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terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Lenine e nós

por estatuadesal

(Boaventura Sousa Santos, in Público, 07/12/2020)

Durante o período de discussão e votação do orçamento voltei a ler uma das obras de Lenine, A Doença infantil do “esquerdismo” no comunismo, escrita há precisamente cem anos. É uma obra datada que reflecte tempos bem diferentes dos nossos e luta por uma sociedade mais justa em que não nos revemos hoje. Mas, apesar disto, tem uma actualidade flagrante quando observamos o comportamento dos partidos de esquerda no período mais recente. Lenine escreveu este texto em vésperas do II Congresso da Internacional Comunista com o objectivo de chamar a atenção para o que designava como desvios esquerdistas por parte dos partidos revolucionários ocidentais. Esses desvios consistiam na recusa destes partidos em participar nas lutas sindicais e nos parlamentos, por considerarem tratar-se de formas caducas e atrasadas de actuação política, e na recusa de compromissos com partidos socialistas ou burgueses por verem nisso uma traição aos objectivos revolucionários da classe operária.

Como é fácil de ver, nada disto está na agenda política dos nossos dias. Apesar disso, o texto de Lenine pode ser-nos muito útil para entender as negociações e os compromissos que tiveram ou não tiveram lugar durante as recentes discussões do orçamento 2021 e para avaliar as consequências que podem daí advir. Impressiona neste texto o profundo conhecimento das dinâmicas sociais, a grande lucidez sobre prioridades e processos, o enorme pragmatismo com que se deve fazer avançar as lutas (considerando que terão avanços e recuos) e como se deve avaliar os erros a que todas as organizações políticas estão sujeitas.

Uma leitura atenta deste texto mostra, talvez sem surpresa, que o PCP segue com muito atenção as advertências e análises de Lenine, enquanto o BE as ignora ou recusa levianamente. Se dermos a Lenine o crédito de estar certo, os dois partidos vão ter trajectórias muito distintas nos tempos mais próximos. Para a maioria dos cidadãos, que não pertencem nem a um nem a outro partido, o que importa saber é quais serão as consequências disso para o país no seu conjunto.

Compromissos e compromissos. Usando a metáfora do assalto, Lenine distingue “o homem que deu aos bandidos o dinheiro e as armas para diminuir o mal causado pelos bandidos e facilitar a captura e o fuzilamento dos bandidos, do homem que dá aos bandidos o dinheiro e as armas para participar na partilha do saque”. Ou seja, Lenine distingue entre compromissos que evitam um mal menor (que ele recomenda sempre que necessário) e compromissos que implicam rendição (que ele condena em todas as situações). Tudo leva a crer que a decisão do PCP de viabilizar o orçamento foi orientada pela ideia do compromisso do primeiro tipo, e a posição contrária do BE, pela do segundo tipo. Na análise que se segue procuro mostrar que o PCP tomou a melhor decisão, quer para o partido, quer para o país.

O desejo e a realidade. Diz Lenine, “os ‘esquerdas’ da Alemanha tomaram o seu desejo, a sua atitude político-ideológica, por realidade”; e acrescenta, pedagogicamente, “tendes a obrigação de acompanhar com sensatez o estado real da consciência… precisamente de toda a massa trabalhadora (e não só dos seus elementos mais avançados)”. As sondagens de opinião sempre disseram que os eleitores do BE (como certamente também os do PCP) queriam que o BE fosse parte da solução e não parte da crise. A liderança decidiu em sentido contrário, e isolou-se. Por outro lado, com pouco conhecimento sociológico, chegou a pensar que era útil uma oposição de esquerda. Esqueceu-se que foi assim que pensaram as esquerdas do Brasil nos protestos de 2013. Nos dias subsequentes, os big data das redes sociais mostravam que a direita e a extrema-direita se tinham apropriado da mensagem. A confusão do desejo com a realidade leva a não valorar o contexto de ascensão do conservadorismo e do reaccionarismo em que nos encontramos.

Alianças e oposição. Diz Lenine “há que aproveitar qualquer possibilidade, mesmo a mais pequena, de conseguir um aliado de massas, ainda que temporário vacilante, instável, pouco seguro e condicional… com os mencheviques estivemos formalmente vários anos sem nunca interromper a luta ideológica”. Ao contrário do que dizem os comentaristas, a “geringonça" foi modelar neste aspecto de promover alianças pragmáticas e eficazes, precisamente por serem limitadas. O PCP, mais uma vez, leu melhor a situação do que o BE e, por isso, ao contrário deste, pode ser simultaneamente oposição e imprescindível.

