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sábado, 6 de junho de 2020

Quem nos avisa nosso amigo é

Pedro Lima

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

06 JUNHO 2020

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Bom dia,
“Há uma emergência mas não se pode fazer tudo. Não vale tudo!”, diz-nos esta semana o presidente do Tribunal de Contas. É um aviso de Vítor Caldeira dirigido a todos os dirigentes públicos de que o Tribunal de Contas, a quem compete assegurar que “os dinheiros públicos são gastos com rigor, transparência e responsabilidade”, está atento, mesmo nestes tempos de exceção de combate à pandemia de Covid-19.
Esta declaração faz a manchete desta edição do caderno de Economia do Expresso, onde ficará a conhecer em detalhe a estratégia que está a ser seguida por este tribunal depois de terem sido identificados os riscos de conflito de interesses e fraude nos ajustes diretos. De forma a poder concentrar-se nos grandes contratos, Vítor Caldeira defende também que os contratos até 750 mil euros fiquem isentos de visto prévio.
É um tema completamente na ordem do dia e que tem levantado muita controvérsia: o rastreio de contactos. A Google e a Apple estão a trabalhar numa solução de rastreio da Covid-19 que dispensa as aplicações que estas duas empresas ajudaram os países a criar. A pandemia criou um “Big Brother” móvel? É a questão que se coloca.
Nesta edição dissecamos também o Programa de Estabilização Económica e Social, que vai vigorar até dezembro: 15 medidas para segurar o emprego (e a economia) é o título que damos ao artigo sobre este plano do governo que contempla medidas sociais, de apoio ao emprego e de ajuda às empresas.
A investigação do caso das rendas excessivas na EDP ainda pode durar mais um ano e meio. E o Conselho Geral e de Supervisão da empresa, que representa os maiores acionistas, pediu esclarecimentos à equipa de gestão.
Quem são os interessados em ficar com a Efacec? Há dois de nacionalidade portuguesa, há fundos estrangeiros e ainda grupos concorrentes. E que importância tem afinal esta empresa, considerada uma das de maior valor acrescentado em Portugal? Pode ler aqui.
Os pescadores têm menos barcos e fazem menos capturas mas têm mais rendimentos – é o que titulamos na reportagem que fomos fazer na Docapesca de Sesimbra.
O granizo do último fim de semana destruiu plantações de fruta, gerando prejuízos que levaram o Governo a prometer uma linha de crédito para apoiar produtores. Depois da tempestade pode vir aí uma chuva de milhões.
Apesar da crise de Covid-19, o mercado imobiliário de luxo em Portugal continua vivo e de boa saúde. Há celebridades e multimilionários à procura de casas de luxo em Portugal. Mas as mediadoras imobiliárias não têm boas notícias: um inquérito feito pela ASMIP — Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal às 680 empresas associadas mostrou que quase 70% dizem ter tido reduções na ordem dos 50% no negócio.

