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domingo, 19 de julho de 2020

Os três macacos sábios

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 18/07/2020)

Se há defeito de carácter que infelizmente se repete em Portugal, vez após vez, sem culpa nem remorso, é a adulação dos poderosos seguida pelo seu escárnio público quando deixam de ser poderosos. Todos os que tinham a cerviz bem dobrada, a boca bem calada, a vénia pronta, o tom untuoso, a mão estendida para o pequeno ou grande favor, o silêncio oportunista, correm para a imensa fila, de pedras na mão, para abjurar o anterior senhor. Já vi isto muitas vezes. Já escrevi isto muitas vezes. Suspeito de que não será a última.

Um caso exemplar foi Sócrates, em que se contava pelos dedos de uma mão aqueles que percebiam bem de mais o que ele estava a fazer e a multidão de sicofantas e aproveitadores que lhe servia de barreira contra tudo aquilo que o podia afectar. Alguns desses foram depois profissionais do atirar da pedra, muitos na política, a começar pelo PSD, e muitos na comunicação social. Mas o vento virou e foram logo para a fila do arremesso. O remake actual desta conduta cívica exemplar passa-se hoje com Ricardo Salgado e o BES, só que com a gravidade de esquecimentos e fugas à responsabilidade que nos custaram milhares de milhões de euros e, diferentemente do caso Sócrates, este passa-se na alta finança e não na baixa política.

Comecemos pelo primeiro esquecimento. Salgado e a família Espírito Santo começaram por ser um dos heróis do anti-PREC. Lembram-se, os grandes empreendedores que, espoliados dos seus bens pelas nacionalizações gonçalvistas, tiveram que fugir para a o Brasil, de onde regressaram por cima, heróis do capital, com a capacidade de reconstruir o que o PREC lhes tinha tirado? O O Independente, adorado pelos nossos jornalistas como modelo, desenvolveu pela pena de Paulo Portas a tese de que havia dois “dinheiros” em Portugal: o “velho dinheiro”, com pergaminhos e pedigree, e o “novo dinheiro”, dos novos-ricos que tinham ganho dinheiro de forma obscura e pelas ligações ao PSD e ao PS, a canalha sem modos. O O Independente considerava intocável o “velho dinheiro” (com o enorme preconceito pequeno-burguês de Portas, que não tinha nascido na nobreza nem na família certa), gente que sabia comer à mesa e vestia nos melhores alfaiates de Londres, e os da “meia branca”, que não se sabiam comportar, eram provincianos e toscos.

Esta apreciação só começou a mudar muito mais tarde, quando o longo período de governação do PS mostrou as cumplicidades de Salgado com o poder socialista. Esta também foi uma das razões por que Passos Coelho lhe disse que não, esquecendo-se as pessoas que, depois disso, o BES pôde ir de novo ao mercado, com uma emissão validada pelo Presidente, pelo regulador, pelo governador do Banco de Portugal e por alguns comentadores… Isto da cronologia é uma maçada.

O segundo esquecimento é pior do que um esquecimento, é uma cumplicidade. As pessoas comuns não fazem a ideia da enorme quantidade de informação que o círculo de confiança da elite portuguesa – quem, na verdade, manda no país – obtém quase como respira. Circulando de conselhos de administração para lugares políticos, de escritórios de advocacia de negócios para consultoras financeiras, ou pura e simplesmente falando com os seus pares dentro desse círculo de confiança, tudo o que é relevante lhes chega aos ouvidos. Numa rede politicamente transversal, em que, para além da informação privilegiada, o poder de veto de pessoas é o mais importante para manter intacto o poder, essas pessoas não podem alegar que “não sabiam”. E, se tivermos em conta a endogamia de meios pequenos como é o caso de Portugal, as elites bancárias que circulam em meios semelhantes e/ou muito próximos, que vão das ilhas Virgens ao Panamá, aos offshores, aos bancos suíços e ingleses, aos negócios portugueses, nem que fosse por razões de competição, não podiam desconhecer as manobras do BES.

