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domingo, 20 de maio de 2018

A chatice é só saber-se

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 20/05/2018)

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As catacumbas do futebol não são notícia de hoje. Se nos lembrarmos bem, o tipo de suspeitas que nas últimas semanas voltou à tona tem muitos anos e repete-se como um relógio. Se desta vez o resultado for igual ao de todas as anteriores, só podemos esperar pela próxima. Com ou sem Jamor, com um presidente de clube ou com outro, o que nos vai livrar destes incêndios? Receio que nada.

Tantas vezes vai o cântaro...

Vale e Azevedo, ex-presidente do Benfica, foi detido em 2001. Em 2004, foram detidas 16 pessoas, incluindo o presidente da Câmara de Gondomar, Valentim Loureiro, e o presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol. Era o caso ‘Apito Dourado’: suspeita de corrupção de árbitros e de manipulação de resultados de jogos do campeonato. Foi emitido um mandado de detenção de Pinto da Costa, presidente do FC Porto, mas foi avisado e fugiu para Espanha. Mais tarde regressaria e, depois de responder a interrogatório, ficaria em liberdade sob caução. Quatro anos depois, alguns dos acusados foram condenados. Em 2014, Pinto da Costa foi absolvido.

Com muitos outros casos pelo caminho, em 2016 foi detido o empresário José Veiga, que fora diretor-geral da SAD do Benfica. O mesmo tipo de acusações. O processo está em curso. Outros personagens do Benfica foram detidos e constituídos arguidos em 2018 no caso dos e-mails e no ‘E-Toupeira’. Agora foi detido o diretor do futebol do Sporting, também no âmbito de uma investigação sobre a eventual compra de árbitros e a fixação de resultados de jogos.

Se acrescentarmos outros casos avulsos de violência ou de tráfico de droga e mais tropelias, que envolve parte desse submundo das claques e seguranças e outras profissões que circulam no futebol, ficamos com um retrato do que se sabe. Sabe-se desde sempre. Há décadas que há detenções, processos prolongados, escutas divulgadas nas televisões, escândalos violentos. E depois vem o próximo processo. E um presidente de clube pode durar mais de 30 anos. Não há pecado neste lado norte do Equador.

Fazer-se de maluco

O problema não é só a fastidiosa repetição de processos, quase sempre da mesma forma e com os mesmos resultados. É que se sabe bem como se chegou aqui e nem há grande dúvida sobre o assunto.

A primeira responsabilidade é de dirigentes que constroem uma identidade clubística na base do fanatismo e do ódio. Há clubes, talvez até todos eles, em que as cores dos rivais são proibidas e os atletas educados seguindo Pavlov. Há sempre financiadores e sócios eméritos que conspiram para vincular as eleições e que exigem aos candidatos o maior vigor hostil. Todos exigem que o ambiente seja de ódio. Se o populismo existe em algum lugar, é mesmo nos três grandes clubes e os seus cultores têm sido Pinto da Costa, agora mais contido, Vieira, agora na defensiva, e mais recentemente Bruno de Carvalho, sempre na ofensiva, naquela candidamente confessada lógica do “fazer-me de maluco”.

A segunda responsabilidade é essa conjugação da amnistia permanente (houve sempre quem se candidatasse para se proteger de incómodos com a justiça), das facilidades financeiras e da dívida ilimitada (as contas escondem sempre o mistério de clubes falidos que multiplicam investimentos) e do poder da relação. Quando vir deputados, e não são poucos, sentados em programas de debate de futebol, note que eles pensam que estão a dar a sua opinião, quando na realidade estão a repetir juras de fidelidade, como servos de um senhor mandante. A organização de jantares anuais de claques de deputados em São Bento é um dos momentos de degradação parlamentar que exibe o poder do futebol. É assim que os presidentes dos clubes criam os seus séquitos.

O ‘guerreirismo’

Há ainda uma terceira responsabilidade e não é menor. É a mão comunicacional, a mobilização pelo negócio do futebol da colonização do espaço público através de uma estratégia obsessiva. O futebol tem que ocupar toda a fantasia, tem que dominar a imaginação, tem que ser viciante como uma droga, tem que ser omnipresente. Há nesse processo um ganho de escala: quanto mais presente está, mais é necessário o futebol. Por isso, a televisão, e não o estádio, passa a ser o lugar da exibição, revivida em comentários ad nauseam, que é alimentada por uma casta de atores que representam um papel, o do comovido ou o do furibundo adepto. O último é o que tem mais sucesso.