Regionalização

Há quanto tempo não ouvia esta palavra? O tema está em destaque no seu jornal este sábado porque há novidades e ainda ninguém tinha dado por elas. A meio da pandemia e sem anúncio, o primeiro-ministro decidiu dar andamento à primeira fase do processo. Costa acelera a regionalização é o título em destaque.
E se as alterações de que lhe falamos têm efeito a partir de setembro, há outras em que a contagem decrescente tem cada vez mais a meta à vista. A saída de Mário Centeno do ministério das Finanças obriga a escolher um novo titular para um cargo e na dança das cadeiras, há agora dois nomes a liderar as apostas. Opções internas para um processo que ainda está longe do fim.
O sucessor de Centeno terá à sua espera um vasto caderno de encargos que acaba de engordar com a promessa da ministra Mariana Vieira da Silva que, em entrevista ao Expresso, aposta num OE à esquerda para 2021 “no quadro em que aconteceu nos últimos quatro anos”. Antes disso, e noutro cenário político, chega já para a semana a fatura do orçamento suplementar.
Na política, damos-lhe ainda conta da notícia de que André Ventura procura apoio junto da família Bolsonaro e de que Adolfo Mesquita Nunes não avança para Belém, posiciona-se para o futuro do CDS.
O caso Maddie voltou às primeiras páginas dos jornais com o aparecimento de um novo suspeito. Um cidadão alemão que viveu por cá vários anos. O Expresso apurou que esteve preso duas vezes em Portugal e foi libertado meses antes da criança desaparecer.
Há uma foto na primeira página do Expresso que conta a história de uma América nas ruas contra o racismo e a crise. Uma história que no fundo é uma mistura de várias outras histórias que desembocam na violência a que todos assistimos, dia atrás dias, em quase todas as cidades americanas. A morte de George Floyd foi apenas o rastilho. Uma reportagem em Los Angeles.
Pinto da Costa e os dois adversários às eleições deste fim de semana dão entrevistas ao Expresso. Os três candidatos à presidência do FC Porto explicam os motivos que os levam a candidatar-se. A sublinhar, os elogios de Pinto da Costa a Pedro Proença e as palavras sobre o papel de Rui Moreira numa futura sucessão.
Sabia que há pessoas que têm uma resistência natural à covid-19? E que alguns rios, aliviados da poluição por força do confinamento, voltaram a atrair os banhos da população? Temos um exemplo para lhe mostrar. No dia da abertura oficial da época balnear em algumas praias, não estranhe se chegar ao areal e encontrar novas bandeiras. Têm cores e funcionam exatamente como os semáforos. Relembramos-lhe as novas regras de uma temporada como nunca vimos.
Não temos boas notícias para quem esperava pela chegada de junho para um pé de dança nas tradicionais festas dos santos populares. Não só estão proibidos os arraiais e as procissões em Lisboa e no Porto (o que não há memória de alguma vez ter acontecido), como a polícia vai estar em alerta para travar quem tente contrariar as proibições.

Tristes, moralistas e todos sábios

Posted: 05 Jun 2020 03:18 AM PDT

«Era uma terra bonita, em retângulo, que o mar docemente lambia.

Porém, esta língua de terra era habitada por gente triste, macambúzia e sempre desconfiada. E porque triste e desconfiada era empedernidamente moralista. Desde o zé das iscas de cebolada até ao eminentíssimo professor catedrático de qualquer coisa, todos se mostravam mais impolutos que Catão, o velho. Talvez melhor: ao lado deles Catão era uma lambisgoia, um safardanas, um tipo sem espinha dorsal. Em resumo: um verdadeiro energúmeno, um abjeto ser moral.

E tudo isto se passava sem discussão, porquanto cada um se considerava intocável. Um verdadeiro ser moral puro. Incontaminado. Tinha-se conseguido alcançar a pureza moral. E ai daquele que ousasse dizer: talvez não seja bem assim. De supetão todos lhe caíam em cima, sem dó nem piedade. Porque um verdadeiro triste e moralista, em caso algum, pode admitir que, ao seu lado, alguém mande às malvas a tristeza e se assuma feito das mais banais virtudes e vícios. Daqueles vícios que doem e fazem corar as donzelas ou os infantes, todos eles também moralmente puros. Admitir isso seria a desordem, o caos social, a destruição dos templos e a subversão moral. E os habitantes daquela terra sabiam disso, porque as mais altas esferas lhes diziam que eles eram os "melhores do Mundo", logo, o que defendiam era o que estava certo, desde o princípio dos tempos.

E um dia veio uma tempestade de peste. Igual a tantos milhares de outras com que a humanidade tem convivido e sobrevivido. E uma outra qualidade apareceu. Todos se tornaram sábios. Todos, sem exceção, ficaram a saber projetar, com sofisticados cálculos matemáticos, como se iria desenvolver a pandemia. E a informação, verdadeira ou falsa, pouco importa, porquanto, razoavelmente sabe-se - tem-se até medo de empregar o termo razoável em declinação de advérbio - que nestes tempos de medo construído, qualquer informação é logo tida como verdade proferida pela boca dos deuses. Sábios em epidemiologia, virologia, infecciologia, psiquiatria, psicologia, estatística, matemática aplicada e tudo sempre sustentado em "estudos". Categoria epistemológica que deve acompanhar um sábio que se preze. E como por encantamento aquele lindo pedaço de terra tornou-se no território mundial mais densamente povoado de sábios. Muitos deles sustentados na valência do "achismo", mas nem por isso menos sábios. E apareceu de tudo. De tudo, mas sábio.

