberta, ambiciosa e internacional", afirma David Sobral.

Para o responsável pela descoberta da galáxia CR7, a mais brilhante dos primórdios do Universo, a ciência feita em Portugal pelos portugueses "é excelente", apesar da "falta grave de reconhecimento e meritocracia dos mesmos".

A investigadora e professora Graça Almeida, radicada nos Estados Unidos há 26 anos, também diz que a ciência 'made in Portugal' é "tão boa" como a "ciência feita nos melhores centros do mundo".

Os portugueses, assevera, "são únicos na capacidade de resolver problemas, na persistência, na inovação, no 'pensar fora da caixa'".

A especialista em doenças genéticas como a hemofilia questiona como Portugal "paga para treinar cientistas" para depois "não os acolher" e "não integrar os conhecimentos adquiridos".

Graça Almeida foi para a 'terra do Tio Sam' porque "queria muito fazer investigação" e sentia-se "frustrada com a falta de eficácia dos tratamentos" que Portugal dava aos doentes hemofílicos, em particular o Hospital de Santo António, no Porto, onde estava a cumprir o quarto ano de internato em imunoterapia.

Tentou, mas não conseguiu, voltar. As "oportunidades faltaram" e nos Estados Unidos "ofereceram emprego".

"Nunca se diz nunca", mas ao fim de 26 anos, quase tantos quantos os que viveu em Portugal, duvida que regresse ao país.

Apontando uma bússola em diferentes direções do mapa-mundo, é possível encontrar ainda investigadores como Pedro Antunes, perito em sistemas de informação e há cinco anos e meio na Nova Zelândia, ou Miguel Cruz, há 13 anos na Austrália, onde trabalha na modelação do comportamento de incêndios florestais mas de onde não pretende sair dadas as "muitas raízes estabelecidas".

Respondendo a um convite do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, Isabel Boavida está há seis anos na Etiópia, onde coordena a unidade de línguas europeias modernas na Universidade de Adis Abeba.

Em mãos tem a anotação para uma edição bilingue de um opúsculo do cronista renascentista Damião de Góis sobre a Etiópia e um estudo sobre as representações da Etiópia na literatura africana.

O retorno a Portugal não tem data marcada, será "quando chegar a hora de sair", muito embora o país africano seja um dos seus lugares de afeto.

Na Suécia, que "tem uma longa tradição de apoio à investigação científica", Jorge Ruas criou o seu próprio grupo de investigação, no Instituto Karolinska, onde se debruça sobre doenças dos músculos dos ossos. À Lusa afirma perentório que "financiamento estável e robusto é fundamental para arriscar em projetos de longa duração" que podem acabar "em descobertas importantes".

Andreia Pinho, a trabalhar na área do cancro há mais de seis anos em Sydney, na Austrália, onde "a família cresceu de dois para três", com o nascimento de um filho, considera que "as oportunidades em Portugal ainda são escassas e muito dependentes da obtenção de fundos internacionais", com os salários dos investigadores a serem "muito pouco competitivos".

Mantém "o plano de regressar a Portugal", apesar de também ter a nacionalidade australiana, mas, da ideia ao ato, tem de haver "uma oportunidade profissional" que lhe permita, a si e ao marido, "progredir na carreira e manter o estilo de vida" conquistado na Austrália.

"Seria ótimo ver uma iniciativa do Governo destinada a trazer investigadores portugueses conceituados e presentemente a trabalhar no estrangeiro de volta para Portugal", desafia.

Esquerda responde a Costa e não garante aprovação de Orçamento para 2019

12/5/2018, 20:06

O líder do PCP, Jerónimo de Sousa, avisa Costa e Marcelo que não assinará "de cruz" o próximo Orçamento do Estado. Bloco de Esquerda quer ir "mais além" e discutir tudo "setor a setor".