Talvez o melhor exemplo, um caso de estudo, é o de Pedro Guerra. Ele vem do “Independente”, onde aprendeu as manhas da comunicação, foi depois assessor ministerial na Defesa, com Portas, fez notícia porque o seu salário era maior do que o do ministro, passou a assessor parlamentar do CDS e é agora diretor da Benfica TV e comentador de um canal cabo. O estilo é o personagem: levanta-se, ameaça, gesticula, grita — e faz escola. É assim que se quer um puxador de audiências, é o enfático que vale, não é o argumento. O ‘pedroguerreirismo’ da televisão do futebol é o carimbo para a violência no futebol.

Pergunto então: vai mudar alguma coisa no estilo dos dirigentes clubísticos, ou facilidade concedida aos clubes, nas claques ou na promoção da violência pela obsessão televisiva? Não vai mudar nada, mesmo que mudem alguns dos agentes.


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Itália, espelho europeu

A meio da semana, a primeira versão do estranho acordo entre o 5 Estrelas e a Liga Norte assustou as chancelarias europeias. Definia a exigência de uma nova regra europeia com “procedimentos técnicos, económicos e jurídicos”, que permitam a um Estado sair do euro. Como? Os proponentes não têm a menor ideia. A possibilidade de um novo tratado para que isso aconteça é suficientemente implausível. A segunda ideia chocante era a proposta de uma restruturação da dívida pública italiana na parte detida pelo Banco Central Europeu e no valor de 250 mil milhões da dívida, ou 10% do PIB. As autoridades europeias gelaram.

A versão final do acordo não inclui a hipótese da saída do euro, vieram depois tranquilizar algumas fontes de ambos os partidos. Talvez um referendo. E um novo tratado. Logo se vê. Mas ficou o corte na dívida. E mais mão forte contra os imigrantes, e mais um bónus aos ricos, uma taxa plana de imposto, a 15 ou 20%. Com fascistas na coligação do poder, o remédio oferecido é este.

Este é o terceiro Governo que resulta da desagregação do sistema político europeu: o primeiro foi o do Syriza, vergado pela UE, o segundo é o de Macron, em modo de aventura bonapartista, e agora temos o terceiro, um cata-vento. É o espelho europeu: não se sabe para onde se vai.


Vigilância parlamentar

O Parlamento chega a ter má fama, mas é injusto, pois há eleitos que primam pelas ideias criativas e contundentes. Sérgio Sousa Pinto é um deles. Muito incensado pelos seus arroubos pendulares, ora com Costa ora contra Costa, desta vez apresentou uma medida essencial: votos sobre política externa devem passar pelo crivo de uma “apreciação preliminar” da Comissão de Negócios Estrangeiros, oportunamente presidida pelo próprio Sousa Pinto. Essa comissão responderá assim a uma “manifesta falta de ponderação, rigor e sentido de equilíbrio”, bem identificada pelo respetivo presidente, que assim usará a sua “ponderação”, “rigor” e “equilíbrio” contra os prevaricadores.

Será a única comissão que reclama tal vigilância censória, mas não é para menos. Sousa Pinto explicou no Expresso que até já ouviu um raspanete de uma embaixada, a da Turquia por sinal, que não gostou de um voto e decidiu pedir que doravante o presidente exerça a sua “ponderação”. Deus nos livre de haver embaixadores aborrecidos.

Pois só vejo vantagens nessa operação. Assim, as embaixadas podem ser ouvidas antes de o Parlamento adotar posições impulsivas e os deputados “rigorosos” podem entender-se. Assim serão “suavizadas certas afirmações”, explica esta semana o nosso suavizador.

O presidente da comissão deixará deste modo a sua indelével marca na Assembleia, depois de uma longa carreira parlamentar em que nunca mostrou esta sua sabedoria. Como ele constata, “o declínio da qualidade média dos titulares dos cargos públicos é notória”, e nada como um suavizador para corrigir isso. A autoridade deve ser assim: manda quem pode e obedece quem deve.

Entre as brumas da memória


Catarina Eufémia (13.02.1928 – 19.05.1964)

Posted: 19 May 2018 11:27 AM PDT

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Crítica Económica e Social

Posted: 19 May 2018 05:59 AM PDT

Grátis. Ler ou fazer download AQUI.
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Futebol: o reservatório da violência alimentado pelo dinheiro, pelos media e pela complacência de todos

Posted: 19 May 2018 03:00 AM PDT

José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Como é que se põe uma bola para baixo quando ela está quase sempre em baixo? Na verdade, como é uma bola, está sempre ao mesmo tempo para cima, para baixo, para o lado. Mas, pensando bem, por que razão deveria estar para baixo, quando esta espuma dos dias violenta é um tão bom negócio para tanta gente? Minha cara gráfica do PÚBLICO, coloque a bola na sua posição normal, e a mais oficial das bolas, porque isto do futebol é uma coisa séria, com o beneplácito das mais altas instâncias da nação. Deixe vir o esquecimento rápido do ritmo dos media e tudo vai continuar na mesma.

