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segunda-feira, 15 de junho de 2020

As virtualidades do virtual

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso, 13/06/2020)

Não há muito tempo, um jovem disse-me uma frase que me fez pensar. “Os mais velhos ainda não conseguiram perceber que, digam o que disserem, todas as tecnologias que nós usamos são para ficar. Podem ir mudando, mas não voltam para trás.” E acrescentou: “Parece que se esquecem das inovações que surgiram quando eram novos.”

Agora, em plena pandemia, recordei esta — não sei bem se lhe devo chamar “cházada”. As chamadas redes sociais foram, nos últimos anos, o “diabo” para muitos. Porque são um local de livre expressão, em que cada um diz o que pensa, apoia, critica, insulta os outros, tenta manipular pessoas, situações, comete fraudes, “cusca” os que lá se expõem, a relatarem, em direto, a sua vida. E fá-lo, na maioria das vezes, a coberto do anonimato...

Não me venham dizer que são resquícios da ditadura, as pessoas são o que são, e os portugueses não são particularmente frontais. A frontalidade é quase anticultural e malvista... A internet, em Portugal, começa nos anos 90. No seu início, muito centrada nas universidades, mais tarde alargada aos serviços e às pessoas. Mas é em 2004 que começa a tecnologia 3G e as redes sociais começam a divulgar-se, maciçamente.

Este alastramento do seu uso é particularmente notório nos jovens, primeiro nos de famílias com maior poder económico — a net não era acessível para muitos —, mas progressivamente é massificada com a baixa de preços e os pacotes de serviços ilimitados. Recorrentemente surgiam as críticas, algumas exageradas, outras previdentes, nos riscos da sua utilização pelos mais jovens e incautos, que, por vezes, foram apanhados em situações graves.

Agora imaginem estes tempos de pandemia sem internet. Em vez de teletrabalho, tudo em casa sem trabalhar, aulas completamente paradas, serviços inexistentes, comunicações lentas e difíceis, impossibilidade de conversas pessoais ou profissionais com mais de duas pessoas.

Imaginem os jovens sem poderem comunicar a toda a hora com os amigos, com os amores, com a família distante, em particular com os avós, tão importantes. Sem aulas, sem programas digitais que permitem centenas de pessoas, em simultâneo, numa aula ou numa conferência.

As redes sociais nesta pandemia foram fundamentais para ajudarem a manter a saúde mental de quem se viu, de repente, quase completamente isolado. O melhor ansiolítico e antidepressivo é poder falar com os outros, mais próximos, ou mesmo técnicos, quando a situação emocional se agrava.

Todos recebemos diariamente centenas de mensagens. Muitas são piadas. O humor, mais ou menos cáustico, mais ou menos brejeiro, tem sido fundamental para aliviar a tensão. Quantas vezes nos rimos, no meio disto, com as pequenas histórias que nos chegam. Como uma das que mais circularam: “Ao fim deste tempo em casa, até acho que a minha mulher é simpática.” Ou: “Quem não estiver confuso não está bem informado.” Ou: “Em breve, temos de caçar para comer, e eu não sei onde vivem as pizas.”

Foi o virtual e a esperança de que o confinamento não durasse muito tempo que nos aguentou estes meses. Infelizmente, as virtualidades do virtual não irão ajudar muito a grave crise económica que já aí está e de que, por muito que os economistas se esforcem, com as suas bolas de cristal, ninguém sabe a profundidade e a duração. Há uma coisa que podem já prever, sem receio de errarem. Não vai ser igual para todos.

Não é apagar a História. É História a acontecer

Posted: 14 Jun 2020 03:09 AM PDT

«Enquanto as revoltas de rua que se seguiram à morte de George Floyd estiveram, digamos assim, confinadas ao território americano, foi uma maravilha. Toda a gente pôde partilhar nas redes sociais o seu lado humanista. A imprensa nem por um momento discorreu sobre eventuais conflitos de saúde pública pela aglomeração de pessoas. Compreenderam-se até alguns excessos; afinal, falávamos de raiva reprimida. Havia um ambiente geral empático, talvez motivado pelo facto de ser relativamente fácil antagonizar com Trump, ou então, por existir essa ideia mítica de que isso do racismo é lá uma coisa deles, que nós aqui não temos nada disso.

