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segunda-feira, 11 de junho de 2018

Entre as brumas da memória


Quando a palavra «consenso» ainda não estava na moda

Posted: 11 Jun 2018 01:58 PM PDT

«A cada um de nós cabe despojar-se de vaidades que, na verdade, não são mais do que ilusões efémeras; evitar egoísmos que não prestigiam, nem criam ambientes saudáveis; arredar preconceitos, desconfianças, incompreensões, ressentimentos e obstinações, sempre inconvenientes para o estabelecimento da concórdia que tem de existir entre os portugueses. Enfim, é meu dever procurar afastar do caminho nada fácil por onde temos de seguir, tudo quanto possa enfraquecer o esforço geral indispensável ao engrandecimento constante, harmónico e rápido do Espaço Português, em toda a sua imensa e sagrada dimensão.»

Américo Thomaz, 10.06.1971
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Libération

Posted: 11 Jun 2018 12:14 PM PDT

A capa de amanhã.
A

Dica (770)

Posted: 11 Jun 2018 08:29 AM PDT

Crisis Of Globalization: Restoring Social Investment Is Key (Robert Kuttner)

«My generation grew up thinking of that social bargain as the new normal. But in fact it was exceptional. In a capitalist economy, owners of capital ordinarily enjoy an extra measure of political power. In the postwar era, that power was suppressed in the broader public interest.

The postwar social contract came about via a harmonious convergence of events, insights, leadership and politics. Western leaders were determined not to repeat the aftermath of the First World War. In that dismal period, there was no recovery program, speculative finance ran wild, austerity crushed growth, unemployment reached socially unbearable levels—and the result was Hitler and a second world war.»

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Make Portugal Great Again

Posted: 11 Jun 2018 05:44 AM PDT

O Presidente da República a ensinar uma menina açoriana a utilizar uma arma de ataque nas comemorações do 10 de Junho.

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O mistério Rui Rio

Posted: 11 Jun 2018 03:34 AM PDT

«Cersei Lannister, que sempre soube como um político deve actuar na grande roleta russa do poder, disse-nos: "Quando se joga ao jogo dos tronos só se pode ganhar ou morrer. Não há pontos intermédios." A rainha dos Sete Reinos de Westeros sabia tudo sobre a moralidade e a imoralidade do poder e da ambição para o conquistar. Não sendo um novato nos labirintos do poder, Rui Rio pareceu, no início da sua liderança, um político que negava o movimento. Parecia que se contentava em ocupar o espaço. E que a melhor opção em termos de decisões seria ou não tomar nenhuma ou tomar alguma que irritasse os baronetes do partido. O seu destino trágico parecia traçado, contra a rebeldia do grupo parlamentar e decisões muito discutíveis. Sobretudo, o seu programa parecia um deserto sem oásis. Só que, como recorda Cersei, para se alcançar o poder há que arriscar: ou se ganha ou se morre em batalha. Ora, Rui Rio parece avesso a batalhas decisivas: não é um general que busque o seu Waterloo.

As decisões de Rui Rio de escolher, para líder parlamentar, um Fernando Negrão que passa a vida a olhar para o seu caderninho de notas, ou de pugnar por "pactos de regime", seguem esta estratégia de comboio dos torresmos: pára em todos os apeadeiros. Rio não deseja rupturas rápidas: prefere que o PS se desentenda com o BE e com o PCP para surgir como a Bela Adormecida desejada. Assim o poder cair-lhe-á nas mãos, seja numa coligação com o PS, seja porque, por milagre, ganhe as eleições. O certo é que conseguiu, com esta política de falinhas mansas, conter Assunção Cristas, que nas sondagens não surge como uma leoa. Rui Rio acredita que o PSD precisa de ultrapassar o legado de Passos Coelho, que surgiu como "um bom gestor da economia", mas um coração insensível face aos resultados das suas opções. Rui Rio quer atrair o PS para um novo contrato social ao centro, ao mesmo tempo que, com isso, deseja travar o avanço de populismos à direita (e à esquerda). Será essa a sua forma de ganhar?»