É por isso que, pura e simplesmente, não acredito – não por fé, mas por razão – que o BES e Salgado pudessem fazer tudo de que são acusados sem que tal fosse, pelo menos em traços largos, conhecido, a começar pelos seus pares na banca e, por maioria de razão, do Banco de Portugal. E, das duas, uma: ou esse tipo de práticas era mais comum do que hoje se faz crer singularizando o BES, ou uma conspiração corporativa de silêncio permitiu a continuada violação da lei pelo BES, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Ou Salgado e o BES mantinham as protecções dadas ou compradas e ainda não tinham caído politicamente.

O festival de hipocrisia a que hoje se assiste, publicitado por muitos jornalistas económicos (salvo raras excepções) que estiveram também debaixo da asa do BES, não é apenas deprimente, mas é também perigoso. É a melhor garantia de que tudo se pode repetir, com outros protagonistas e outros métodos, mas com o mesmo mecanismo de ganância e silêncio. Até porque há um aspecto que não tenho espaço para referir aqui e fica para outra altura: não se cai na justiça antes de se cair politicamente.

Bom, os macaquinhos japoneses, esses nunca vão ficar desempregados.

Não era mesmo para funcionar

Posted: 18 Jul 2020 03:48 AM PDT

«Com mais de um mês de atraso, está agora anunciado que a app portuguesa de rastreio de contactos com doentes covid será lançada em finais de julho. A Comissão Nacional de Proteção de Dados, não se opondo, apresentou no entanto duas limitações preocupantes: a adoção do sistema da Apple-Google “subtrai uma parte substantiva da operacionalização da aplicação ao controlo dos seus criadores” e, em segundo lugar, há dúvidas sobre se o mecanismo permite a localização dos telemóveis (os criadores prometiam que isso seria informação privada). Mesmo admitindo que a segunda seja acautelada, o panorama das aplicações com que se compara o engenho nacional é devastador. Os sistemas estão a falhar em todo o lado.

Em França, dois milhões de pessoas descarregaram a app em poucos dias. Só houve 14 casos de contacto registados, havendo 170 mil infetados. Na Áustria, um quarto da população descarregou a app; só num em cada quatro casos de contacto com alguém infetado é que o sistema o assinalou. No estado de Vitória, na Austrália, que agora voltou ao confinamento dada a reincidência de casos, os contactos registados foram zero. Na Norue¬a, uma em cada cinco pessoas descarregou a app; em junho, o sistema foi abandonado depois de se terem constatado violações de privacidade. Na Índia, 77 milhões de pessoas usam a aplicação, mas o governo teve que garantir que ia corrigir erros que permitiam o controlo da localização. No Reino Unido, o sistema fracassou e o governo anulou a app. Ou seja, isto não serve.

Repara no que há de comum: em nenhum destes países a cobertura se aproxima sequer remotamente dos 60% necessários para ser estatisticamente eficaz. Como assinala um professor de estatística de Cambridge, se 1% da população tem covid e estiver toda testada e 1% da população descarregar a app, a possibilidade de se cruzarem é uma em dez mil (se a distribuição de umas e outras pessoas for aleatória), muito menor do que a taxa efetiva da doença entre a população. É por isso que é preciso que haja uma taxa muito elevada de participação, o que não se alcança. E, se se alcançasse, ainda era preciso que não se empilhassem problemas que desautorizam o sistema, que não funciona nuns casos ou funciona erradamente noutros. Por isso, percebo que alguns respeitados profissionais de saúde cuidem de todas as hipóteses de controlar a difusão da doença, mas com a app de rastreio estão a perder tempo correndo atrás de uma quimera.»

