Translate

terça-feira, 12 de maio de 2020

A hora decisiva de Ursula

Posted: 11 May 2020 03:08 AM PDT

«O arranque do discurso da presidente da Comissão, Ursula Von der Leyen, no sábado, dia da Europa, é muito bonito e vou copiar três parágrafos: “Caros amigos, há 70 anos, uma declaração de menos de 10 minutos iria mudar o destino de um continente. A França, pela voz de Robert Schuman, estendeu a mão à Alemanha e a toda a Europa. Schuman propôs um gesto de solidariedade. Solidariedade de facto. Desde então percorremos um longo caminho. O objectivo da solidariedade ainda é válido. Vou mais longe: é mais válido do que nunca”.

Os 75 anos do fim da Segunda Guerra e os 70 da declaração de Schuman, dois momentos fundadores da Europa como a conhecemos, tiveram as celebrações reduzidas aos tempos da pandemia mas foi possível reter o essencial: a Europa unida é uma ideia comovente apesar de todos os dias revelar as suas enormes contradições e fragilidade. Agiganta-se em dias de comemorações, falha em questões decisivas – as instituições portaram-se como zombies no início da pandemia e até agora estamos à espera de um projecto para combater a crise profunda em curso.

As comemorações e as palavras genericamente bonitas surgem dias depois da decisão do Tribunal Constitucional alemão de pôr em causa a legitimidade das “grandes compras do BCE” – o instrumento que Mario Draghi inventou para em 2015 salvar literalmente o euro, aquilo em que se traduziu o “whatever it takes” com que o então presidente do BCE prometeu aos europeus não deixar extinguir a moeda única. A reboque de um pedido da Alternativa para a Alemanha, o tribunal de Karlsrue dá uma machadada inacreditável nos mínimos olímpicos por que os europeus até agora se regiam. Ao considerar a “desproporcionalidade” das compras do BCE, o tribunal constitucional alemão faz implodir o direito europeu e de caminho implode a frase fundadora de Schuman repetida no sábado por Ursula Von der Leyen: solidariedade de facto.

Um processo por infracção à Alemanha, como este domingo admitiu Von der Leyen, é histórico. Mas é a única resposta à altura das circunstâncias. Consegue a Europa, por uma vez, enfrentar a Alemanha – e os seus fantasmas consubstanciados na Alternativa para a Alemanha, o partido de extrema-direita que está na origem do processo? Desta questão depende muito do futuro de uma Europa em crise há longos anos em que as palavras bonitas das comemorações dos grandes momentos não têm correspondência no dia a dia dos cidadãos. Ursula não pode falhar aqui, como não pode falhar no combate à recessão que está aí. Mais falhanços e a ideia da Europa acaba ou fica reduzida ao Festival da Eurovisão, que talvez volte quando retomar quando acabar a pandemia.»

Ana Sá Lopes

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Qual o problema de darem o caneco ao FC Porto?

Curto

Martim Silva

Martim Silva

Diretor-Adjunto

11 MAIO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Bom dia,
Este é o seu Expresso Curto desta segunda-feira, 11 de Abril, a meio do primeiro período de desconfinamento, iniciado na última semana, e que nos próximos dias será avaliado, de forma a sabermos como e de que forma (e se) entramos no segundo período do mais bizarro regresso à normalidade de que há memória nas nossas vidas.

Venha daí comigo.
Há uns dias, dizia que já estava a ficar com saudades de ver futebol, embora tenha saudades zero das polémicas e quezílias e questiúnculas que tantas vezes rodeiam o desporto-rei por cá. Mas eu, seguramente como milhões de portugueses, querem voltar a ver a bola rolar.
Nas últimas semanas ficámos a saber que a ideia era que o campeonato voltasse logo no último fim de semana de maio, para que a dezena de jornadas restantes possam ser cumpridas, e assim ser encontrado um campeão.