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Autores
  • Agência Lusa
Mais sobre

Os parceiros de esquerda do PS não garantem que vão aprovar o Orçamento do Estado para 2019 (OE2019). Depois de António Costa ter dito que se demite caso o OE2019 não seja aprovado, o Bloco de Esquerda, através da líder Catarina Martins, adverte que o documento terá de ser discutido “setor a setor”, enquanto o PCP, através do líder Jerónimo de Sousa, avisa que não assinará “de cruz” e que não existe “nenhum acordo que garanta em abstrato a sua aprovação”.

Jerónimo de Sousa e Catarina Martins reagiam à entrevista do líder do PS, publicada este sábado no DN, em que António Costa admite que sem Orçamento para 2019 a queda do Governo “é inevitável”.

Em Viana do Castelo, Jerónimo de Sousa, afirmou que o partido não assinará “de cruz” o Orçamento do Estado para 2019 e sublinhou que não há nenhuma maioria parlamentar nem nenhum acordo que garanta a aprovação do documento. “A proposta [de Orçamento do Estado] é da responsabilidade do Governo minoritário do PS. Não há nenhuma maioria parlamentar nem nenhum acordo que garanta em abstrato a sua aprovação”, referiu.

Durante uma assembleia da organização distrital do PCP, Jerónimo de Sousa avisou que “o PCP não desperdiçará nenhuma oportunidade para fazer avançar direitos e salários, é isso que temos feito. Mas não peçam ao PCP para assinar de cruz seja o que for” Disse que o PCP “honrará a palavra dada”, mas não está disponível para dar “uma palavra no escuro”. “Não podem pedir ‘assinem lá de cruz’ que depois a gente logo vê”, sublinhou.

O secretário-geral do PCP criticou estas referências ao orçamento para 2019 numa altura em que ainda se está “a meses” de se conhecer a proposta, críticas que estendeu a Marcelo Rebelo de Sousa.  “Há poucos dias, ouvimos o Presidente da República pronunciar-se pela viabilização do Orçamento com um determinismo que surpreende. Segundo o seu raciocínio, o que importa é que ele seja aprovado, não interessa como, nem com que conteúdo nem que ele não exista”, referiu o líder do PCP.

Catarina Martins pede OE que “vá mais além”

Também a líder do BE, Catarina Martins, disse esperar que o próximo Orçamento do Estado cumpra o acordado em 2015 e “que vá mais além, aproveitando o crescimento económico para responder a quem mais precisa”. Em declarações aos jornalistas à margem da conferência sobre “O envelhecimento em Portugal e a sociedade portuguesa no futuro”, promovida pelo Centro Comunitário da Gafanha do Carmo, em Ílhavo, Catarina Martins garantiu que “não há este ano nenhuma novidade em relação aos anos anteriores” e que o BE fará “como tem feito todos os anos, uma negociação setor a setor” do Orçamento do Estado para 2019.

Uma negociação que, disse, “é sempre complicada e tem sempre as suas dificuldades, para recuperar rendimentos do trabalho, salários e pensões, combater as desigualdades”. Segundo a líder do BE, o acordo firmado em 2015 “está escrito e tem medidas” e algumas “têm de ser implementadas no último Orçamento do Estado.

“Nós temos um caderno de encargos claro sobre várias medidas e estamos à espera que neste Orçamento do Estado se dê resposta a elas. O que assinámos em 2015 tem de ser cumprido. Para além disso, que ninguém põe em causa, temos feito todos os anos uma negociação para perceber onde é que se pode ir mais longe do que o acordado”, afirmou.

A líder do Bloco salientou ainda que “o país não ficou parado e há outras questões a que é preciso responder” e que, com a economia a crescer, “há hoje disponibilidade para responder melhor a problemas que o país tem, onde 2,4 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza”.

“Temos divergências que já eram conhecidas. O PS, BE e PCP têm posições diferentes sobre várias matérias, mas assinámos acordos que têm a base da negociação dos orçamentos do Estado a cada ano e é isso que temos feito. Este ano estamos para negociar o Orçamento, um trabalho que é difícil, mas que terá de ter a mesma disponibilidade dos anos anteriores dos vários partidos e do governo para ser possível”, concluiu.