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quinta-feira, 25 de junho de 2020

Aventura na baía dos leitões

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 23/06/2020)

Um bando de mercenários foi preso há dois meses ao tentar desembarcar nas costas da Venezuela, a coisa parecia um arremedo da saga do coronel Alcazar do Tintin, uma simples graçola, quando um deles veio reclamar direitos legais com papel passado em notário. A curiosidade é mesmo o contrato que os mercenários traziam no bolso.


E agora um assunto completamente diferente: não é sobre a pandemia e os seus números sempre preocupantes, não são as mais cem mil pessoas desempregadas a somar à estatística, não é o fiasco anunciado da gloriosa marcha sobre Lisboa daquela “maioria silenciosa” que está no sótão desde o saudoso 28 de setembro de 1974, é sobre as desventuras de um bando de mercenários na Venezuela.

O detalhe do caso foi reportado, ao que sei, pelo "Washington Post" e, depois, replicado pela imprensa mundial, incluindo a portuguesa. E é curioso: um bando de mercenários foi preso há dois meses ao tentar desembarcar nas costas daquele país, a coisa parecia um arremedo da saga do coronel Alcazar do Tintin, uma simples graçola, quando um deles veio reclamar direitos legais com papel passado em notário. A curiosidade é mesmo o contrato que os mercenários traziam no bolso.

O grupo obedecia ao comando de um empresário norte-americano do ramo, Jordan Goudreau, que veio dar explicações. Segundo a sua versão, a sua empresa, a Silvercorp, foi abordada por representantes de Juan Guaidó, o proclamado presidente interino da Venezuela, reconhecido pela diplomacia dos Estados Unidos e pelos seus aliados, incluindo, com diversos graus de devoção, algumas chancelarias europeias.

Esses embaixadores pagaram-lhe para preparar uma operação militar: 800 soldados, sobretudo desertores do exército venezuelano e milícias de extrema-direita, deveriam ser treinados para uma invasão a curto prazo.

A empresa seria autorizada a usar sem riscos judiciais a força necessária, como o assassinato de dirigentes políticos e a morte dos militares oficialistas que resistissem, receberia um bom prémio de centenas de milhões de dólares e, depois, mais dezasseis milhões por cada mês no período de transição em que os seus serviços de segurança fossem reclamados pelos clientes. Tudo escrito em oito páginas de contrato e 41 de aditamentos, com as indicações detalhadas para a operação.

Goudreau, zangado porque os 800 voluntários não apareceram, ou os poucos que vieram se preocupavam mais com diversão avulsa do que com o garbo militar, escandalizado pelo naufrágio das lanchas dos comandos, que foram recebidos e dizimados pelo inimigo, em vez de serem festejados pela população, e, sobretudo, amofinado com a falta de pagamento, revelou o contrato e lavrou o seu protesto.

A assinatura era do braço direito de Guaidó, que viajou para os Estados Unidos para concretizar o compromisso, assinado em outubro do ano passado, e que não teve como desmentir o mercenário. É tudo verdade. É mesmo estimável que, em tempos tão turbulentos, de gigantescas conspirações e fake news, haja quem tenha o rigor processual de contratualizar por escrito os assassinatos, a invasão militar e o regime posterior, tudo para que as devidas autoridades comerciais possam aferir o cumprimento das cláusulas, a ser necessário. Só que falhou tudo, nem exército, nem dinheiro.

Trump, que, ao que revela Bolton no seu livro hoje publicado, acha que a Venezuela é parte dos EUA, veio no domingo mostrar algum arrependimento sobre a sua aposta em Guaidó. Não é para menos, o homem tem fracassado em todos os seus intentos de tomar o poder: parece que faltam as manifestações; quando tentou levantar os quartéis ficou sozinho a tirar selfies em frente ao portão; e o seu peso institucional depende mais do sequestro da direita histórica venezuelana do que de propostas realizáveis.

Não sei o que dirá o governo português, que procedeu com aquela matreirice de reconhecer Guaidó como presidente mas de manter o embaixador oficial e de, para todos os efeitos, tratar com Maduro de todos os assuntos de Estado. A Espanha já se pôs a milhas desse jogo. E a crise daquele país continua a agravar-se. Pobre Venezuela, tão destruída e tão cobiçada.

Medo, desaforo e temeridade

Posted: 24 Jun 2020 03:50 AM PDT

«O medo vem dos primórdios dos humanos; ele fez os primatas evoluíram e substituírem o instinto pela consciência dos perigos. O medo de algum modo fez o homem. Vem de muito longe, do tempo em que os hominídeos viviam rodeados de inimigos, de outras espécies que para sobreviverem faziam deles alvos. Nasceu connosco e de nós não se separará.

