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sábado, 9 de junho de 2018

Suíços decidem em referendo: os bancos devem continuar a criar dinheiro a partir do nada?

08 Junho 2018437

Edgar Caetano

Talvez não saiba, mas a banca, quando dá crédito, cria dinheiro "a partir do nada". Referendo na Suíça, no domingo, quer romper com essa prática secular. Ex-banqueiro do BCE é defensor da revolução.

Os suíços vão ter neste domingo, na ponta de uma esferográfica, uma decisão sobre algo que pode ser verdadeiramente revolucionário para a forma como as economias modernas funcionam — começando pela Suíça, um país quase sinónimo de finanças. Os promotores do referendo do Vollgeld — o dinheiro inteiro — querem acabar com a capacidade que os bancos privados têm de “criar dinheiro a partir do nada“, uma prática que está na base de como, há vários séculos, o sistema está organizado mas de que a maioria dos cidadãos não tem consciência.

O governo e o banco central suíço avisam que acabar com o sistema da reserva fracionária seria “uma experiência desnecessária e perigosa, que iria infligir graves danos na economia”. Mas a inovação tecnológica está a inspirar o movimento internacional que não vê razões por que os cidadãos não possam depositar o dinheiro diretamente nos bancos centrais, prescindindo da intermediação dos bancos privados (e evitando as crises financeiras recorrentes que, defendem, o atual sistema proporciona). Até um ex-governador do Banco de Espanha considera estas ideias “interessantes”.

“O referendo não tem recebido muita atenção até ao momento, pelo menos fora da Suíça”, escrevem dois economistas do ING, Charlotte de Montpellier e Teunis Brosens, num relatório distribuído pelos investidores clientes do banco holandês e enviado ao Observador. E porque não? “Talvez porque se subestima o impacto que o Vollgeld teria, caso fosse aplicado. Ou, então, talvez porque se acredita que a probabilidade de uma vitória do sim não é muito elevada — mas acreditar nisso pode revelar-se um erro“, avisam.

Uma sondagem encomendada pela televisão pública SRF antecipou, há cerca de um mês, que 49% dos suíços vão votar contra o referendo, que 16% estão indecisos e que os restantes 35% admitem votar favoravelmente a proposta. Existem, porém, sondagens que apontam para um resultado bem mais renhido: 45% contra e 42% a favor,com 13% de indecisos, segundo chegou a calcular uma sondagem online da empresa Tamedia.

O movimento Vollgeld Initiative conseguiu levar o tema a referendo e tem feito campanha por todo o país.

“Uma rejeição da proposta continua a ser o cenário que vemos como mais provável, mas a possibilidade de um voto pelo sim não pode ser descartada“, dizem os economistas do ING. É o que se chama um “acontecimento de baixa probabilidade mas de elevado impacto“. E basta lembrar como foram subestimados os riscos de um voto pelo Leave nas sondagens que foram feitas nas semanas antes do voto britânico pelo Brexit — uma ocasião onde também não faltaram “especialistas” e “elites” a fazer tudo o que podiam para influenciar os eleitores e alertá-los sobre os riscos de uma decisão de saída da União Europeia.

Na Suíça, o Governo e o banco central defenderam que seria “perigoso” ir por este caminho. Mas houve declarações ainda mais duras: o presidente do gigante UBS chegou ao ponto de dizer que não acredita numa vitória do sim porque está convencido de que as pessoas não irão votar no seu próprio “suicídio”. O ING lembra que, hoje em dia, “quanto mais elevado é o tom de voz dos especialistas, a recomendar às pessoas que se afastem de alguma coisa, mais elas parecem gravitar em direção a essa mesma coisa”.

Mas, antes de mais, como é que os bancos “criam dinheiro a partir do nada”?

O referendo do Vollgeld quer acabar com o que se chama de “sistema de reserva fracionária”, algo de que boa parte dos cidadãos não tem consciência mas que é absolutamente basilar para a forma como os bancos e as economias funcionam. Diz-se que os bancos criam “dinheiro a partir do nada” porque, quando os bancos recebem depósitos, existe um mínimo regulamentar de reservas — o rácio de reservas, que varia conforme o país ou zona monetária — e podem emprestar o resto, aumentando dessa forma a massa monetária de forma espontânea.

De certa forma, o dinheiro que temos nas contas bancárias não é realmente dinheiro mas, sim, uma espécie de voucher atribuído pelo banco que garante que, se for necessário, podemos utilizá-lo. O problema, como apontam os defensores do Vollgeld (e do movimento Positive Money, que nasceu no Reino Unido) é que nenhum banco teria dinheiro suficiente para entregar a todos os seus depositantes, ao mesmo tempo. Porquê? Porque esse dinheiro comercial foi criado e multiplicado pelos bancos — e não pelos bancos centrais ou pelos Estados.

Eis um exemplo simplificado de como o sistema funciona:

