Translate

terça-feira, 23 de junho de 2020

A escola ficou numa redoma

Posted: 22 Jun 2020 03:09 AM PDT

«A todos os que acreditam no discurso fofinho que diz que a experiência de manter os filhos em casa durante quatro meses com aulas através de um computador portátil tem sido enriquecedora, porque confrontou os pais e os docentes com novas exigências, tenho a comunicar o seguinte: acordem desse sonho pateta.

Porque aquilo que encarregados de educação, alunos e professores têm vivenciado desde que a pandemia os afastou do ensino presencial assemelha-se mais a um inferno laranja do que a um céu azul-celeste. Não quero ser tremendista, mas nunca como agora reconhecemos tanta importância aos educadores dos nossos filhos e ao contributo da escola para garantir o equilíbrio emocional dos estudantes e a harmonia das famílias. Bem hajam.

Mas o quadro que se nos apresenta é assustador: termos crianças arredadas, de março a setembro, das rotinas escolares, da aprendizagem, do convívio com colegas e professores, pode ter um efeito devastador sobretudo junto dos mais frágeis, que não beneficiam do fácil acesso às tecnologias, que estão privados de uma boa retaguarda familiar e cujo modesto poder aquisitivo dos pais não lhes permite estar em casa indefinidamente em teletrabalho a ligar e a desligar o "Teams". A isto, acresce o facto de, com o desconfinamento e a reabertura económica, tudo ter avançado menos a escola. Em certo sentido, os alunos ficaram esquecidos numa redoma.

O Ministério da Educação confirmou finalmente que, em setembro, todas as aulas serão presenciais (veremos), mas há ainda um mundo de incertezas até ao fim do verão. O enorme intervalo de tempo sem aulas justificaria que se implementassem medidas mitigadoras, como defende, por exemplo, a Unicef. Uma delas poderia passar por um regresso antecipado, de uma ou duas semanas, que ajudasse não apenas a sarar as feridas do agora, mas fundamentalmente que lançasse bases para o próximo ano letivo, não castigando ainda mais aquilo que se antevê vá ser um arranque de loucos. Sem aulas, sem professores e sem ajuda, houve muitos alunos que ficaram para trás. Nisso, a escola não cumpriu a sua vocação primordial: em vez de criar pontes educativas, ergueu muros de silêncio.»

