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quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Stay Away

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso, 15/10/2020)

Daniel Oliveira

Na entrevista que deu ao "Público", o epidemiologista sueco Johan Giesecke deixou alguns avisos interessantes. Não vou escrever sobre a “via sueca”. Como o próprio diz, saberemos no fim se com a sua estratégia terão números semelhantes aos nossos, sempre com o cuidado de não tentar fazer transposições para realidades económicas, sociais, institucionais e culturais muito diferentes.

Interessa-me o que Giesecke disse sobre a coerência do discurso e das medidas das autoridades suecas: “As restrições e recomendações foram instituídas em Março e não foram muito alteradas. Isso é importante para a forma como o público vê as recomendações e restrições. (...) Vários países impuseram o confinamento, depois abriram o confinamento e a seguir instalaram outra vez o confinamento. Isso confunde as pessoas.” Não há nada mais desgastante do que o confinamento intermitente e espero que nunca cheguemos a esse desnorte que alguns médicos, incapazes de compreender a gestão da psicologia coletiva, já propõem.

Sem ter voltado a confinar, a coisa mais evidente no discurso público tem sido o ziguezague. Inicialmente compreensível (seguimos todos esse estado de espírito), pela ignorância geral. Agora, é inaceitável. Só que a emotividade geral, que salta da euforia para a depressão, marca a nossa forma de estar no espaço público. Como canta Sérgio Godinho, vivemos “entre o granizo e a combustão”. E há, acima de tudo, pouca confiança nas instituições. E as instituições são, elas próprias, fracas. São fracas porque não confiamos nelas, não confiamos nelas porque são fracas. Tanto dá. Esta falta de confiança faz com que sejam elas a acompanhar os humores dos cidadãos. Não sei se a forma de estar dos escandinavos será excessivamente obediente, mas alguém imagina Portugal a aguentar o número de mortes que teve a Suécia e, mesmo assim, confiar no caminho que está a ser seguido? Nem durante uma semana.

A comunicação social contribui para esta impossibilidade. É absurda a rapidez com que se chega ao cume da histeria, com telejornais a anunciaram o caos com 135 pessoas internadas em UCI, em todo o país. Também não ajuda a overdose de covid. Mais uma vez, cito Johan Giesecke sobre os anúncios diários de número de infetados: “É demasiado aberto ao acaso. Os números sobem num dia e pensamos que fizemos algo de errado; noutro descem, também por acaso, e pensamos o contrário. Por isso, fazem-se associações aleatórias na narrativa. Seria melhor termos números uma vez por semana.”

Giesecke tem razão quando defende uma constância nas medidas de prevenção, que não salte do “vão todos para a praia” para o “vamos repensar o Natal”. Que mantenha medidas mínimas e praticáveis, suportáveis pela comunidade durante muito tempo, em vez das exigências irem acompanhando os estados de pânico ou de otimismo da opinião pública. Mas para isso ser praticável era preciso que não sujeitássemos as pessoas a um massacre psicológico diário a que qualquer comunidade acaba por sucumbir e que as pessoas confiassem nas instituições. Ainda assim, podemos tentar. Pedir o possível, mudar pouco, cumprir o pouco possível que é pedido. E baixar os índices de ansiedade.

É no contexto desta fraqueza das nossas instituições, da dificuldade em preparar o SNS e as escolas para a segunda vaga e de um ziguezague entre a dramatização e a desdramatização que surgem as propostas de ontem, com o regresso ao estado de calamidade. Elas seguem o tal movimento incoerente criticado por Giesecke. Era inevitável que o discurso da responsabilidade individual, que corresponde ao discurso da desresponsabilização do Estado, acabasse com o Estado a fazer o que lhe resta: controlar a responsabilidade de cada um.

Para mostrar serviço, chegássemos aos limites do exibicionismo desnorteado. As máscaras obrigatórias na rua, de necessidade discutível, até se tornaram secundárias perante a obrigatoriedade de uso da “Stayaway Covid”. Talvez tenha sido essa a sua função.

Nenhum governo democrático pode tornar obrigatória a instalação de uma aplicação nos telemóveis de cidadãos, mesmo que seja em contexto laboral ou escolar, como foi anunciado que se vai propor na próxima quarta-feira. O facto da imposição ser impraticável na sua aplicação e fiscalização, não a torna menos grave. Torna-a apenas mais estúpida. Cria ruído sobre as medidas essenciais, banaliza a lei e viola princípios democráticos sem sequer conseguir mais eficácia por isso.