Fernando Sobral
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10 de Junho - mau planeamento

Posted: 10 Jun 2018 03:11 PM PDT

Os benefícios do obscurantismo anti-científico

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por Sérgio Barreto Costa

carl

Frank Carlucci, o embaixador americano em Lisboa durante o PREC, morreu na semana passada e logo o Facebook e o Twitter se encheram de impropérios em sua memória. Inicialmente fiquei um pouco chocado com a atitude mas, após breve reflexão, partilhei do ponto de vista: o homem prestou um péssimo serviço a Portugal, principalmente na questão das liberdades. Sem a sua intervenção em 1975 o mais provável era não estarmos sujeitos a ler tolices em redes sociais; não por falta de tolos, naturalmente, mas pela proibição do acesso à internet. Como diria o Pacheco Pereira: mau trabalho!

Pelo que se conta nos livros de história, a doutrina dos EUA sobre o nosso país estava profundamente dividida nessa altura: uns queriam deixar o PCP instituir um regime comunista que servisse de exemplo a não ser seguido pelos restantes países do sul da Europa; outros defendiam o apoio a movimentos de extrema-direita com a intenção de tentar restaurar o estado salazarista. Aparentemente, já estava decidido que íamos ser uma ditadura, depois logo se via de que cor. Mas Carlucci, dando mostras da sua falta de juízo, insistiu com os seus superiores que a entediante democracia parlamentar era viável neste caótico cantinho lusitano e, não tendo por estes sido imediatamente internado num manicómio, conseguiu provar-lhes que tinha razão.

O grande mérito do embaixador americano foi ter feito parte de um movimento polémico muito antes de este ser relevante e problemático. Henry Kissinger, o importante líder da diplomacia dos EUA, queria utilizar a penúria do futuro Portugal soviético como um antídoto contra o comunismo no Ocidente. Para grande sorte dos portugueses, Frank Carlucci era fervorosamente anti-vacinas.

We’ll always have plastic!

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

Dizem os especialistas que, lá para 2050, teremos mais plástico do que peixes no mar. Trata-se de uma das várias consequências das opções desse simpático grupo de crianças inconsequentes que dá pelo nome de Humanidade, especialista em futebol, redes sociais e reality shows parolos, mas globalmente incapaz de, por exemplo, separar o lixo que produz, como o macaco Gervásio por cá tentou ensinar, sem grande sucesso, já lá vão quase 20 anos. Sem grandes surpresas, o slogan "Se o Gervásio consegue, tu também conseguirás" continua ensombrado pelo "inconseguimento".

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Se as mulheres mandassem no mundo ele seria melhor?

por estatuadesal

(Paula Cosme Pinto, in Expresso Diário, 11/06/2018)

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Imaginemos que um dia as mulheres acordavam com a possibilidade física de infligir uma dor atroz a alguém, ou até mesmo matar, com um simples estalar de dedos. E imaginemos que os homens não tinham esse poder. Como seria o mundo se os papéis de superioridade física se alterassem, e isso servisse de catapulta para uma alteração de statu quo entre homens e mulheres? Com as mulheres em posição de poder sobre os homens o mundo seria mais justo e equilibrado ou nem por isso? Esta reflexão já foi feita e o resultado é verdadeiramente perturbador.

O resumo que fiz em cima é o ponto de partida para o livro "O Poder", de Naomi Alderman, que acaba de chegar a Portugal pela mão da Saída de Emergência. Li-o há uns meses ainda na versão em inglês e posso dizer-vos que é um verdadeiro murro no estômago, o tipo de livro que tem o condão de nos pôr a pensar nos mecanismos do poder e na essência do ser humano, para além do sexo com que se nasce. À partida podemos achar que a alteração da questão da superioridade física, que, historicamente, tem servido de rastilho para muitas das restantes formas de superioridade dos homens sobre as mulheres, poderia encaminhar-nos para um mundo mais igualitário. Mas será que a inversão dos papéis teria esse condão da bonança? Ou será também essa expectativa uma forma estereotipada de olharmos para as mulheres enquanto seres inatamente mais emotivos, harmoniosos e detentores de compaixão? Poderia ser esta alteração de protagonistas apenas um ponto de partida para uma nova abordagem ao abuso de poder?

