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quarta-feira, 24 de junho de 2020

Transformar Lisboa na capital mediática da covid?

Posted: 23 Jun 2020 03:35 AM PDT

«Como escrevi na sexta-feira, não acompanhando a excitação de quem olha mais para os infetados do que para os internados. Sou cauteloso a olhar para números diários e não me deixo ir pelos humores pendulares que a comunicação social alimenta. Mas acho que o Estado deve tomar cuidados. Não apenas os óbvios, em relação à pandemia. Mas reputacionais. Sobretudo quando os destinos turísticos estão em concorrência. Suspeito que seja essa guerra que leva a Grécia a colocar Portugal, seu concorrente, nos pontos de origem de onde não aceita turistas. Marcar a concorrência como lugar perigoso faz parte de um jogo que a descoordenação europeia alimenta.

É nesta altura que todos os cuidados com a imagem também devem contar. E é por isso que a festa com a vinda da fase final da Champions para Portugal é idiota. Já nem falo da duplicidade de critérios com o campeonato nacional, se estas competições tiverem público. Já nem falo da inacreditável declaração do primeiro-ministro, que apresentou isto como um prémio para o pessoal de saúde. Fico por uma abordagem mais fria. Qual a vantagem de um risco reputacional neste momento?

Não acredito que a Champions vá acontecer com público vindo de todo o mundo. Era preciso que, em agosto, tudo estivesse quase resolvido. Não parece que vá ser o caso. Sendo sem público, o que ganhamos com isso? Dizem que ganhamos publicidade, que contribuirá para a recuperação mais rápida do turismo. Mas isso é partir do princípio que as coisas estarão bem em agosto. Não fazemos ideia se assim será.

Se as coisas piorarem, e o que está a acontecer na China não nos permite mesmo saber o que nos espera, a publicidade só pode ser negativa. Se a fase final das competições europeias for desmarcada, teremos um foco na situação portuguesa que seria evitável. Se não for desmarcada, teremos televisões de todo o mundo, sem público como tema de reportagem, a apontar os seus holofotes para cada caso e cada perigo, transformando Lisboa na capital europeia da covid. Mesmo que esteja a correr pior noutras paragens. Vale o risco?»

Daniel Oliveira

“São João, santo malvado/Foste num balão à China/E vieste de lá infetado”