  • O banco Amarelo e o banco Violeta operam, ambos, por hipótese, num sistema de rácio de reservas de 10% — esse é o nível exigido por lei. Imaginemos que cada um dos bancos tem 10.000 euros em depósitos de clientes e não tem quaisquer excessos de reservas — ou seja, cada um tem 9.000 euros em crédito concedido e 1.000 euros em reservas obrigatórias junto do banco central.
  • Certo dia, o João entra no banco Amarelo e deposita 1.000 euros. O banco Amarelo fica, portanto, com 11.000 euros em depósitos no seu balanço.
  • No dia seguinte, o Pedro entra no mesmo banco a pedir um empréstimo de 900 euros. Mesmo a calhar: com o depósito do João, o banco Amarelo ganhou margem para emprestar ao Pedro os 900 que ele quer, continuando a respeitar o rácio de reservas definido por lei. Resultado prático: o banco Amarelo aumentou o crédito total concedido para 9.900 euros e tem 11.000 euros em depósitos.
  • Passados alguns dias, o Pedro decide depositar os 900 euros no banco Violeta, que fica, assim, com 10.900 euros em depósitos totais — os 10.000 que já tinha e os 900 que o Pedro depositou.
  • Ora, neste exemplo simples, verificamos que o banco Amarelo conta, neste momento, com 11.000 euros em depósitos e o banco Violeta 10.900 euros. Um total de de 21.900 euros depositados quando, na realidade, só entraram no sistema 1.000 euros(o depósito do João) — os outros 900 euros são “dinheiro de crédito” que foi “criado” pelo banco Amarelo quando fez o empréstimo ao Pedro.
  • Gera-se um efeito multiplicador, à medida que esse “novo dinheiro” circula e é sucessivamente depositado por pessoas ou empresas. Uma vez reservando o que é obrigatório por lei, os bancos conseguem rentabilizar todo o restante. Esta é, também, a razão pela qual o pior pesadelo de qualquer banco é uma corrida aos depósitos — porque o banco simplesmente não tem dinheiro suficiente para que todos o possam levantar ao mesmo tempo.

É através da definição do rácio de reservas que os bancos centrais tentam influenciar a circulação de moeda — sim, influenciar, não controlar. Um rácio maior significa, em teoria, uma menor “multiplicação”, ao passo que um valor mais baixo tende a estimular a concessão de crédito. Na zona euro, até ao início de 2012, o rácio mínimo de reserva era de 2% dos depósitos (e outras responsabilidades do banco), mas nessa altura, o pico da crise europeia, foi reduzido para 1%.

"Proposta um pouco tonta"

Quando o referendo do Vollgeld foi lançado, no início de 2016, o Observador escreveu sobre esta proposta que queria “acabar com a banca como a conhecemos“. Na altura, um professor de Economia e Finanças da Nova SBE, Paulo Pinho, considerou a proposta “um pouco tonta, feita por economistas de gabinete”. “A moeda que existe é a moeda que é necessária para fazer face às transações da sociedade e fazer face às necessidades de poupança”, disse o professor da Nova SBE, defendendo que “se os bancos são esterilizados na sua capacidade de criar moeda, a moeda que a procura determina ser a necessária, isso iria criar problemas graves, sobrevalorização da moeda, deflação e acabaria por ter de se encontrar qualquer outra alternativa”.

O sistema de reserva fracionária é uma prática centenária, que remonta aos tempos venezianos e que existe em todas as economias desenvolvidas. Apesar disso, a julgar por inquéritos feitos um pouco por toda a Europa, boa parte dos cidadãos não compreende como o sistema funciona — até uma larga maioria dos deputados no Parlamento inglês acha que só o governo ou o banco central podem criar dinheiro.

É prevalente a ideia de que, por exemplo quando é concedido um crédito, o dinheiro que o banco faz aparecer na conta do cliente é capital do próprio banco ou corresponde — diretamente — aos depósitos que outros aforradores ali fizeram anteriormente. Ou, em alternativa, acredita-se que se trata de dinheiro que o banco foi buscar ao banco central – neste caso, o BCE – para emprestar ao cliente. Como o exemplo do João e do Pedro ilustram, está longe de ser assim que as coisas funcionam. E, mesmo que o referendo seja chumbado, os seus promotores acreditam que só o facto de este tema ser discutido já ajuda a que mais pessoas ganhem essa noção.

O Banco Central Europeu explica que este é um sistema que, além de potenciar a atividade económica, funciona como uma válvula de pressão, que ajuda a oferta de crédito a ajustar-se à procura e ajuda, também, os bancos a reagirem às mudanças rápidas no chamado mercado interbancário — onde os bancos emprestam liquidez uns aos outros (e é aí que se formam as taxas Euribor). Mas a vantagem principal — que esteve na origem do sistema — é a possibilidade de rentabilizar fundos, exponencialmente, que não estão a ser utilizados.

Tem (mesmo) de ser assim?

Os defensores da iniciativa Vollgeld na Suíça, que conseguiram as 110 mil assinaturas necessárias para levar algo a referendo, argumentam que tem de haver uma forma melhor de gerirmos as nossas economias. E a inovação tecnológica, como os sistemas blockchain (que está na base das criptomoedas), tem levado vários académicos a colocar em questão se ainda precisamos dos bancos para intermediar, com a importância que têm hoje, a relação entre os cidadãos e o dinheiro emitido pelos bancos centrais.

O movimento internacional pelo "dinheiro inteiro"

O referendo suíço e a Vollgeld Initiative enquadram-se num movimento internacional chamado International Movement for Monetary Reform, que tem como ponta de lança o britânico Positive Money. Estes são movimentos que querem “democratizar o dinheiro para que ele funcione para a sociedade e não contra ela”. Em Portugal, o movimento está representado pelo Boa Moeda.

O objetivo seria evitar os ciclos de boome bust, isto é, anos de expansão acelerada da economia e/ou da massa monetária seguidos por crises graves e, invariavelmente, resgates públicos a bancos (problema que, para os defensores do Vollgeld, deixaria de existir num sistema de dinheiro inteiro — é isso que quer dizer vollgeld em alemão — porque não haveria corridas aos bancos). Acabar com a reserva fracionária foi, aliás, o que propôs o economista Irving Fisher, entre outros, na sequência do crash bolsista de 1929 e da Grande Depressão norte-americana dos anos 30. 100% Money era a proposta de Fisher e dos autores do chamado “Plano de Chicago”, que, contudo, acabou por não ser acolhido.

