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sábado, 9 de maio de 2020

Costa e Centeno, “ Disseram”?

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 09/05/2020)

Se  disseram, então está dito!

Mas que quer isto significar? Quer significar que já está tão sedimentada na opinião pública Portuguesa um tão sustentado grau de fiabilidade em Costa e Centeno e já tão enraizada no senso comum uma ideia de idoneidade, de competência e solidez tais, que basta “falarem” para as pessoas confiarem e dizerem, como o Povo diz, “falaram, está falado”!

Mas esta solidez advinda da Confiança, também resulta da serenidade e postura destes dois governantes em especial, pelo que as suas lideranças acabam por ser aceites com toda a naturalidade e sem necessidade de qualquer imposição ou força.

E a isto chama-se simplesmente Confiança, que é como todos sabemos a variável mais determinante quando se têm que tomar decisões políticas ou económicas.

No último programa do Eixo do Mal, a propósito da volatilidade das declaraçòes de Marcelo, (acerca do 1° de Maio por exemplo), o Daniel Oliveira proferiu uma frase lapidar” Enquanto Costa lidera a Opinião Pública, Marcelo é por ela liderado”!  Pode parecer suspeito de quem vem, mas é a pura realidade. 

Na quinta feira à noite assisti também a uma estupenda entrevista de Mário Centeno à RTP 3, onde com uma postura serena e sóbria, mas séria e confiante, advindas da certeza do inequívoco grande trabalho antes realizado, não deixou de responder a única pergunta do entrevistador e mostrou à saciedade qual deve ser a postura de um governante de bem consigo mesmo.

Mas ela é também definitória de uma segurança que se tem que ter para transmitir a referida Confiança. Na verdade ele sublinhou, mas nem precisava de o fazer, o duro caminho percorrido por Portugal nos últimos anos até à sua afirmação na Europa e no no Mundo, igualmente nas suas diversas Instituições, mas um caminho sem atropelos nem titubeações, tanto no cumprimento dos objectivos traçados como das regras estabelecidas.

Portugal passou a figurar como parte das soluções e não dos problemas, através de uma coerente atitude de positivo envolvimento e o reconhecimento chegou com a eleição do próprio Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo, fruto claro do enorme respeito granjeado entre os seus pares.

Mas chegou a ser até tocante ver um Homem a quem tudo estava a correr bem, qual Sisifo chegando com o pedregulho ao cimo da montanha, ver tudo ruir num ápice e, tal como Sisifo, ter que carregar novamente a dura e pesada pedra montanha acima…

Mas tocante no sentido em que aceita o desafio sem azedume, nem com o recurso e sempre usual desabafo do “que azar”…Não, a sua resposta foi sempre positiva: “Portugal já mostrou que é capaz e hoje todo o Mundo acredita que o é”, disse ele! E o respeito adquirido nos últimos anos por Portugal saiu ainda mais reforçado com a actual crise pandémica, pela resposta competente e pronta, com o nosso comportamento enquanto Povo, pelo nosso espírito solidário e com a unidade das Instituições.

Mas o Prestigio, tal como a Confiança, conquistam-se lenta e progressivamente e a confiança que depositamos nestes nossos dois Governantes, eu diria até “Comandantes”, é uma enorme mais valia para nós Portugueses ultrapassarmos este enorme desafio com que inopinadamente fomos confrontados. Mas agora com mais armas que antes, sem dúvida.

Costa e Centeno “disseram”? Então está dito!

A inútil grandeza das nações

por estatuadesal

(Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 09/05/2020)

