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terça-feira, 16 de junho de 2020

A grande lacuna nas respostas

Posted: 15 Jun 2020 03:20 AM PDT

«Tem-se comparado os impactos da pandemia aos efeitos de uma guerra, e afirmado que se trata de uma catástrofe que ficará a marcar a sociedade como grande acontecimento histórico universal.
Estas comparações não são descabidas. Nas últimas décadas vem-se dizendo que "o Mundo está a viver a emergência de uma nova era". Têm sido relevados os esgotamentos de "velhas instituições", a existência de poderes não controlados e não responsabilizáveis, a proliferação de sofrimentos, riscos, inseguranças, contradições e também de "desafios mágicos" que geram medos e amputam horizontes. E hoje estão bem ativos os movimentos geopolíticos e geoestratégicos que alteram correlações de forças à escala global, bastante protagonizadas por lideranças novas distantes da chamada cultura ocidental.
Uma evidência do relevo histórico deste tempo que vivemos é, sem dúvida, a reafirmação do lugar central que o trabalho tem na sociedade e a necessidade de, em defesa da justiça social, das liberdades e da democracia se eliminarem gritantes desigualdades observadas na sua divisão social e internacional, na sua organização e prestação. Em 1919, no rescaldo da I guerra mundial e de uma grande pandemia, a criação da Organização Internacional do Trabalho significou um sinal da premência das reformas a adotar para proteger os trabalhadores e dignificar o trabalho. Em 1944, ainda a II guerra decorria, já se realizava a Conferência de Filadélfia, repetindo objetivos de 1919 e colocando os direitos dos trabalhadores como direitos humanos. No início da construção da União Europeia houve um forte envolvimento dos trabalhadores e seus sindicatos (até indicavam um dos comissários da Comunidade) e plasmou-se o compromisso de harmonizar no progresso os direitos laborais e sociais.
Observemos agora o que se passa em algumas áreas que mais expressam a irracionalidade do sistema económico e social dominante e mais expõem as pessoas e os países a vulnerabilidades, e verificamos: i) a afirmação crescente de que o financiamento da economia não deve continuar prisioneiro de dinâmicas mercantis e, por isso, colocam-se os bancos centrais a dar as respostas que só eles podem e devem dar; ii) o reforço da ideia de que não é sustentável um sistema produtivo baseado em redes de subcontratações (cadeias de valor) globais e discute-se a reindustrialização e a necessidade de cada país não abdicar da produção de bens e serviços essenciais; iii) a tomada de consciência quanto ao respeito pelo ambiente, debatendo-se a descarbonização, o recurso a energias limpas e práticas que não desequilibrem os ecossistemas; iv) que no trabalho, no emprego e nas relações laborais não há mudanças, nem na opinião nem nas políticas, prosseguindo a imposição da cartilha neoliberal da flexibilidade e da desvalorização, carregada de subjugações, de violações de direitos, de injustiças que ampliam a pobreza.
Urge mudar de agulha no mundo do trabalho, sob pena de se transformar o choque pandémico numa crise social e económica permanente. Nesta pandemia, os trabalhadores, presenciais ou em teletrabalho, demonstraram uma capacidade de adaptação, de rigor, de criatividade que devia envergonhar quem teima em pagar salários de miséria e legislar utilizando os escabrosos pressupostos da vantagem do chicote e da suspeição sobre quem vive da venda da sua força de trabalho.»
Manuel Carvalho da Silva