Pedro Ivo Carvalho

Um passito para trás

Curto

Pedro Cordeiro

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

23 JUNHO 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Bom dia!

Portugal terá sido melhor a confinar do que a desconfinar? Tinham-nos dito que o aligeiramento das medidas restritivas contra a covid-19 podia andar para trás caso a situação pandémica se agravasse. Ora, embora o planalto tenda a manter-se e o número de mortos diários seja baixo há vários dias, o certo é que a região de Lisboa e Vale do Tejo tem representado uma percentagem muito alta dos novos contágios a nível nacional (ontem era de 63%, mas já andou acima dos 90%). E o desconfinamento andou mesmo para trás. As dificuldades, aliás, não passaram despercebidas a títulos da imprensa mundial como “Le Monde” ou o “Politico.eu”.
Vigoram desde a meia-noite medidas de contenção na área metropolitana da capital: prolongamento do estado de calamidade em 15 freguesias, sobretudo nos concelhos de Amadora, Odivelas e Loures (que, com Lisboa e Sintra, somam mais de metade dos novos casos); proibição de ajuntamentos de mais de dez pessoas, com multas até 350 euros (os casos de Lagos e Carcavelos aí estão a mostrar o preço da irresponsabilidade); obrigação de fechar às 20h para lojas e cafés (que não restaurantes); reforço da vigilância e fiscalização pelas forças de segurança, nomeadamente nos centros comerciais. Com os jovens a liderar as contaminações, o fim das aulas (sem que nada se saiba sobre o regresso às mesmas, céus!), será preciso assustá-los?
É fácil intuir que o recuo terá impacto económico. A Associação Portuguesa de Centros Comerciais já afirmou que estes “são um aliado no combate eficaz à propagação do novo coronavírus” e “cumprem todas as regras de segurança sanitária decorrentes da lei, as recomendações da Direção-Geral da Saúde e as melhores práticas promovidas pela indústria a nível global”. Os lojistas estão preocupados e pedem uma “justa repartição de sacrifícios” entre si e os proprietários dos centros comerciais. Já agora, fique a saber que o ritmo de crescimento do desemprego abrandou em maio, embora haja mais 103 mil pessoas sem trabalho do que há um ano. Henrique Raposo alerta para uma inaceitável caça ao infetado no ambiente laboral, que a edição semanal do Expresso abordou. A propósito, lembra o “Público”, a partir de hoje quem perdeu rendimentos pode entregar a declaração respetiva, nomeadamente para evitar cortes de água, luz e gás.
Falar de economia em Portugal é falar de turismo, seja cá dentro ou lá fora. Num momento em que vários governos europeus mantêm fronteiras encerradas a viajantes oriundos do nosso país — decisão que o Presidente da República associa a uma guerra por conquistar turistas —, especialistas contactados pelo Expresso consideram que pode estar em causa um excesso de honestidade (sim, admito que o conceito seja difícil de digerir). O primeiro-ministro não entende e frisa que alguns dos que nos fecham a porta fazem muito menos testes. A oposição, com quem Marcelo Rebelo de Sousa encetou ontem reuniões, pede clareza no discurso político sobre a pandemia. Já em Fátima, onde surgiu um foco de infeção, a palavra de ordem é testar. E para as bandas da Intersindical, o importante é não desmobilizar.
Neste clima de regresso às restrições e fronteiras fechadas, a escolha de Lisboa para a fase final da Liga dos Campeões soa quase contraditória. As altas figuras da nação celebraram o facto numa cerimónia “de estadão” em que o autor destas linhas farejou parolice e durante a qual António Costa festejou um “prémio merecido” aos profissionais de saúde. Que estes heróis da pandemia merecem prémios ninguém duvida. Talvez remuneração e condições de trabalho lhes digam algo mais que a festa da bola. E se a excitação das autoridades passa pelo turismo e por projetar uma imagem de porto seguro, Daniel Oliveira aponta os riscos da publicidade negativa.
Olhando para o mundo mais vasto, há mais de nove milhões de casos de covid-19 no planeta, como mostra o excelente trabalho da equipa de infografia do Expresso. A Organização Mundial de Saúde assinalou um triste recorde de novos casos. O globo vai aprendendo, mais devagar do que o desejável, a viver esta nova realidade, sendo certo que a pressa não favorece o rigor. No Brasil, que passou o milhão de casos e conta mais de 50 mil mortos, a pandemia ameaça culturas de forma irreversível. Na Arábia Saudita o hajj, peregrinação anual de muçulmanos a Meca, vai ser muito diferente e vazio. O Reino Unido quer reabrir a cultura em julho. Espanha tenta perceber o que correu mal na proteção aos lares de terceira idade. E todos continuam à procura de uma vacina, que a Universidade de Oxford não crê ser alcançável antes do outono. Todas as notícias sobre a pandemia estão em permanente atualização aqui.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

UE reforça medidas contra ambições comerciais da China

De  Joao Duarte Ferreira  •  Últimas notícias: 22/06/2020 - 19:15

UE reforça medidas contra ambições comerciais da China

Direitos de autor Euronews

A zona económica do Suez no Egito foi o local escolhido para a União Europeia dar o primeiro passo no sentido de contrariar as ambições comerciais chinesas.

Pela primeira vez, Bruxelas impôs taxas alfândegárias sobre empresas chinesas com sede fora da China, neste caso, os exportadores de fibra de vidro, material utilizado em coisas tão diversas como turbinas eólicas e material desportivo.

A União Europeia penaliza assim a China por uma prática destinada a reforçar a presença chinesa nos mercados europeus.

"Isto é um sinal claro enviado por Bruxelas e dirigido a este tipo de bens subsidiados, mesmo que não sejam subsidiados pelo país de origem, neste caso, o Egito, mas indiretamente por um país terceiro, que não entrarão no mercado europeu. Trata-se de um caso robusto. É algo novo, uma nova abordagem e uma nova leitura sobre o que Bruxelas e a Direção-geral de Comércio podem fazer", adianta Agatha Kratz, diretora-associada do Grupo Rhodium.

A resposta chinesa não tardou. A China criticou a decisão europeia afirmando violar as regras da Organização Mundial do Comércio.

Pequim sublinha que as diferenças devem ser resolvidas através de negociação.

No entretanto, a União Europeia continua a reforçar as medidas de proteção contra as políticas comerciais expansivas provenientes da China.

Bruxelas prepara medidas em várias indústrias consideradas estratégicas.

Falando no dia 17 de junho, a vice-presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager , deixou claras as intenções do executivo europeu.