Miguel Sousa Tavares

A Alemanha deu muito à Europa: poetas, romancistas, músicos, maestros, pintores, filósofos, estadistas, inventores, cientistas, médicos, desportistas. E a Alemanha fez muito mal à Europa: devastou-a duas vezes, do Atlântico a Moscovo, no século passado. Da primeira vez, já ninguém se lembra ou é capaz de explicar porquê, não fosse para testar a superioridades dos canhões Krupp. Da segunda vez, para vingar a rendição humilhante de Versalhes, mas também, é forçoso reconhecê-lo, para testar a crença na superioridade da raça alemã, mobilizada por um medíocre líder, mas superiormente proposta nas imagens de Leni Riefenstahl. Mas, após 1945, uma Europa destruída pela demência alemã foi generosa perante uma Alemanha vencida e igualmente destruída. Os exércitos aliados vencedores detiveram o Exército Vermelho a meio do território alemão e, numa Berlim isolada e sitiada pelos russos, montaram uma inédita e incansável ponte aérea, que permitiu que o estatuto de Berlim Ocidental livre e a República Federal Alemã pudessem viver e prosperar durante 35 anos fora da Cortina de Ferro. O Plano Marshall, dos americanos, permitiu à Alemanha, em pé de igualdade com as nações que Hitler havia ocupado e destruído, começar a reerguer-se das ruínas da guerra. Os empréstimos que então lhe foram concedidos, contendo uma cláusula que lhe permitia ir amortizando-os apenas à medida que cresciam as suas exportações, garantiu-lhe não ser sufocada pelo serviço da dívida — como, por exemplo, Portugal e a Grécia foram na crise de 2008-14 — e, simultaneamente, fundar a sua reconstrução económica no sector exportador, fazendo dela a potência que hoje é nesse campo. Ao mesmo tempo que, proibida de deter Forças Armadas, pôde canalizar todo o investimento público para a economia e o sector social, tornando-se uma das maiores potências económicas mundiais. Enfim, a criação da então Comunidade Económica Europeia, de que a RFA foi um dos seis membros fundadores, pela mão de Konrad Adenauer — que, juntamente com Willy Brandt e Helmut Schmidt, foi um dos três grandes estadistas alemães e europeus do século XX —, deu à Alemanha um mercado comum, isento de tarifas, para escoar os seus produtos.

<span class="creditofoto">ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO</span>ILUSTRAÇÃO HUGO PINTO

Vem isto a propósito da infame sentença do muito venerado internamente Tribunal Constitucional alemão, de Karlsruhe, conhecida esta terça-feira. O Tribunal julgou e deu razão a uma queixa apresentada em 2015 (não estamos sós nos atrasos judiciais!) por um “clube de elite” de cerca de 2 mil juristas, economistas e outros alemães de bem com a vida que invocavam a violação do “princípio da proporcionalidade”, inscrito na Constituição alemã, pelo facto de o Banco Central Europeu ter então decidido acorrer à crise das dívidas soberanas comprando quantidades imensas destas, de modo a evitar a total falência dos Estados endividados. Foi o chamado quantitive easing, de Mario Draghi, na sequência do que também a Reserva Federal americana havia feito e que, junto com a célebre frase de Draghi (“farei tudo o que for necessário”), permitiu salvar o euro e evitar que a Europa do euro entrasse na modalidade do “salve-se quem puder”. E é claro que os alemães podiam: enquanto os juros da dívida pública portuguesa escalavam até aos 12% e os da grega até aos 20%, os da dívida alemã mantinham taxas negativas — os investidores pagavam para ter dívida alemã. Tal qual como agora, assim que foi conhecida a sentença do Tribunal Constitucional alemão: os juros de todos os países do sul da Europa, os mais endividados, deram imediatamente um salto para cima, com destaque para a Itália, enquanto os juros da Alemanha recuavam para terreno ainda mais negativo. Porque os investidores desconfiam, e provavelmente com razão, que se o Tribunal alemão põe em causa as compras de dívida do BCE feitas no passado, também irá pôr em causa as mesmas compras já anunciadas agora e já em marcha pelo mesmo BCE. Ou seja: como é assim que o casino funciona, aqueles juízes, pomposamente vestidos com um traje misto de esbirros do Tribunal do Santo Ofício e Teatro de Marionetes, estavam candidamente a ler uma sentença que tinha o dom de dar uma inestimável ajuda às empresas e à economia alemã, já de si a mais rica da Europa, ao mesmo tempo que ajudavam a tornar ainda mais insuportável a vida actual de milhares de empresas e milhões de trabalhadores que se debatem com uma situação de crise inimaginável, para a qual em nada são responsáveis. Assim é fácil, como se diz na gíria e passe o palavrão, “cagar sentenças”.

Resumindo e relembrando: a Europa, que a Alemanha destruiu duas vezes num século, foi capaz de lhe perdoar, de a salvar de cair sob a bota de Estaline e deu-lhe os recursos financeiros e as condições para se reconstruir. E a União Europeia deu-lhe o mercado que fez dela o país mais rico da Europa. Certamente que também houve muito mérito dos alemães, da sua lendária capacidade de organização, de trabalho e de resiliência.