Curto

Pedro Lima

Pedro Lima

Editor-adjunto de Economia

24 JUNHO 2020

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Bom dia,
Os versos que fazem o título deste Expresso Curto foram publicados na página de Facebook “Só quem vive no Porto sabe”, onde foi lançado o desafio de criar versos alusivos ao São João versão Covid-19 e depois simulados cartazes publicitários com alguns deles. Lá encontrará muitos outros versos, alguns mais ‘apimentados’, mas todos com um objetivo bem definido: fazer-nos rir apesar de o coronavírus ter colocado em suspenso as nossas vidas e as nossas tradições, em especial as comemorações dos santos populares – neste caso o São João, mas já antes a 13 de junho o Santo António e em breve, no dia 29, o São Pedro.
Não será só o humor a salvar-nos, mas o humor tem claramente ajudado a tornar menos tristes estes dias de pandemia que se perpetuam desde há mais de três meses, quando o surto iniciado na China chegou em força a Portugal. Todos os dias somos confrontados com uma mesma ‘ladainha’: o número de mortos (ontem foram mais seis em Portugal), o número de infetados (mais 345), o número de doentes recuperados (mais 281) e as consequências económicas dramáticas que aí estão à vista, por todo o mundo. A nível mundial, o novo coronavírus já fez 473.475 vítimas e infetou mais de 9,1 milhões de pessoas. Índia e México apresentam recordes diários de casos. Veja aqui a infografia "Coronavírus no mundo em 12 gráficos".
Foi por isso uma noite de São João anormal porque, para evitar que o vírus se espalhe, não houve festa – leia aqui a reportagem que fizemos no Porto “Não foi à moda do Porto. O silêncio e o vazio da noite mais longa do ano que ‘parece um enterro’”. Assim como anormal será o feriado municipal desta quarta-feira assinalado em muitas cidades e vilas do país de norte a sul – no Porto ou Braga a norte, em Tavira ou Castro Marim a sul, no Porto Santo na Madeira ou em Angra do Heroísmo nos Açores.
A câmara do Porto cancelou todos os festejos – na cidade houve fogo de artifício mas no âmbito do jogo de futebol entre o FC Porto e o Boavista. Outras cidades tomaram medidas para controlar comemorações – ali ao lado, por exemplo, em Matosinhos, as praias foram encerradas das 19h de ontem às 9h de hoje.
Estes cuidados são essenciais para controlar a propagação do vírus e evitar novos focos de contágio como o que se está a verificar na região de Lisboa, que desconfinou mais tarde do que as outras zonas do país e teve agora de confinar novamente.
Os dados divulgados esta terça-feira mostram que a maior parte dos infetados voltou a ter origem em Lisboa e Vale do Tejo (87%), em especial em 19 freguesias, que vão continuar em estado de calamidade. O que justifica medidas especiais para a zona de Lisboa – “beber copos” na rua, por exemplo, passa a ser crime, mas as limitações passam também por encerrar os estabelecimentos comerciais às 20h, à exceção dos restaurantes. Pode conferir aqui o que mudou a partir desta terça-feira na região de Lisboa e Vale do Tejo.
O stresse que está a afetar Lisboa deu entretanto origem a uma desnecessária troca de palavras entre o presidente da câmara de Lisboa, o presidente da câmara de Ovar e o presidente do PSD. O de Ovar sugeriu um cerco sanitário a Lisboa, o de Lisboa respondeu que o de Ovar não sabe do que fala e tinha saudades de ir falar à televisão e o do PSD veio dizer que o de Lisboa esteve muito mal.
Será preciso ajustar o discurso político? O Presidente da República já deu sinais de que se deve explicar melhor a realidade à opinião pública. Confinámos bem e desconfinámos mal? Passámos efetivamente do 8 para o 80? Passaram-se sinais errados à população, transmitindo a ideia de que estava tudo bem? Houve claramente contradições e avanços e recuos no discurso sobre a pandemia, como lhe contamos aqui.
Tendo o turismo a importância que tem e tendo Portugal sido muito elogiado pela forma como lidou com a pandemia, o surto em Lisboa é uma muito má notícia e as consequências estão ao virar da esquina: Portugal pode ser excluído da lista de países considerados seguros pelo Reino Unido. E a Finlândia reabriu as fronteiras a mais 12 países europeus mas deixou Portugal e Espanha de fora.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Rui Rio e a arte da espera

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 23/06/2020)

Daniel Oliveira

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. A inteligência de Rui Rio foi colocar-se numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. Ele sabe que as eleições se perdem, não se ganham.


Logo depois da reunião com António Costa, Rui Rio deixou claro que o Orçamento Suplementar não teria resistência do PSD. Isto, mesmo antes de o conhecer. E cumpriu, juntando-se à abstenção dos partidos mais à esquerda no hemiciclo e afastando-se do resto da direita, que votou contra.

A parte relevante do anúncio quase imediato de Rui Rio não era o que iria acontecer, foi o tom que o líder do PSD tencionava manter durante todo este período. Sempre pontuado com avisos que o protegem. Esse tom foi dado na intervenção que fez no Parlamento, logo no inicio da pandemia. Não quero parecer cínico e afastar o patriotismo do seu comportamento. Mas também não devo ser ingénuo e afastar o taticismo. Quando se faz a História para consumo popular, cheia de heróis e vilões, costuma ficar apenas um destes lados. Mas a política, mesmo a melhor, faz-se de um tempero entre cinismo e princípios.

António Costa esteve, durante a primeira fase da pandemia, em alta. Aprendeu com Pedrógão e esta crise apelou ao que ele tem de melhor: negociar, gerir urgências, tomar decisões de curto e médio prazo. Conseguiu, ao contrário do Presidente da República, manter a calma desde o início. E teve a sorte de estarmos na ponta da Europa, podendo contar com mais informação do que vinha de oriente para ocidente. Juntou-se a isto um Serviço Nacional de Saúde em melhor forma do que a propaganda privatizadora sempre nos vendeu. E uma oposição que percebeu que usar o medo das pessoas era uma jogada perigosa que poderia ter um efeito de boomerang.

Não sabemos se os números da pandemia não derraparão demasiado no desconfinamento. Nem como evoluirá a situação na região de Lisboa e Vale do Tejo. Nem, mesmo que as coisas corram bem, se a perceção de muita gente demasiado assustada se mantém positiva. Nem se não vem aí uma segunda vaga. Como se tem visto pela ansiedade instalada nos últimos dias, tudo é uma incógnita. Mas, até agora, esta crise sanitária reforçou a posição do primeiro-ministro. Se fosse a votos brevemente esmagaria.