Cometer erros, perseverar no erro. Diz Lenine: “de um pequeno erro se pode sempre fazer um erro monstruosamente grande, se se insiste no erro, se se o fundamenta aprofundadamente, se se o ‘leva até ao fim’.” E, mais adiante, sublinha que “reconhecer abertamente o erro, pôr a descoberto as suas causas, analisar a situação que o engendrou e discutir atentamente os meios de o corrigir, isto é o indício de um partido sério, o cumprimento das suas obrigações”.

O que está em jogo é o aprofundamento da crise política que as forças políticas de direita tanto querem porque sabem que vão ganhar com ela. E querem a crise tanto mais avidamente quanto sabem que o que verdadeiramente conta não é o orçamento 2021, mas os dinheiros europeus no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (2021-2026). Se conseguirem os seus objectivos, serão elas, mais uma vez, e tal como no tempo Cavaco Silva, a gerir os dinheiros da abundância, do desperdício e da corrupção. Em suma, a gestão do atraso a que pela segunda vez o país será condenado.

À luz do que está em jogo, o PCP não cometeu agora um erro, mas pode vir a cometer no futuro. Pode, por exemplo, trocar um mal menor (talvez as eleições autárquicas) por um mal maior (eleições gerais antecipadas). Se tal acontecer, terá lido mal as possíveis consequências do crescimento da ideologia anti-comunista. Essa ideologia não se circunscreve aos partidos de direita e está bem presente em toda a opinião publicada nos media. É por isso que, embora o peso eleitoral do PCP oscile como o de qualquer outro partido, os comentaristas não se cansam de falar do “declínio inexorável” do partido, e falam do seu envelhecimento fatal apesar de a militância ter vindo a rejuvenescer-se.

Por sua vez, o erro do BE, se não foi pequeno, pode ainda tornar-se “monstruosamente grande” (a vitória da direita em eleições antecipadas) se nele perseverar. Se tal acontecer, pagará um preço alto, sobretudo tendo em conta que o seu eleitorado é oscilante. Muitos se perguntarão: se o partido não foi útil para ajudar a enfrentar uma gravíssima crise sanitária e, ainda por cima, contribuiu para cairmos nas mãos de uma direita revanchista, para quê votar nele? Marisa Matias pode, assim, transformar-se num cordeiro do sacrifício. Imerecidamente, dado o seu notável talento político e a sua larga experiência de compromissos no Parlamento Europeu.

Um texto de Vasco Lourenço que desmascara muitas mentiras da direita

por estatuadesal

(Vasco Lourenço, 05/12/2020)

Junto texto, sobre o 25 de Novembro e também sobre a passagem dos 40 anos da morte de Sá Carneiro. Saliento tratar-se de um texto pessoal, da minha inteira responsabilidade, que estamos a divulgar, como divulgamos outros textos, a pedido ou não dos respectivos autores, que consideramos de possível interesse para vocês.

Cordiais saudações de Abril

Vasco Lourenço


Indignação? Desprezo? Apenas um desabafo, de quem está farto de tanta hipocrisia...

Indignação? Desprezo? Confesso que julgava já ter idade e experiência que me deveriam permitir não me espantar e, muito menos, indignar.

Lamentavelmente, tenho de confessar que, de tudo isso, só é uma realidade a minha provecta idade. Porque, do resto, não reza a história...

Tudo isto vem a propósito da passagem dos 45 anos sobre o 25 de Novembro e dos 40 anos sobre a trágica morte de Sá Carneiro.

O que vi escrito e proferido em vários órgãos da comunicação social, surpreendendo-me (apesar de tudo) e indignando-me, faz-me pensar que não há limites, nem para a ignorância, nem para a leviandade, nem para a má fé!

Muito já se escreveu sobre esses dois acontecimentos, muito já se dissecou sobre a natureza dos mesmos e sobre as características pessoais dos actores em causa.

Não vou tratar especificamente o dito e escrito sobre os acontecimentos do 25 de Novembro - fui um interventor directo, bem no centro do vulcão, já escrevi alguma coisa sobre o que aconteceu, tomei há algum tempo conhecimento de "pormenores" fundamentais para um mais correcto conhecimento de toda a trama desse marco da história do processo do 25 de Abril (ainda que não duvide de que, mesmo eu, ainda não sei tudo) - apetecia-me fazer alguns comentários, tais foram as barbaridades deitadas "boca fora", ou lançadas para o papel!