Por muito que se bata no peito e se façam os protestos habituais e se digam todas as coisas convenientes, não é preciso ser um telepata nem um adivinho para perceber que são coisas de muita circunstância e pouca substância e que na verdade ninguém está muito indignado com o que se passou. Digo isto, porque coisas semelhantes ocorrem ciclicamente, segue-se uma onda de indignação e depois volta a velha complacência de sempre: “são coisas do futebol”...

Têm razão, são de facto coisas do futebol. Ou, dito doutra maneira, são coisas onde circulam legal e ilegalmente muitos milhões, muito mais milhões do que em 90% das empresas portuguesas. São um maná para uma comunicação social que não sabe viver sem futebol, ou melhor sem “este” futebol, o dos Brunos, dos Pintos, dos Vieiras, dos No Name Boys, dos Super Dragões, da Juve Leo e quejandos, que parece que tem um espasmo para não lhe chamar outra coisa, sempre que há um “derby”. São um maná para o poder político que precisa de circo quando não há pão e onde Centeno e os seus antecessores abrem os cordões à bolsa para que haja sempre surtos patrióticos a propósito da bola, cheios de bandeiras e bandeirinhas, cachecóis e varandas engalanadas, cheios de Portugal gritado a plenos pulmões, quando ninguém mexe uma palha num país que perde soberania todos os dias.

O que se passa diante dos nossos olhos, trazido pelas prestimosas televisões e por uma multiplicidade de directos na rádio e capas de jornais, não engana ninguém. Só não vemos porque não queremos ver. As claques de futebol dos grandes clubes são as únicas associações de criminosos que funcionam à luz do dia. Esta gente viola todas as leis, matam pessoas, praticam extorsões várias, organizam gangues, com negócios obscuros, droga, protecção e segurança nocturnos e diurnos, executores de vinganças e ajustes de contas, e exércitos que desfilam nas nossas ruas protegidos pela polícia como animais perigosos que de facto são. Ah! bela juventude com as nossas cores, azuis, vermelhas e verdes, a que só falta cantar a Giovinezza ou o Cara al Sol! E é mais por ignorância do que por falta de vontade.

Ai não sabem? Se não sabem, é porque não querem saber. Há futebol puro e limpo para além disto? Não, não há, isto conspurca tudo e todos são cúmplices. Eu espero sempre que nem um cêntimo dos meus impostos vá para estas mafias, nem para dar “ utilidade pública” a estes empórios do crime e da corrupção, nem para pagar as medidas excepcionais de segurança dos jogos tidos como “perigosos”, nem para os bancos que perdoam empréstimos aos clubes mas recebem de todos nós milhões, e por aí adiante, mas espero sentado.

E agora prometem-nos mais uma despesa com uma Autoridade Nacional contra a Violência do Desporto para esconder a enorme responsabilidade do Estado, da justiça, dos governos, dos partidos neste estado de coisas. Quase que posso jurar que se já existisse, com os seus locais, gabinetes, pessoal pagos pelo Orçamento do Estado, nada poderia contra os espécimes que os adeptos, os sócios, as claques, as ilustres figuras públicas, escolhem para dirigir os clubes e contra os bandos de matraca e faca que eles acolhem no seu seio. O que é que impede o Governo e a justiça de agir com os mecanismos que já têm? Nada, a não ser esta miserável complacência e cumplicidade que já Fradique Mendes, numa das suas cartas onde melhor retrata Portugal, atribuía ao nosso povo:

Senti logo não sei que torpe enternecimento que me amolecia o coração. Era a bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós portugueses, nos enche de culpada indulgencia uns para os outros, e irremediavelmente estraga entre nós toda a Disciplina e toda a Ordem

sábado, 19 de maio de 2018

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Novo artigo em Aventar


por António de Almeida


Não costumo escrever aqui no Aventar sobre o meu Sporting. Começo por referir que sou sócio do clube com mais de 40 anos de filiação e quotas em dia. Nunca votei em Bruno de Carvalho, apesar de considerar em 2013 que era o melhor candidato à partida, no entanto algumas reservas à sua postura e estilo, fizeram com que me abstivesse. Em 2017 não votei porque a sua reeleição era um dado adquirido à partida e nunca levei a sério o opositor. Mesmo no actual contexto ninguém aponta uma solução protagonizada pelos rostos da oposição eleitoral ao ainda presidente do clube. Verdade que sempre apontei críticas a Bruno de Carvalho, mas fui apoiando o seu trabalho, não me revendo apenas no estilo de presidência. Até que chegou o fatídico mês de janeiro deste ano, quando o menino mimado passou de birrento a déspota, provocando uma crise desnecessária e imprevista, quando a equipa de futebol liderava o campeonato de futebol.