Estas não são, portanto, teorias novas. Mas, depois da crise financeira de 2008, o tema tem entusiasmado cada vez mais académicos em todo o mundo. Quem o reconhece é um insuspeito ex-governador do Banco de Espanha e membro do Conselho do BCE: Miguel Ángel Fernández Ordóñez, que no ano passado foi ao parlamento espanhol falar sobre as “interessantes” propostas apresentadas pelos estudiosos que “estão a avaliar a possibilidade de mudar o atual sistema de criação de dinheiro por bancos privados e substituí-lo por outro [modelo] em que cada cidadão poderia depositar o seu dinheiro junto dos bancos centrais”.

As inovações tecnológicas “fazem com que agora seja tecnicamente possível que o dinheiro seja emitido pelo Estado, e não por bancos privados” — e isso poderia ter “consequências muito positivas não só para a estabilidade do sistema mas, também, para reduzir ou suprimir a enorme quantidade de regulação prudencial que está a penalizar a inovação financeira”, salientou Ordóñez, citando os estudos académicos que defendem que os bancos devem perder a capacidade de “misturar” depósitos e crédito.

“Basicamente seria transformar os bancos em cofres, ou caixas-fortes. Passariam a ser instituições estéreis”, afirma João Duque, professor de Economia e Finanças e presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), em comentários partilhados com o Observador. Seria algo “revolucionário” porque levaria a uma separação da atividade de recolha de depósitos e a transformação em crédito.

O resultado provável é que os depósitos teriam sempre uma remuneração negativa (porque, em teoria, não haveria rendibilidade e teríamos de pagar ao banco para guardar o dinheiro) e o crédito, tendencialmente, seria mais escasso porque deixaria de haver o efeito multiplicador que existe atualmente. Continuaria a ser possível ter acesso a crédito mas ele teria de ser baseado em outros instrumentos, como títulos de dívida pública — nunca nos depósitos.

Dizer que os depósitos no banco central nunca pagariam rendibilidade pode, contudo, não ser correto, alerta João Moreira Rato, ex-presidente do IGCP (e geriu a dívida pública durante o processo de regresso aos mercados) e, hoje, consultor independente na área financeira. Têm surgido propostas mais audazes — que não têm uma relação direta com o Vollgeld –, como o criptoeuro. E poderia haver formas de ter os depósitos a pagar um rendimento. “Seria possível desintermediar os bancos privados, com uma moeda digital” como essa, nos moldes em que até já foi proposta para discussão no G-20, lembra João Moreira Rato.

Independentemente do que acontecer com o referendo na Suíça, os temas relacionados com o dinheiro soberano vão ser cada vez mais falados, um sinal de que 10 anos após a crise os meios académicos e políticos continuam a ter questões existenciais sobre o que é o dinheiro, como é que ele se cria e, também, como é que se registam movimentos financeiros. Para os promotores de iniciativas como o Vollgeld e o Positive Money, o sistema atual significa que “dinheiro é dívida” e, portanto, tirando partido da inovação tecnológica, defendem que não faz sentido continuar a dar aos bancos privados um papel tão importante como têm hoje — o banco central pode estabelecer uma relação direta com os cidadãos.

Mas isso seria desejável? Será que a melhor opção é ter um organismo centralizado, mais dependente do poder político, a gerir os processos de transformação de depósitos em crédito? Ou é mais aconselhável deixar que continuem a ser os bancos a fazer esse trabalho, num mercado aberto e supervisionado, definindo diferentes níveis de risco e encaminhando diferentes tipos de poupança para diferentes tipos de risco?

Esta é, na sua génese, uma questão ideológica. A tentação de criar um criptoeuro seria criar um mundo do género do Admirável Mundo Novo, onde um banco central teria o registo de todas as transações e teria a missão de tomar todas as decisões sobre os fluxos de poupança e crédito”, explica João Moreira Rato. “Os bancos precisam é de saber tomar risco e saber avaliar — prefiro um sistema bem supervisionado onde exista um mercado competitivo de avaliação de risco”, nota o ex-presidente do IGCP.

João Duque vai ainda mais longe: “É certo que o sistema atual também sofre crises, de vez em quando, mas todos os sistemas provocam crises — e, na minha opinião, os piores sistemas são aqueles onde há uma economia planificada, porque esse tipo de modelos costuma levar à pior crise de todas: que é as pessoas deixarem de ser felizes”.

Ladrões de Bicicletas


Um «Rendimento Básico Incondicional» à paisana?

Posted: 08 Jun 2018 04:06 PM PDT

Depois de anunciar a intenção de criar um cheque-saúde, através da generalização da ADSE, o PSD pretende avançar agora para o domínio das prestações sociais, propondo a conversão do Abono de Família numa espécie de Rendimento Básico Incondicional (RBI). Para tal, elimina a prestação nos seus moldes atuais e envereda pela lógica de atribuição de um «Benefício Infantil Universal». Ou seja, uma prestação que não só passa a abranger todas as crianças e jovens (sendo assim eliminado o princípio da necessidade) como deixa de atender às diferenças de rendimento das famílias ou a situações específicas de maior fragilidade sócio-económica (como sucede no caso de famílias monoparentais ou com 3 ou mais filhos a cargo).
De facto, como mostram os gráficos seguintes, e nos termos em que a PSD a apresenta, a opção por «universalizar» e «aplanar» o atual Abono de Família (e Abono de Família Pré-Natal) traduziria, até aos três anos de idade, não só uma quebra dos montantes recebidos pelas famílias com um filho (cerca de menos 2,3 mil euros), como prejudicaria, de forma socialmente ainda mais gravosa, os agregados familiares com três ou mais filhos (que perderiam cerca de 3,2 mil euros/ano) e as famílias monoparentais com um filho (que veriam a sua prestação anual reduzida, até aos três anos, em cerca de 4,2 mil euros).