Mas há um problema histórico com os alemães: entregues a si próprios e aos seus demónios, eles têm uma tendência para a autodestruição. Pelo contrário, em 75 anos de resgate europeu, a Alemanha viveu o seu mais longo período de paz e de prosperidade. Deve-o aos Estados Unidos, que lhe garantiram a paz, e à Europa, que lhe garantiu a prosperidade.

Mas acontece ainda que a Alemanha é membro da UE e membro do Eurogrupo e de ambas as condições tem retirado benefícios como nenhum outro. Porém, são inúmeras as ocasiões em que políticas de interesse comum ou, pelo menos, largamente maioritário, esbarram nas invocadas “impossibilidades constitucionais alemães”, de natureza económica: a Constituição não lhe permite ter inflação, não lhe permite ter défices, não lhe permite ser solidária com os outros ou consentir que instituições comunitárias, como o BCE, tomem decisões que indirectamente acabam por convocar a solidariedade financeira alemã, em violação do “princípio da proporcionalidade”. E, então, nessas ocasiões, os juízes de Karlsruhe e muitos outros alemães cujas ideias eles reflectem, esquecem-se que o seu país pertence a uma organização que reúne 25 outras nações, ligadas por algumas leis comuns, um parlamento comum, um conselho de governantes comum, uma comissão executiva comum e um tribunal comum — cujas sentenças e cuja legislação aplicável está acima das venerandas casacas vermelhas dos juízes de Karlsruhe. Se é que a Alemanha quer continuar a pertencer à União Europeia. E eu acho que quer, porque as alternativas — os Estados Unidos, de Trump, a Rússia, de Putin, ou esta China, que estamos a descobrir, assustados — não só não são atractivas, como não lhe consentiriam nada semelhante ao papel de liderança que tem na Europa.

Não esqueço que a Alemanha foi determinante na ajuda a Portugal para a estabilização da democracia a seguir ao 25 de Abril, quando Cunhal garantia a Oriana Fallaci que jamais teríamos aqui “uma democracia burguesa”. E não esqueço também que a Alemanha é hoje o maior contribuinte líquido para a UE, mas é natural que o seja porque é a nação mais rica dos 26 e porque não é do seu interesse que mercados importadores dos seus bens vão à falência. Podemos todos, aqui no sul, voltar a andar em modelos populares dos tempos de hoje, como os Seat Ibiza, os Fiat 127 e os Renault 5 de outrora, mas não creio que os alemães gostassem. É difícil explicar isto a um finlandês ou a um holandês, mas a um alemão não devia ser. Lembra-me de um jantar a que fui na embaixada alemã em Lisboa, na época da outra crise. Fiquei sentado ao lado de um alto responsável do Bundestag que, a certa altura, me perguntou, naquele tom desagradável de quem vai dar lições a um menino mal comportado e como se eu, pessoalmente, lhe devesse dinheiro:

— Mas, afinal, como é que vocês se endividaram assim?

Fazendo o meu melhor para me conter, respondi:

— Olhe, reparou nos carros que estavam lá fora, à entrada da embaixada?

— Não.

— Eu reparei: BMW, Mercedes, Audi. Foi assim, em grande parte, que nos endividámos: a comprar-vos carros e outras coisas, a crédito. Crédito vendido pelos bancos alemães aos nossos bancos. A nossa ruína é a vossa fortuna.

Não se trata de querer aplicar à Alemanha a célebre receita para a prosperidade económica de Mariana Mortágua: “Perder a vergonha de ir buscar o dinheiro onde ele está.” Aliás, nem teríamos armas para o assalto. Mas trata-se de insistir e insistir e insistir em fazer ver aos alemães que aquilo em que eles são europeus é muito melhor do que aquilo em que são apenas alemães. Como todos nós, pois esse é o projecto e o destino da União Europeia. Esse ou nenhum outro.

PS 1. Ah, grande ciganito, grande Ricardo Quaresma! Eu, como todos os portistas, sempre venerei este génio da bola, vibrei com as suas fintas, os seus golos que desafiavam a geometria, indignei-me com os truques de secretaria levados a cabo para o tirar do jogo. Mas este golaço que ele agora marcou na capoeira escancarada do galo Ventura, deixando-o no fundo das redes, depenado, esganiçado, ridículo, esbracejando de impotente réplica — ao ponto de apelar às “autoridades” que calassem quem assim o expôs à humilhação pública — este, caro Ricardo Quaresma, foi um golo de levantar o estádio!