O problema foi quando a indignação chegou também aqui. Começou com as manifestações do fim-de-semana, em particular com a de Lisboa, da qual resultou um vibrante sobressalto cívico. E de repente o que foi uma exteriorização sem igual foi transformada num desfile desordeiro, por causa de um ou dois cartazes marginais, e imprudente, quando muitos dos que se manifestaram têm a sua vida exposta ao risco pela pandemia (nos transportes, obras ou cadeias produtivas em que trabalham para que outros fiquem em casa) desde o início da mesma, perante o alheamento geral.

Mas não se ficou por aqui, surgindo responsáveis políticos como Rui Rio, a afirmar com bonomia que racismo em Portugal não existe, e que manifestações anti-racismo são, isso sim, o combustível do racismo. O tipo de raciocínio que Trump costuma utilizar, quando nos confrontos de Charlottesville, em 2017, pôs ao mesmo nível neonazis e quem se manifestava contra os mesmos, da mesma maneira que agora tenta colar quem está na rua a um pequeno grupo antifascista, procurando afastar as atenções sobre as origens raciais, sociais e económicas da indignação.

Agora são as estátuas. A memória colonial. Um debate que tem vindo a ser feito nos últimos anos e que só ganha em ser aprofundado, mas que aqui resvala quase sempre para as ideias simplistas de inocência ou culpa, quando o que está em causa é olhar o passado de forma plural, como ele é sempre, para melhor perspectivar o presente e futuro. E, sim, isso passa por questionar representações, principalmente se forem actuais, sobre o passado colonial, como no caso da estátua do Padre António Vieira, erguida em 2017. No limite, não está em causa a figura, nem o possível legado anti-racismo à luz da época em que viveu, mas sim a imagética que perpetua narrativas colonialistas e esclavagistas que devem ser discutidas hoje.

Ficou nítido nestes últimos dias a grande incapacidade que Portugal ainda tem em integrar estas questões e perceber a zanga que paira no ar. E essa é que é a questão. Falamos de pessoas a quem foi prometido um futuro melhor e com menos desigualdades. Estão fartas de sofrerem os chamados “efeitos colaterais” do sistema económico. Querem olhar de frente o futuro e ter voz própria, embora afirmá-la não seja fácil, principalmente quando o foco da sua intervenção é constantemente desviado, como aconteceu nos últimos dias. O pensamento dominante não consegue, ou não quer, pôr-se no seu lugar. Não é apenas o racismo. A insatisfação é mais lata. É um programa crítico comum em que a cultura neocolonial, patriarcal, neoliberal e a ausência de políticas ecológicas firmes desempenham um papel central.

É um grito de mudança. Foi nisso que se transformou a morte de George Floyd. Uma luta colectiva que para milhões é a única forma de darem sentido à sua vida. E é por isso que existe tanta crispação. Criam-se novas conflitualidades e existem paradoxos e até alguns excessos em todas estas lógicas? Inevitavelmente, porque é de desejo de transformação que falamos e de hierarquias de dominação ou de privilégio que foram naturalizadas e agora são contestadas. Há quem diga que aquilo que está a acontecer é apagar a História, mas é exactamente o contrário — é História a acontecer.»