E deste jeito, de um dia para o outro, todos continuaram tristes, o que está de acordo com a sapiência - pode lá conceber-se um sábio alegre -, e seguiram sendo moralistas, o que também é consonante com a sapiência - pode lá imaginar-se um sábio doidivanas e estarola viciado. E, novamente, assim, por mor da agressiva natureza, se percebeu que as qualidades dos habitantes, daquela terra abençoada, eram infinitas. "Gaudeamus"! (Rejubilemos!)»

José de Faria Costa

A morte dos estudantes

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 05/06/2020)

António Guerreiro

Giorgio Agamben, o filósofo italiano vivo mais traduzido, comentado e estudado no mundo inteiro, é, desde o final de Fevereiro, quando foi decretado em Itália o estado de emergência por causa da pandemia, a figura que concita as mais violentas polémicas e alguns ódios de estimação. Tornou-se um daqueles tios escandalosos que as boas famílias têm vergonha de exibir em sociedade.

Primeiro, publicou uma série de textos num blog da editora de que ele próprio foi fundador (a Quodlibet, de Macerata) defendendo a ideia de que as medidas governamentais eram uma forma de instituir o estado de excepção como paradigma normal de governo, criticando ao mesmo tempo a passividade com que eram aceites as limitações da liberdade impostas por decretos privados de toda a legalidade, em nome de uma “bio-segurança” que leva ao extremo a lógica biopolítica. Ainda não se tinham extinguido os ecos, que atravessaram fronteiras, dessas intervenções em contra-corrente e já outra bomba Agamben estava a lançar, desta vez sobre a universidade: trata-se de um Requiem per gli studenti, publicado a 22 de Maio no site do Istituto Italiano per gli Studi Filosofici. Aí, tomando em consideração a medida que prolonga para o próximo ano as lições universitárias online, a didáctica à distância, vê na difusão cada vez mais alargada das tecnologias digitais a morte da ideia de universidade e afirma que é “barbárie tecnológica” a substituição da presença física por um ecrã espectral. O que o leva a declarar o fim do studentato como forma de vida e a lembrar que as universidades nasceram na Europa das associações livres de estudantes, chamadas universitates: “A vida dos estudantes era, antes de mais, uma forma de vida, em que determinante era sem dúvida o estudo e a escuta das lições, mas não menos importante era o encontro e as trocas assíduas com os outros scholarii”, ou seja, a relação entre os estudantes e entre estudantes e professores. Entoando um “requiem” por aquilo que durou dez séculos e que desde há tempos se encontrava fortemente enfraquecido e ameaçado, Agamben passa a uma analogia que indignou muita gente e pôs outra tanta a pensar: “Os professores que aceitam — como estão fazendo em massa — submeter-se à nova ditadura telemática e manter os seus cursos unicamente online são o equivalente perfeito dos docentes universitários que em 1931 juraram fidelidade ao regime fascista”. E terminava exortando os estudantes a constituírem novas universitates, recusando inscrever-se nas universidades, de modo a fazer nascer “uma nova cultura”.

Recordemos que Agamben sempre usou o seu prestígio para declarar guerra à universidade italiana (dela se retirou, aliás, prematura e orgulhosamente); e que desde há muito tempo se tinha aplicado a diagnosticar a “miséria estudantil”. Do seu ponto de vista, um dos sinais evidentes da degradação universitária é este: a “investigação”, que tem sempre em vista uma utilidade concreta, substituiu o “estudo”, uma palavra que lhe é muito querida, a cuja etimologia e história ele se refere muitas vezes, tendo mesmo escrito uma “idea dello studio” que começa pela afirmação de que “Talmud significa estudo”.