Estamos portanto a falar de cortes que incidiriam nos primeiros anos de vida, com claros impactos em termos de combate à pobreza infantil, e que afetariam regressivamente os agregados familiares com menores rendimentos (enquadrados no 1º escalão), as famílias mais numerosas (que perderiam 52% do montante que recebem) e as famílias monoparentais (que passariam a receber, também no 1º escalão, quase menos 60% do valor que recebem até aos 3 anos de idade). Globalmente, ou seja, até aos 18 anos de idade, as situações de perda são generalizadas e, tal como sucede até aos 3 anos, tanto mais gravosas quanto menor o escalão de rendimentos em que o agregado familiar se situa.

A regressão que esta «mudança de paradigma» das políticas públicas comportaria, em termos de justiça social, redução das desigualdades e combate à pobreza e exclusão, diz muito sobre o programa político em que o «novo» Partido Social Democrata está a trabalhar. Sim, repito, o «novo» Partido Social Democrata, comandado por Rui Rio.

O "Tudo" que não vale nada

Posted: 08 Jun 2018 08:05 AM PDT

Em declarações recentes, o presidente do PSD, em visita a uma feira, acusou o Governo de ser responsável pelo baixo crescimento económico em Portugal.
Rui Rio disse que Portugal apenas está a crescer por arrasto da Europa, porque não fez as reformas necessárias, e por isso quando a Europa abranda, Portugal abranda e cresce menos que o conjunto da Europa. Disse assim:

"O que está a acontecer, vai continuar a acontecer. Não tenho dúvida nenhuma. Porquê? Porque no momento certo em que deveríamos ter feito as reformas e os ajustamentos necessários, não fizémos nada. Ao não fazer nada, é evidente que vamos crescer menos que a União Europeia e a UE a crescer menos, Portugal crescerá ainda menos que a UE. Mas isso nós temos avisado há muito tempo, não é?"

Ora, tudo isto é um conjunto de ideias vazias.
Primeira, é verdade que Portugal cresce por arrasto, mas tem sido assim há décadas e sê-lo-á desde que "decidimos" - ninguém votou isso - acertar o passo pelos mecanismos monetários europeus. A partir daí, o nosso "coração" começou a bater ao ritmo do "coração" europeu e, por isso, o nosso esforço de convergência abrandou.  Também foi assim de 2013 a 2015, com a direita no poder. 
Segundo, nessa altura - e ainda agora no Parlamento, em qualquer discussão sobre o passado - o PSD vangloria-se que esse crescimento verificado desde 2013 se deveu - não ao arrasto - mas às alterações na legislação laboral de 2012, que, aliás, ainda estão em vigor. E que vão continuar em vigor graças ao recente acordo de concertação social que o PS - mais uma vez - mostrou não querer pôr em causa. E aliás resta analisar - lá teremos de voltar ao tema mais tarde - se não prejudicou ainda mais a situação. Tudo para agradar - à la Tsipras - a UE.  

Terceiro, se essas "reformas" ainda estão em vigor e se a economia cresce menos que a UE então é porque têm um efeito quase nulo no crescimento económico. E isso desde que foram aprovadas. Ou então há aquele argumento espertalhão que é dizer: "Se não tivessem sido feitas, estaríamos ainda pior...."

Quarto, se assim é, é porque as reformas introduzidas pelo PSD/CDS não foram as devidas ou as que Portugal precisava para crescer mais do que a UE. E foram feitas à custa de muito sacrifício - desta vez não das empresas, dos empresários - mas de quem lá trabalha. Um sacrifício inútil. Ou melhor: útil na medida em que ajudam as empresas a desendividar-se. Mas não parece muito justo que sejam sempre os mesmos a pagar a factura de algo de que não foram responsáveis. 

Quinto, Rui Rio continua sem dizer que reformas eram - na realidade - as devidas e necessárias,  essas que o PS não fez e que o PSD faria. Aliás, como todo o PSD, deputados inclusivé, desde que o PS conseguiu o apoio dos partidos à esquerda, nunca souberam dizer ao que vêm. Criticam a austeridade, mas querem mais austeridade. Criticam a ausência de reformas, mas nunca dizem quais são. E não há um jornalista que lhe pergunte o que defende...
O PSD é presentemente um grande vazio e aquela que deveria ter sido a tábua de salvação - a legislação laboral - afinal redundou em nada. Mas, não se enganem, isso ainda vai justiticar novos apertos laborais, porque estes... não resultaram!

Esta Europa ainda vai ser uma imensa Itália

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso, 09/06/2018)

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A aliança entre protofascistas da Liga e calculistas do 5 Estrelas demonstrou ser uma ameaça para os imigrantes, o primeiro alvo, e para os trabalhadores, a segunda vítima

A A Itália, fundadora da UE e a sua terceira maior economia pós-Brexit, foi um retrato feliz do pós-guerra: um sistema bipartidário consolidado, uma economia criativa e exportadora, um deslumbramento europeísta. Agora, com vinte anos de euro, regista um PIB per capita menor do que o do virar do século, ainda não recuperou da recessão de há uma década, acumula a terceira maior dívida pública do mundo, o seu sistema político desagregou-se e tornou-se o país mais eurocético. Alguém ainda insiste em dizer que não há um sintoma italiano?

Tudo ia correr bem

Já ninguém se lembra, nem os próprios, mas alguns europeístas rejubilaram com a eleição italiana de março. O 5 Estrelas era então apresentado como um partido inclinado a aliar-se a Renzi e ao Partido Democrático, portanto confiável no seu institucionalismo europeu.