De partida para férias

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Cristina Peres

Cristina Peres

Jornalista de Internacional

16 JUNHO 2020

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Este é o ano em que o turismo viverá dos portugueses, foi o espírito geral das declarações do primeiro-ministro ontem, no lançamento da campanha do Turismo de Portugal - #tupodes. Visita Portugal -, inspirado no que António Costa viu durante a visita que fez ao Algarve no fim de semana. Na altura em que se sabe que o número de estrangeiros a entraram em Portugal será muito inferior ao de anos anteriores, o turismo em Portugal relança-se cá dentro e para os nacionais. António Costa desafiou os portugueses: “Se temos o privilégio de viver no melhor destino do mundo, não teremos um ano tão bom para aproveitar como este ano”.
Como aqui se lê, o relançamento do turismo não se limita ao lazer, significa a sobrevivência para muitos. O primeiro-ministro sublinhou a solidariedade para com os trabalhadores do setor e a motivação aos empresários na sua mensagem.
Boris Johnson não pode dizer o mesmo. As “gordas” da imprensa britânica a sublinham o desânimo do setor por não ter conseguido aderir ao esquema da União Europeia de revitalização do turismo. Todos os países europeus aproveitaram a reabertura das fronteiras (Espanha será só em 1 de julho) para relançar as viagens e hotelaria, mas os responsáveis pelo turismo e viagens britânicos só puderam exprimir desilusão depois de terem ficado a saber que o Reino Unido não fará parte do projeto de partilha de dados liderado pela União Europeia que para relançar o turismo à medida que são levantadas as restrições.
A Comissão Europeia lançou uma aplicação e um site que fornece aos viajantes informação em tempo real sobre as regras da covid-19 e o estado da infecção em cada país europeu. O porta-voz da CE respondeu ao “The Guardian” que o Reino Unido não estava incluído porque o seu Governo não pediu para participar. Para um porta-voz do Governo a resposta é simples: o Reino Unido já não faz parte da UE por isso não esperaria constar de um mapa que representa os seus Estados-membros.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

As virtualidades do virtual

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso, 13/06/2020)

Não há muito tempo, um jovem disse-me uma frase que me fez pensar. “Os mais velhos ainda não conseguiram perceber que, digam o que disserem, todas as tecnologias que nós usamos são para ficar. Podem ir mudando, mas não voltam para trás.” E acrescentou: “Parece que se esquecem das inovações que surgiram quando eram novos.”

Agora, em plena pandemia, recordei esta — não sei bem se lhe devo chamar “cházada”. As chamadas redes sociais foram, nos últimos anos, o “diabo” para muitos. Porque são um local de livre expressão, em que cada um diz o que pensa, apoia, critica, insulta os outros, tenta manipular pessoas, situações, comete fraudes, “cusca” os que lá se expõem, a relatarem, em direto, a sua vida. E fá-lo, na maioria das vezes, a coberto do anonimato...

Não me venham dizer que são resquícios da ditadura, as pessoas são o que são, e os portugueses não são particularmente frontais. A frontalidade é quase anticultural e malvista... A internet, em Portugal, começa nos anos 90. No seu início, muito centrada nas universidades, mais tarde alargada aos serviços e às pessoas. Mas é em 2004 que começa a tecnologia 3G e as redes sociais começam a divulgar-se, maciçamente.

Este alastramento do seu uso é particularmente notório nos jovens, primeiro nos de famílias com maior poder económico — a net não era acessível para muitos —, mas progressivamente é massificada com a baixa de preços e os pacotes de serviços ilimitados. Recorrentemente surgiam as críticas, algumas exageradas, outras previdentes, nos riscos da sua utilização pelos mais jovens e incautos, que, por vezes, foram apanhados em situações graves.

Agora imaginem estes tempos de pandemia sem internet. Em vez de teletrabalho, tudo em casa sem trabalhar, aulas completamente paradas, serviços inexistentes, comunicações lentas e difíceis, impossibilidade de conversas pessoais ou profissionais com mais de duas pessoas.

Imaginem os jovens sem poderem comunicar a toda a hora com os amigos, com os amores, com a família distante, em particular com os avós, tão importantes. Sem aulas, sem programas digitais que permitem centenas de pessoas, em simultâneo, numa aula ou numa conferência.

As redes sociais nesta pandemia foram fundamentais para ajudarem a manter a saúde mental de quem se viu, de repente, quase completamente isolado. O melhor ansiolítico e antidepressivo é poder falar com os outros, mais próximos, ou mesmo técnicos, quando a situação emocional se agrava.

Todos recebemos diariamente centenas de mensagens. Muitas são piadas. O humor, mais ou menos cáustico, mais ou menos brejeiro, tem sido fundamental para aliviar a tensão. Quantas vezes nos rimos, no meio disto, com as pequenas histórias que nos chegam. Como uma das que mais circularam: “Ao fim deste tempo em casa, até acho que a minha mulher é simpática.” Ou: “Quem não estiver confuso não está bem informado.” Ou: “Em breve, temos de caçar para comer, e eu não sei onde vivem as pizas.”