As ideias de Agamben sobre a universidade e a vida estudantil são mais facilmente compreensíveis se soubermos que elas fazem referência e devem muito a alguns textos de juventude de Walter Benjamin, escritos antes e durante a Grande Guerra, quando este filósofo alemão teve uma importante actividade nos movimentos estudantis, em Berlim. Um desses textos, de 1915, chama-se precisamente A Vida dos Estudantes e trata da “posição histórica dos estudantes e da universidade”, no momento presente, aquele em que, para Benjamin e para os seus colegas das associações livres de estudantes, se impõe uma tarefa urgente e revolucionária, com um teor de utopia que os tempos admitiam: fundar uma comunidade de homens conhecedores, em lugar de funcionários e licenciados, que deviam lutar pela arte, ao lado de escritores e poetas. A essa comunidade atribuía Benjamin um “valor espiritual”, ao qual correspondia uma “metafísica da juventude” que serviria de antídoto ao filistinismo da experiência adulta e da vida profissional. Condição indispensável da vida “espiritual” dos estudantes: a “educação erótica” que seria ao mesmo tempo uma erótica da educação.


Livro de recitações

“Quando um festival de música não se realiza, o impacto económico para a região é brutal”
Ministra da Cultura, no programa “Prós e Contras”, RTP 1, 1/6/2020

Ao fazer esta afirmação, uma evidência de que estamos todos conscientes, a ministra teve o cuidado de legitimar os acontecimentos culturais com razões não puramente económicas (ocorrendo-lhe no entanto as questões da “identidade” que parecem mais nobres, mas não passam de mitologias, isto é, tretas), mas a verdade é que se consumou há muito o que Nietzsche formulou nestes termos: “Se acreditarmos que a cultura tem uma utilidade, acabamos por confundir o que é útil com a cultura”. Se é ingénuo ou quase uma alucinação defender hoje que a cultura tem de resistir a toda a “recuperação” (uma palavra muito usada por um dos expoentes dos anos 60 da “crítica da cultura”), não devemos no entanto prescindir de uma consciência crítica da “utilidade”, a qual, sabemo-lo bem, é o não-dito — mas também o mais importante e o mais coercivo — da política cultural.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Covid, racismo, Amazónia e economia. Falta-me o ar.

por estatuadesal

(Daniel Deusdado, in Diário de Notícias, 05/06/2020)

1. O ar. A invisibilidade do oxigénio complica tudo. Se George Floyd estivesse a esvair-se em sangue durante 8 minutos, o imbecil que o sufocava talvez não tivesse continuado a esmagá-lo. Mas a Floyd "só" faltava o ar, e o ar é invisível.

Na covid-19 a falta de ar é a diferença entre a vida e a morte. Por isso os ventiladores são o luxo do primeiro mundo.
Na Amazónia, na Indonésia ou em qualquer outro ponto de mundo incluindo Portugal, as árvores são abatidas para dar lugar permanente a todo o tipo de interesses superiores. É invisível quando uma fábrica de oxigénio fecha. Trabalhava durante o dia, gratuitamente, para nos oferecer ar, madeira ou frutos. Mas corta-se, e com ela morrem milhões de organismos que tornariam a nossa vida mais respirável.
O oxigénio deixou de ser um direito humano básico. Depende de quem respira, onde, e quem ganha com isso.
A espiral de loucura normal em que vegetamos tem nome: "Supremacia". Sobre os outros. Sobre a natureza. Sobre o futuro. Martin Luther King disse aquilo que é definitivo sobre a questão racial na América. No fim da escravatura deram aos negros a liberdade e a fome. Enquanto os emigrantes brancos receberam as terras do "midwest" para as povoarem, os negros receberam nada. E assim continuam.
Foram arrastados de África para América como escravos e ainda hoje a grande maioria não saiu da pobreza.
Mesmo no "país das oportunidades" é preciso saber-se o suficiente para se conseguir aproveitá-las.
Os negros não acedem à educação e ao trabalho de forma proporcionalmente igual, apesar de até ter havido já um negro na Casa Branca. As suas condições de vida (a hipertensão, obesidade, diabetes) têm-se mostrado fatais na mortalidade covid-19. Vivem em guetos. Enchem as prisões com pequena criminalidade e com isso perdem o direito de voto. Têm a esperança de vida mais baixa da América.
Até um dia.