Sem me enfiar por agora nas contas dos apoios europeus e nas contrapartidas exigidas, é inevitável que aí venha uma grande crise económica e social. Não digo que a austeridade é inevitável, porque há uma confusão nos termos – austeridade é uma política que aprofunda a crise para manter as contas equilibradas, não são as consequências inevitáveis da própria crise. Mas as dificuldades vão ser muitas. O tempo que se segue será de grande desgaste político.

Ao PS interessaria iniciar um novo ciclo político antes do pico da crise económica e social. Ao PSD, pelo contrário, é fundamental impedir que Costa vá a votos quando está numa posição confortável. Como está nas mãos do PSD haver ou não uma crise política, essa crise não existirá tão cedo. Mesmo que Costa a venha a desejar muito. A inteligência política de Rui Rio, que a direita trauliteira sempre subestimou, foi colocar-se, logo no início desta pandemia, numa posição que lhe permite manter um guião coerente que o deixa em espera, até ao momento mais favorável. E sempre com ganho de respeitabilidade. Nunca será responsabilizado pelo que corra mal, não perderá com o que corra bem. Ele sabe, ao contrário dos miúdos excitados que queriam fazer a Costa o que o PP e a VOX estão a fazer a Sánchez, que as eleições se perdem, não se ganham. Chegará o momento em que Costa as perde. E esse momento não é este nem será tão próximo.

A escola ficou numa redoma

Posted: 22 Jun 2020 03:09 AM PDT

«A todos os que acreditam no discurso fofinho que diz que a experiência de manter os filhos em casa durante quatro meses com aulas através de um computador portátil tem sido enriquecedora, porque confrontou os pais e os docentes com novas exigências, tenho a comunicar o seguinte: acordem desse sonho pateta.

Porque aquilo que encarregados de educação, alunos e professores têm vivenciado desde que a pandemia os afastou do ensino presencial assemelha-se mais a um inferno laranja do que a um céu azul-celeste. Não quero ser tremendista, mas nunca como agora reconhecemos tanta importância aos educadores dos nossos filhos e ao contributo da escola para garantir o equilíbrio emocional dos estudantes e a harmonia das famílias. Bem hajam.

Mas o quadro que se nos apresenta é assustador: termos crianças arredadas, de março a setembro, das rotinas escolares, da aprendizagem, do convívio com colegas e professores, pode ter um efeito devastador sobretudo junto dos mais frágeis, que não beneficiam do fácil acesso às tecnologias, que estão privados de uma boa retaguarda familiar e cujo modesto poder aquisitivo dos pais não lhes permite estar em casa indefinidamente em teletrabalho a ligar e a desligar o "Teams". A isto, acresce o facto de, com o desconfinamento e a reabertura económica, tudo ter avançado menos a escola. Em certo sentido, os alunos ficaram esquecidos numa redoma.

O Ministério da Educação confirmou finalmente que, em setembro, todas as aulas serão presenciais (veremos), mas há ainda um mundo de incertezas até ao fim do verão. O enorme intervalo de tempo sem aulas justificaria que se implementassem medidas mitigadoras, como defende, por exemplo, a Unicef. Uma delas poderia passar por um regresso antecipado, de uma ou duas semanas, que ajudasse não apenas a sarar as feridas do agora, mas fundamentalmente que lançasse bases para o próximo ano letivo, não castigando ainda mais aquilo que se antevê vá ser um arranque de loucos. Sem aulas, sem professores e sem ajuda, houve muitos alunos que ficaram para trás. Nisso, a escola não cumpriu a sua vocação primordial: em vez de criar pontes educativas, ergueu muros de silêncio.»

Pedro Ivo Carvalho

Um passito para trás

Curto

Pedro Cordeiro

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

23 JUNHO 2020

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Bom dia!