Foi o virtual e a esperança de que o confinamento não durasse muito tempo que nos aguentou estes meses. Infelizmente, as virtualidades do virtual não irão ajudar muito a grave crise económica que já aí está e de que, por muito que os economistas se esforcem, com as suas bolas de cristal, ninguém sabe a profundidade e a duração. Há uma coisa que podem já prever, sem receio de errarem. Não vai ser igual para todos.

Não é apagar a História. É História a acontecer

Posted: 14 Jun 2020 03:09 AM PDT

«Enquanto as revoltas de rua que se seguiram à morte de George Floyd estiveram, digamos assim, confinadas ao território americano, foi uma maravilha. Toda a gente pôde partilhar nas redes sociais o seu lado humanista. A imprensa nem por um momento discorreu sobre eventuais conflitos de saúde pública pela aglomeração de pessoas. Compreenderam-se até alguns excessos; afinal, falávamos de raiva reprimida. Havia um ambiente geral empático, talvez motivado pelo facto de ser relativamente fácil antagonizar com Trump, ou então, por existir essa ideia mítica de que isso do racismo é lá uma coisa deles, que nós aqui não temos nada disso.

O problema foi quando a indignação chegou também aqui. Começou com as manifestações do fim-de-semana, em particular com a de Lisboa, da qual resultou um vibrante sobressalto cívico. E de repente o que foi uma exteriorização sem igual foi transformada num desfile desordeiro, por causa de um ou dois cartazes marginais, e imprudente, quando muitos dos que se manifestaram têm a sua vida exposta ao risco pela pandemia (nos transportes, obras ou cadeias produtivas em que trabalham para que outros fiquem em casa) desde o início da mesma, perante o alheamento geral.

Mas não se ficou por aqui, surgindo responsáveis políticos como Rui Rio, a afirmar com bonomia que racismo em Portugal não existe, e que manifestações anti-racismo são, isso sim, o combustível do racismo. O tipo de raciocínio que Trump costuma utilizar, quando nos confrontos de Charlottesville, em 2017, pôs ao mesmo nível neonazis e quem se manifestava contra os mesmos, da mesma maneira que agora tenta colar quem está na rua a um pequeno grupo antifascista, procurando afastar as atenções sobre as origens raciais, sociais e económicas da indignação.

Agora são as estátuas. A memória colonial. Um debate que tem vindo a ser feito nos últimos anos e que só ganha em ser aprofundado, mas que aqui resvala quase sempre para as ideias simplistas de inocência ou culpa, quando o que está em causa é olhar o passado de forma plural, como ele é sempre, para melhor perspectivar o presente e futuro. E, sim, isso passa por questionar representações, principalmente se forem actuais, sobre o passado colonial, como no caso da estátua do Padre António Vieira, erguida em 2017. No limite, não está em causa a figura, nem o possível legado anti-racismo à luz da época em que viveu, mas sim a imagética que perpetua narrativas colonialistas e esclavagistas que devem ser discutidas hoje.

Ficou nítido nestes últimos dias a grande incapacidade que Portugal ainda tem em integrar estas questões e perceber a zanga que paira no ar. E essa é que é a questão. Falamos de pessoas a quem foi prometido um futuro melhor e com menos desigualdades. Estão fartas de sofrerem os chamados “efeitos colaterais” do sistema económico. Querem olhar de frente o futuro e ter voz própria, embora afirmá-la não seja fácil, principalmente quando o foco da sua intervenção é constantemente desviado, como aconteceu nos últimos dias. O pensamento dominante não consegue, ou não quer, pôr-se no seu lugar. Não é apenas o racismo. A insatisfação é mais lata. É um programa crítico comum em que a cultura neocolonial, patriarcal, neoliberal e a ausência de políticas ecológicas firmes desempenham um papel central.

É um grito de mudança. Foi nisso que se transformou a morte de George Floyd. Uma luta colectiva que para milhões é a única forma de darem sentido à sua vida. E é por isso que existe tanta crispação. Criam-se novas conflitualidades e existem paradoxos e até alguns excessos em todas estas lógicas? Inevitavelmente, porque é de desejo de transformação que falamos e de hierarquias de dominação ou de privilégio que foram naturalizadas e agora são contestadas. Há quem diga que aquilo que está a acontecer é apagar a História, mas é exactamente o contrário — é História a acontecer.»