Francisco Louçã

sábado, 18 de julho de 2020

Costa: "Não podemos perder mais tempo face à urgência"

De  Isabel Marques da Silva  •  Últimas notícias: 17/07/2020 - 18:48

Costa: "Não podemos perder mais tempo face à urgência"

Direitos de autor AP

Portugal poderá receber cerca de 48 mil milhões de euros em subvenções a fundo perdido até 2027, quase metade do valor que o país recebeu da União Europeia desde que se juntou ao bloco, em 1986.

A este montante proveniente do orçamento da União Europeia para os próximos sete anos e do novo fundo de recuperação, para três anos, poderá ainda ainda juntar-se dinheiro por via de empréstimos.

A chegada a Bruxelas, sexta-feira, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, disse que está satisfeito com o resultado das negociações bilaterais dos últimos dias, mas que, sobretudo, é preciso não perder tempo.

"Nós temos uma excelente proposta da Comissão. O presidente do Conselho fez um grande trabalho para acomodar as diferentes críticas dos diferentes Estados-membros. Agora, cabe ao Conselho não adiar, não perder tempo, e tomar as decisões que rapidamente são necessárias para responder àquilo que é a urgência para a economia, para o emprego, para a recuperação económica da Europa", disse Costa.

Mesmo que as verbas possam diminuir um pouco, o problema para Portugal poderá ser as condições de acesso ao dinheiro, mas António Costa espera que o sentido de urgência leve ao consenso.

Afinal, as estimativas para a recessão são dramáticas e no caso de Portugal estima-se que a queda do PIB, este ano, seja de 9,8%.

Cimeira da UE sobre orçamento é longa maratona negocial

De  Isabel Marques da Silva com Lusa  •  Últimas notícias: 17/07/2020 - 22:18

Bruxelas acolhe a primeira cimeira de chefes de Estado e de governo desde o confinamento

Bruxelas acolhe a primeira cimeira de chefes de Estado e de governo desde o confinamento   -   Direitos de autor Francois Lenoir/Associated Press

Todos com máscaras e alguns a cumprimentarem-se com cotovelos, mas os líderes da União Europeia reunidos em Bruxelas mantêm a tradição das maratonas de negociação, sobretudo quando a cimeira é para a aprovar o orçamento de longo prazo.

Ao fim da primeira fase de oito horasm, na sexta-feira, foi feita uma pausa antes do jantar para os lideres se reunirem em pequenos grupos consoantes as suas alianças de interesses.

O presidente do Conselho Europeu. Cahrles Michel, tenta obter um compromisso sobre um orçamento plurianual até 2027 de cerca de um bilião de euros, a que se junta um fundo de recuperação de 750 mil milhões de euros.

Mas o valor final, a forma de distribuir o dinheiro via empréstimos ou subvenções, e as reformas a fazer são um quebra-cabeças.

Um dos grupos mais poderosos é o denominado frugal, que reune Países Baixos, Dinamarca, Suécia e Áustria. Este grupo quer reduzir a verba total e exigem claras garantias sobre como o dinheiro será gasto.

A possibilidade de congelar fundos a quem desrespeite o Estado de Direito está a ser combatida por um grupo liderado pelo líder da Hungria. Mas o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, apela a uma postura mais solidária.

"O que está em jogo são os princípios da unidade e da solidariedade na União Europeia. Não devemos perder e vista o intersse geral. O interesse geral é enfrentar a maior recessão económica desde a Segunda Guerra Mundial. Talvez seja necessário fazer alguns compromissos, mas devemos assegurar-nos de que teremos uma solução ambiciosa, porque nossos cidadãos não esperam menos do que isso da nossa parte", disse Kyriakos Mitsotakis.

Coragem política

O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, admitiu que a cimeira dedicada à resposta económica para os efeitos da pandemia de Covid-19 significará uma "negociação muito difícil", apelando à "coragem política" para chegar a acordo, em declarações prestadas na chegada ao Conselho Europeu extraordinário, o primeiro presencial em Bruxelas desde março.

"Não se trata apenas do dinheiro, trata-te também dos cidadãos, do futuro europeu e da nossa unidade e capacidade de resistir e, mesmo que seja difícil, estou convencido de que com coragem política será possível chegar a um acordo", apelou Michel.