Nesta distopia - publicamente aplaudida por Margaret Atwood, por exemplo - Naomi Alderman é exímia a mostrar-nos quão rápida poderia ser a alteração do mundo em que vivemos se as mulheres não tivessem mais de temer pela sua integridade física. De repente olhamos para uma Arábia Saudita onde as mulheres tiram a burca e começam a sua revolução, exigindo os direitos que lhes são devidos enquanto seres humanos, e tudo isto nos parece incrível. Tal como nos parece incrível que um grupo de mulheres vítimas de tráfico humano e exploração sexual na Europa de leste consiga escapar a anos de tortura com um simples estalar de dedos. Há momentos em que começamos até mesmo a sentir um certo prazer na possibilidade de vingança quando pensamos nas milhares de pessoas vítimas destes esquemas, escravizadas em pleno século XXI por homens que as tratam como gado. Confesso que pelo menos eu cheguei mesmo a sentir um certo regozijo quando me deparei com a cena de uma adolescente que é continuamente abusada sexualmente pelo próprio pai, e que o consegue matar em vez de ter de passar por mais uma nova violação.

São muitas as situações relatadas neste livro que nos fazem rapidamente pensar: era mesmo disto que precisávamos para que o mundo fosse um lugar melhor para quem nasce mulher. Mas ao mesmo tempo que Naomi Alderman nos faz pensar nas maravilhas que isto do fim da superioridade física masculina poderia operar nas estruturas de poder, que servem de alavanca a múltiplas formas de discriminação do sexo feminino, faz-nos também imaginar como poderia ser para os homens viverem constantemente com medo. Imaginemos então homens que passam a temer andar sozinhos na rua em sítios ermos ou à noite. Homens que temem passar por grupos de mulheres porque podem ser violados em grupo. Rapazes que passam a ter medo de frequentar escolas mistas, por exemplo, porque temem que as raparigas os possam magoar. Maridos que passam a ter medo das mulheres porque uma discussão pode escalar para uma cena de violência física em que elas ganham sempre graças à dor que conseguem facilmente infligir.

ERA MAIS FÁCIL FAZER UM LIVRO COM MULHERES HEROÍNAS

Estes são apenas alguns dos exemplos mais suaves, porque neste mundo hiptotético, a inversão do poder tem o condão de direcionar boa parte da população para a vingança. E o cenário, acreditem, pode ser bem pior. Imaginemos então um mundo onde surgem novas religiões agarradas ao dogma da Grande Mãe, usando as redes sociais para espalhar a "palavra da Senhora" em jeito de lavagem cerebral das massas. Um mundo onde os cargos de liderança política começam a ser maioritariamente femininos, tal como a composição das forças armadas. Um mundo onde se fazem golpes de Estado, e que por uma questão de segurança contra os 'rebeldes do sexo masculino', todos os homens ficam proibidos de ter passaporte, e obrigatoriamente sob a alçada de uma guardiã feminina. Um mundo onde mulheres escravizam e traficam homens. Um mundo onde os homens são tratados entre o abuso e a condescendência. Ou seja, um mundo onde muito do que acontece nos dias de hoje se repete, mas com os papéis invertidos, sempre com a desculpa de que o passado nos mostra que "se os homens discriminaram as mulheres durante séculos, não são dignos de confiança" e devem, portanto, ser considerados cidadãos de segunda. Tratados de forma diferenciada no que toca aos seus direitos, oportunidades e dignidade.

Naomi Alderman poderia ter optado pela forma mais fácil de fazer isto e descrever-nos um mundo idílico, onde as mulheres surgiam simplesmente como grandes heroínas, capazes de tornar as suas sociedades em sítios mais tolerantes, harmoniosos e equilibrados graças a todos os erros de que foram alvo durante séculos de existência. Mas isso continuaria a ser uma distopia bastante improvável. O caminho que esta escritora norte-americana escolhe é de longe mais pertubador, mas possivelmente mais próximo da realidade da natureza humana. Deixando claro que o grande problema nestas matérias passa sempre pelo usufruto do poder, quando este pende só para um lado da balança. Quem o tem não o quer perder porque teme o que lhe pode acontecer se estiver na situação contrária. E assim se vão alimentando as malhas da rede que permite que os privilegiados assim o sejam sempre, sem prejudicar o equilíbrio do desequilíbrio deste tabuleiro.