O facto é que o Governo italiano, com a aliança entre os protofascistas da Liga e os calculistas do 5 Estrelas, demonstrou ser uma ameaça para os imigrantes, o primeiro alvo, e para os trabalhadores, a segunda vítima. Na mistura inviável de ideias copiadas dos catálogos neoliberais, salgadas com algum pastiche eleitoralista, destaca-se o IRS plano de 15 ou de 20%, favorecendo os mais ricos, tudo puro Trump. Outras promessas, como a de um Rendimento Básico a 780 euros, prometido para todos, mas agora restrito a uma parte da população e sugerindo a contrapartida de mercantilização dos serviços públicos, são puro Friedman. Se assim falha nas contas e se resulta nas ameaças, o Governo Conte é uma impossibilidade obtusa mas um risco democrático.

No fim ganha sempre a Alemanha

Ao chegar aqui, a Itália deve queixar-se de um dos monstros da UE, a União Bancária, que agravou as assimetrias e os riscos globais. Essa União foi imposta sem garantia comum de depósitos, mas não sem um cálculo preciso: ficam de lado os bancos regionais alemães e protege-se o seu campeão, o Deustche Bank. As duas decisões são erradas, mas no fim do jogo ganha sempre a Alemanha.

A União Bancária só foi aprovada depois da recapitalização da banca da Europa central. Por exemplo, ao grupo Hypo Real Estate o Governo alemão deu uma garantia de 145 mil milhões, que já custou mais de 20 mil milhões. Nenhum outro governo pode agora fazer o mesmo. Outras regras são instrumentais: dos 417 bancos regionais alemãs, que representam 22,3% do total do crédito no país e que estão muito ligados ao partido de Merkel, só um está submetido à supervisão do BCE.

O caso do Deutsche Bank é também esclarecedor. Como as autoridades europeias não cuidam do risco de mercado, só de risco de crédito, ignoram as ameaças sistémicas. Protegem assim o maior banco europeu, de pés de barro. A autoridade europeia de supervisão reconheceu mesmo que “nem sequer foi perguntado qual era o valor (real) dos seus derivativos em carteira” (o valor nocional é de 42 milhões de milhões de euros), porque acha que essas perguntas são indelicadas. Mas a Itália pode queixar-se das dificuldades de negociar com as autoridades europeias a salvação de alguns dos seus bancos, ou de ter reduzido o valor do seu sistema financeiro em 35% entre 2015 e 2016.

O desmantelamento de Itália

Com 426 mil milhões de dívida ao Eurosistema (o saldo devedor no Target2), a Itália é um exemplo de como a ação do BCE favoreceu os mercados financeiros alemães. As compras de ativos pelo Banco de Itália, no âmbito do programa do BCE, resultam em transferências de liquidez para a Alemanha, que tem um saldo positivo de um bilião de euros. Por isso, o banco JP Morgan sugeriu, num estudo surpreendente, que a melhor solução para Itália seria sair do euro.

O raciocínio é este: com a moeda única, nenhuma economia em dificuldades pode monetarizar a dívida ou usar a depreciação cambial, só pode usar a anulação de dívida ou a desvalorização interna. A Grécia usou pouco a primeira e muito a segunda, o resultado é lamentável. Ora, a Itália tem uma posição líquida de investimento internacional pouco negativa e por isso uma medida drástica de saída do euro atingiria mais as outras economias do que a sua. Segundo o banco, o euroceticismo italiano é então justificado e razoável.


Ainda há europeístas preocupados

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Foi esta semana na Gulbenkian, na apresentação do livro “Europe’s Crisis”, editado por Manuel Castells, com a colaboração, entre outros, de João Caraça e Gustavo Cardoso, que se discutiu o “colapso da social-democracia”. Segundo Castells, “a social-democracia, mesmo que respeitável para o capitalismo e a economia de mercado, era intermediária entre a brutalidade do mercado e a necessidade de um certo bem-estar da população. Em certo sentido era a ala reformista do sistema e relacionava reforma social, estabilidade, e em simultâneo, gestão da economia e adaptação às tecnologias”. Mas, acrescenta, essa intermediação morreu. Temos assim “a tempestade perfeita: a gestão financeira da crise que deu prioridade aos bancos, o confronto entre os Estados-nações, e quando os Estados poderosos utilizaram a crise para impor o seu controlo. O caso da Grécia foi paradigmático”. Isso leva-o a um ceticismo profundo sobre a União Europeia: “Entre a população existe a convicção de que as instituições europeias não são legítimas. E tudo isto foi recebido com extraordinária arrogância pelas elites europeias”.

Jorge Sampaio, o europeísta mais lúcido em Portugal, foi mais contundente: “Um dos principais problemas é estarmos em negação desde 2005”, criando-se “expectativas largamente defraudadas”. A responsabilidade deriva do fracasso da social-democracia: “Os partidos sociais-democratas estão sem um programa político convincente que mobilize as populações. Deixaram de convencer e estão sem resposta face aos múltiplos problemas europeus”.

Estas palavras suscitaram a reação de Francisco Assis, que, sem a elegância de citar o alvo, mas respondendo diretamente a Sampaio, escreve no “Público” contra as “criaturas” que dão “sinais particularmente deploráveis”: “Para os seguidores desta posição pueril, todo o mal que descortinam no espaço político europeu radica na ‘decadência’ da União Europeia e na sua incapacidade de responder às expectativas das suas pobres vítimas”. Em contrapartida, Ana Catarina Mendes mostra no “JN” como teme o impasse: “É tempo de se dizer com clareza: ou a Europa muda, e é por isso que nos devemos bater ativamente e com voz própria, ou a UE não tem futuro”.

O próximo ano da UE e as eleições europeias vão ser mesmo um tempo de definição.


