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quinta-feira, 31 de maio de 2018

O que ficou da votação que não contava

Quinta Emenda

Tenho o direito de ficar calado. Mas não fico!

Eduardo Louro

  • 30.05.18

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As propostas para a despenalização da eutanásia não passaram na Assembleia da República. Por pouco, mas não passaram. Como seria por também pouco, se eventualmente tivessem passado o que, como aqui ontem se dizia, iria dar no mesmo. Talvez da próxima!

Que sociedade portuguesa se divida ao meio sobre a matéria não é grande surpresa. Estas questões, ditas fracturantes, são mesmo assim. O que poderá supreender são os diferentes alinhamentos perfilados, e mais ainda se tivermos em atenção a violência que chega a ser utilizada no debate.

Como se viu são alinhamentos exteriores à dicotomia direita/esquerda. Há muita gente de direita que é a favor da despenalização da eutanásia, embora sejam poucos, muito poucos, residuais mesmo, os de esquerda que sejam contra. A questão do PCP - e já agora uma saudação ao PEV, que pela primeira vez fez jus à sua presença no Parlamento - é outra. É outra coisa, já lá vamos.

Se procurarmos na dicotomia conservadores/liberais também encontramos dificuldades. Não que não percebamos de imediato que os (mais) conservadores estão contra, com poucas excepções. Mas porque lá, contra, encontramos também os mais assanhados liberais, os do tudo pela liberdade individual, do tudo pelo indivíduo e nada pelo Estado, que não tem nada que se meter na vida de ninguém.

O PCP é outra coisa porque nunca a liberdade individual foi bandeira sua, e é hoje provavelmente o partido mais conservador do nosso quadro partidário. E porque provavelmente acredita no rendimento eleitoral desta sua posição, num eleitorado envelhecido. É curioso notar que o PCP não esteve ao lado do CDS apenas na votação. Esteve ao lado do CDS também ao nível do debate. Rasteiro, básico e manipulador...

Ah... A primeira página do "i" é só porque sim... Porque nisto de capas não são nada maus!

Eutanásia e guerrilha partidária

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 30/05/2018)

Daniel

Daniel Oliveira

Fui um dos subscritores iniciais do Manifesto em Defesa da Despenalização da Morte Assistida que deu origem aos projetos que esta terça-feira foram chumbados. Não considero que se esteja perante um tema “fraturante” ou de “costumes”. Não aceito discutir este tipo de assuntos com base na “prioridade” que cada um deles tenha. Considero que a legislação sobre este tema tem de ser, pelos riscos que comporta, especialmente cuidadosa e acho que os projetos apresentados garantiam plenamente essa cautela. Penso que este é o tipo de temas que deve ser resolvido com um debate na sociedade e penso que isso aconteceu nos últimos anos. O debate não se pode eternizar nem servir como uma espécie de veto de gaveta de qualquer alteração legislativa. O chumbo de ontem, com margem de diferença, é apenas um compasso de espera. Depois deste debate e votação, não tenho dúvida que é uma questão de tempo. De pouco tempo.

Em política, há a substância das causas e o uso que deles fazem os atores políticos. E os cálculos políticos contaram muito para o resultado de ontem. À esquerda, como se viu pela relevância que António Costa e outros intervenientes no congresso do PS deram ao assunto, serviu para disfarçar a inexistência de um discurso que vá para além do autoelogio com os resultados económicos. Esgotadas as reversões de medidas do Governo anterior e sem maioria, o PS não tem neste momento uma agenda clara. José Sócrates usou os temas não económicos com especial mestria, conseguindo convencer muitos incautos de que isso o fazia um líder mais à esquerda do que os seus antecessores. Há alguma tentação para se fazer o mesmo agora. Já o PCP jogou numa dupla: o PEV, que como todos sabem não tem autonomia política, apresentou um projeto, os comunistas votaram contra. Assim ficou com os dois flancos protegidos.

