Translate

domingo, 8 de julho de 2018

Portugal e a escravatura: dois mal-entendidos

POLÉMICA

6/7/2018, 0:062.660

Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, então não precisa de se informar.

A jornalista Fernanda Câncio, que, em Abril de 2017, na sequência da ida de Marcelo Rebelo de Sousa à ilha de Gorée, no Senegal, foi uma das iniciadoras do debate em torno da questão da antiga escravatura, esteve longos meses alheada desse tema, mas regressou agora a ele num artigo publicado no DN, no qual fez duas afirmações enganadoras. Disse, nomeadamente,“que Portugal sozinho (…) foi responsável por quase metade dos 12,5 milhões de negros escravizados e traficados de África para as Américas entre 1501 e 1875”; e acrescentou que “o grosso desse recorde mundial decorreu entre 1826 e 1850, ou seja, já após a mítica abolição da escravatura por Pombal (1761)”.

Comecemos pelo fim. Há, da parte de Fernanda Câncio, um mal-entendido quanto ao alvará abolicionista de Pombal. O dito alvará nada tinha a ver com tráfico transatlântico, aplicava-se apenas a Portugal metropolitano. Mas não é mítico. Existiu e produziu efeito. Deixaram de se importar escravos para o território metropolitano e um alvará posterior (1773) extinguiu gradualmente o estado de escravidão em Portugal continental. Foram os primeiros passos no sentido da abolição que, no âmbito do império português, só décadas depois seriam continuados. Mas esses passos deram-se e não foram revertidos. Fernanda Câncio parece ignorar que as leis abolicionistas foram muitas vezes graduais e sucessivas, abolindo parcela a parcela. A própria Inglaterra, a incontestável campeã do abolicionismo, aboliu o seu tráfico de escravos em anos sucessivos e não de uma só vez. Fernanda Câncio parece ignorar, também, que na terminologia do século XVIII, a palavra escravatura significava geralmente tráfico de escravos (e não escravidão, como significa para nós). Daí, talvez, alguma da sua confusão.

Mas a mais importante e mais enganadora confusão de Fernanda Câncio é a que a leva a afirmar que Portugal terá sido o recordista de negros escravizados e traficados de África para as Américas, sendo que o grosso desse horrível recorde teria acontecido entre 1826 e 1850. A jornalista esqueceu-se que nesse período Portugal já não tinha colónias nas Américas. Como é do conhecimento geral, o Brasil tornara-se independente em 1825. O que quer dizer que o grosso do tráfico de escravos foi feito por e para um novo país chamado Brasil. Ou seja, não foi Portugal sozinho que escravizou e traficou 5,8 milhões de pessoas africanas. Muito menos foi Portugal sozinho que escravizou e traficou os 2,5 milhões de africanos que, no século XIX, atravessaram o Atlântico em direcção ao Rio, a Pernambuco, à Bahia. Foram Portugal, o Brasil e muitas entidades políticas africanas, que já tinham escravizado aquelas pobres pessoas antes de as venderem para a costa e, daí, para a coberta dos navios negreiros.

Dir-se-á que boa parte do tráfico de escravos realizado entre 1826 e 1850 foi levado a cabo por negreiros portugueses residentes em cidades brasileiras, homens como José Bernardino de Sá, Tomás da Costa Ramos, Manuel Pinto da Fonseca e vários outros; e que, num determinado período, entre os anos 1830-1840, esse tráfico foi em larga medida feito sob a protecção da bandeira portuguesa, que se obtinha no consulado português no Rio de Janeiro, por meios ilícitos e fraudulentos. Sim, é verdade que assim foi. Mas é igualmente verdade que o tráfico era feito com capital e gente de várias origens, com têxteis ingleses, em navios segurados em companhias de seguros europeias, etc. O tráfico nessa época envolvia pessoas e meios de muitas proveniências.