PS 2. Foi comovente assistir à forma como o poder político assinalou o primeiro dia dedicado à Língua Portuguesa no mundo. Quatro assessores de outros tantos ministros escreveram-lhes um texto conjunto carregado daquelas banalidades patrióticas que em nada de substancial diferem das do antigamente, e logo acrescentadas por outras banalidades semelhantes de Costa e Marcelo. Mas a única homenagem e o único serviço que poderiam prestar à língua portuguesa e que é há décadas reclamado pela imensa maioria dos que, em Portugal, a utilizam e a defendem — a revogação desse vergonhoso Acordo Ortográfico de 1980, imposto à traição a todos os portugueses por um grupo de sábios desocupados — esse, como sempre, ficou adiado. Por inércia, por cobardia, por falta de visão. Mas, sobretudo, por falta de amor a esta língua maravilhosa que os nossos pais e avós nos deixaram para nos servir e para nós defendermos. Para o ano, por favor, poupem-nos a igual hipocrisia.

Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia

O direito ao contraditório e ao ruído

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 07/05/2020)

Gosto de quem exerce o legítimo direito de discordar das minhas posições invocando o gosto de pensar pela própria cabeça, na insinuação subliminar de que eu penso com uma cabeça alheia.

Aprecio a alegação contra a denúncia dos crimes cometidos por Hitler, Franco, Pinochet ou Salazar com perguntas retóricas sobre os de Mao, Estaline, Enver Hoxha ou Pol Pot, como se alguma vez tivessem defesa uns ou outros.

Agrada-me o argumento irritado, quanto à denúncia de crimes cometidos por militantes de um qualquer partido, com o desfiar do rol de delinquentes de um partido concorrente, como se a bondade partidária se medisse pela conduta dos militantes.

Regozijo-me com a amnésia dos admiradores de Cavaco, Passos e Portas, que os julgam salvadores da Pátria e responsabilizam o governo anterior pelas suas malfeitorias, como se a crise financeira mundial de 2008 não tivesse existido, e ignorando que a falência de um Estado ou de uma empresa (bancarrota) não se confunde com a fissura numa banca da praça do peixe (banca rota), como há uma década vêm escrevendo.

Mas nada me extasia tanto como os ataques irritados a qualquer governo que não inclua o PSD e o seu apêndice de serviço, o CDS. Há quem, na sua crença, pense que Cavaco é um intelectual e Passos Coelho um académico. É mais um motivo para minha diversão.

Finalmente, resta-me recordar à direita truculenta a satisfação manifestada pela eleição de Bolsonaro, por Paulo Portas, Nuno Melo, Assunção Cristas, André Ventura e Luís Nobre Guedes, para não falar da carta de felicitações que Santana Lopes lhe enviou.

Quaresma no lugar certo – o da Política

por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso Diário, 07/05/2020)

FUTEBOL - Ricardo Quaresma. Jogo de qualificacao para o Campeonato do Mundo 2018, Portugal - Ilhas Faroe, realizado Estadio no Bessa, no Porto. Quinta, 31 de Agosto de 2017. (EPOCA 2017/2018) (Vitor Garcez)

Os racistas podem ser os monstros que a memória do século XX não apaga e podem ser figurinhas medíocres, sem convicção, oportunistas do momento. Mas o racismo é sempre assunto sério, é sempre coisa da polis, porque os racistas, os grandes monstros ou os pequenotes anedóticos, comungam no objetivo do apagamento do outro. Discriminar em função da etnia é sempre apagar, é tirar do mapa e esse objetivo é conseguido pelo verbo, pela ação, com pequenos e com grandes gestos.

Pretender que se crie um plano de confinamento específico para a comunidade cigana, devidamente estereotipada e falsamente acusada de comportamentos alucinantes em tempos de pandemia, remete-nos para a máquina jurídico-administrativa que o nazismo montou para que, numa política de pequenos passos, os judeus fossem despojados da sua humanidade com adesão consequente dos alemães “puros” ao novo normal, ao afastamento (apagamento) dos judeus da cidade. Criou-se, também pelo Direito, uma consciência coletiva de obediência ao normativo.