Armadilhas nos professores

A Lei do Orçamento, votada pelo PS e pela esquerda, define que as negociações fixarão o prazo do descongelamento e reposição de carreiras na função pública. A norma tem uma redação torturada: “A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”. Mas deve ser lembrado que a leitura desta norma ficou esclarecida por uma mudança essencial: onde estava “expressão remuneratória de tempo de serviço” (portanto só de uma parte desse tempo) ficou escrito “do tempo de serviço” (portanto de todo).

O Governo afirma agora que só negociaria parte do tempo, mas que, por ter ficado zangado com a recusa dos sindicatos, exclui aplicar o “tempo e o modo para a sua concretização”, não há mais conversa e fica o corte eterno. Há nisto duas armadilhas. Primeira, o Governo traz o conflito para o Orçamento, recuando na palavra escrita. É a armadilha política. Segunda, o Governo quer mostrar que não negoceia com sindicatos, só impõe a sua vontade. É a armadilha social.

Os sindicatos, que propõem um ajustamento até 2023, estarão a ser cautelosos. O Governo, em contrapartida, quer o conflito para punir os professores. Escolha estranha, vinda de um Governo que ganhou as graças do eleitorado por ter superado o tempo do “empobrecimento” e do susto que foi a troika e o PSD-CDS em São Bento.

E lembraram-se de Marx!

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 09/06/2018)

mstMiguel Sousa Tavares

1 Já se passaram quinze dias sobre o Congresso do Partido Socialista e, como é habitual nos tempos que correm, quinze dias torna qualquer acontecimento uma antiguidade. É como se as coisas que não são imediatamente faladas e discutidas perdessem a importância, deixando de existir. Mas houve uma ou duas coisas no Congresso do PS, de que a eutanásia dos dias me roubou espaço e tempo de reflexão, e que poderão vir a revelar-se importantes num futuro a médio prazo.

Refiro-me ao discurso de Pedro Nuno Santos no primeiro dia de trabalhos e à subtil resposta para bom entendedor que António Costa lhe deu. Já tinha ouvido dizer que Pedro Nuno Santos era um representante da ala esquerda do PS, mas confesso que desconhecia que fosse também um ideólogo da mesma e um futuro candidato a secretário-geral em representação dela. Ao que parece, segundo análise unânime da imprensa, assumiu-se agora em ambas as condições e, para que dúvidas não restassem, até recorreu à exumação solene do cadáver de Karl Marx, 135 anos depois da sua morte e 44 anos depois da então ala esquerda do PS tentar arrastar os recém-filiados do partido com o slogan “Partido Socialista/Partido Marxista”. Os mesmos militantes que depois, para grande alívio deles, Mário Soares conduziria às batalhas inesquecíveis da Fonte Luminosa, do “Caso República”, da luta contra a Unicidade Sindical e do 25 de Novembro — ou seja, das batalhas pela liberdade — antes de os conduzir à Europa, trocando o marxismo pela modernidade e os slogans pela realidade.

Caminho esse que depois foi feito alternadamente com o PSD, por vezes aliado ao CDS, e sempre contra a resistência dos que se reclamam herdeiros do marxismo e do leninismo. E se hoje vivemos há dois anos e meio sob uma composição de poder que parecia impossível e absurda face a todo o histórico anterior é essencialmente por duas razões: porque os eleitorados do BE e do PCP (sobretudo este) se cansaram de ter apenas uma posição de exigência e pressionaram os seus directórios para experimentar viabilizar um governo PS; e, sobretudo, porque a desmesurada viragem à direita do PSD sob Passos Coelho, a sua insensibilidade social e o seu desprezo pela raiz centrista da sua origem, abriram caminho a uma maioria sociológica e parlamentar capaz de fazer diferente com melhores resultados — ou até mesmo de fazer igual parecendo fazer melhor. Ora, quando Pedro Nuno Santos comete a ousadia de afirmar que o PS nunca mais precisará do PSD para nada e, em contrapartida, parece entregar-se todo nos braços dos seus actuais e circunstanciais parceiros de poder, ele não apenas está a enfraquecer a posição negocial futura do PS para com estes, está também a cometer, à esquerda, o mesmo erro que Passos Coelho cometeu à direita: afrontar e desprezar a classe média, o célebre milhão de votantes que decide as eleições, os mais alfabetizados politicamente, os grandes pagadores de impostos. Rezam as crónicas que o congresso se levantou a aplaudir a tirada, o que é compreensível: sendo o PSD o principal rival de poder do PS, tudo o que seja atacá-lo entusiasma as massas. E, quando se está no poder, tudo entusiasma as massas. Aliás, também rezam as crónicas que, embora não tanto quanto a Pedro Nuno Santos, o congresso aplaudiu tudo e o seu contrário. Como é próprio dos partidos felizes, que não precisam de pensar.

Abençoado PS, que aplaude de pé uma liderança de futuro, que reclama a herança de Marx. De quem?

Não foi o caso de António Costa, que levava uma moção de estratégia muito bem pensada, mas a que ninguém ligou, o que também não quer dizer nada. Mas ele, sim, ligou ao que disse Pedro Nuno Santos e deu-lhe uma resposta ao nível do seu finíssimo jogo de cintura. Começou por dizer, como se se dirigisse a todos em geral, e não a ele, especificamente, que ainda não pensava reformar-se: “Esperem, que o vosso tempo ainda não chegou e atrás de tempo, tempo virá”. Depois, não teve uma palavra sobre os seus parceiros de coligação nem sobre alianças no futuro. E, numa semana em que a Comissão Europeia avisara contra os gastos excessivos na Saúde e poucos dias antes de ser a OCDE a recomendar cautela com os aumentos na Função Pública — duas das principais reivindicações apadrinhadas pelo BE e pelo PCP — António Costa não teve uma palavra sobre isso e preferiu afirmar como principal prioridade aquilo de que a CGTP e os partidos da extrema-esquerda nunca se lembram: o regresso dos que tiveram de emigrar durante a recente crise. Com isso, António Costa não apenas colocou as prioridades na ordem do que é mais justo e mais deveria mobilizar o país, como creio que também quis passar uma mensagem que refreasse alguma euforia patente entre os socialistas. É preciso ver além da espuma dos dias, como ele disse.