"O papel da Comissão é defender o Mercado Único e tomar medidas sempre que existam indústrias subsidiadas por países terceiros e que distorcem o mercado dentro da nossa União", afirmou.

Existem receios na Europa relativamente à aquisição predadora de empresas europeias - e da conquista de mercados europeus através de formas mais subtis.

"O passo seguinte é garantir a aplicação efetiva das medidas que acabam de ser impostas. Infelizmente, sabemos por experiência que os produtores chineses encontram sempre formas inovadoras e criativas para evitar a aplicação das medidas", diz Laurent Ruessmann, advogado especializado em comércio internacional.

Após a falência de várias empresas europeias adquiridas pela China, Pequim tem vindo a cortar drasticamente nos investimentos diretos. Do pico de 37 mil milhões de euros de investimentos registados em 2016, no ano passado registaram-se apenas 12 mil milhões, tendência que se manteve em 2020 agravada pela pandemia de Covid-19.

De facto, são agora os investidores europeus que estão agora a adquirir empresas chinesas segundo a especialista Agatha Kratz.

"Estamos a assistir ao colapso total dos investimentos externos da China, certamente relativamente à Europa. Vemos muito pouca atividade de fusões e aquisições por parte de empresas chinesas e investidores para o resto do mundo e a Europa em particular. Ironicamente, é interessante verificar que existe agora o movimento inverso, ou seja, muitas aquisições oportunistas de empresas chinesas", acrescenta.

Resta saber quando é que os investidores chineses vão regressar em força.

Europa cria aliança para investigar covid-19

De  Aurora Velez  & Euronews  •  Últimas notícias: 22/06/2020 - 15:24

Em parceria comThe European Commission

Europa cria aliança para investigar covid-19

Direitos de autor euronews

Numa sala de espera, perto de Lyon, França, Elliot aguarda pela vez de ser atendido pelo médico. Tem tosse e febre, dois dos sintomas da covid-19, a pandemia que assolou o mundo e à qual a Europa quer dar uma resposta coordenada.

O "I-Move-Covid-19" é apoiado por fundos da União Europeia relacionados com pesquisa e inovação, em sinergia com a política comunitária de coesão, e pretende estudar casos e o funcionamento da futura vacina e de outros antídotos contra o vírus. O objetivo é obter o máximo de informação, seguindo a mesma metodologia entre todos os parceiros e países participantes. E tudo tem início no hospital de cuidados primários francês, onde é diagnosticada a covid-19.

“Estamos na fase de desconfinamento e o que fazemos agora é tentar identificar o mais rapidamente possível novos casos e isolá-los, para evitar uma nova contaminação e um efeito de ricochete. O que procuramos com esta vacina é o fim deste surto. Assim que tivermos a vacina, será muito mais fácil", afirma Laurent Combes, médico de clínica geral no hospital.

O projeto é apoiado pela Política de Coesão Europeia em mais de 2 milhões e 800 mil euros e envolve 22 parceiros, na sua maioria instituições públicas, da Albânia, da Bélgica, da Irlanda, da Lituânia, dos Países Baixos, de Portugal, de Inglaterra, da Escócia, da Roménia, da Suécia, de França e de Espanha.

É a partir de Espanha que as análises virológicas de todos estes países são coordenadas, mais concretamente no Instituto Carlos III, em Madrid. Uma das vantagens do "I-Move-Covid 19" é o facto de o projeto ser desenvolvido por uma equipa que realizou uma tarefa semelhante com a gripe.

Os virologistas são responsáveis pela sequenciação do genoma dos coronavírus recolhidos. Até agora, foram descobertos três tipos do novo coronavírus, com variações muito pequenas.

Francisco Pozo é virologista no instituto e garante que os desafios apresentados pelo novo vírus não lhe tiraram o otimismo.

"A muito curto prazo vamos saber se existem novos subgrupos do vírus, como se propagam nos países em que estamos a participar no "I-move" e depois estar preparados para quando a vacina chegar e os antivirais vierem, para ver se cada um destes grupos responde igualmente às vacinas e aos antivirais”.

Ao mesmo tempo, o projeto está a realizar um estudo para identificar que fatores contribuem para a infeção do pessoal hospitalar ou que uma pessoa desenvolva formas mais graves da doença. A informação é partilhada com outros países, a fim de encontrar uma solução para a pandemia o mais rapidamente possível.

Para a coordenadora do projeto, Marta Valenciano, na melhor das hipóteses, a vacina só vai estar pronta em maio do próximo ano.