E estávamos assim. Estávamos.
Primeiro foi a notícia de que havia vários jogadores testaram positivo na Alemanha. Logo pensei: e cá, vai acontecer o mesmo? Pois nos últimos dias as notícias não são encorajadoras, com casos confirmados no Famalicão, no Guimarães, no Moreirense e no Benfica.

E os árbitros têm previsto para hoje o regresso aos treinos.

A Direcção Geral de Saúde também já elaborou o plano, detalhado de 14 pontos, para a reabertura do futebol, com regras para os clubes e jogadores. E Graça Freitas deixou o alerta de que a situação pode mudar, se os casos se multiplicarem.
Se as coisas continuarem assim, dificilmente todos poderão continuar a assobiar para o lado.

Rui Santos já veio insurgir-se contra a voracidade em ver terminado o campeonato, sem que estejam garantidas todas as condições de segurança (neste caso para os participantes, já que adeptos sabemos que não existiriam em qualquer caso).
Tendo a concordar. Ainda precisamos de mais dados e mais informações. Mas talvez seja altura de se pensar a sério se faz mesmo sentido os jogadores dos clubes na primeira divisão estarem a treinar e a prepararem o regresso à competição, com colegas a continuar a testar positivo.

Como fazer então? Francamente só sei que não tenho certezas sobre o assunto. Mas já me chocou mais a adopção de uma solução como em França, em que o campeão foi decretado administrativamente. Era o clube que ia à frente quando tudo parou. Se for o caso, que se faça o mesmo em Portugal. Não me choca nada. Dêem a taça ao FC Porto.

Costumamos achar que o futebol é muito importante. Como já todos constatámos ao longo destes mais de dois meses, o futebol na verdade não tem importância nenhuma quando se trata de coisas que verdadeiramente são importantes.

OUTRAS NOTÍCIAS
Cá dentro

Depois de quatro dias, foi encontrada sem vida a criança de nove anos que estava desaparecida na zona de Peniche. Pai e madrasta da menina foram detidos, suspeitos do homicídio e de ocultação do cadáver. A criança já estava sinalizada pelas autoridades, depois de anteriormente ter fugido uma vez da casa do pai.
De acordo com os últimos relatos, a criança, que habitualmente vivia com a mãe, no Bombarral, mas estava a passar umas semanas com o pai, terá sido morta de forma violenta na quarta-feira à noite, no WC da casa do pai. O cadavér foi depois transportado da Atouguia da Baleia para um eucaliptal a sete quilómetros, onde foi entretanto encontrado pelas autoridades.
Entre quinta e sábado, nas várias reportagens feitas sobre o caso, o pai aparecia a conversar com as autoridades e com populares, que se concentravam na zona, em busca da criança desaparecida.
Na edição desta segunda-feira, o Público conta que o pai da criança se preparava para emigrar para a Bélgica daqui a uns dias.

As creches devem abrir na próxima semana e já estão definidas as regras para o seu funcionamento. Mas a associação de educadores de infância está contra as medidas previstas.
Tambés restaurantes, cafés e esplanadas preparam a reabertura, na próxima semana. Com regras apertadas. E com a preocupação de garantir a segurança dos clientes.
Os testes nos lares, uma promessa das autoridades da saúde, ainda não terminaram. No Norte e no Algarve estão já concluídos, no Centro e em Lisboa e Vale do Tejo estão em fase final e a o Alentejo é a região mais atrasada.
Tem sido uma das polémicas dos últimos dias. Jerónimo de Sousa sublinha que a Festa do Avante! não é um festival e que os comunistas “são muito criativos”.
O Governo vai avançar com um pacote de sete milhões para ajudar os pescadores durante as paragens da actividade.
Autocarro que ia para França regressou para Lisboa após ser detetado um caso de covid-19
Navio-escola Sagres teve que regressar a Lisboa mas a volta ao mundo “acontecerá”

Ontem, o El Pais perguntava "qual é o segredo" de Portugal no combate à pandemia.
Ao longo das últimas semanas, e sem paragens, a equipa de infografia do Expresso continua a actualizar os mapas e gráficos e dados que lhe permitem perceber com detalhe a evolução da pandemia em Portugal e no mundo. São três links cheios de dados úteis que convém consultar AQUI, AQUI e AQUI.