E, além da babugem e da crista da onda, está um mar a encrespar-se. Na frente interna, assistimos a uma desaceleração da economia, arrastada pelo abrandamento das exportações — que nos ensina que, a médio e longo prazo, a aposta nas exportações como fonte principal de crescimento é totalmente incerta e dependente de factores externos. Mais seguro é apostar na inovação e na produtividade e tentar substituir cada vez mais produtos importados por produtos made in Portugal. E, se o défice se mantém sob controlo, o enorme elefante da dívida continua na sala — igualmente enorme e inamovível. Na frente externa, tudo é mais incerto do que nunca. A queda de Rajoy e a sua substituição por Pedro Sánchez, em Espanha, está longe de garantir que Costa vá encontrar de imediato alguém que, juntamente com Macron, possa continuar a tentar demover a obstinada teimosia alemã em fazer o que precisa de ser feito para salvar o projecto europeu. E depois há o caso italiano, para seguir de respiração suspensa.

Nunca devemos subestimar os italianos, politicamente. Aliás, nunca se deve subestimar os italianos em nada, porque são o povo mais civilizado do mundo. Se eles agora escolheram para os governar uma coligação entre um partido xenófobo e quase fascista e outro criado por um palhaço e que se declara anti-sistema; se ambos se afirmam anti-União Europeia e fazem gala em dizer que não recebem ordens de Berlim nem de Bruxelas e que não temem sair do euro nem rebentar com a moeda única, tenham medo porque estamos a falar da terceira economia europeia, mas olhem com muita atenção para tentar perceber por que razão um país onde o debate político sempre foi mais avançado chegou a este ponto.

E se algumas das medidas radicais que o novo Governo projecta ensaiar — como o imposto sobre o rendimento de taxa universal de 15% para todos, sem isenção alguma, ou o rendimento garantido, igualmente universal e igual para todos — forem avante e se revelarem, não o desastre financeiro que todos os economistas prevêem, mas um detonador económico jamais ensaiado, fiquem estarrecidos porque é todo o sistema social europeu, todas as verdades que tínhamos como inabaláveis para sempre, que ficam em causa, de repente. E isso é apenas uma pequena parte do assustador mundo que temos pela frente, com as quatro grandes ameaças de que falava Stephen Hawking, por ordem de importância: a inteligência artificial, uma guerra nuclear, as alterações climáticas, a questão demográfica. Abençoado PS, que aplaude de pé uma liderança de futuro, que reclama a herança de Marx. De quem?

2 Não há nada a fazer com os alemães: são mesmo arrogantes, convencidos de que têm de dar lições a todos os outros. Há cinco anos, no auge da crise, cuja dimensão em grande parte nos impuseram sem necessidade, Angela Merkel, dignou-se visitar-nos por umas horas. Quando um jornalista lhe perguntou humildemente se a Alemanha nos poderia ajudar, respondeu que sim, poderiam importar alguns engenheiros portugueses (porque, surpreendentemente, em algumas áreas, os nossos engenheiros são melhores do que os alemães). Recebi isto como um insulto: nós pagávamos a formação dos engenheiros com os nossos impostos e, uma vez ela terminada, a Alemanha dava-nos a “ajuda” de os receber nas suas fábricas de excelência, onde se factura o maior excedente comercial do mundo. Desta vez, de visita de dois dias, António Costa levou-a a ver o que de melhor produz a tecnologia portuguesa ao serviço das multinacionais alemãs em Portugal. E, de caminho, lembrou que também tínhamos bons vinhos para exportar. “Nein!”, disse a chanceler Merkel, “na Alemanha também temos excelentes vinhos!”. A sério, Angela? Aquela droga do Riesling? Nem os vinhos, Angela? O país com piores vinhos do mundo nem sequer está aberto a importar vinhos decentes dos seus parceiros europeus? E depois de matarem a Europa com essa visão de Tio Patinhas, o que vão vocês fazer, sentados em cima de pilhas de dinheiro acumulado e de Mercedes e BMW que ninguém terá dinheiro para vos comprar?


Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

Entre as brumas da memória


Dica (768)

Posted: 08 Jun 2018 01:43 PM PDT

Making China Great Again (Evan Osnos)

«In an unfamiliar moment, China’s pursuit of a larger role in the world coincides with America’s pursuit of a smaller one.»

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Querida RTP

Posted: 08 Jun 2018 10:30 AM PDT

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Carlucci, essa criatura «cínica»

Posted: 08 Jun 2018 08:01 AM PDT

Francisco Seixas da Costa divulgou no Facebook o texto de um artigo publicado hoje no JN. Mas já que este jornal é useiro e vezeiro em não respeitar links (quantos textos de Manuel António Pina eu não perdi…), copio aqui na íntegra.

Carlucci

Há dias, uma televisão convidou-me a dar um testemunho, por ocasião da morte de Frank Carlucci, o embaixador que os americanos enviaram para Portugal, alguns meses depois do 25 de abril. Agradeci, mas não aceitei.