Mostrar-me-ão muitos números, fazendo por falar mais dos infetados do que dos óbitos. E eu responderei que morreram três mil pessoas nas Torres Gémeas e morrem muitos milhares de pessoas em todo o mundo às mãos de criminosos. E eu não deixo de combater os Bush e os Bolsonaros que por aí andam. Nem uma coisa nem outra me fazem abandonar valores democráticos fundamentais em nome da eficácia.

Na sociedade livre onde eu quero viver, ninguém pode ser obrigado a instalar localizadores nos seus telemóveis. E não venham falar das apps que as pessoas voluntariamente instalam. Porque, lá está, é voluntário. Há limites para o show-off para conter danos políticos que qualquer governo sofre com esta pandemia. Esses limites são as portas que abrimos e que, diz-nos a História, nunca mais se fecham.

Um heterónimo conveniente chamado Fundo de Resolução

Posted: 14 Oct 2020 04:08 AM PDT

«Quando foi preciso salvar a banca, o governo de Passos Coelho criou, em 2012, um heterónimo do Estado: o Fundo de Resolução. Podia ser para a banca tratar de si, pondo de lado qualquer coisa caso qualquer coisa corresse mal. Mas acabou por ser, como era inevitável que fosse, um fundo público onde a participação dos bancos é marginal.

O heterónimo serve agora para fazer propaganda. O Bloco de Esquerda e o PCP não querem viabilizar o Orçamento do Estado se ele previr mais um cêntimo que seja para o Novo Banco. Compreende-se: para estes partidos, é suicida estarem associados a este assalto recorrente ao Estado relacionado com uma resolução e uma venda a que se opuseram desde o início. Ainda mais quando temos os dados que nos permitem suspeitar que os contribuintes estão a financiar um banquete para a Lone Star, que voltará a deixar-nos, depois, com o menino nos braços.

Como resolve o Governo este problema e tenta satisfazer as reivindicações dos partidos à esquerda? É verdade que não transfere nada para o Fundo de Resolução. Deixa que seja ele a pedir emprestado aos bancos. Vou repetir como comecei: o Fundo de Resolução é público e as suas receitas são esmagadoramente garantidas pelo Estado. A divisão é meramente artificial.

Se os bancos não aumentarem as suas contribuições para o Fundo, e não se prevê que o façam, e lhe emprestarem dinheiro para ele meter no Novo Banco, alguém terá de vir a cobrir essa dívida. Será o Estado, como fez até agora. Este truque de propaganda, que faz o Fundo endividar-se junto da banca para não ser o Governo a transferir o que no fim terá de pagar, até pode, no limite, sair mais caro. Porque os juros que a banca praticará serão sempre mais altos do que os da dívida pública.

Solução? Uma auditoria para saber se a Lone Star nos está a roubar. Porque nenhum contrato pode obrigar um Estado a ser enganado. Até lá, nem mais um euro para o Novo Banco. Ao exigir isto, nenhum partido está a mudar as linhas vermelhas que se estabeleceram, como diz o PS ao recordar que quem lhe pode viabilizar o Orçamento do Estado só exigiu que de lá não saísse dinheiro para o Fundo de Resolução. Trata-se de não aceitar que a propaganda das aparências, que permite a quem aprova o Orçamento ficar fora da fotografia do Novo Banco, substitua a substância do problema.»

Daniel Oliveira

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Uma questão de confiança

Posted: 13 Oct 2020 03:29 AM PDT

«Nas próximas duas semanas assistiremos à negociação fora da negociação para a aprovação do Orçamento do Estado. O Governo soprou cedências extraordinárias que foi fazendo, o BE já soprou exigências a que o Governo não cedeu. O PAN, embrulhado na sua crise interna precoce, não teve a possibilidade de se defender, mas posso eu fazê-lo: o Governo não cumpriu praticamente nada daquilo a que se comprometeu com os animalistas, no orçamento do ano passado. Como António Costa tem uma boa relação pessoal com Jerónimo de Sousa, dispensa o PCP deste jogo. E o facto das negociações para um Orçamento dependerem tanto das relações pessoais do primeiro-ministro é já um mau sinal.

Que jogo é este, afinal? É o jogo da perceção pública. Interessa a António Costa passar a ideia de que está a dar tudo e que são os outros, sobretudo o BE, que são pouco razoáveis. O objetivo é aumentar a pressão pública para que o preço de criar uma crise política recaia sobre o Bloco e ele não tenha outro remédio que não seja viabilizar um Orçamento de que discorda no essencial e onde muito pouco conseguiu pôr de seu. Interessa ao BE passar a ideia que o fundamental não foi garantido para reduzir essa pressão e ter mais espaço para negociar ou para votar contra.