Bem sei que por estes dias, em boa parte do país o tempo não está famoso. Mas este é um tema forte nesta altura de desconfinamento. Como vão funcionar as nossas praias? Fomos em busca de respostas.
Concertos e festivais cancelados ou adiados em Portugal. O que acontece ao dinheiro dos bilhetes?
Amanhã, dia 12, seria a noite da habitual procissão das velas, um dos momentos altos das celebrações em Fátima. Que este ano vão decorrer de forma bem diferente.

Lá fora
Bruxelas ameaça com um processo contra a Alemanha por causa da decisão sobre o BCE. Recorde-se que o Tribunal Constitucional alemão decidiu travar o processo de ajuda europeia para a crise. Mas agora as autoridades de Bruxelas vêm dar um murro na mesa, garantindo que as decisões europeias se sobrepõem às nacionais nesta matéria, só podendo portanto ser travada por organizações como o tribunal de justiça europeu.

Ainda no último fim de semana, Augusto Santos Silva alertava para os riscos que a decisão alemã poderia comportar.

Nos EUA, Barack Obama fez uma das mais violentas críticas ao seu sucessor, classificando como “desastre caótico absoluto” a política de Trump de ataque à pandemia.

Ainda nos EUA, Três membros da equipa norte-americana que lidera o combate à covid 19, entre os quais Fauci, que várias vezes tem desmentido o presidente Trump, encontram-se em autoisolamento depois de terem sido expostos ao vírus.
O desconfinamento no Reino Unido não será para iniciar ainda este mês. Vai tudo decorrer de forma muito gradual, anunciou o primeiro-ministro Boris Johnson.
Papa pede aos líderes da União Europeia para enfrentarem a pandemia e as consequências económicas "com cooperação".
Na Bélgica, encontrou-se uma solução criativa. Chama-se duas bolhas. As pessoas podem fazer visitas, mas a partir desse momento quem receber ou efectuar essas visitas já não poderá estar com mais ninguém.
Tentação de desconfinar alastra na Europa. "Neste verão, a beleza das cidades não permanecerá em quarentena"...
Festival de Cannes cancelado em 2020

Covid-19: A vacina é o próximo campo de batalha

Posted: 10 May 2020 03:41 AM PDT

«A covid-19 tornou-se num campo de batalha na cena internacional. À emergência sanitária somou-se a emergência económica. A seguir, a pandemia ganhou uma terceira dimensão: o conflito sino-americano passou das tarifas para o vírus. A Administração Trump acusa a China de ser responsável pela pandemia. Pequim explora o seu êxito no controlo da covid-19 e lança uma agressiva diplomacia para lavar a sua imagem e alargar a sua influência, designadamente na Itália. Biliões de pessoas esperam ansiosamente por uma vacina, mas esta mesma vacina corre o risco de se tornar em mais uma arma tóxica na guerra da pandemia.

Escrevia-se há três meses, quando o coronavírus ainda mal começava a assustar os italianos e muitos respondiam com um racismo antichinês: “A grande dúvida é saber se a epidemia do coronavírus se manterá como crise sanitária internacional ou se vai transformar-se num fenómeno geopolítico, susceptível de alterar os equilíbrios do sistema internacional. O coronavírus surge como um ‘cisne negro’, acontecimento imprevisível e raro que, combinando-se com outros factores, pode dar lugar a inconcebíveis mudanças. Tudo depende da expansão ou contenção da epidemia ¬e dos seus efeitos na nossa vida quotidiana ou no comércio internacional.” E, em Fevereiro, não tínhamos a ideia da dimensão trágica que a pandemia iria alcançar.