Para que se fique com uma ideia da complexidade e modernidade da actividade negreira no período em causa, valerá talvez a pena transcrever uma pequena passagem do livro de David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade: “No início de 1859, vários marítimos espanhóis e portugueses viajaram de comboio, de Londres a Hartlepool, um porto na costa nordeste inglesa, para aí receberem e tripularem o Wilhemina, um recém-construído navio a vapor. Navegaram nele até Cádiz e daí até à costa ocidental africana, onde adquiriram um carregamento de escravos que, depois, desembarcaram em Cuba. Nos quatro anos seguintes, este e outros vapores de construção inglesa fizeram várias viagens negreiras. Muitos desses navios eram propriedade de uma sociedade por acções com sede em Cuba e accionistas de várias nacionalidades. Tinha uma rede de agentes que ia de Nova Iorque a Quelimane. Os escravos levados para Cuba eram vendidos a produtores de açúcar que já utilizavam a mais sofisticada maquinaria de construção britânica, e o açúcar que produziam era vendido para os países mais desenvolvidos”.

Ou seja, no século XIX o tráfico transatlântico de escravos foi uma actividade multinacional, ligada a uma economia global e que se servia de tudo o que havia de mais moderno no mundo de então. Daí a enorme dificuldade em pôr-lhe fim, o que ainda assim se conseguiu, após décadas de esforços continuados de políticos, diplomatas e marinheiros europeus e americanos. Portugal teve uma pequena quota parte desse esforço. Mas foi um processo lento e complexo, e por isso o tráfico prosseguiu até à década de 1850, para o Brasil, e até à de 1860, para Cuba, apesar de já ser, em ambos os casos, ilegal.

Há dezenas de bons livros de História, escritos por historiadores competentes, onde qualquer pessoa pode aprofundar o seu conhecimento sobre esta matéria. Estranho, por isso, que Fernanda Câncio continue a reproduzir o mesmo mal-informado discurso, sem alterações assinaláveis de Abril de 2017 até agora. Fala em mitos e exige que se conte a verdadeira história, mas não parece estar a par da verdade histórica e não se dá conta de que ela própria perpetua mitos que invertem os mitos que diz combater. É interessante ver que no quadro quantitativo do tráfico transatlântico de escravos em que Fernanda Câncio se apoiou está bem explícito que se trata de números de Portugal e do Brasil, como pode verificar-se neste link. Mas, no seu artigo no DN, Câncio cortou a referência ao Brasil e Portugal ficou “sozinho” — como ela própria diz — no pelourinho da opinião pública. Estou convencido de que o corte da referência ao Brasil não foi intencional ou malicioso, com o propósito de manipular o leitor. Julgo, isso sim, que Fernanda Câncio o terá feito devido a uma mistura de desconhecimento dos factos e de preconceito ideológico.

E é sobretudo isso que estes quinze meses de debate sobre a antiga escravatura nos têm mostrado à exaustão: gente cheia de ideias apressadas, que mal conhece os factos de que fala e que tem toneladas de preconceitos ideológicos. O diálogo com essas pessoas é difícil e improdutivo, porque de um lado está o saber histórico e do outro a ideologia política e os preceitos morais.

Se o fito de Fernanda Câncio for esclarecer a opinião pública, então deve parar um pouco para se informar melhor. Mas se a sua intenção for flagelar Portugal, torná-lo responsável por muito do que de mau existiu na história, fazê-lo campeão das iniquidades, se o seu propósito for culpabilizar os actuais portugueses, fazendo-os crer que os seus antepassados eram invulgarmente nocivos e cruéis, então não precisa de se informar, é só continuar na mesma senda.

Historiador e romancista

Um palerma narcisista

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

A última de Trump é ele pretender que o Twitter apague as contas dos jornais The New York Times e The Washington Post.

Twitter is getting rid of fake accounts at a record pace. Will that include the Failing New York Times and propaganda machine for Amazon, the Washington Post, who constantly quote anonymous sources that, in my opinion, don’t exist - They will both be out of business in 7 years!

— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) July 7, 2018

Este exercício de estupidez vem na sequência de o Twitter estar, por fim, a apagar milhões de contas falsas (mais de 70 milhões em 2 meses) , muitas delas geridas por bots (abreviatura para robots, correspondendo a programas informáticos que, neste caso, republicam os seus tweets e simulam a interacção entre utilizadores).