Decidi limitar-me a aconselhar jornalistas, comentadores e historiadores, como Filipe Luis da revista Visão: "antes de escreverem, sobre acontecimentos históricos, informem-se bem, para evitar dizer tantas asneiras, como fizeram, desta vez"! É que, para além do mais, vão baralhar e confundir, dando-lhes bastante mais trabalho, os futuros historiadores...

Quanto ao aniversário da morte de Sá Carneiro, não comento as homenagens, de roupagens várias, que os seus admiradores lhe fizeram. Estão no seu pleno direito, cada um tem os ídolos e os heróis que quer ter!...No entanto, tendo-me sido chamada a atenção para o programa Expresso da meia noite, na estação televisiva SIC-Noticias, tive o trabalho de o ver e, desde logo, não posso deixar de fazer um comentário , nomeadamente aos aí dois defensores desse mito (Maria João Avilez e Pedro Santana Lopes) que, mito "apenas" porque morreu como morreu, deve ser a personagem que tem o seu nome em mais ruas, avenidas, praças ou ruelas do País (para já não falar num aeroporto...).

Comentário simples: "para elogiar as virtudes do vosso herói, não precisam de deturpar o que se passou! Sejam honestos! Ainda não vale tudo"!

Não sei se os dois pensarão que "uma mentira repetida à exaustão, passa a ser verdade"?

Vejamos:

"Sá Carneiro era pela Democracia plena, quem fosse contra, tinha de se haver com ele"! Como???!!!

Então não foi ele que afirmou que a sua maioria de 56% (de deputados, não de votos que não chegaram aos 48%), obtida através da AD, valia mais do que a maioria de 92% que aprovara a Constituição da República?

Não foi isso que fundamentou as suas três tentativas de violar a referida Constituição da República, com a reprivatização dos sectores básicos da economia? Não hesitando mesmo em recorrer a subterfúgios sujos, ao jogar com as férias dos juízes da Comissão Constitucional! Que importava que a Constituição preconizasse que "só com uma maioria superior a 2/3 dos deputados se poderiam alterar determinadas leis"? A "sua maioria" é que interessava!...

Ou será que a Democracia só vale, se nós tivermos a maioria? Ah, grande democrata!

Tutela militar?

Aí, felizmente, João Soares pôs os pontos nos iis, deixando os outros intervenientes sem argumentos - nenhum ousou contradizê-lo!... (Oh João, então você foi lá estragar o arranjinho tão bem preparado!? Isso não se faz!...).

Falemos claro! Os Capitães de Abril demonstraram, no seu conjunto, ser mais civilistas do que a maioria dos políticos civis!

Demonstraram-no, no terreno, ao transmitirem, num prazo que até o historiador presente no programa "aceitou" ser único no mundo, apesar de ainda ter chamado à colação o caso da transição pacífica em Espanha. (Esquecendo, ou não querendo lembrar-se, que, como hoje é consensual no seio dos estudiosos desse processo, nomeadamente de reputados especialistas espanhóis, que "A transição pacífica para a Democracia, em Espanha, só foi possível, porque houve o 25 de Abril")!

E fizeram-no, mesmo tendo passado por rupturas entre si, com prisões temporárias de uns pelos outros!

Se há uma afirmação que não "admito" ouvir e me faz "ir aos arames e sair de mim" é precisamente a de "Os militares foram obrigados a regressar a quartéis"!

Não, os militares regressaram a quartéis porque essa foi sempre a sua vontade, foi desde o início a promessa que fizeram aos portugueses! Que, como todas as outras, cumpriram exemplarmente! E se não o fizeram mais cedo - a previsão era em 1981 - foi da total responsabilidade dos políticos, que se não entenderam para fazer a revisão da Constituição no prazo previsto!

Ah!!!, há quem afirme que o Pacto MFA - Partidos foi assinado pelos partidos, porque tiveram medo, vendo-se coagidos a fazê-lo !... Mas que coragem!

Participei na discussão e aprovação dos dois Pactos, fui um dos defensores da revisão do Primeiro, não admito que alguém venha dizer que foi obrigado a assiná-lo!

O estudo da situação, que então fizeram, levou-os a considerar que deviam assinar? Mas, onde e quando, não é o estudo da situação, feita em cada momento, que determina as opções tomadas? Ou será que se considera que "vale tudo", a palavra e a ética não têm valor, é preciso é atingir o poder, seja com que custo for? Pessoalmente, considero que nem na guerra os fins justificam todos e quaisquer meios!

Sá Carneiro queria acabar com a tutela militar!

Essa só contaram para vocês!

Ele queria era substituir a tutela militar em vigor, por uma outra tutela militar diferente!