A defesa da eutanásia não substitui a clareza do discurso social e económico no PS e não retira legitimidade política à liderança de Rui Rio. A oposição à eutanásia não tira ao PCP os seus pergaminhos de esquerda, não faz ressuscitar Cavaco Silva e Passos Coelho e não dá ao CDS qualquer liderança da direita

Mas foi à direita que o tema acabou por ser mais instrumentalizado para guerras partidárias que nada têm a ver o assunto. Aníbal Cavaco Silva aproveitou este momento para morder as canelas de Rui Rio e dar sinal de vida. Fê-lo com a megalomania que tão bem lhe conhecemos, pensando que o país e a direita paravam para saber em que partido ele ia votar nas próximas eleições. Alguém o avise que o candidato presidencial da direita venceu as eleições sem precisar do seu apoio. Também Marcelo aproveitou para fazer chegar à comunicação uma espécie de veto prévio, o que corresponde a uma intromissão no processo legislativo que ultrapassa os seus poderes. E o CDS tentou afirmar a liderança da direita e a recuperação de um eleitorado mais conservador através deste tema.

Mas o que realmente foi determinante para o resultado foram as guerras internas do PSD e o objetivo de muitos deputados apearem Rui Rio antes que ele faça novas listas. Um assunto tão sensível foi transformado numa medição de forças interna. De tal forma que vários deputados calcularam o seu voto num projeto e não noutro (eram quase iguais) para garantir que nenhum passava e que Rui Rio saía dali com uma derrota.

Ao contrário do que acontece com outros assuntos de “costumes”, este não se liga ao feminismo ou aos direitos de minorias. Nem sequer se relaciona com a tolerância perante a diferença. É possível ser conservador e a favor da despenalização da morte assistida. Basta recusar a ideia de que temos o dever de ficar prisioneiros no nosso próprio corpo. É possível ser liberal e contra. Basta não aceitar o envolvimento do Estado e dos médicos no fim da vida. É possível ser de direita e a favor. Vem de Paulo Teixeira Pinto uma das melhores frases em defesa da eutanásia: “Extinguimos a pena de morte, mas mantemos a pena de vida”. E como se viu pela posição do PCP, é possível ser de esquerda e contra.

Nada impedia que os partidos políticos tomassem posição sobre o assunto e, se assim o decidissem, decidirem-se pela disciplina de voto. Se estávamos a falar de uma mudança na lei o assunto era inevitavelmente político. Também não vejo porque têm estes temas de ser decididos em referendo quando aquilo que mais deveria ser referendado – as transferências de soberania do Estado nacional para outras instâncias – nunca o é. Mas assumir que o tema é político e que os partidos têm o dever de o debater não autoriza o aproveitamento partidário a que assistimos.

A defesa da eutanásia não substitui a clareza do discurso social e económico no PS, não faz do PEV um partido autónomo do PCP e não retira legitimidade política à liderança de Rui Rio, mesmo que os seus opositores no Parlamento tenham visto aqui mais uma oportunidade para o desautorizar. A oposição à eutanásia não tira ao PCP os seus pergaminhos de esquerda, não faz ressuscitar Cavaco Silva e Passos Coelho e não dá ao CDS qualquer liderança da direita.

E a aprovação da eutanásia não daria ao Presidente o poder de anunciar oficiosamente vetos a leis que ainda não foram votadas. Apesar da sua relevância social, as implicações políticas deste tema são mínimas. Ficou mal na fotografia quem o usou para pequenas guerrilhas partidárias.

Entre as brumas da memória


Dica (764)

Posted: 30 May 2018 10:30 AM PDT

Harakiri, Italian Style (Jan Zielonka)

«There is virtually no chance that Mattarella’s new pick to form a government, Carlo Cottarelli, will succeed in his mission. There will be new elections soon, and all polls indicate that the Northern League will gain the most from them. The same polls show that liberal parties are going to be pushed further into the margins of Italian politics. Democracy is obviously not only about elections, but depriving electoral winners of the possibility to form a government has little to do with democracy either. In an atmosphere of distrust and chaos, populists can only thrive. Prepare for an even more bumpy period in European politics. It didn’t have to be this way.»

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A fotografia que se tornou viral

Posted: 30 May 2018 05:50 AM PDT

… foi tirada ontem em frente à AR, enquanto eram discutidos os Projectos de Lei sobre morte assistida / eutanásia. Escolhida pelo Expresso diário como capa, encheu também Facebook e Twitter.