Esta componente do nosso sistema de vida está em alta com a chegada da pandemia, impondo-nos uma conduta distinta da vivida até ao seu aparecimento. É o medo que nos faz ser cautelosos e medir riscos e evitar os mais perigosos. É uma ferramenta que nos permite agir com prudência. Mal utilizado pode ser castrador.

O medo nomeadamente da Inquisição, do senhor feudal, do polícia, das ditaduras são elementos que integram o nosso passado. Portugal viveu muitos medos que se entranharam na mentalidade do país.

O medo da pandemia atirou os portugueses para dentro de casa, confinou-os, antes até da própria decisão governamental. É o medo positivo. O medo sacana é o que faz os cidadãos açambarcarem produtos que fazem falta à comunidade. É o oportunismo egoísta que Saramago tão bem descreveu no Ensaio sobre a Cegueira.

O medo do coronavírus foi o chicote que meteu o rebanho em casa. A terrível carantonha do inimigo invisível confinou-nos.

Os medos infantis quase nos paralisavam, mas passámo-los. Cinquenta anos vivemos sob o manto negro do medo que nos fazia suspeitar de todos. Os portugueses viverem muito tempo sob o medo. Está ainda no seu ADN. Claro que houve mulheres e homens a quem o medo não ditou as suas leis e enfrentaram a ditadura. Foram eles que aceleraram a História e encurtaram o período das trevas salazarentas.

Os médicos, os enfermeiros e todos os operacionais de saúde são os bravos que nos defendem, mesmo correndo sérios riscos. O medo impõe-lhes prudência, mas não os tolhe.

Como teria de ser, chegou a hora o desconfinamento e de respirar fora das quatro paredes caseiras e de regressar em parte à vida que o vírus nos roubou.

Entretanto uma mistura explosiva varre o país, um pouco por todo o lado: a desgraça de quem vive e trabalha em condições miseráveis, o empacotamento dos velhos sob o olhar ausente das autoridades, a insanidade de quem organiza festas e engana autoridades, as próprias condições de quem trabalha na saúde e os que do alto do esplendor da idade viram costas aos deveres de proteção da comunidade.

Que o vírus contagie os que não lhe podiam fugir dadas as condições compreende-se, embora doa. Que os idosos gerem rendimentos chorudos aos donos das prateleiras de empacotamento resulta da irresponsabilidade governamental que aparece depois das desgraças a dizer que vai fazer um inquérito e apurar responsabilidades que desaparecem no passar dos dias e com a ausência mediática do assunto.

E que dizer da pompa e circunstância da dupla Marcelo/Costa a anunciarem que vem aí a final da Champions… e a dedicou aos trabalhadores da saúde. Esta lengalenga cheira a ranço, tem um lastro de propaganda à maneira do antigo regime. É algo abominável. Só faltou o cardeal. Ter-se-ão esquecido?

De tanto elogiarem o comportamento dos portugueses enveredaram pelo nacional-porreirismo. Em vez de assumirem condutas responsabilizantes e responsáveis andam a apagar fogos de festa em festa, de lar em lar, de bairro degradado em bairro degradado.

É preciso coragem, mais coragem do que contas sobre votos. Vivemos uma pandemia. O Portugal desconfinado à espera da final da Champions, do turismo que acende e apaga, que mantém na pobreza mais de um quarto da população que não tem condições para cumprir com as regras da DGS, que consome carradas de ansiolíticos e notícias dos luxos da Cristina Ferreira mete medo. Medo.»