O argumento do palerma que presidente aos EUA é que estes dois jornais são fontes de notícias falsas (fake news). Na verdade, ele próprio é uma fonte de fake news, quando por exemplo, segundo a Vox, em Fevereiro afirmou que nunca disse que não existiu interferência russa nas eleições americanas, apesar de o ter afirmado publicamente diversas vezes. Ele próprio, segundo a sua argumentação, devia-se submeter ao cancelamento que preconiza para os outros.

O narcisismo da figura vai ao ponto de ter um passado de interacções com os bots agora a serem apagados pelo Twitter, por exemplo agradecendo-lhes por terem reencaminhado bostas que tweetou.

Post baseado num artigo da Vox, o qual contém links para o que aqui é afirmado.

sábado, 7 de julho de 2018

Madeira vai colaborar com Comissão Europeia na investigação à Zona Franca

6/7/2018, 20:53

O Governo da Madeira vai colaborar com "todos os esclarecimentos" que forem solicitados pela Comissão Europeia, no âmbito da investigação às isenções fiscais concedidas a empresas na Zona Franca.

MÁRIO CRUZ/LUSA

Autor
  • Agência Lusa
Mais sobre

O Governo da Madeira vai colaborar com “todos os esclarecimentos” que forem solicitados pela Comissão Europeia, no âmbito da investigação às isenções fiscais concedidas a empresas na Zona Franca, disse esta sexta-feira, no Funchal, o chefe do executivo.

É uma situação de normalidade, que encaramos com grande tranquilidade, porque o Centro Internacional de Negócios da Madeira tem agido sempre de forma transparente e dentro das normas impostas pelo quadro legislativo nacional e pelo quadro legislativo europeu”, afirmou Miguel Albuquerque, à margem da cerimónia de abertura da feira de atividades económicas ExpoMadeira.

A Comissão Europeia anunciou esta sexta-feira que iniciou uma investigação aprofundada às isenções fiscais concedidas pelas autoridades portuguesas a empresas na Zona Franca da Madeira, por recear que estas não estejam em conformidade com as regras de auxílios estatais.

Bruxelas quer também saber se as ajudas de Estado concedidas na Madeira criaram emprego e se o lucro das empresas beneficiadas foi, de facto, realizado na região.

Miguel Albuquerque garantiu, por seu lado, que o executivo vai colaborar com “todos os esclarecimentos que forem pedidos” e sublinhou que está a trabalhar “em consonância com o Estado português” na defesa dos interesses nacionais e da Zona Franca da Madeira.

O presidente do Governo Regional sublinha que esta ação se insere num “contexto normal de fiscalização, de apuramento e de escrutínio”, vincando que os regimes de apoios de Estado, bem como os fundos comunitários são sempre monitorizados e fiscalizados.

Uma das grandes vantagens do Centro Internacional de Negócios, para além de as empresas pagarem impostos reduzidos, é ter credibilidade, credibilidade nos capitais movimentados e nos investimentos que são feitos”, disse, salientando que, em 2016, o centro gerou 199 milhões de euros de receitas fiscais, mais de 20% do total arrecadado na região.

Na sequência da investigação iniciada pela Comissão Europeia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros emitiu um comunicado onde afirma que “o Governo português reitera a sua total disponibilidade para esclarecer todas as dúvidas” e nota que “a decisão de abertura deste procedimento dará ao Governo e a outros interessados a oportunidade de submeter observações, não implicando necessariamente uma decisão negativa”.

A Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, concessionária do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), considerou, por seu lado, “normal” a decisão de abrir um procedimento formal de investigação e realçou que o mesmo incide sobre o “Regime III” de benefícios fiscais e não sobre o “Regime IV atualmente em vigor”.

PSD critica reformas levadas a cabo na Justiça durante o Governo de Passos

7/7/2018, 13:57

O PSD de Rui Rio critica as reformas do Governo de Passos, quando Teixeira da Cruz era ministra da Justiça. Críticas recaem sobre mapa judiciário, código de processo civil e processo de inventário.