Portugal terá sido melhor a confinar do que a desconfinar? Tinham-nos dito que o aligeiramento das medidas restritivas contra a covid-19 podia andar para trás caso a situação pandémica se agravasse. Ora, embora o planalto tenda a manter-se e o número de mortos diários seja baixo há vários dias, o certo é que a região de Lisboa e Vale do Tejo tem representado uma percentagem muito alta dos novos contágios a nível nacional (ontem era de 63%, mas já andou acima dos 90%). E o desconfinamento andou mesmo para trás. As dificuldades, aliás, não passaram despercebidas a títulos da imprensa mundial como “Le Monde” ou o “Politico.eu”.
Vigoram desde a meia-noite medidas de contenção na área metropolitana da capital: prolongamento do estado de calamidade em 15 freguesias, sobretudo nos concelhos de Amadora, Odivelas e Loures (que, com Lisboa e Sintra, somam mais de metade dos novos casos); proibição de ajuntamentos de mais de dez pessoas, com multas até 350 euros (os casos de Lagos e Carcavelos aí estão a mostrar o preço da irresponsabilidade); obrigação de fechar às 20h para lojas e cafés (que não restaurantes); reforço da vigilância e fiscalização pelas forças de segurança, nomeadamente nos centros comerciais. Com os jovens a liderar as contaminações, o fim das aulas (sem que nada se saiba sobre o regresso às mesmas, céus!), será preciso assustá-los?
É fácil intuir que o recuo terá impacto económico. A Associação Portuguesa de Centros Comerciais já afirmou que estes “são um aliado no combate eficaz à propagação do novo coronavírus” e “cumprem todas as regras de segurança sanitária decorrentes da lei, as recomendações da Direção-Geral da Saúde e as melhores práticas promovidas pela indústria a nível global”. Os lojistas estão preocupados e pedem uma “justa repartição de sacrifícios” entre si e os proprietários dos centros comerciais. Já agora, fique a saber que o ritmo de crescimento do desemprego abrandou em maio, embora haja mais 103 mil pessoas sem trabalho do que há um ano. Henrique Raposo alerta para uma inaceitável caça ao infetado no ambiente laboral, que a edição semanal do Expresso abordou. A propósito, lembra o “Público”, a partir de hoje quem perdeu rendimentos pode entregar a declaração respetiva, nomeadamente para evitar cortes de água, luz e gás.
Falar de economia em Portugal é falar de turismo, seja cá dentro ou lá fora. Num momento em que vários governos europeus mantêm fronteiras encerradas a viajantes oriundos do nosso país — decisão que o Presidente da República associa a uma guerra por conquistar turistas —, especialistas contactados pelo Expresso consideram que pode estar em causa um excesso de honestidade (sim, admito que o conceito seja difícil de digerir). O primeiro-ministro não entende e frisa que alguns dos que nos fecham a porta fazem muito menos testes. A oposição, com quem Marcelo Rebelo de Sousa encetou ontem reuniões, pede clareza no discurso político sobre a pandemia. Já em Fátima, onde surgiu um foco de infeção, a palavra de ordem é testar. E para as bandas da Intersindical, o importante é não desmobilizar.
Neste clima de regresso às restrições e fronteiras fechadas, a escolha de Lisboa para a fase final da Liga dos Campeões soa quase contraditória. As altas figuras da nação celebraram o facto numa cerimónia “de estadão” em que o autor destas linhas farejou parolice e durante a qual António Costa festejou um “prémio merecido” aos profissionais de saúde. Que estes heróis da pandemia merecem prémios ninguém duvida. Talvez remuneração e condições de trabalho lhes digam algo mais que a festa da bola. E se a excitação das autoridades passa pelo turismo e por projetar uma imagem de porto seguro, Daniel Oliveira aponta os riscos da publicidade negativa.
Olhando para o mundo mais vasto, há mais de nove milhões de casos de covid-19 no planeta, como mostra o excelente trabalho da equipa de infografia do Expresso. A Organização Mundial de Saúde assinalou um triste recorde de novos casos. O globo vai aprendendo, mais devagar do que o desejável, a viver esta nova realidade, sendo certo que a pressa não favorece o rigor. No Brasil, que passou o milhão de casos e conta mais de 50 mil mortos, a pandemia ameaça culturas de forma irreversível. Na Arábia Saudita o hajj, peregrinação anual de muçulmanos a Meca, vai ser muito diferente e vazio. O Reino Unido quer reabrir a cultura em julho. Espanha tenta perceber o que correu mal na proteção aos lares de terceira idade. E todos continuam à procura de uma vacina, que a Universidade de Oxford não crê ser alcançável antes do outono. Todas as notícias sobre a pandemia estão em permanente atualização aqui.