A fotografada é estudante de Medicina em Lisboa e está agora a afirmar que não deu autorização para que a sua imagem fosse divulgada e a pedir que seja retirada. Azar: pensasse antes de se exibir NA RUA. Talvez aprenda…

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A Lisboa de Medina

Posted: 30 May 2018 02:39 AM PDT

«Vi há dias um moderno e excitante vídeo da Câmara Municipal de Lisboa, no Instagram, sobre o próximo paraíso em Lisboa: os terrenos da antiga Feira Popular. A acreditar na promoção vai haver ali haver muitos apartamentos, escritórios e creches. Umas poucas árvores e muita relva, para dar um ar muito refrescante. Não faltarão candidatos a ter ali uma casa com vista privilegiada para ver e ouvir, de perto, aviões a rasar os prédios de minuto a minuto, rumo ao aeroporto da Portela.

É claro que também há pormenores menos idílicos: com a pressão automóvel nas avenidas da República e 5 de Outubro, que já é caótica a certas horas, não se imagina o que virá a ser a zona de Entrecampos: um purgatório lisboeta, que passará a fazer parte dos circuitos turísticos? Pior: trará muito mais poluição, numa zona que os efeitos de um aeroporto superlotado começam a tornar irrespirável.

No fundo, esta é a cidade imobiliária e turística, idealizada por Fernando Medina e Manuel Salgado. Uma "cidade pragmática", na senda do discurso oco e redondo do presidente da CML no Congresso do PS.

E ainda Medina quer ser o próximo líder o PS! Imagina-se a "ideologia Medina" a tomar conta de todo o Portugal: uma imensa Lisboa histórica sem portugueses (ou só como actores, contratados como figurantes para parecer "very typical") e só com franceses e brasileiros ricos.

A Lisboa que está a ser criada por Medina e Salgado é digna de muitos episódios dos "Simpsons". Sob um ar de pretensa modernidade, este "pragmatismo" sem alma e amoral está a destruir o que diferenciava Lisboa e a torná-la uma urbe sem vida própria, sem cultura, sem inovação e sem qualidade de vida. Será um grande legado que mais tarde choraremos. O espaço da Feira Popular poderia ser utilizado em parte para ser um jardim a sério, com árvores sólidas, para dar ar puro a uma zona poluída. Se fosse até poderíamos propor que o jardim se chamasse Fernando Medina ou Manuel Salgado. Para Sá Fernandes não ficar triste, poderíamos pôr no local um canteiro com o seu nome.»

Fernando Sobral

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A Europa e o abismo



por estatuadesal

(Marco Capitão Ferreira, in Expresso Diário, 30/05/2018)

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(Esta é a discussão que, por cá, ninguém quer fazer, pelo menos os partidos maioritários, PS e PSD. Mas, como chega sempre o dia da nossa morte - não se sabe é quando -, assim também lá chegará o dia em que teremos que enfrentar a realidade. Por enquanto, como bem diz o povo, "enquanto o pau vai e vem, folgam as costas". No caso de Portugal, em vez de "pau", talvez seja melhor dizer turismo, juros baixos, etc.

Comentário da Estátua, 30/05/2018)


Itália é apenas o último episódio na degradação contínua de um aspeto central da construção Europeia e da moeda única: a sua compatibilidade com o funcionamento das Democracias.

Diz muito do monumental falhanço que é a arquitetura do Euro que, por estes dias, entre a proteção da ortodoxia financeira inerente às regras e a garantia do direito dos povos a decidirem o seu futuro, faz com que prevaleça em muitas cabeças a segunda.

Como se já não bastasse que, pela segunda vez desde 2011, em Itália se vá nomear um Governo “tecnocrático”, que é uma palavra simpática para dizer que se vai nomear alguém sem legitimidade democrática, Bruxelas decidiu piorar as coisas com o habitual tom paternalista e ameaçador e as subsequentes retratações mais ou menos tíbias.

O guião é já bem conhecido, os (ir)responsáveis europeus de um lado, e os mercados do outro, num ciclo mutuamente alimentado, com tal grau de sincronia que nos podemos interrogar se ainda sabemos onde começa o poder económico e acabam as instituições europeias, ou se a sua fusão é já completa, criam a própria realidade para a qual avisam: Instabilidade nos mercados. Juros mais altos. Bolsas em queda.

A solução política não agrada ao binómio Bruxelas/mercados e, mesmo sem um único ato real de governação, a mera possibilidade da sua existência, lança a instabilidade nos mercados, como se alguma coisa de substantivo tivesse mudado.

Os mercados são instrumento de Bruxelas, ou Bruxelas é o instrumento dos mercados. Nenhuma das duas é uma coisa boa. E, infelizmente, parecem cada vez mais verdadeiras.