Mónica Quintela é a porta-voz do PSD para a Justiça.

MIGUEL PEREIRA DA SILVA/LUSA

Autor
  • Catarina Gonçalves Pereira
Mais sobre

O PSD quer reverter algumas reformas na área da Justiça levadas a cabo por Paula Teixeira da Cruz, ministra da Justiça durante o Governo de Passos Coelho, avança o Expresso. Em entrevista, a porta-voz do PSD para a Justiça, Mónica Quintela, faz duras críticas ao legado de quatro anos de Teixeira da Cruz. Mapa judiciário, Código de Processo Civil e Processo de Inventário são alguns dos casos em que o PSD de Rui Rio quer ver feitas alterações.

É certo que o PS já reverteu uma parte da reforma, mas os sociais-democratas consideram que não chega, com Monica Quintela a dizer ao jornal que “não se devia ter fechado tantos tribunais”. “Há coisas completamente caricatas” e que a Justiça não pode ser “medida por critérios geográficos”, acrescenta a porta-voz de Rio para esta área.

São casos que merecem ser revistos, de modo que se possa melhorar sem perder o ratio da reforma, que era a especialização dos tribunais”, acrescenta.

Mónica Quintela demarca-se de propostas que Teixeira da Cruz defende, como é o caso da criminalização do enriquecimento ilícito,pelo qual a ex-ministra sempre se debateu. Fá-lo porque, por um lado, considera que implica a inversão do ónus da prova, sendo, assim, inconstitucional e, por outro, porque desvaloriza a criação desse novo crime, lê-se no Expresso. No campo da delação premiada também o PSD é um crítico acérrimo: “Tem perversidades que são muito perigosas. Não se pode premiar alguém que também cometeu um delito e que está a acusar outros exclusivamente para se eximir ao tratamento da Justiça.”

Reformar a justiça é há muito uma das prioridades de Rio e, até ao final deste mês, o presidente vai divulgar um documento que reúne os principais problemas e sugestões de resolução. Mónica Quintela reconhece que a violação do segredo de justiça é um desses problemas, mas admite não ter ainda solução para ele.

Quando um processo é trazido à praça pública há dois direitos preponderantes: o direito à informação e o contradireito, que é o direito ao bom nome e à presunção de inocência. Há interesses conflituantes. Tem de se perceber qual o entendimento que, em termos de uma reforma global, venha a ser perfilado”, prosseguiu.

Para já, “não há nenhuma proposta em concreto sobre esta questão”. Na sua opinião, este problema coloca-se sobretudo em grandes processos, como o Caso Sócrates ou as investigações ao Banco Espírito Santo.

Outro dos problemas apontados pela responsável é a lentidão na Justiça, que se deve sobretudo à falta de recursos humanos e de financiamento. “São necessários mais meios, mais funcionários, mais magistrados”, afirmou. Embora não saiba precisar a dimensão do reforço necessário nas verbas, diz que “é preciso um grande investimento na Justiça a todos os níveis”.

Defende ainda que é necessário “aumentar a transparência e a eficácia dos tribunais” e agilizar a fase de inquérito — “Onde acho que há morosidade que está a provocar grandes atrasos é na forma como o inquérito está a ser gerido”, referiu. A porta-voz não propõe prazos de inquérito mais curtos, mas sim que os atuais prazos sejam obrigatórios.

Um jogo de sorte e Hazard

MUNDIAL 2018

  • Bruno Vieira Amaral

6/7/2018, 22:14

Mesmo descontando o efeito da emoção recente, proclamo que este foi o Brasil que mais gostei de ver jogar em mundiais. Mesmo a perder, nunca perdeu a cabeça, a organização, a fluidez.