A China começou por se vangloriar da superioridade do seu regime político e dos seus métodos no confronto da doença - uma vitoriosa “guerra popular.” Pequim terá ganho a batalha da opinião interna, mas é improvável que vença a internacional, apesar do esforço em se apresentar como “potência generosa” que auxilia os outros. Mas a batalha das máscaras não lhe correu muito bem. E sofre um inesperado desaire: tencionava proclamar em 2021, no centenário do Partido Comunista Chinês, a duplicação do seu PIB numa só década. O coronavírus estragou a festa.

A Administração Trump começou por saudar a “transparência” de Pequim. Quando a covid-19 atingiu a América, Trump virou a agulha e respondeu com a “revelação” de que o novo coronavírus teria nascido num laboratório de Wuhan. O coronavírus passou ser o “vírus chinês”. Pequim teria mentido em toda a linha. Depressa a guerra das tarifas comerciais se prolongava na novíssima “guerra do vírus”.

Efeito na ordem mundial

O veterano Joseph Nye, o cientista político que criou o conceito de soft power, escreve na Foreign Policy que “o coronavírus não mudará a ordem mundial”. Apela à cooperação. E adverte: “Se a política americana continuar neste caminho, o novo coronavírus apenas acelerará a tendência para o populismo nacionalista e para o autoritarismo. Ainda é muito cedo para predizer uma viragem geopolítica que altere fundamentalmente a balança de poder entre os Estados Unidos e a China.”

Na Foreign Affairs, o australiano Kevin Rudd, antigo primeiro-ministro e hoje professor de Geopolítica, especialista na China, faz uma interessante abordagem. Económica e militarmente, Pequim é mais fraca que os EUA. Mas tem sabido manipular habilmente a percepção do seu poderio, ao ponto de convencer turcos e alguns europeus de que o coronavírus ilustra a marcha para a supremacia chinesa. “Diz-se que a percepção é a realidade. Mas, na realidade, não é.”

Aponta três factores que moldarão a ordem mundial: “Mudanças na capacidade militar e na força económica das grandes potências; o modo como estas mudanças serão percebidas no mundo; e as estratégia escolhidas. Com base nestes três factores, a China e os Estados Unidos têm razão em se preocupar com a sua influência mundial pós-pandemia.”

A América é um problema. “A caótica gestão da Administração Trump deixa uma indelével impressão de um país incapaz de lidar com as suas próprias crises. (…) Os EUA parecem emergir [da pandemia] como uma comunidade política mais dividida do que unida, como seria normal numa crise desta magnitude. A contínua fragmentação do sistema político americano é mais um forte constrangimento para uma liderança global americana.”

A Administração Trump agravou o problema “ao enfraquecer a estrutura de alianças dos EUA (que na lógica estratégica convencional seria central para manter a balança do poder em relação à China) e sistematicamente deslegitimar as instituições multilaterais (criando um vazia para a China preencher). O resultado é um mundo crescentemente disfuncional e caótico.”

O teste da vacina

Em Abril, o jornal americano Politico advertia sobre o receio de que Trump incitasse a uma “rixa global” sobre a vacina. “A recente corrida às máscaras, luvas e outras protecções pessoais dá um instrutivo exemplo. Imaginem agora, dizem especialistas e altos funcionários, uma similar competição para obter doses de vacinas: poderia agravar a crise sanitária, deixando espalhar o vírus por muito tempo, devastando os países menos equipados para o combater.”

Lembramo-nos de que Trump tentou negociar com um laboratório alemão o “exclusivo” de uma virtual vacina. Também Pequim não está interessada na cooperação sobre a vacina. Aposta em fazer a sua, tal como Trump. A tentação de controlo da vacina é muito forte.

A comunidade científica internacional continua a colaborar na investigação sobre a vacina. Mas este esforço comum pode não ser partilhado pelas potências concorrentes. Se a Europa surge como pólo dinamizador da cooperação, é incerto o que se passará com os Estados Unidos e com a China. Quem chegar primeiro à vacina comandará a produção e, sobretudo, a distribuição. Seria uma incalculável vantagem política, económica e de prestígio. Uma vacina chinesa seria uma inédita vitória num terreno em que a América sempre foi líder. Criaria uma percepção mundial análoga à do Sputnik soviético: a nova potência que começa a superar a América.