Pretender que haja regras de confinamento para a todos e outras à parte para as pessoas ciganas faz-nos pensar nos tempos que um parlamento aprovou leis para proteger o sangue de um povo idealizado.

Felizmente, a esmagadora maioria das portuguesas e dos portugueses sabe que somos comunidade junta e que o recurso à ciganofobia em tempos de menor atenção mediática é coisa de racista aflito. Mas o racismo é sempre assunto sério e é sempre assunto político. Todas e todos nós temos lugar aí mesmo, na cidadania livre.

Ricardo Quaresma deu um pontapé no racismo de Ventura. Ventura, nervoso, pediu para calarem o jogador, dizendo que não lhe cabe falar de política.

Ricardo Quaresma, na verdade, erguendo-se como pessoa cigana, foi a pessoa livre e responsável que recusou o nosso apagamento e que falando no lugar certo engrandeceu a política.

Imunidade sem rebentar SNS: trabalhadores são os novos heróis

Posted: 08 May 2020 03:30 AM PDT

«Os austríacos ou os checos são os mais inteligentes da pandemia? O modelo sueco falhou? É absurdo fazer contas a meio desta corrida. Uma coisa sabemos já: quem confinou mais cedo, acertou. Mas a resposta à segunda vaga não será certamente igual. As circunstâncias mudam todos os dias e informação vital aflui com novos dados. O confinamento está a criar a maior crise económica da História do mundo. Não é um problema de bolhas económicas ou correções financeiras. É outra coisa nunca antes vista: não-produção à escala global, apesar de continuarmos a consumir. Temos de lutar contra duas pandemias em simultâneo. Podemos?

As informações mais relevantes dos últimos dias surgem, não dos cientistas das vacinas ou de novos fármacos, mas dos epidemiologistas. Neste momento são eles quem gerem as expetativas do mundo inteiro.

O que dizem os epidemiologistas? Com a informação disponível projetam cenários de imunização coletiva por países, com base em alguns pressupostos.

Primeiro pressuposto, positivo: a infeção não regressa após o primeiro contágio, dizem os investigadores sul-coreanos. Pode ainda ser cedo para se terem certezas, mas é um indício excelente.

Segundo pressuposto, o mais importante de todos: provavelmente mais de 80% da população não terá sintomas de Covid-19 e só menos de 20% das pessoas acabem infetadas. No universo de casos positivos, 85% fica em tratamento assistido em casa, mais de 10% necessitam de internamento, e menos de 3% têm precisado de cuidados intensivos/ventiladores.

Estes pressupostos fazem toda a diferença face ao que sabíamos há dois meses: não temos de imunizar ou encontrar resposta médica para toda a população, mas apenas para 20%.

O extraordinário estudo de Loulé

O estudo serológico levado a cabo pela Fundação Champalimaud e o Algarve Biomedical Center, em Loulé, trouxe esta semana os primeiros dados nacionais de grande relevância quanto à imunidade.

Em 1235 pessoas testadas - funcionários da Proteção Civil, forças de segurança e trabalhadores dos mercados -, há esta surpresa: por cada teste positivo 14 casos Covid-19 eram assintomáticos, e como tal não testados. É uma proporção brutalmente acima da taxa de infeção que se julga de referência (1 infetado por cada 4 saudáveis).

O exemplo de Loulé é simbólico, mas mais um, que apoia a base matemática apresentada pelos epidemiologistas. Há uma imunização coletiva a desenvolver-se por todo o mundo e a velocidade parece superior ao que pensamos. No limite extremo deste otimismo estão os investigadores de Singapura que anunciaram um possível fim da Covid-19 para este ano.

A doutorada em matemática de epidemiologia Gabriela Gomes, atualmente na Escola de Medicina Tropical de Liverpool, previu o fim da Covid-19 para Portugal no Outono/Inverno de 2021, sem nunca ultrapassarmos a curva de resposta do SNS e sem nenhuma vaga maior que a de Março passado.

Espanha, por outro lado, teve tantos casos que vai estar fora da Covid-19 muito mais cedo e sem mais vagas.

Ora, informações como estas são importantíssimas. Porquê? Manter a fronteira fechada com Espanha pode acabar por não ser perigoso para nós, daqui a meia dúzia de meses - e isso é vital para o turismo.