Mas o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, considera que há condições de o fazer com base nas mais recentes propostas. "Nós temos uma excelente proposta da Comissão Europeia. O presidente do Conselho Europeu fez um grande trabalho para acomodar as diferentes críticas dos diferentes Estados-membros", declarou António Costa à chegada para a reunião.

Por seu lado, o presidente da França, Emmanuel Macron, sublinhou: "Chegou o momento de verdade em termos de ambição na Europa. Estamos a meio de uma crise sem precedentes, uma crise de saúde, mas também uma crise económica e social que exige muito mais solidariedade e ambição".

O chefe de governo italiano, Giuseppe Conte, teve um discurso semelhante: "Gostaria de esclarecer que não se trata apenas de escalões e objetivos financeiros. Estamos a elaborar uma resposta económica e social no interesse de todos os cidadãos europeus, no interesse dos valores que partilhamos e para tornar a Europa mais resiliente na cena global ".

Volume da verba e como distribuí-la

Parece haver acordo entre todos os 27 países quanto à necessidade de uma resposta urgente à crise, mas as posições quanto às modalidades dessa resposta estão afastadas e, admitem vários dirigentes europeus, o consenso exigido está longe de adquirido e esta pode não ser a cimeira que aprova o orçamento.

O primeiro-ministro dos Países Baixos, Mark Rutte, que lidera o grupo que quer cortes, exige reformas: "Se os países do sul estão a precisar de ajuda de outros países para lidar com a crise, o que comprendo porque têm pequena margem orçamental para lidar com a situação, penso que é razoável pedirmos um compromisso claro de reformas".

No exterior do edificio Europa, algunas organizações não-governamentais protagonizaram um miniprotesto, para defender a utilização dinheiro num modelo económico mais sustentável a nível ecológico, cortando subsídios às indústrias poluentes.

O holandês da discórdia

Posted: 17 Jul 2020 03:22 AM PDT

«A Europa que hoje e amanhã vai tentar decidir como e em que condições se entreajuda financeiramente é a mesma que não conseguiu estabelecer uma política comum para a reabertura das fronteiras, onde cada país fez o que lhe apeteceu, causando a confusão e o caos entre os viajantes.

E a mesma que respondeu em silêncio ao pedido de socorro italiano quando o número de infetados pelo coronavírus triplicava a cada 48 horas.

No final da cimeira de Bruxelas, ficaremos a saber se os líderes políticos estão à altura dos desafios que enfrentam e se ainda podemos falar do tal projeto europeu. Sendo certo que, se nem os próprios estados-membros conseguem amparar-se nas alturas mais difíceis, não se vislumbram tempos fáceis para uma Europa que anda há demasiado tempo em velocidades diferentes, disfarçando a desunião e o egoísmo que as crises internas de cada país ditaram.

Importa recordar que o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, não é só o principal rosto da oposição à proposta do plano de recuperação, que prevê 250 mil milhões de euros de empréstimos e 500 mil milhões em ajudas diretas. É também o líder de um paraíso fiscal dentro da UE que fica com milhões de euros por ano em impostos que deveriam ser pagos noutros países, incluindo Portugal. Que já nos habituou às suas declarações polémicas sobre os países do Sul da Europa e cujo Governo sugeriu uma investigação a Espanha por não ter margem orçamental para enfrentar a pandemia. E que depois de ter reunido com o presidente francês, a chanceler alemã e os primeiros-ministros italiano, espanhol e português, disse que, se não houver acordo, não será o fim do Mundo. Todos nos lembramos do argumento do então presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças holandês de que os europeus do Sul gastam todo o dinheiro em copos e mulheres e depois pedem ajuda. Jeroen Dijsselbloem não se vai sentar no Conselho Europeu. E isso é bom. Mas não está mal representado. E isso é mau.»

Manuel Molinos