Haverá outras formas de dizer isto, provavelmente mais simpáticas, mas o facto é que José Peseiro tem cara de derrotado. Como o rosto vitorioso de alguns indivíduos afronta, humilha, o rosto atreito à derrota, à miséria, convoca a nossa compaixão. Porque é que falo de Peseiro se ele nem está no Mundial? É que o estou a ver aqui à minha frente, na capa de uma jornal desportivo, com um sorriso que não me engana. Naquela fisionomia obnóxia estão inscritas todas as derrotas do passado e prenunciadas todas as derrotas do futuro. Podem argumentar que nada disto é científico, mas olhem bem para Peseiro e digam-me se há ali algo da natureza intimidatória, vagamente irritante, do vencedor? Pois, não há.

Resolvida a questão Peseiro, regressemos ao Mundial. Pobre Uruguai! Sem Cavani, o campo ficou muito grande. Suárez procurava-o como quem procura a perna direita. Como um McCartney sem Lennon, bem que assobiava, mas só lhe saíam coisas como “Ebony and Ivory” e “No More Lonely Nights”. Privado do seu sócio, o avançado do Barcelona viu-se sem dentes. Correu, chateou, bateu com prudência, fez tudo o que se espera de Suárez dentro das leis do jogo. Porém, pareceu sempre inofensivo, nada mais que um rafeiro atrevido.

Este foi um jogo muito semelhante ao Alemanha-França de há quatro anos, também nos quartos-de-final. O que a Alemanha fez então à França, hoje a França fez ao Uruguai, apertando o adversário num abraço que só se percebe que é constritor quando o oxigénio deixa de chegar ao cérebro. Giménez, o central uruguaio, percebeu-o ainda a tempo de nos proporcionar um momento inesquecível: a dois minutos do jogo acabar, com o Uruguai a perder 2-0, não controlou o choro. Muslera também já tinha tido a sua paragem cerebral quando deu um daqueles frangos tão monumentais que nem sequer destroem carreiras, antes criam lendas. Muslera deu hoje o seu frango eterno. Não será esquecido.

Mais do que a comparação com o jogo de há quatro anos, talvez faça sentido dizer que o Uruguai provou do veneno com que tinha derrotado Portugal. Veneno que, por sua vez, Portugal já tinha usado contra Marrocos, por exemplo. Portanto, se a Bélgica empregar o mesmo método para ultrapassar a França podemos dizer que isto não é tanto um Mundial como um fim-de-semana com a família dos Bórgias. Também não faltou ao jogo alguma dose de violência física, de quezílias, quiproquós, pisadelas, admoestações e reprimendas. As coisas atingiram um nível Copa Liberadores e, a certa altura, nem a imponência castrense de Néstor Pitana sossegou os ânimos. Ainda escreverei sobre este árbitro argentino que tem a presença física de um marine – ou, como diria Gabriel Mithá Ribeiro, o físico ideal para professor na Margem Sul – e a vocação teatral de quem ama as luzes da ribalta.

Quando o futebol é quezilento, sem imaginação, o adepto faminto até na exibição do árbitro procura consolo. Verdade seja dita, quando se chega aos quartos-de-final nenhuma equipa é amável. Dizia Balzac que por trás de uma grande fortuna há sempre um grande crime. Ora, eu acredito que uma presença nos quartos-de-final oculta sempre uma desonestidade fundamental, um crime de Ananias. Ninguém chega a esta fase impunemente. Amei a França que bateu a Argentina. Porém, assim que a projectei nos quartos-de-final, regressaram-me à memória os pecados originais de todos os jogadores franceses – que digo eu? –, de toda a França desde Carlos Magno.

Era assim que pensava antes de ver o Brasil-Bélgica. E não é que os quartos-de-final podem ter não uma, mas duas equipas amáveis? Mesmo descontando o efeito da emoção recente, proclamo que este foi o Brasil que mais gostei de ver jogar em mundiais. Mesmo a perder, nunca perdeu a cabeça, a organização, a fluidez. Criou oportunidades a jogar o seu futebol e isto, sem condescendência alguma, vale certamente alguma coisa. A Bélgica teve um treinador que soube preparar o jogo, teve Witsel e Fellaini, teve Lukaku, teve De Bruyne, teve Courtois, teve Hazard e, quando tudo isto falhou, teve sorte. Contra isto, Tite nada podia.