É verdade que "imunidade" passou a ser uma palavra maldita, depois da loucura inicial de Boris Johnson, Trump, Bolsonaro e alguns outros. Não enfrentar a Covid-19 no arranque é absurdo, sobretudo quando não se tem sistemas de saúde minimamente preparados.

Todavia, os suecos, que arriscaram mais, até agora não rebentaram a capacidade do seu SNS, embora tenham mais vítimas que os seus vizinhos. Mas os seus cientistas dizem que, no final das diferentes vagas, o padrão de óbitos será idêntico em todo o lado - desde que os SNS funcionem para não haver vítimas extra por falta de tratamento.

Claro, não tivesse Portugal confinado e certamente estaríamos com um cenário de vítimas proporcionalmente idêntico ao de Itália e Espanha. A estratégia foi certíssima no início de Março. Mas coisa diferente é manter-se uma defesa sistemática do confinamento radical daqui para a frente, num mundo em que o SNS não está a rebentar pelas costuras e há hospitais de campanha preparados, muito mais ventiladores disponíveis, e, ainda por cima, este ponto novo: afinal, talvez só 20% ou menos da população não esteja "imune" à Covid-19.

A ser assim - e as próximas semanas vão responder a isso - não só é positivo que o processo de imunização coletiva continue, como vamos poder reabrir a economia com mais confiança em menos tempo. Porque, no final, abrir as fronteiras e os aeroportos dependerá deste ritmo de imunização que o Instituto Ricardo Jorge vai estudar em breve.

Outro dado muito importante é trazido por alguns biólogos, que alertam para um novo perigo: a falta de contacto humano não nos vai permitir produzir imunização a diferentes tipos de "pequenas doenças" como a gripe. E isso vai tornar-nos mais frágeis. Obviamente não podemos correr riscos agora, mas é importante perceber que os "outros" não são apenas ameaças biológicas. No final disto vamos precisar muito da nossa vida em sociedade sem máscaras e com abraços porque "outros" são, quase sempre, aliados biológicos.

(Frise-se: enquanto não existir vacina ou um medicamento eficaz, todo o cuidado é pouco. A missão social de cada um é usar máscara, lavar as mãos e manter a distância social de forma a não contrair a doença.)

Combater o pânico

O novo combate pandémico passa agora por enfrentar o mundo com lucidez crescente. Sabermos ler os números sem pânico e com base em três parâmetros: quantos novos casos e vítimas tem cada país por milhão de habitantes; quantas pessoas perdem a vida diariamente em cada país; e se o número de óbitos é muito excendentário face à média diária. Se os telejornais fizessem isto, fariam uma leitura mais rigorosa da realidade, e com isso diminuiriam a sufocante angústia Covid-19.

No caso português, todos estes vetores são, à data de hoje, completamente aceitáveis. Aliás, mesmo com 500 ou mais casos diários - desde que a taxa de transmissão sintomática (o tal R0) seja sempre inferior a 1 - podemos coabitar em equilíbrio com o regresso ao trabalho.

Um dia como o de ontem, com 539 novos casos, menos de mil doentes internados e menos de 200 nos cuidados intensivos, é um dia na média do expectável. Porque significa que a velocidade da nossa imunização se processa a bom ritmo (como se viu em Loulé), e o SNS está a menos de metade da capacidade de resposta normal ao coronavírus.

Os trabalhadores portugueses, que permaneceram ou estão a regressar ao trabalho, são os heróis desta segunda fase. São eles quem se estão a expor ao risco de manter o processo de imunização em curso (ou contrair a doença, mas serem defendidos pelo SNS). São eles que saíram do lay off e voltaram a produzir. São eles que nos vão voltar a fazer exportar a breve prazo.

Hoje, 8 de Maio, dia da Vitória, 75 anos depois da derrota nazi, o combate dos trabalhadores pela economia portuguesa é, também ele, mais um ato de um quotidiano histórico e heroico que nos vai ajudar a salvar o país de uma gigantesca crise económica. Não podemos ficar atolados em dívida e nas mãos dos cruéis credores e agências de rating de que ainda nos lembramos bem. Máscaras e imunidade são as novas armas do quotidiano. Há uma luz ao fundo do túnel. É segui-la.»

Daniel Deusdado