"A indústria farmacêutica não participa na avaliação da vacina. Somos uma equipa multidisciplinar. Temos: virologistas, epidemiologistas, bioestaticistas clínicos, por isso é um trabalho multidisciplinar e plurinacional que esperamos que dê resultados importantes a nível europeu".

A ciência é agora o instrumento fundamental até ao momento em que vai ser possível derrotar o vírus simplesmente indo ao médico ou atravessando a porta de uma farmácia.

A vidente e a pandemia

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso Diário, 21/06/2020)

Há muitos anos tive uma doente que era vidente. Acompanhava pessoas que a procuravam com os mais variados problemas da vida. Dava-lhes apoio, tinha uma capacidade empática fora de vulgar, mas também, um bom senso notável. Cada vez que se apercebia que quem a procurava tinha sérios problemas mentais encaminhava para um psiquiatra ou psicólogo.

Recebi vários doentes que me referenciava e eram sempre situações clínicas complexas ou que poderiam tornar-se graves sem tratamento. Um dia foi ela que me procurou. Estava triste, cansada, tinha parado a sua atividade, disse-me que não conseguia ajudar as pessoas. “Sabe o que mais me custa, quando estou exausta? Prever o futuro.” Dei-lhe uma resposta de bom senso: “Mas ninguém consegue prever o futuro...”

Explicou-me que estava completamente enganado. “Claro que não acerto completamente, mas frequentemente fico lá perto.” Como é que consegue isso, perguntei. “É muito simples, as minhas previsões condicionam parcialmente as atitudes da pessoa. Se eu lhe digo, por exemplo, que vai conhecer um príncipe encantado, ela fica mais predisposta a que isso aconteça.” Fiquei por aqui e não lhe perguntei nada acerca do meu futuro... Ao longo da pandemia tenho-me lembrado muito desta história. Será possível prevenir o futuro, condicionando-o?

Se quisermos pensar no que nos aconteceu, sem recorrer a raciocínios epidemiológicos, feitos com a melhor das boas vontades, mas com uma alta dose de aleatório, temos uma forma mais simples de o fazer. Ao confinarmos uma grande parte da população, tentámos condicionar o futuro. Mas será possível que uma tão grave decisão política tivesse sido tomada utilizando a mesma ‘epistemologia’ de uma vidente?

Imaginemos que não queremos encontrar alguém, que temos a certeza de que nos irá fazer mal. Naturalmente, evitamos todos os caminhos, situações, contextos em que a probabilidade de encontro seja a mais próxima possível do zero. Mas, no limite, a única forma segura de o fazer é não sairmos de casa e não deixar ninguém lá entrar. Os que tentaram fazer de forma diferente, talvez numa atitude de indiferença perante o perigo — vamo-nos encontrar tantas vezes que acabamos por criar defesas —, ‘espalharam-se’. Os exemplos não faltam, Reino Unido, Suécia, Suíça foram alguns dos países com taxas de letalidade muito mais altas do que nós. Estes países optaram por pensar que sabiam. Utilizaram o conhecimento de outros vírus e aplicaram-no cegamente. Uns persistiram no erro, outros arrepiaram caminho, mas já era tarde.

Agora, passados mais de três meses, é fácil dizer que a estratégia da vidente, foi boa mas não suficiente. Se alguém, responsável, se tivesse lembrado dos lares e não tivessem metido os pés pelas mãos, com a obrigatoriedade de usar máscara, os resultados teriam sido melhores. Desde cedo que se soube que o maior risco é a idade, variável, cada vez mais evidente, mas por razões que me escapam (constitucionais, discriminatórias?), os mais velhos foram pouco protegidos. Ou seja, com o tempo, a epistemologia da vidente foi sendo afinada. Quando se soube que só cerca de 10% dos infetados o tinham sido em contexto social, cerca de 35% tinham sido infetados nos lares e que a taxa de mortalidade dos mais de 70 anos é de cerca de 17% foi possível estratificar melhor o risco.

Tivemos a sorte e o saber de não deixar passar muito tempo, entre afirmar que seria uma situação semelhante à da gripe e perceber que não percebíamos quase nada do que estava a acontecer. Tal como a vidente que ganha a sua vida a prever o imprevisível, mas que tenta condicionar o futuro, nós fechámos as portas e pusemos uma pancarta a dizer: “Não entras.”

Talvez esta pandemia nos faça mais humildes e nos leve a aceitar melhor que percebemos muito pouco do que se está a passar. Mas a incerteza não é muito popular. Uma boa e dramática lição de vida.