Faço parte de uma geração que, por algum tempo, viveu com a imagem regular de Carlucci na nossa (à época única) televisão. Aquela figura de rictus estranho, com umas patilhas de forcado, foi então uma espécie de vedeta nacional. Eu já era diplomata e tenho bem presente a sua importância na sociedade política portuguesa.

Segundo alguns historiadores, Carlucci terá convencido o chefe da diplomacia do presidente Nixon, Henry Kissinger, de que a deriva revolucionária portuguesa, subsequente ao 25 de abril, não condenava necessariamente o país a converter-se numa república socialista radical, que este via como uma espécie inevitável de "vacina" para a Europa ocidental. Para o embaixador, havia a opção de apoiar os líderes dos partidos moderados, tentando, com a ajuda de regimes pluralistas europeus, promover a instauração da democracia no país. O facto de isso ter assim sucedido é tido por muitos a crédito de Carlucci.

Por este facto, Carlucci transformou-se, aos olhos de alguns, num "herói" da democracia portuguesa, uma espécie de "santo padroeiro" do 25 de novembro. E os descendentes políticos dessa gratidão apresentaram, na Assembleia da República, votos (diferenciados) de pesar pelo passamento do político americano. Esse voto tem de ser respeitado. Quero, porém, deixar aqui claro que, se acaso fosse deputado, não me teria associado a ele, abstendo-me ou saindo da sala. Porquê? Porque não aplaudo cínicos.

Frank Carlucci apoiou os democratas portugueses, não pelo sentido humanista decorrente de uma opção a favor da vida política em liberdade no nosso país, mas exclusivamente porque esse era o interesse geoestratégico americano de ocasião. Mas não será isto um preconceito? Não creio. Em outras ocasiões, a História prova que o mesmo Frank Carlucci deu apoio, claro e deliberado, a golpes políticos conducentes à instauração de ditaduras e regimes opressivos noutras partes do Mundo. Com orgulho declarado e sem o menor remorso.

Aliás, não é necessário ir muito longe para constatar essa duplicidade: a mesma administração americana que enviou Carlucci, para substituir um diplomata que não tinha "visto chegar" a Revolução cujas consequências pretendia combater, era precisamente o mesmo que até então se mostrara plenamente confortável com o regime ditatorial de Marcelo Caetano. Desejo assim que Carlucci descanse em paz. Nada mais.

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Entrevista com Deus - Especial Dia Mundial do Ambiente

Posted: 08 Jun 2018 03:01 AM PDT

«Negócios: Esta semana, festejámos o Dia Mundial do Ambiente, bem como o Dia Mundial dos Oceanos, por isso nada como entrevistarmos aquele que é o criador disto tudo. Olá, Deus. Lembra-se de ter tido a ideia de criar o universo?

Deus: Olá, é um prazer estar aqui e em todo o lado ao mesmo tempo. Por acaso, lembro-me. Estava sem nada para fazer e dei por mim a pensar: olha, deixa-me cá ir à net. Mas não havia net. Pensei: ui, tu queres ver que me cortaram a net. Mas não. Era eu que ainda não tinha inventado nada. Por isso, decidi criar um universo, a ver o que acontecia.

Neg: E foi assim tão fácil?

Deus: Sim. Quer dizer, ainda fui ver se havia subsídios para quem quer criar universos, mas nada. Tive de fazer tudo do meu bolso. E depois a malta da agropecuária ainda se queixa.

Neg: E foi rápido?

Deus: Levei para aí uma semana. Podia ter levado menos tempo, mas no princípio havia uma escuridão enorme sobre todas as coisas, por isso tive de trabalhar à base das apalpadelas. Foi então que percebi que faltava a luz.

Neg: Foi quando inventou a luz?

Deus: Exacto. Fiz a luz e as rendas da EDP! Quando a luz veio, foi uma surpresa. Não fazia ideia de que o universo era um T3 e, finalmente, encontrei as meias que me tinham desaparecido. Vocês têm de perceber que isto de fazer o universo é bastante semelhante a fazer obras em casa. A primeira coisa é a electricidade. Sem luz, não dá para instalar os aparelhos, etc.

Neg: Mas não ficou por aí.

Deus: Não. Comecei a ficar com a síndrome do autarca. Já só me apetecia fazer mais obras e resolvi pôr um firmamento. Era para ter posto um firmamento todo em porcelana, mas o orçamento era uma loucura. Pouca gente sabe que aquilo é tudo em contraplacado. Daqui por mais oito biliões de anos, por causa das águas e da humidade, o firmamento vai começar a ficar baço e a dar de si, mas não dava para tudo.

Neg: Mas também entretanto, nós temos ajudado a estragar um bocado o nosso planeta. Enchemos os oceanos de plástico, poluímos o ar.

Deus: Sim, é verdade. Mas o vosso planeta já não era grande coisa. Aqui para nós, eu tinha um orçamento muito reduzido e gastei quase tudo a fazer Neptuno.

Neg: Como assim?

Deus: Por exemplo, para o vosso planeta ficar bem feito, eu precisava de ter terraplanado tudo e depois é que mandava pôr as placas tectónicas, com uns caixilhos em alumínio. Ficava mais feio, mas evitava que andassem a bater umas nas outras e a fazer terramotos. A terra precisava de uma marquise em alumínio.

Neg: Se pudesse voltar atrás, o que é que mudava no mundo?

Deus: Nada. Fazer universos é uma chatice porque não dá para fazer dois iguais, ou levas uma talhada da SPA. No fundo, Deus é uma espécie de Walt Disney. Cada universo que crio é um parque temático. Vocês não imaginam um universo que eu fiz com pão ralado. Não façam esse ar de superioridade. É um mundo muito melhor do que o vosso. As pessoas de Pão Ralado são felizes. Só quem já foi panado sabe do que estou a falar.»

João Quadros