Domingos Lopes

As linhas com que nos cosemos

Curto

Cristina Figueiredo

Cristina Figueiredo

Editora de Política da SIC

25 JUNHO 2020

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Esta tarde vamos ficar a saber as linhas com que nos cosemos neste dia que devia ser o fim do estado de calamidade mas se calhar não, pelo menos para alguns concelhos (no limite, para algumas freguesias) da região de Lisboa, onde os casos de infeção por Covid 19 não param de surgir. O Conselho de Ministros reúne-se a partir desta hora para aprovar o que todos já percebemos desde segunda-feira ser um inevitável passo atrás no desconfinamento: regras específicas (bem como uma moldura penal, com uma tabela de coimas que podem chegar aos milhares de euros para o crime de desobediência) para travar os surtos nesta zona do país. O Público avança que está em cima da mesa a possibilidade de se voltar ao confinamento obrigatório nas 19 freguesias identificadas como o cerne do problema.
As informações sobre o que se passou ontem, na reunião da elite política com os técnicos e especialistas de saúde, não são tranquilizadoras. Se o primeiro-ministro procurou confirmar que o aumento de casos em Lisboa e Vale do Tejo se deve ao aumento de testes, os epidemiologistas contrapuseram que isso não explica toda a realidade e que existe um problema real, como real é a hipótese de uma segunda onda de contágios. Da reunião saiu também a certeza do que já suspeitávamos: começou a luta política a propósito da pandemia, como o Expresso lhe explica aqui.
Ainda sobre a situação em Lisboa vale a pena ouvir o que disse ontem, no Jornal da Noite da SIC, Fernando Maltez: "Um maior número de testes só encontra mais casos se eles existirem" diz o diretor do serviço de Infecciologia do Hospital Curry Cabral. Parece óbvio, não é?
Outro médico, este a norte, confessa estar exausto, não só da intensidade do trabalho mas da inabilidade política. A conversa da Christiana Martins com Robert Roncon, "médico que viu provavelmente mais doentes com covid-19 e os casos mais graves desta infeção em Portugal" pode ser lida aqui.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

Entrevista ao presidente do Eurogrupo, Mário Centeno

Os líderes da União Europeia estão reunidos para debater o orçamento a longo prazo que será gerido pela Comissão Europeia. Esse orçamento inclui o fundo de recuperação para fazer face à recessão criada pela pandemia de covid-19. Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, falou à Euronews sobre os desafios que os 19 países da zona euro têm pela frente, numa era pós-pandémica, e como os respetivos ministros das Finanças vão tentar ultrapassar a crise.

Isabel Marques da Silva, Euronews: O senhor demitiu-se do cargo de Ministro das Finanças de Portugal há alguns dias e não se vai candidatar a um segundo mandato como presidente do Eurogrupo, que será eleito no início de Julho. Porque é que não quis manter um papel no combate a esta crise criada pela pandemia?

Mário Centeno, presidente do Eurogrupo: Não é por nenhuma razão política específica. Para mim, como presidente do Eurogrupo, é apenas o fim de um ciclo, tal como o é enquanto ministro das Finanças de Portugal. Penso que conseguimos muito durante os últimos dois anos e meio. ¨[O que] pudemos mostrar em abril deste ano prova que o grupo está bem e muito concentrado no combate à crise. E, por isso, foi uma coisa natural.

I.M.S.: Mas não se deve também ao facto de a reforma da zona euro não estar a avançar muito, de faltar algum poder ao Eurogrupo para produzir resultados mais concretos?

M.C.: Conseguimos muito com a Grécia, com a reforma do Tratado sobre o Mecanismo de Estabilidade Europeu (MES). Aprovámos também, em outubro passado, o embrião do orçamento da zona euro que constitui agora a base para o mecanismo de resiliência e recuperação proposto pela Comissão Europeia. Penso que provámos efetivamente que o Eurogrupo é muito importante para a Europa e estou muito satisfeito com os resultados que alcançámos.

Os mercados estão a reagir muito, muito bem a todas as decisões que os países e a União Europeia estão a tomar. Há muita liquidez, não há dificuldades no acesso ao mercado

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: O Eurogrupo aprovou três instrumentos de empréstimo, no valor de 540 mil milhões de euros, para fazer face ao impacto da covid-19, mas as medidas não suscitaram grande entusiasmo. Há Estados-membros a recorrer a estes instrumentos?

M.C.: Existe um mecanismo de apoio para as empresas, com o Banco Europeu de Investimento, quase a ser implementado. E tenho quase a certeza de que os 200 mil milhões de euros de garantias do Banco Europeu de Investimento serão plenamente utilizados. Existe um para os trabalhadores, o SURE e, os países já informaram a Comissão (Europeia) da sua intenção de utilizar estes empréstimos para financiar programas de apoio ao emprego. E depois a terceira, que é o Mecanismo de Estabilidade Europeu. Mais um apoio às (dívidas). O que temos de avaliar, nesta fase, é que os mercados estão a reagir muito, muito bem a todas as decisões que os países e a União Europeia estão a tomar. Há muita liquidez, não há dificuldades no acesso ao mercado.

A Europa está de volta com base num verdadeiro plano europeu

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: Mas o Banco Central Europeu aumentou o programa de compra de dívida pública em 600 mil milhões de euros. Está confiante de que os mercados não esperam a turbulência que vem desta parte do globo?

