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Mar Adentro (2004), de Alejandro Amenábar
Hoje às 00:05
Queria começar por lembrar que votaremos a letra dos projetos de lei, e não os argumentos desonestos de quem escolheu não fazer este debate com seriedade. Estes projetos não abrem a porta à eugenia e não provocam a morte assistida em doentes psiquiátricos, crónicos ou idosos. Estes projetos propõem a despenalização da morte assistida apenas quando exista a combinação cumulativa de quatro situações: um diagnóstico de doença incurável e fatal ou lesão definitiva; um prognóstico de que essa doença é incurável e fatal; um estado clínico de sofrimento duradouro e insuportável; um estado de consciência que demonstre a plena lucidez e capacidade para entender o alcance do pedido.
Bem sei que o argumento que se segue é o da insuficiência da rede de cuidados paliativos. Estamos de acordo quanto à identificação dessa insuficiência e à necessidade de a suprir. Mas os cuidados paliativos não são uma alternativa à eutanásia. Tal como demonstra um estudo na "Palliative Medicine", uma reputada revista da área, a maior parte das pessoas que solicitaram a morte assistida na Bélgica tinha acesso a cuidados paliativos. O que está em causa é sempre a decisão de cada um face ao sofrimento que pode ser subjetivo para outros mas que, para si, é muito objetivo e real.
Partilhamos o princípio de que a vida é um direito. Mas a forma como interpretamos esse princípio é plural. Há, entre nós, quem entenda que a sua vida é um dom de Deus, que só Ele pode retirar. Há quem não acredite em Deus mas pense que a vida, enquanto a existência física no Mundo, é inviolável. Há quem ache que morrer é desistir.
Discordo destas interpretações mas entendo que cada pessoa decida sobre a sua vida, e a sua morte, de acordo com elas. Pessoalmente, acho que a vida é mais que a mera sobrevivência do corpo, e que dignidade é poder preservar, respeitar e elevar essa vida. Pode acontecer que um dia o corpo me sobreviva à dor e à consciência de que isso é tudo o que me resta, até morrer. Condenarem-me a sobreviver nessa condição contra a minha vontade viola tudo aquilo que considero humanista ou sagrado. Quando esse dia chegar quero apenas poder tomar a decisão que dignifica a minha vida, que lhe dá mais valor.
Seja qual for a nossa escolha pessoal, não temos o direito, como deputados e deputadas, de impor uma única forma de decidir sobre a vida e a sua dignidade. Ao aprovar a despenalização da morte assistida, estaremos a permitir que as pessoas façam as suas escolhas mais difíceis em liberdade, consciência e segurança.
DEPUTADA DO BE
Mamadou Gassama é um dos milhares de imigrantes que, todos os dias, arrisca a vida para escapar de um qualquer inferno na Terra, a bordo de uma embarcação frágil e sobrelotada. No caso de Mamadou, foi o Mali, um dos países mais pobres do planeta, apesar de dono da terceira maior reserva africana de ouro.
O Mali é um estado secular, de maioria muçulmana. Ainda assim, existem algumas zonas no norte do país onde a sharia se substitui à lei, o que equivale a dizer que um conjunto de fanáticos interpreta o Corão como lhe apetece e aplica amputações, apedrejamentos até à morte e outras formas de tortura e extermínio. Não sei se Mamadou vivia no norte do país, mas eu nem no sul queria estar, com malucos daqueles à solta. Fugia dali, como o maliano fez.
por rui a.
Nada escrevi acerca do debate travado entre Adolfo Mesquita Nunes e Vasco Pulido Valente, sobre o tema «para onde vai a direita», que teve lugar na semana passada no Grémio Literário. Não estive lá, mas li o magnífico texto que lhe dedicou o José Meireles Graça, mais do que suficiente para uma aproximação ao que por lá se passou. A dedicar-me ao assunto tenderia a dizer o óbvio, que seria redundante: que não há, de momento, um pensamento político e estratégico de direita em Portugal, se por esta for entendido qualquer coisa que escape ao estatismo social-democrata/socialista mainstream, que tem orgasmos múltiplos e prolongados com as «vitórias económicas da geringonça e do Cristiano Ronaldo das finanças», esta semana orgiacamente festejados, «ambos os dois», na Batalha. Como diria também que a nossa tradição direitista em Portugal não é liberal, limitando-se a versões adocicadas de uma democracia-cristã situada entre o beato e o iliberal, o que não me fascina. E acrescentaria ainda que, por muita consideração que tenha pelos dois, que a opinião de um homem estruturalmente avesso ao primado do mercado e de outro que está partidariamente comprometido ao mais alto nível, sempre me mereceriam alguma reserva sobre as conclusões que pudessem retirar num tema como este, por mais interessante que fosse – como certamente foi – o debate.
Acresce ainda que todos os momentos de direita que o país teve, desde o começo do século passado, foram pouco agradáveis e quase sempre terminaram muito mal. Sidónio quis implantar uma ditadura e pagou-a com o próprio sangue; Salazar criou um regime de repressão e de isolamento asfixiante do país e das pessoas; Marcello Caetano criou expectativas que não cumpriu, e acabou dentro de uma chaimite empurrado pela populaça; Sá Carneiro morreu sem ter concluído um ano de governo da AD; dos governos seguintes de Balsemão e Freitas o melhor é nem falar; Cavaco Silva recebeu toneladas e toneladas de dinheiro de Bruxelas para criar o novo «homus cavaquensis», um irredutível e intrépido empresário lusitano que nos deixou um governo liderado por António Guterres; Barroso comprometeu-se a tirar o país do socialismo e pôs-se a andar para Bruxelas assim que pode, legando-nos, em seu lugar, o seu delfim e ex-presidente do Sporting Clube de Portugal, Pedro Santana Lopes.
Neste contexto, discutir uma coisa que não existe ou que, quando aparece, é pouco mais do que desagradável, não se recomenda a ninguém. Mas, sabendo-se que «em terra de cegos quem tem olho é rei», Vasco Pulido Valente disse, pelo que li no texto do Zé, o óbvio ululante: a direita portuguesa tem um «líder natural» que está, de momento, na reserva. De modo que este debate poderia ter tido outra designação: «Para onde vai Pedro Passos Coelho?». Nas últimas décadas, apesar da experiência governativa de coligação com Paulo Portas e o FMI a que teve de sujeitar-se, Passos foi a única coisa a aparecer na direita à margem do pensamento socialista e estatista que sempre a caracterizou. É por isso que é ele – e não o PSD, muito menos Rui Rio – que o PS e António Costa continuam a temer. Porque é dele que pode vir uma verdadeira alternativa ao que está. De resto, o móbil do congresso socialista da Batalha deste último fim-de-semana, foi-lhe inteiramente dedicado: «o PS provou que também sabe de economia e finanças públicas».
Neste seu interregno, Pedro Passos Coelho que reflicta como se pretende voltar a presentar ao país. Não terá terceira oportunidade.