Durante a geringonça, houve alguns jogos assim, em versões muito mais ligeiras. É natural. Mas não só havia um documento que definia as linhas vermelhas e que funcionava como tira-teimas, como havia uma relação política mais distendida e um interlocutor no governo – Pedro Nuno Santos – em quem os parceiros parlamentares do PS confiavam. Quando os acordos se esgotaram, esse rumo comum desapareceu. E Costa mudou tudo. Chutou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares para cima e, quando as sondagens lhe eram favoráveis, tentou forçar umas eleições antecipadas através da crise artificial dos professores.

Houve episódios anteriores, mas este marcou o fim da geringonça. E marcou o fim de qualquer relação de confiança entre os partidos de esquerda. Quando, na campanha, o primeiro-ministro garantiu que o BE nada tinha a ver com o nascimento da geringonça fechou definitivamente o ciclo, o que se confirmou com a recusa de qualquer acordo escrito depois das eleições. Costa fez essa escolha de forma consciente e deliberada, não tentando sequer passar a ideia que estava a tentar negociar um acordo com o BE para a legislatura. Pensar que depois disto este governo poderia depender exclusivamente do BE só pode resultar de um enorme cinismo político.

Não sei se o BE se verá obrigado a viabilizar mais este Orçamento. Se o fizer, sem cedências muito mais significativas do que as que conhecemos, será apenas por medo das consequências políticas de uma crise. E sabendo que, tal como sucedeu na crise dos professores e na última campanha, será abandonado à beira da estrada mal isso favoreça Costa. Catarina Martins sabe que Costa não lhe propõe uma parceria, mas uma armadilha. E isso torna qualquer negociação numa charada insuportável.

Algumas pessoas espantam-se por eu, que defendi desde a primeira hora um acordo à esquerda, andar a defender que esse acordo só deve acontecer com grandes cedências de Costa. Faço-o por três razões.

Primeira: não defendo acordos que não sejam politicamente benéficos para todas as partes. Um acordo em que uma parte se sente perdedora está condenado a falhar.

Segunda: os acordos entre forças políticas devem existir quando as une um objetivo comum - na legislatura anterior, era a reversão de uma ofensiva sem precedentes do governo mais à direita que a nossa democracia já conheceu. Se é para ter apenas um acordo de regime deve ser entre as duas forças que historicamente têm capacidade de governar.

Terceira: os acordos dependem de relações de confiança que se alimentam e cultivam. Não é por acaso que a AD entre Marcelo e Portas morreu. Essa relação não existia. Também não acontece, há pelo menos dois anos, entre António Costa e Catarina Martins. Costa detesta o Bloco e a sua líder e é incapaz de o disfarçar, mesmo em público. E isso em política também conta. Sobretudo com um primeiro-ministro tão visceral.

As sucessivas cedências a uma chantagem continuada, para evitar uma crise política, só podem resultar numa derrota e esvaziamento dos partidos à esquerda do PS. Num tempo em que a direita está em crise, a extrema-direita em crescimento e o centro-esquerda a fazer a mera gestão quotidiana, esse esvaziamento teria um custo político que desestruturaria o nosso sistema partidário. Olho para o resto da Europa e sei que não o quero.

António Costa ajudou a construir a improvável geringonça, num momento em que estava frágil. Quando se sentiu forte, não a soube preservar. Está a pagar o preço disso. É tudo uma questão de confiança.»

Daniel Oliveira

Sexta extinção em massa já começou. Mas podemos mudar, diz Attenborough

por estatuadesal

(Daniel Deusdado, in Diário de Notícias, 09/10/2020)

Pode parecer estranho mas a covid-19 não é a maior tragédia do planeta. É apenas a consequência do processo humano de ocupação ilimitada do espaço natural e que nos trouxe esta trágica zoonose. Agora estamos atolados neste doloroso outono-inverno que não sabemos onde nos levará. Depois retornaremos à vida, algures, em 2021. Mas continuamos a perder tempo sobre o mais que anunciado desastre climático. Será que as opiniões públicas acreditam realmente na ciência?

Não se pressente um sentimento de mudança na Humanidade. Não só em Trump ou nos negacionistas instalados. Parecemos todos embrutecidos por um processo nos salvarmos enquanto indivíduos, não percebendo que é exatamente esse movimento coletivo que nos levará a uma destruição gigantesca, talvez muito mais rápida do que julgaríamos.