O benefício político da vacina é óbvio. No plano interno, permitiria imunizar prioritariamente a sua própria população, o que além das vidas salvas seria uma importante poderosa arma económica na fase pós-covid.

Esta corrida está lançada e decidirá se triunfa uma lógica nacionalista ou uma lógica cooperativa. A vacina será o grande teste. A decisão muito pesará sobre o futuro modelo das relações internacionais.

No mundo da pandemia, destacam-se três pólos: Estados Unidos, China e Europa, cada um com as suas forças e fraquezas. Será a Europa capaz de exercer uma influência global de modo a impor a cooperação numa questão de vida ou morte?»

Jorge Almeida Fernandes

Sai mil milhões para o Novo Banco

por estatuadesal

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso, 09/05/2020)

O primeiro-ministro sabe tudo. Sabe de cor os apoios a sócios-gerentes e a recibos verdes, o número de disciplinas nas escolas e de máscaras nos transportes públicos, o que vai acontecer nas praias e nos festivais de música, o primeiro-ministro nunca é apanhado em falso numa entrevista. Só não sabe uma coisa: que foram transferidos mil milhões para o Novo Banco.

O mesmo primeiro-ministro que não diz gastar um cêntimo na TAP sem controlar não controla cem mil milhões de cêntimos para o Novo Banco.

Está tudo errado. É chocante saber que nem António Costa abriu os olhos para o dinheiro nem o ministro das Finanças pestanejou em transferi-los. É claro que a oposição vai pôr em causa a justiça na repartição de sacrifícios na pandemia. E é previsível que agora se diga e sublinhe e repita que “para os bancos há sempre dinheiro”. Até porque é verdade. Como verdade é o seguinte: já não podia ser de outra forma, porque todo o sistema de apoios ao Novo Banco foi assim montado.

Chamar ‘banco bom’ ao Novo Banco foi como chamar ‘Pai Natal’ a quem dá presentes. Ambos não existem. O ex-BES carregou milhares de milhões em créditos maus que foi vendendo ao preço da uva mijona, pois era mesmo uva que não poderia dar vinho. Fê-lo porque era preciso. E fê-lo porque pôde: havia capital garantido no Fundo de Resolução (outro nome ‘Pai Natal’, aliás, para dizer que o dinheiro financiado pelo Estado não é do Estado) para cobrir os prejuízos daí resultantes. E como eles se têm empilhado nos últimos anos.

O acordo foi feito com Bruxelas e só tinha, em geral, duas alternativas: ou se deixava o banco falir ou se fazia um aumento de capital gigante à cabeça. Optou-se por garantir o capital ao longo de alguns anos, na esperança, aliás, de que ele fosse vendido. Foi, é verdade; a Lone Star ficou com 75% de mil milhões de euros, que hoje o banco não vale. E nós fomos enchendo a vala às pazadas de mil milhões. É quase tudo dinheiro do Estado, tirando as contribuições de outros bancos, contrariados em subsidiar um concorrente que se aniquilou enquanto BES. Acredita que os bancos vão pagar ao Estado o dinheiro agora emprestado durante 30 anos? Eu não, mas espero estar cá para ver.

No acordo desenhado em 2017 com o BCE, o Novo Banco conseguiu o que provavelmente nenhum banco do mundo tem: que injeções futuras de capital, por estarem garantidas pelo Estado, já contem como capital. Foi assim que os rácios em 2019 foram cumpridos, já incluíam a injeção de mil milhões que fantasmagoricamente foi processada esta semana. E se não tivesse sido feita? Bom, então o banco entrava instantaneamente em processo de recuperação. Percebe a armadilha?

O Novo Banco está a ser salvo por uma máquina comercial com grande força nas empresas e com vendas de ativos tóxicos que supostamente não existiam, que causam prejuízos, que forçam aumentos de capital. Em tempos de pandemia, esperar-se-ia que o Governo pelo menos reduzisse a fatura, diluindo-a por mais anos. O ministro das Finanças percebeu que estava de mãos atadas e o primeiro-ministro de olhos vendados. E como não sabe como há de explicar isto aos portugueses que estão a sofrer na pele a crise económica brutal, há de fazer piruetas políticas.