Hoje é Itália, ontem foi a Grécia. Até nós tivemos direito a uma pressão elevadíssima aquando da formação do atual Governo. Eu ainda me lembro dos avisos de que teríamos um segundo resgate, sanções, orçamentos “chumbados” em Bruxelas. Porque a nossa solução de Governo não agradava. Também me lembro de o Presidente da República à data ter “ameaçado” com o fim do Mundo e/ou um Governo de gestão de Passos Coelho, mesmo se chumbado (como foi) por uma maioria no Parlamento, que duraria meses ou mesmo um ano. Há sempre colaboracionistas oportunos nestas coisas.

É assim que se têm plantado e regado as sementes dos populismos e dos autoritarismos que vão despontando por aí: o mais provável resultado desta última incursão pelo disparate europeu é que Itália venha a ser governada por uma maioria agora reforçada de uma mescla de extrema-direita e populistas. Quem desconhece a história pode não se lembrar, mas quando Hitler chegou ao poder já Mussolini governava desde 1922, e Itália já era uma ditadura desde 1925. Vai fazer um século. Já tínhamos tido tempo de o aprender.

Vamos cortar a conversa a direito: se a União Europeia e o Euro não são compatíveis com a Democracia, o projeto europeu matou-se a si próprio. Porque a Europa nasce das Democracias. Nasce da vontade de partilhar valores, de afirmar a liberdade, de garantir a paz. Se não serve para isso, não serve para nada.

O Congresso do PS, as televisões e os cromos da minha caderneta

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 29/05/2018)

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O congresso de qualquer partido é importante, não apenas para os militantes, para todos os cidadãos que se interessam pela res publica.

Sendo o PS o partido do Governo aumenta o interesse pelos seus principais atores e as propostas que apresentem, malgrado a liturgia que as ofusca ou o ruído que provocam. O que eu dispenso é a explicação do que é dito por profissionais da exegese política e a sobreposição destes ao filme dos congressos. Representam para os telespetadores o que os tradutores gestuais são para os surdos-mudos, às vezes com a qualidade do intérprete que se notabilizou num ato solene da África do Sul, a gesticular sem nexo.

É, pois, por uma questão de salubridade mental que assisto, em diferido, aos congressos, limitando-me à imprensa escrita. Evito as colunas que explicam o que leio, e divirto-me com outras leituras. Exultei com o aparecimento da múmia de Cavaco Silva, receosa de que a eutanásia seja retroativa, a declarar que, nas próximas eleições, vota PCP ou CDS, isto é, por exclusão, em partidos que sejam contra a legalização da eutanásia.

No sábado, João César das Neves, talibã romano que, em matéria de fé, nunca desilude, zurzia «a liberalização da reprodução artificial, a subsidiação do aborto, a banalização do divórcio, a educação sexual libertina, o casamento homossexual, a promoção das uniões de facto, o laxismo na mudança de sexo e o planeamento da eutanásia e do suicídio assistido já na próxima semana.» [sic]. E, nessa homilia semanal no DN, numa tirada de humor negro, deixa esta pérola:

«Se vamos permitir matar crianças no seio das mães, porquê limitar às 24 semanas? O aborto devia ser permitido pelo menos até aos 18 anos; afinal um adolescente gera muito mais despesa e problemas do que um bebé. Se a definição de casamento depende apenas do amor, porquê reduzir a extensão aos homossexuais? Porque não autorizar incesto, poligamia, até o matrimónio com animais? Será que somos caninofóbicos ou felinofóbicos? Porquê confinar a eutanásia ao sacrifício físico? Porque não permitir eutanasiar pobres, deprimidos, criminosos e tantas outras formas de sofrimento?»

No domingo foi António Barreto quem me deliciou. Dissidente do PCP para a extrema-esquerda, viajou através do PS para a AD, como Renovador útil. Falhada a liderança do PS, onde era o seu único apoiante, o sucessivamente marxista, estalinista, soarista, eanista, cavaquista, soarista (de Alex. Soares dos Santos), e ora marcelista, é o verdugo do partido que o fez ministro e lhe permitiu verter o ódio à reforma agrária:

«Na verdade, hoje, o PS existe por um acaso estatístico e um golpe de sorte irrepetível. Não fora o período de austeridade, talvez o PS não fosse hoje mais do que uma coleção de cromos.».

Cavaco, César das Neves e Barreto hilariam. São cromos de estimação. Não valem uma missa, mas substituem um congresso.