É por isso notícia este grande documento/testamento audiovisual do grande David Attenborough, com uma carreira extraordinária na BBC e agora num documento especial para o Nextflix. O "doc" chama-se "Uma vida no nosso planeta" e é imperdível. Quem não gosta do "oportunismo" de Al Gore ou da "ira" de Greta Thunberg, vai ter dificuldade em escolher a pedra a atirar ao naturalista inglês. Exatamente porque ele, nos seus atuais 94 anos, atravessou décadas e décadas para concluir isto: "Nós destruímos o planeta. Não nos limitamos a estragá-lo. Aquele mundo não humano desapareceu".

O que é este "mundo não humano"? Dois pontos-base: a devastação florestal e a delapidação dos oceanos.

Diz Attenborough que vivemos um declínio global acentuado por uma só geração. Talvez o mais simbólico exemplo seja o da destruição da Amazónia. Não é só um desastre de proporções inimagináveis para a biodiversidade terrestre, como está a ser alterado o ciclo dos oceanos - a Amazónia é a maior contribuinte para o alimento dos peixes a nível global e decisiva para o seu movimento oceânico.

Com a continuação do abate de árvores, a Amazónia perde o entrelaçar do seu ecossistema húmido e morre de forma vertiginosa e coletiva, transformando-se numa savana, à imagem de África.

Em paralelo, o aquecimento da atmosfera faz desaparecer o gelo nos polos. Esses gigantescos territórios, nus, passam a emitir o catastrófico metano, fatal para uma ainda maior aceleração do aquecimento do planeta. Entretanto, os oceanos acidificam-se cada vez mais pelos nitratos libertados pela agricultura intensiva que destroem rios e depois mares, pelas consequências dos incêndios cada vez mais devastadores, e pelo aumento da temperatura da atmosfera. Sem oceanos saudáveis não há oxigénio na Terra.

David Attenborough sublinha o mesmo ponto doutro documentário também da Netflix, "Kiss the Ground - agricultura regenerativa": estamos a curtíssima distância de perder a capacidade de ter solo fértil para manter a agricultura produtiva. Quando? Algo tão assustador como... daqui a 60 colheitas... Isto acompanhado de uma galopante perda de insetos polinizadores, outra faceta decisiva para a nossa alimentação. Em resumo: um cenário de fome extrema, generalizada, por mais que a ilusão da tecnologia alimentar nos faça pensar que a abundância é eterna.

Outros dados: 30% dos stocks de pesca no mundo estão em estado crítico devido à sobrepesca; 15 mil milhões de árvores são abatidas por ano; a biodiversidade das espécies nos ecossistemas de água doce foi reduzida em mais de 80%.

Mais: estamos a substituir a natureza selvagem pela natureza domesticada. Metade dos solos férteis da terra são agora agrícolas (e não zonas de biodiversidade para espécies que não a humana). Setenta por cento das aves no planeta são aves domésticas, a maioria delas galinhas.

Talvez ainda mais impressionante: os seres humanos são mais de um terço de todos os mamíferos da Terra. E, surpresa... os outros 60% são animais que comemos. Os selvagens - de ratos a baleias - são apenas 4%. "Este é agora o nosso planeta. Gerido pela humanidade, para a humanidade. Resta pouco para os outros seres vivos", sublinha o inglês.

O que fazer então? Ele defende a corrente ambientalista que considera a "Renaturalização" do planeta como a medida-chave.

Uma das ações essenciais é a da redução de agricultura intensiva e das monoculturas florestais. Por exemplo, o dendezeiro (óleo de palma) é um problema global, fruto do uso intensivo na indústria alimentar. Por cá, a nossa monocultura crítica é a do eucalipto, espécie exótica incapaz de gerar biodiversidade e que alimenta fogos de grande dimensão por não ser enquadrada num rigoroso mosaico florestal que trave os incêndios.

A Costa Rica é o exemplo que David Attenborough escolheu para mostrar como um país, há 100 anos coberto em dois terços por floresta, acabou por deixá-la reduzir a apenas 25% do território, na década de oitenta. Nessa altura o Governo apoiou os proprietários a replantarem floresta selvagem. Hoje o país está recoberto de novo em 50% pela floresta e é um caso de sucesso mundial em turismo de natureza.

Ocupar menos espaço humanizado significa recuperar florestas - selvagens e biodiversas. Este seria o mecanismo mais rápido e inteligente de voltarmos a aprisionar carbono a grande escala. Sem isso não sobrevivemos.