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Manuel Alegre. “Uma pessoa como o Sócrates, magoada e ressentida, em princípio não se fica…”

A uma semana do congresso do PS, socialista diz que só vai se for convidado. Sobre Sócrates, diz que é provável que "não se fique". E que "houve captura do Estado por outros interesses" quando foi PM.

PEDRO NUNES/LUSA

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O histórico socialista Manuel Alegre só vai ao congresso do PS, que se realiza no próximo fim de semana, se for convidado — mas acha “estapafúrdio” não ser. “Será um caso estapafúrdio não ser convidado, mas em política tudo é possível. Já resolvi muitos congressos, também já virei congressos do avesso. Não sei o que as pessoas querem deste congresso”, diz em entrevista ao Diário de Notícias, onde também fala da desfiliação de José Sócrates do PS e da “captura do Estado por outros interesses quando Sócrates foi primeiro-ministro”. Segundo Manuel Alegre, agora que está livre do PS é possível que o ex-primeiro-ministro “não se fique”.

Questionado sobre se José Sócrates pode agora sentir-se tentado a provocar danos no PS, Alegre responde afirmativamente. “Pode, pode”, responde. “Gostaria que ele não fizesse isso, mas pode. Embora ache que ele tinha ligações profundas ao PS. Teve uma maioria absoluta, foi glorificado como poucos em congressos e agora é natural que esteja magoado. E uma pessoa como o Sócrates, magoada e ressentida, em princípio não se fica…”, diz.

Ainda sobre José Sócrates, o histórico socialista não tem dúvidas de que o PS, no tempo da liderança de Sócrates, ficou capturado por interesses económicos. Mas que isso começou antes, com António Guterres. “Começou com uma pessoa que está acima de toda a suspeita, o António Guterres. Que é um socialista cristão que foi o pai político. Foi ele que abriu as portas a muitas coisas. Sinto que a partir de certa altura, e sobretudo quando Sócrates foi primeiro-ministro, houve uma captura do Estado por outros interesses. Um grande encosto à banca, por orientação política. Mas foi uma orientação que nós combatemos. E distingo a questão pessoal, política e a outra”, diz, referindo-se à questão judicial.

Para Manuel Alegre, a questão da justiça também importa muito e não se deve arrastar no tempo. “Há acusações que foram feitas que têm de ser provadas e demonstradas”, diz na mesma entrevista, onde critica a lentidão da justiça. “Arriscamo-nos, como disse o Presidente da República e muito bem, a morrer antes de certos julgamentos serem feitos. Isso não é bom para a ustiça nem é bom para a saúde da democracia”, acrescenta.

Sobre o futuro do PS, e as moções que vão ser debatidas no congresso, Manuel Alegre destaca a moção de Pedro Nuno Santos e Duarte Cordeiro sobre o papel “estratega” do Estado, mas curiosamente também se apressa a aplaudir Fernando Medina, outro rosto apontado como possível candidato ao pós-Costa. “Devo dizer que também tenho apreciado muito o Fernando Medina”, disse.

Ladrões de Bicicletas


Leituras: Revista Crítica - Económica e Social (n.º 15)

Posted: 18 May 2018 07:44 PM PDT

A segunda edição de 2018 da revista Crítica é temática. Inicia com um ensaio de Boaventura de Sousa Santos sobre os debates entre as esquerdas em cinco países (Brasil, Colômbia, México, Portugal e Espanha), a que se junta um contributo de Joana Mortágua sobre questões e escolhas políticas na experiência portuguesa. Gonçalo Brás discute o impacto das diferenças na derrama municipal quanto à concorrência fiscal no país e João Ramos de Almeida analisa o espírito corporativo que preside à concertação social. Por último, Eugénio Rosa procede a um balanço detalhado sobre a situação no Montepio Geral. O número 15 da revista Crítica está disponível aqui, para download gratuito. Boas leituras.