Vítor Belanciano

Caem os cercos. Mas o resto do mundo ainda não pode entrar

Curto

Raquel Moleiro

Raquel Moleiro

Coordenadora de Sociedade

15 JUNHO 2020

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Bom dia.
Não se vê, cheira ou sente. Pode passar à frente do nariz e não se dar por ele, e mesmo que entre no organismo não é garantido que o corpo alerte para o intruso com sintomas exteriores da invasão. Com pezinhos de lã invisível, o novo coronavírus já matou mais de 430 mil pessoas em todo o mundo e mais de 1500 em Portugal. As marcas psicológicas ultrapassam-se tão rápido que já nem são notícia destacada.
Contra o inimigo, para o qual não há ainda arma letal, levantam-se barreiras preventivas de máscaras, agigantam-se as distâncias humanas, rastreios e testes materializam o mal com reagentes, batalhões de especialistas seguem-lhe os capilares de contágio, confinamentos cortam-lhe a cadeia de transmissão. Se se pudesse ficar assim, só na luta concentrada à pandemia, sem mais urgências para lá da sanitária até que surgisse a vacina, a covid-19 acabaria por perder a guerra. Mas há toda uma economia mundial a ativar alarmes de descalabro, fome e pobreza. E por isso, pouco a pouco, quando já sentem o vírus a ceder ou a concentrar-se noutras geografias, os países vão retirando barreiras, desconfinando. Hoje é dia de reabrir a Europa.
Grande parte dos países comunitários acorda já esta segunda-feira com restrições mínimas à circulação de cidadãos da UE e de territórios associados no espaço Schengen. Alemanha, França, Grécia, Bélgica, Holanda, Áustria, República Checa, Estónia ou Luxemburgo deixam cair, total ou parcialmente, as fronteiras internas que o vírus obrigou a restabelecer, na esperança que o turismo volte a animar o espaço aéreo e as cidades. É certo que já não é possível travar a crise mas pode-se tentar salvar o Verão. Quem vem do resto do mundo ainda vai ter de esperar – as notícias que sopram das Américas, Ásia e África, com a covid-19 em franca expansão, adiaram pelo menos até ao fim do mês o levantamento de mais interdições ao tráfego aéreo.
Portugal nunca fechou as portas europeias, limitando-se a travar a circulação de e para Itália e Espanha. Por isso, pouco ou nada participa nesta queda generalizada de muros europeus virtuais. Talvez se possa dizer que deita abaixo uns muretes. Com a reabertura da fronteira com Espanha adiada para 1 de julho - com pompa e honras de Estado (Felipe VI, Pedro Sánchez, Marcelo e António Costa estarão presentes) entre Caia e Badajoz -, hoje são ativados mais quatro pontos de passagem controlada na raia, que se juntam aos 13 já existentes.
Dentro de portas, porém, há uma barreira importante que hoje se elimina: cai o cerco de Lisboa. Abrem os centros comerciais, as lojas com mais de 400 m2 e os habitantes da área metropolitana já se podem juntar em grupos de 20 (e não de 10), mas atenção aos limites, que há na região tolerância zero a ajuntamentos. A medida avança apesar dos novos casos não darem tréguas na subida, principalmente em Sintra, Loures e Amadora (siga aqui os últimos números). Em todo o país, abrem também os Ateliers de Tempos Livres (ATL) exteriores às escolas e as termas. O desconfinamento segue agora num só ritmo nacional, um dia depois do número de recuperados (231) em 24 horas ter sido, pela primeira vez, superior ao de novos infetados (227).
Boas notícias para o país e para João Leão, o novo ministro das Finanças, que hoje toma posse, herdando a pasta de Mário Centeno (que não foi o campeão de sobrevivência no cargo) e uma enorme crise na engorda. Quanto mais depressa o país regressar à (nova) normalidade, melhor para as contas, e ele vai ter que fazer muitas para o país não cair na austeridade, como promete António Costa. Quem o conhece bem, contou à Liliana Valente que o economista de formação é resistente a pressões, duro e determinado, leva as lutas até ao fim, e no fim ganha, sempre com cordialidade. No governo conhecem-no como o homem do cofre, do qual muitas vezes parecia ter perdido a chave, tal é a resistência em abrir 'os cordões'.

domingo, 14 de junho de 2020

No país dos abacaxis

por estatuadesal

(Fernando Sobral, in Público, 14/06/2020)

Em Março de 1957, o chanceler alemão Konrad Adenauer entrou, triunfal, no Bundestag, empunhando uma banana. Não estava com fome. Era um sinal de vitória. Para assinar o Tratado de Roma, que instituiria a Comunidade Económica Europeia, a República Federal Alemã colocara uma condição. Os alemães poderiam importar bananas da América Central, que eram maiores, não tendo de se contentar com as mais pequenas e doces, que vinham das antigas possessões francesas. Não era um êxito qualquer. As crianças alemãs eram alimentadas a bananas. Estas eram o símbolo da nova Alemanha trabalhadora. O fruto desejado.