M.C.: A resposta do Banco Central Europeu (BCE) faz parte da nossa resposta coletiva. Desde o início da crise, os programas do BCE totalizam quase 1,5 biliões de euros. É uma resposta muito forte e que é muito necessária para evitar a fragmentação. É por isso que tenho dito a todos que a Europa está de volta e que a Europa está de volta com base num verdadeiro plano europeu.

I.M.S.: Relativamente ao plano de recuperação apresentado pela Comissão Europeia, o senhor afirmou, e passo a citar, "deveria haver um enfoque na qualidade das despesas". Mas há um debate acalorado sobre o equilíbrio entre subvenções e empréstimos. No final, o que será possível fazer em termos de convencer os Estados-membros, os famosos frugais e os mais expansionistas?

M.C.: A negociação vai ser dura. Isso é certo. Mas existe uma possível base comum para que a negociação possa ocorrer. Vai ser uma mistura de empréstimos e subvenções, com certeza. Esta é, de qualquer modo, a proposta da Comissão. Mas temos de nos concentrar em duas coisas. Primeiro, existem contigências. Não se trata de financiar despesas passadas, transferências correntes permanentes. O objetivo é financiar uma mudança estrutural na Europa relacionada com a economia verde e o digital. Isto é muito importante e temos de nos manter concentrados nisso. E a segunda ideia é que não existe uma troika como contingência. Por isso, somos mais fortes, porque somos flexíveis e unidos.

Temos agora uma possibilidade histórica de emissão temporária de dívida comum pela Comissão Europeia

Mário Centeno

Presidente do Eurogrupo

I.M.S.: Estamos no ponto de partida, mas como garantir que, dentro de um ou dois anos, os países vão manter-se nessas condições nos seus programas nacionais, quando as condições políticas podem mesmo mudar? Haverá eleições...

M.C.: Estou sempre a repetir, para que as pessoas se lembrem que tivemos as posições fiscais mais coordenadas de sempre em toda a Europa no momento pré-covid. Por conseguinte, os compromissos estavam a ser aplicados. Eles estavam a ser seguidos. A redução dos riscos foi uma realidade durante os nossos já mais de cinco anos. A coordenação destes planos de relançamento é da competência da Comissão Europeia, mas também estou bastante confiante de que o Eurogrupo continuará a desempenhar um papel muito importante na coordenação das políticas económicas na zona euro.

I.M.S.:Pensa que em breve, dentro de alguns anos, os Estados-membros vão aceitar ter impostos europeus comuns para pagar a dívida comum.

M.C.: Temos agora uma possibilidade histórica de emissão temporária de dívida comum pela Comissão Europeia, que será, evidentemente, paga na totalidade num prazo mais longo a ser definido, talvez em 20 ou 30 anos. Faz todo o sentido, de um ponto de vista económico e político, fazer corresponder estas emissões de dívida a recursos próprios. Por conseguinte, temos de trabalhar em conjunto para encontrar estas novas fontes de receitas para a União no seu conjunto. E há uma ideia muito interessante, que é a de ligar estes recursos aos pilares do processo de recuperação, ou seja, à digitalização e à economia verde. Portanto, se ligarmos essas duas partes da nossa história, é muito mais fácil torná-la compreensível para os cidadãos europeus.

Covid-19: Países europeus recuam no desconfinamento com aparecimeno de novos casos

De  euronews  •  Últimas notícias: 23/06/2020 - 09:24

Covid-19: Países europeus recuam no desconfinamento com aparecimeno de novos casos

Direitos de autor INA FASSBENDER/AFP or licensors

Vários países europeus registam um aumento do número de novos casos de covid-19, o que está a fazer com que muitos governos recuem nas medidas de desconfinamento.

Em Espanha, o governo abriu as fronteiras e, no dia seguinte, foi obrigado a colocar vários distritos da região de Aragão em cerca sanitária devido a novos surtos, ligados a uma empresa de produção agrícola.

Na Alemanha, um foco de infeção numa fábrica de produção de carne levou a que o governo aplicasse novas medidas para combater a doença, uma delas, cerca sanitária onde vários dos trabalhadores dessa empresa vivem.

Também no País de Gales a hipótese de 'dar um passo atrás' no desconfinamento está em cima da mesa depois de 175 trabalhadores de uma empresa terem testado positivo para coronavírus; hipótese que já foi adotada por Portugal, que, nos últimos dias viu surgir um aumento de novos casos de infeção, muitos deles ligados a festas privadas ilegais.

O primeiro-ministro português recuou no desconfinanento em vários concelhos, um deles, Lisboa. Quem não cumprir arrisca ser punido até um ano de prisão.