Vítor Belanciano

Caem os cercos. Mas o resto do mundo ainda não pode entrar

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Raquel Moleiro

Raquel Moleiro

Coordenadora de Sociedade

15 JUNHO 2020

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Bom dia.
Não se vê, cheira ou sente. Pode passar à frente do nariz e não se dar por ele, e mesmo que entre no organismo não é garantido que o corpo alerte para o intruso com sintomas exteriores da invasão. Com pezinhos de lã invisível, o novo coronavírus já matou mais de 430 mil pessoas em todo o mundo e mais de 1500 em Portugal. As marcas psicológicas ultrapassam-se tão rápido que já nem são notícia destacada.
Contra o inimigo, para o qual não há ainda arma letal, levantam-se barreiras preventivas de máscaras, agigantam-se as distâncias humanas, rastreios e testes materializam o mal com reagentes, batalhões de especialistas seguem-lhe os capilares de contágio, confinamentos cortam-lhe a cadeia de transmissão. Se se pudesse ficar assim, só na luta concentrada à pandemia, sem mais urgências para lá da sanitária até que surgisse a vacina, a covid-19 acabaria por perder a guerra. Mas há toda uma economia mundial a ativar alarmes de descalabro, fome e pobreza. E por isso, pouco a pouco, quando já sentem o vírus a ceder ou a concentrar-se noutras geografias, os países vão retirando barreiras, desconfinando. Hoje é dia de reabrir a Europa.
Grande parte dos países comunitários acorda já esta segunda-feira com restrições mínimas à circulação de cidadãos da UE e de territórios associados no espaço Schengen. Alemanha, França, Grécia, Bélgica, Holanda, Áustria, República Checa, Estónia ou Luxemburgo deixam cair, total ou parcialmente, as fronteiras internas que o vírus obrigou a restabelecer, na esperança que o turismo volte a animar o espaço aéreo e as cidades. É certo que já não é possível travar a crise mas pode-se tentar salvar o Verão. Quem vem do resto do mundo ainda vai ter de esperar – as notícias que sopram das Américas, Ásia e África, com a covid-19 em franca expansão, adiaram pelo menos até ao fim do mês o levantamento de mais interdições ao tráfego aéreo.
Portugal nunca fechou as portas europeias, limitando-se a travar a circulação de e para Itália e Espanha. Por isso, pouco ou nada participa nesta queda generalizada de muros europeus virtuais. Talvez se possa dizer que deita abaixo uns muretes. Com a reabertura da fronteira com Espanha adiada para 1 de julho - com pompa e honras de Estado (Felipe VI, Pedro Sánchez, Marcelo e António Costa estarão presentes) entre Caia e Badajoz -, hoje são ativados mais quatro pontos de passagem controlada na raia, que se juntam aos 13 já existentes.
Dentro de portas, porém, há uma barreira importante que hoje se elimina: cai o cerco de Lisboa. Abrem os centros comerciais, as lojas com mais de 400 m2 e os habitantes da área metropolitana já se podem juntar em grupos de 20 (e não de 10), mas atenção aos limites, que há na região tolerância zero a ajuntamentos. A medida avança apesar dos novos casos não darem tréguas na subida, principalmente em Sintra, Loures e Amadora (siga aqui os últimos números). Em todo o país, abrem também os Ateliers de Tempos Livres (ATL) exteriores às escolas e as termas. O desconfinamento segue agora num só ritmo nacional, um dia depois do número de recuperados (231) em 24 horas ter sido, pela primeira vez, superior ao de novos infetados (227).
Boas notícias para o país e para João Leão, o novo ministro das Finanças, que hoje toma posse, herdando a pasta de Mário Centeno (que não foi o campeão de sobrevivência no cargo) e uma enorme crise na engorda. Quanto mais depressa o país regressar à (nova) normalidade, melhor para as contas, e ele vai ter que fazer muitas para o país não cair na austeridade, como promete António Costa. Quem o conhece bem, contou à Liliana Valente que o economista de formação é resistente a pressões, duro e determinado, leva as lutas até ao fim, e no fim ganha, sempre com cordialidade. No governo conhecem-no como o homem do cofre, do qual muitas vezes parecia ter perdido a chave, tal é a resistência em abrir 'os cordões'.