Há outra nota essencial: a da revolução alimentar. "Sempre que optamos por comer carne, reclamamos - mesmo que involuntariamente - uma enorme quantidade de extensão de território. O planeta não consegue suportar milhares de milhões de grandes comedores de carne. Não há território para isso. Se tivéssemos todos uma alimentação baseada em plantas precisaríamos de metade do espaço que ocupamos hoje", frisa Attenborough.

Demografia. O naturalista alerta para a necessidade de se diminuir o crescimento demográfico a médio prazo. Vamos chegar a 11 mil milhões no final deste século porque viveremos muito mais anos. Reduzir a população passaria também por aumentar o tempo de formação académica para as mulheres, dando-lhes ferramentas de escolha para uma vida profissional e pessoal mais igualitária, além de acesso generalizado a planeamento familiar. Em muitos países os rapazes prosseguem os estudos enquanto as raparigas vão trabalhar.

Ponto essencial: "É uma loucura que os nossos bancos e os fundos de pensões estejam a investir em combustíveis fósseis quando são precisamente eles que estão a comprometer o nosso futuro". O que financiam as nossas poupanças para a reforma nos fundos a cargo da Segurança Social? Enquanto o dinheiro for usado sem critérios aprovados pelos seus detentores, a especulação financeira mundial continuará a aplicá-lo onde a rentabilidade usurária for mais elevada, mesmo destruindo a rentabilidade natural do planeta.

Uma nota final: espera-se que David Attenborough viva ainda muitos anos, para continuar a ser veemente e certeiro como foi agora. Mas, mesmo que os seus dias cessassem hoje, ter-nos-ia deixado um documento definitivo sobre a soberba e a ganância humana que deveria passar a ser obrigatório nas escolas (e nos Natais em família). Ele usa frases simples e que reforçam princípios cada vez mais óbvios: temos de parar de crescer, entrar em equilíbrio, sermos sustentáveis.

"No mundo natural uma espécie só prospera quando as outras à sua voltam também prosperam".

"Se tomarmos conta da Natureza, ela tomará conta de nós".

"A Natureza é o nosso maior aliado".

"A espécie humana tem de deixar de ser a mais inteligente para ser a mais sábia".

Este não é apenas um documentário. É uma vida inteira. Muito obrigado Sir David.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Com taxas e bolos se enganam os tolos

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 13/10/2020)

Daniel Oliveira

O Governo fez saber, como notícia extraordinária, que pretende mexer no IRS para “aumentar salários”. Que isso até seria um doce que tinha guardado para os seus supostos parceiros à esquerda. A ver se nos entendemos: o Governo não pretende mexer uma décima nas taxas de IRS. O que quer mexer é na taxa de retenção, o que é coisa bem diferente. Significa que os trabalhadores descontam menos mas, no cálculo que é feito no fim, a devolução será menor. Pagam exatamente o mesmo.

Podemos concordar com a medida. O trabalhador não tem de adiantar ao Estado um imposto que não lhe é devido. Não podemos é acompanhar António Costa no ilusionismo, que faz disto um aumento de salário. E muito menos podemos aceitar que esta alteração sem qualquer impacto no rendimento final dos trabalhadores seja apresentada pelo primeiro-ministro como o argumento derradeiro para BE e PCP aprovarem o seu Orçamento do Estado. Se é esta habilidade à vista de todos, nem quero imaginar o que acontece na mesa de negociações.

Mas há uma razão para esta medida, que tem pouco a ver com o Orçamento de Estado e nada a ver com o rendimento dos trabalhadores. Lembram-se quando, próximo de eleições, Paulo Núncio, secretário de Estado de Maria Luís Albuquerque e Passos Coelho, criou um simulador personalizado que atualizava mensalmente a estimativa de crédito fiscal da sobretaxa de IRS? Uma estimativa que se revelou falsa, aliás. A coisa é parecida, mas com dinheiro real. Os trabalhadores recebem no salário o que não receberão na devolução. E enquanto o pau vai e volta vêm as eleições autárquicas. E estamos a falar dos impostos de 2021, cuja devolução só acontecerá em 2022.

António Costa não faz diferente de outros. Não me recordo é de uma tão descarada ação de campanha ser usada como moeda de troca numa negociação de um Orçamento do Estado. O único beneficiário da medida é o próprio primeiro-ministro, que enganará os incautos que julgam ganhar mais até chegar a devolução do IRS. A medida pode ser justa, por não pôr tanta gente a emprestar dinheiro ao Estado. Não aumenta é o salário de ninguém, porque o que vem agora não virá depois. O que eu compro fiado não me sai à borla, o que recebo antes não recebo a mais.