Embora depois de tudo que descrevi (e só não conto mais porque não quero ser spoiler), é talvez difícil compreender quão feminista é este livro. Mas é. Toda a construção da narrativa nos leva a relembrar não só as subtilezas das desigualdades do mundo contemporâneo entre géneros, como também nos leva a pensar sobre quão importante é levar a sério o feminismo enquanto ideologia que defende a igualdade de direitos, oportunidades e dignidade entre homens e mulheres. Em jeito de lição a não esquecer: o feminismo passa por repartir deveres e privilégios de forma equilibrada e igualitária, e nunca por retirar direitos a nenhuma das partes.

Sim, o feminismo passa obviamente por percebermos e assumirmos que as mulheres têm sido amplamente discriminadas ao longo da história até aos dias de hoje. Mas passa também por percebermos que parte dessa discriminação assenta em estereótipos e expectativas sociais distintas que recaem também sobre o sexo masculino, e que lhe são prejudiciais, embora noutras dimensões e com outras consequências. Passa por percebermos que não se trata de simplesmente transferirmos o poder de um lado para o outro, ou de mudarmos os protagonistas nisto de quem oprime e de quem é oprimido.

O feminismo passa por incluir homens e mulheres num diálogo aberto e abrangente que nos encaminhe para um mundo onde nenhum dos lados tema perder a tal posição de poder. Porque se existe alguma forma de equilíbrio entre pessoas, ela está no poder partilhado. Um poder que nos vê a todos como pares, independentemente do nosso género, etnia, orientação sexual, estatuto económico e demais fatores que ainda nos diferenciam, estigmatizam e espartilham enquanto seres humanos.

Sem surpresas, este livro já está a ser transformado numa série televisiva. Até lá, aproveitem as férias para uma leitura. Vale a pena refletir sobre isto.

Eu quero autoflagelar-me, mas não sei como

Novo artigo em BLASFÉMIAS


por CGP

Catarina Martins, com a profunda perspicácia que a caracteriza, decidiu apelar a que no 10 de Junho os discursos oficiais reconheçam "a enorme violência da expansão portuguesa, a nossa história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos". Obviamente, isso já foi reconhecido há muito tempo. Ainda recentemente, Marcelo, numa visita oficial ao Senegal, fez isso mesmo. Claro que o que Catarina Martins quer não é apenas o reconhecimento que o estado português já fez por diversas vezes e que se encontra nos livros de história nas escolas públicas. O que Catarina quer é uma sinalização de virtude, apostada na culpa do homem branco, para continuar a fazer passar a sua agenda política. O importante é ter Catarina como voz da consciência de uns portugueses em constante autoflagelação por os seus antepassados terem feito o mesmo que todas as potências da altura (mesmo as potências regionais na África e Ásia) faziam. Mas antes de comerçamos a dar vazão ao chicote, convém esclarecer algumas coisas:

1. São todos os portugueses culpados? Por exemplo, os portugueses de raça negra também deverão pedir desculpa ou esses estão isentos?
2. Se os portugueses de raça negra estão isentos, os mulatos podem pedir só meia desculpa ou como têm antepassados nos dois lados a coisa cancela?
3. Se a descendência é o critério, os portugueses cujos antepassados não se envolveram no tráfico de escravos também têm que pedir desculpas?
4. Na medida em que boa parte dos traqficantes de escravos se estabeleceram no Brasil, não deveria ser o presidente do Brasil a pedir desculpas? Alguém exigiu isso ao Lula?
5. Se os portugueses devem herdar por inteiro a culpa de algo feito pelos seus antepassados há 12 gerações, não deveriam poder herdar por inteiro aquilo que os seus pais acumularam durante a vida. Ou isto das heranças só funciona com as culpas e o resto deve ser taxado?

Espero que a Catarina Martins nos ilumine para que a tão desejada autoflagelação possa finalmente começar.