Os bancos são essenciais nesta crise, porque por eles passa o dinheiro para as empresas, eles decidem quais vivem e quais morrem. Que não morram eles, o que começa por reconhecer que este ano vão ter prejuízos, em vez de mascararem as perdas futuras atrás das moratórias de crédito que o Governo aprovou. Porque de pagar prejuízos futuros estamos fartos. E, no caso do Novo Banco, até os prejuízos passados. Para o ano isto acaba, na última transferência. Ponham um lembrete na agenda do primeiro-ministro, por favor.

domingo, 10 de maio de 2020

Quando pudermos voltar a chorar

Posted: 09 May 2020 03:57 AM PDT

«Era maio de 2020, os ténis deixados à porta, agora rotos da corrida intensa em tempo concentrado, simbolizam o “grande confinamento”. Ela apercebeu-se da velocidade vertiginosa da transformação brutal do mundo em 45 dias, a casa transformada num cemitério de recordações do passado, uma civilização extinta onde não era permitido chorar.

Resolveu fazer uma visita virtual ao museu Guggenheim de Veneza, lá está ele sobre o verde trémulo do canal, procura o quadro de Giorgio De Chirico, “A Torre Vermelha”. Mergulhar na sua pintura metafísica, as figuras como vazios misteriosos a carregar consigo um sentimento de solidão e silêncio, meias pessoas meias estátuas, a luz derramada sobre o largo como um raio-X, toda a atmosfera de melancolia e enigma. Não há passado nem futuro, a vida transformada numa abstração indizível, o fim de todos os desejos. Permanece a morbidez do nada, como agora.

A ditadura sanitária do vírus-terrorismo pode matar-nos. A ciência não é unívoca, não temos razões para acreditar cegamente em políticas sanitárias radicalizadas, há muitos outros cientistas a apontar-nos a racionalidade do caminho de conviver com o vírus e combatê-lo. A resposta não está na curva epidemiologista ou no índice de infeção, talvez na combinação regrada e integrada de uma política de saúde com a economia a funcionar, evitando a miséria sem precedentes, uma invencível desigualdade social, a catástrofe económica e social iminente. As dúvida fazem parte desta fase, e não são fonte de medo, de terror mas de escolhas de caminhos lógicos e não absurdos. A tecnologia só por si é a resposta mórbida, até porque uma APP saudável só seria eficaz com 100% da população rastreada, o que faz dela um instrumento estigmatizador. Só uma política humanizada poderá impedir que tudo se transforme em pó, cinza e recordações. Os infecciologistas ponderados afirmam que aprender a viver com o vírus faz parte da nossa condição humana, vamos adaptar-nos a ele e ele a nós, o aumento da infeção será aumento de imunidade, um dia, não o fim do mundo. Combater o vírus e simultaneamente trabalhar, ganhar a vida, ser gente, não são realidades inconciliáveis. A morte continuará a fazer parte da vida e como vimos durante o “grande confinamento” houve mais mortes não-covid, além da imersão verificada de todas as patologias da desigualdade e da pobreza.

O território proibido do jardim ao fim da tarde como extensão dos mistérios daquela pintura, a luminosidade demasiado intensa, as pessoas emolduradas em suspenso numa realidade impenetrável. Está muito calor, miúdas em biquíni e rapazes em tronco nu na relva, um homem a treinar com elásticos presos na árvore, impressionismos ou surrealismos, sempre marcados pela metafísica do nada. Procuramos um futuro aparentemente inatingível.

No dia em que compreendermos que temos que combater o vírus convivendo com ele, sem medo irracional, ficaremos infinitamente fortes, poderemos finalmente chorar, como seres racionais. Isto já não é um problema sanitário, mas de direitos humanos.»

Maria José Morgado