Em 2020, nenhum político entrará no Parlamento português empunhando uma banana. Ou um bacalhau. Mas não nos podemos espantar se, daqui a uns meses, o sr. António Costa entrar na Assembleia da República, carregando um anafado saco de euros e declarar que a pátria está salva. A seguir, chegará o sr. Siza Vieira com um abacaxi na mão e mostrará como cortá-lo em pedaços. Pataca a mim, pataca a ti.

Tudo para salvar Portugal da crise e, claro, ganhar as próximas eleições. Um suculento abacaxi tem, como se sabe, dois benefícios alimentares: permite adoçar a boca dos eleitores e, também, das clientelas. O sr. António Costa quer que o abacaxi coincida com o plano estratégico para o futuro da economia portuguesa, a ser desenhado pelo sr. António Costa Silva. É um desígnio empolgante. Há centenas de anos que o país anseia por algum planeamento. O que lhe é oferecido, ano após ano, é uma coisa mais comezinha: vai planando. Voamos sobre os problemas, porque outros valores mais altos se levantam sempre. Portugal é o país da passarola.

Todos os pretensos planos têm parecido uma espécie de ovo de chocolate da Páscoa: bonitos por fora e ocos por dentro. Prometem-nos brindes, mas estes saem sempre aos mesmos. Seria surpreendente que este planeamento patrocinado pelo sr. António Costa não fosse de só de reconstrução económica. E fosse, também, de reconstrução ética. A questão, porém, é que nada deverá mudar. Tudo acabará por resumir-se à distribuição dos abacaxis. Sente-se já o apetite de muitas bocas para tanto fruto disponível. As contas far-se-ão no fim, mas o processo aparenta estar já inquinado à partida. Se o sr. António Costa Silva vai desenhar um plano estratégico, no qual está a trabalhar há mais de um mês, não se compreende as palavras do sr. Mário Centeno: “Nunca falei com ele (Costa Silva) na vida.” Julgava-se, talvez erradamente, que num plano destes, o diálogo entre estratégia económica e táctica orçamental seria importante. Não o parece. Pode ser que, entretanto, o sr. João Leão conheça o sr. Costa Silva. Ou o tenha avistado numa qualquer rua de Lisboa. Depois, para sublinhar que o pretenso planeamento tem de se adaptar aos dogmas já existentes, o sr. António Costa veio reafirmar que o desastre ambiental que é o aeroporto do Montijo vai mesmo avançar. Isto antes de se perceber qual será o futuro da aviação comercial nos próximos anos. Ou seja, para quê fazer um plano estratégico? Qual é, afinal, o papel do sr. António Costa Silva? Terá mesmo algum?

No fundo, o abacaxi da Europa e o plano estratégico são duas faces da mesma moeda. A questão é como se repartir, e por quem, os milhares de milhões de euros que vêm da Europa. De resto, tudo continuará como dantes. É uma pena. Certos apoios, necessários, deveriam ser equilibrados com um horizonte estratégico. Dificilmente o serão. Fenómenos como a desglobalização, a robotização dos processos industriais e a sua influência sobre o emprego, a alta vulnerabilidade do turismo, ou a importância das PMEs, serão faladas. Mas depois tudo será esquecido. O “agora é que é!” soa a um velho disco de vinil riscado. Porque, entre nós, sempre se preferiu a renda ao risco. Muitos dos que nasceram, cresceram e singraram neste situacionismo, estão certos disso.

Num país que gosta de construir elefantes brancos como obras de regime, há sempre dinheiro para alguns. Os que guiam as renas do Pai Natal. Os senhores dos abacaxis.

Nos últimos dias, um dos motivos de comoção nacional tem sido o crocodilo do Nilo que teria aparecido no rio Douro. Que, afinal, poderia ser uma lontra. Este é um mistério tão grande como o do planeamento nacional. Apesar de alguns garantirem que o viram, desapareceu e diluiu-se como uma aspirina efervescente.