Economia política no seu melhor

Posted: 18 May 2018 05:56 AM PDT

Ruínas

Posted: 18 May 2018 02:13 PM PDT

Aprende-se realmente muito entre ruínas estrangeiras, incluindo sobre nós próprios, sobre os nossos erros e acertos políticos. As ruínas da esquerda italiana e grega são particularmente instrutivas, até porque estão ligadas. O europeísmo foi um dos mecanismos da (auto)destruição. Só variou o horizonte temporal.
No caso italiano, no meio das ruínas surgiu o movimento cinco estrelas e, aproveitando-se da ruína, uma liga, agora nacional. As classes subalternas reconstroem sempre um espaço nacional, graças à esquerda ou apesar dela ou mesmo contra ela. A lição é brutalmente clara: a esquerda paga um preço elevado quando são outros a tentar construir o espaço da imaginação nacional-popular numa economia estagnada, graças sobretudo ao Euro, numa sociedade causticada, graças à neoliberalização indissociável desta moeda.
Talvez valha a repescar o insuspeito Wolfgang Munchau no Financial Times (oportunamente traduzido pelo DN): “Seria ingénuo pensar na eleição de dois partidos antissistema na terceira maior economia da zona euro como irrelevante. A Itália afinal não é a Grécia. E a Liga e o Cinco Estrelas constituem um desafio muito maior para o consenso da UE do que o Syriza.”
O Syriza faz hoje penosamente parte do consenso da UE assente na mentira. Por falar de pós-verdade com origem europeia, vejam o que escreve o insuportavelmente europeísta The Guardian, uma ruína jornalistica: “O maior medo da Europa, em especial da Zona Euro, é que a Itália mergulhe no tipo de colapso económico que, em 2015, esteve perto de catapultar a Grécia – na altura, liderada por um governo radical apostado em superar as regras da Zona Euro – para fora da moeda única.” É isto que passa por imprensa de referência e até progressista.
Na verdade, a depressão grega foi induzida pelo Euro e pelas regras austeritárias que são indissociáveis do seu funcionamento; regras aceites pela esquerda grega, que finge agora gerir uma semi-colónia. Enquanto o governo grego resistiu, o BCE, por exemplo, contribuiu deliberadamente para o sabotar, por via de um sistema bancária em crise induzida, algo jamais visto.
Não sei o que é que o eventual governo liderado pelas direitas italianas fará, nem dele espero nada de bom, mas sei que se desafiar o consenso de Bruxelas-Frankfurt, o mais provável é que as forças de mercado e da integração que as suporta mergulhem ainda mais a Itália no caos. A Zona Euro mantém-se também pelo medo.
Medo e mentira. Até quando?

Desequilíbrios regionais e ensino superior

Posted: 18 May 2018 03:17 AM PDT

Uma andorinha não traz, evidentemente, a primavera. Mas a decisão do MCTES, relativa ao corte de 1.100 vagas em Lisboa e Porto, no próximo concurso nacional de acesso ao ensino superior, é um bom exemplo da natureza e significado que as medidas de redução dos desequilíbrios regionais e de combate à desertificação do interior do país devem assumir.
Para que se tenha uma noção do desequilíbrio que atualmente se verifica na oferta de ensino superior, em termos de alunos matriculados, veja-se o gráfico seguinte: em 2017, no ensino superior público, 44% dos alunos estão concentrados nas cidades de Lisboa e Porto; 53% nas áreas metropolitanas e 90% no litoral do país. Ou seja, o interior conta apenas com 10% dos alunos.

Quando fazemos o mesmo exercício para a distribuição dos alunos do ensino superior privado, o desequilíbrio é ainda maior: cerca de 2/3 dos alunos (68%) deste subsistema estão concentrados nas cidades de Lisboa e Porto; 90% nas áreas metropolitanas e 99% no litoral. Ou seja, apenas 1% dos alunos matriculados no ensino superior privado se encontram a estudar no interior do país.
A evolução recente da distribuição de alunos traduz de resto uma aproximação gradual à configuração existente em 1990. Isto é, antes de a rede de institutos politécnicos ter permitido uma melhoria dos equilíbrio territoriais, para a qual o surgimento de instituições privadas também contribuiu, ainda que em menor escala. Com efeito, inicia-se a partir de 2001 uma inversão desse equilíbrio relativo, particularmente expressiva no desequilíbrio entre litoral e interior, tanto no ensino superior público (com apenas 3 pontos percentuais de diferença, em 2017, face à distribuição de 1990) como no ensino superior privado (em que a percentagem de alunos matriculados em instituições de ensino superior do litoral, em 2017, supera já a registada em 1990).
Por último, as diferenças entre a rede pública de ensino superior - apesar de tudo menos «litoralizada» que a privada - evidenciam o papel que o Estado pode e deve ter no seu ordenamento, já que os privados - naturalmente - tendem a acompanhar a concentração da procura, acentuando os desequilíbrios regionais existentes.