2.
George Floyd morreu sem ar porque era negro e o ar dos negros é um problema menor. A humanidade encaminha-se para um colapso semelhante, ditado pelas alterações climáticas. A Natureza diz: "Falta-me o ar". Mas o nosso joelho continua lá, a apertar. Estamos nos "8 minutos". Bastam mais uns segundos.
A Austrália, no último Verão, teve calor a mais, as florestas arderam como nunca, faltou o ar a humanos e morreram mil milhões de seres vivos que não têm voz.
O octogenário Jorge Paiva, professor de Biologia da Universidade de Coimbra, diz duas coisas que não podemos esquecer nunca: a presença do ser humano gerou o abate de 80% das árvores existentes na Terra. As atuais 20% que restam começam a ser manifestamente insuficientes para aguentar a poluição que geramos diariamente. Queremos sustentar uma humanidade, a caminhar para um recorde de 10 mil milhões de humanos, com o mais baixo contingente vegetal que o planeta conheceu. Em rarefação de oxigénio, como vemos frequentemente em muitas cidades.
A covid mostrou-nos as unidades de cuidados intensivos. O estertor da falta de ar. O oxigénio químico, caro, essencial: claro, a vida humana não tem preço, é inalienável.
Apesar disso, o garante da vida de cada ser humano - um conjunto de árvores integrada num ecossistema biodiverso e autóctone - é todos os dias alienável. Mas como, se cada floresta biodiversa deveria ser património inalienável da Humanidade? Condição absoluta para existirmos!
Zero de proteção e defesa dessas fábricas de vida, todos os dias, em tantos pontos do mundo. Corta. Cai. Caem, aos milhares, as nossas mães. Ouvem a dor? E a voz? "Falta-me o ar".
Isto é sobretudo importante para nós, em Portugal, onde fazemos de conta que monoculturas são floresta, mesmo que respeitem a biodiversidade e especificidade de cada solo.
Temos contínuos vegetais que são autoestradas de fogo, num planeta cada vez mais quente. Ou seja, esta florestas não são árvores+ecossistemas. São fábricas vegetais de poluição. Que emitem toneladas brutais de dióxido de carbono em incêndios cada vez mais frequentes. São representadas por uma indústria poderosa com lobbying milionário. Aliás, estamos já em Junho de 2020: onde está o imposto sobre as celuloses? Nada. "Complexo", dizem eles.

3.
A demência supremacista humana é isto: um ambiente natural sistematicamente subalternizado em função de uma exploração dos recursos até à absoluta exaustão. Ou até que tudo corra muito mal.
A Natureza absorve os impactos, sim. Mas quando eles transbordam, são exponenciais.
Com estas crises esmagadoras, estamos a mudar? Não.
Milhões e milhões de toneladas de plásticos passaram a ser produzidos para nos proteger da covid.
Milhões de milhões de litros de lixívias passaram a ser despejados por todo o lado, para desinfetar a hipótese remota de haver covid "sobrevivente" nas ruas. Vão parar aos rios e mares.
A gestão dos lixos e outros resíduos está transformada numa catástrofe ambiental, por dificuldade e risco de triagem. A incineração de toneladas de plásticos altamente poluidores aumentou brutalmente. E isso compromete cada vez mais, e de novo, a nossa outra fábrica de oxigénio: os oceanos.
As imagens divulgadas esta semana pelo The Guardian Austrália sobre a degradação dos corais de recife brancos, agora castanhos, são uma catástrofe cuja regeneração é provavelmente impossível.
Tudo isto é realmente muito difícil. Mas sejamos honestos: paramos o mundo para nos salvarmos da covid. No entanto, não somos capazes de mudar de vida para aproveitarmos a última oportunidade de impedir o colapso natural que temos à frente dos olhos.
Respirar. Eis, afinal, o que desempata entre a vida e a morte. A covid-19 eliminou o nosso último alibi. Não há otimismo nem tecnologia futurista que garanta um ventilador para cada habitante da Terra. O direito ao oxigénio tem de ser incluído na Declaração Universal dos Direitos do Homem.