O génio das cativações

Depois de termos visto todas as séries da Netflix e da HBO, a realidade volta a superar a ficção. Regressou o futebol e uma certa política renasce. No meio da confusão geral, o país muda de ministro das Finanças como se fosse um piquenicão de velhos conhecidos para comer umas bifanas. O sr. Centeno vai embora e o sr. Leão ocupa o seu gabinete. Há uns tempos, o sr. Centeno considerou o sr. Leão “o artífice das cativações”. Em Marte achou-se que era um elogio. Não vislumbramos o porquê. Pelos vistos, o sr. Leão foi o maior responsável por, durante anos, se drenarem recursos de diferentes sectores, a começar pelo asfixiamento do SNS. Até para se contratar um par de mestres para operar os barcos que navegam no Tejo era obrigatória autorização das Finanças. E tudo para que o OE estivesse a caminho do santificado superávite. O último episódio desta espécie de série Friends é agora desvendado: no OE suplementar há mais 504 milhões de euros para despesas do SNS; para o Novo Banco, onde gestores são aumentados e recebem bónus apesar dos prejuízos, houve 850 milhões. Como não defender a excelsa política de “cativações” do sr. Centeno e do sr. Leão?

Não funcionou

Posted: 13 Jun 2020 03:48 AM PDT

«Não eram necessárias grandes avaliações para se descobrir o óbvio: fechar as escolas não funcionou. Não me entendam mal. O encerramento das escolas era uma inevitabilidade (as famílias já estavam a impedir que os filhos fossem às aulas), foi decisivo para conter a propagação da pandemia e, na altura, era um sinal que tinha de ser dado à sociedade.

Mas as evidências não deixam margem para dúvidas. Nesta semana, o “Wall Street Journal” dava conta de que, nos EUA, estimativas preliminares sugerem que, quando regressarem as aulas, as aprendizagens de leitura corresponderão a 70% das de um ano letivo normal e, em matemática, em redor dos 50%. Estes valores são significativamente mais baixos em famílias com menores rendimentos e mais afetadas pelo confinamento.

Entre nós, a Fenprof, com base num inquérito a 3500 professores, chegou sensivelmente às mesmas conclusões. Em meados de maio, mais de metade dos professores (55%) ainda não tinha conseguido contactar todos os alunos, uma maioria esmagadora considerava que as desigualdades se agravaram (94%) e uma grande percentagem (60%) sustentava que o apoio do Ministério da Educação tinha sido negativo (sic).

Numa sociedade que vem recuperando, muito lentamente, nos indicadores de abandono escolar precoce e em que persiste um profundo défice de qualificações, estes meses de ensino à distância deviam fazer soar todos os alarmes. Estamos perante um exemplo gritante de impacto assimétrico da pandemia: com o afastamento físico e simbólico da escola pública, as desigualdades agravam-se e o país delapida um património de conquistas recentes.

A Fenprof tem razão no diagnóstico. A questão, agora, é como resolver o problema. O ensino à distância foi melhor do que nada e tenderia sempre a assentar em bases frágeis (até porque, como é reconhecido no Programa de Estabilização Económica e Social, há défices estruturais de competências digitais na escola, área em que o país esteve dez anos parado).

É impensável, em setembro, iniciar o ano letivo sem aulas presenciais. Só que, tal como colocadas hoje, as exigências de distanciamento físico inviabilizam qualquer forma alternativa de abertura das escolas (não há nem instalações nem professores nem horários para desdobrar turmas). Resta, como tal, flexibilizar as regras e abrir normalmente o ano letivo — com cuidados sanitários acrescidos e coletivamente preparados para, se for caso disso, fechar escolas de um dia para o outro e massificar testes.

Sobra um problema. Como temos percebido, entre os professores a incidência de membros de grupos de risco é desproporcional. Desenhe-se um mecanismo adequado de juntas médicas e financie-se a aposentação para quem corre riscos a dar aulas. Fica certamente mais barato do que o preço que o país pagará se as escolas se mantiverem fechadas. Estou certo de que a Fenprof, tão preocupada com as desigualdades, não deixará de apoiar.»

Pedro Adão e Silva