Sintomaticamente, através de um militar da "velha guarda", serventuário e defensor do regime de ditadura derrubado pelo 25 de Abril, responsável no mesmo pela abertura de um "segundo Tarrafal", o Campo de S. Nicolau, em Angola!

Isto é, queria substituir a tutela militar dos outros, pela sua própria tutela militar!

Ou cabe na cabeça de alguém que, se Soares Carneiro vencesse, a transmissão do poder para os eleitos democraticamente se teria processado, como se processou?

De forma pacífica, porque fora sempre essa a vontade, a decisão dos Capitães de Abril!?

E porque, natural e felizmente, foi Ramalho Eanes - um militar de Abril - a vencer as eleições!

E a presidir a essa transferência de poder!

Mesmo sem pretender "fazer futurologia" é fácil imaginar como teria sido a transmissão do poder, coordenada pela extrema-direita na Presidência da República!

Permita-se-me um aparte: confio não assistir à repetição do que então se passou. Falo do apoio do PPD/PSD a um candidato de extrema-direita a Presidente da República!...

Passados estes anos todos, já não pedimos que se limpem da sujeira que então fizeram, ao tentar demonstrar que nos estavam a forçar a regressar aos quartéis!

Mas, exigimos que deixem de ser cínicos e desonestos, como sempre o foram, no que a isto diz respeito! É tempo de não continuar a mentir, para a História!

Falo em relação não só ao PPD, nessa altura já crismado de PPD/PSD, mas também ao PS! PS que, decidido a não apoiar Ramalho Eanes para o segundo mandato de Presidente da República, convidou outro militar a ser o seu candidato! ...

Por isso, podem dizer que houve 4 pais civis da Democracia! Não o contesto! A construção da Democracia em Portugal é fruto da acção de muitos e muitos cidadãos, do povo em geral, logicamente também dos diversos partidos políticos e dos seus dirigentes, com diferentes responsabilidades, como em tudo.

Mas, se querem encontrar um Pai para a Democracia, olhem para o colectivo de militares que constituiu o Movimento dos Capitães, mais tarde estendido ao Movimento das Forças Armadas!

Vasco Lourenço


P. S. Permitam-me que, como rodapé, teça alguns comentários e deixe algumas perguntas:

1. João Soares, o seu pai nunca lhe contou que Sá Carneiro o tentou convencer a sair do País, quando ele saiu para "se tratar", alegando que tudo estava perdido, que os comunistas iam tomar conta do País, se ficassem seriam presos, era necessário saírem, para organizar a luta, no estrangeiro? A mim, contou-mo, mais que uma vez...

2. Maria João Avilez, pode perguntar ao filho de Sá Carneiro se ele ainda tem o autógrafo que o pai me pediu (para o filho...), no Porto, durante uma grande manifestação de apoio ao VI Governo Provisório, no mês de Outubro/Novembro (?) de 1975?

E importa-se de repetir, sem se rir, que "a comunicação social , em Portugal, nunca foi, nem é amável e atenta à direita e extrema direita"? É que, repito o que já disse atrás, "essa só contaram para você"!

3. Realço a frescura, o banho de juventude, protagonizado pelo Adolfo Mesquita Nunes! Estou convicto de que se Adelino Amaro da Costa assistiu, onde quer que esteja, se terá sentido altamente satisfeito com a sua intervenção, nomeadamente quando meteu na ordem um jornalista que envergonha a classe dos membros de uma comunicação social que se deseja idónea e isenta. E, Adelino Amaro da Costa bem merece o tributo que, com a sua intervenção, lhe prestou!

4. Por fim, não gostei de ver o Presidente da República deitar achas para a fogueira, sobre as circunstâncias da morte de Sá Carneiro. Sou dos que, ao longo dos tempos, me fui convencendo de que se tratou efectivamente de um acidente! Apesar de todas as manipulações, apesar de todos os ingredientes (que hoje seriam chamados de fake news), com deputados do PPD/PSD a presidir às várias comissões de inquérito, como foi possível não demonstrar a teoria do atentado? Na minha opinião, continua-se com essa teoria fundamentalmente porque ela é essencial à continuação do mito! "O herói que morre assassinado, cobardemente, pelos vilões"!

O excepcionalismo das gerações do presente…

Posted: 07 Dec 2020 11:28 AM PST

«Atendendo ao progresso tecnológico e humano que se observa no presente parece difícil não acreditar nas gerações actuais.

Focando a atenção na área das tecnologias de informação note-se que os primeiros computadores pessoais da IBM surgem somente em 1981. Posteriormente, o processador de texto da Word Perfect e a folha de cálculo Lotus 123, aplicações que contribuíram para o sucesso desses computadores, são engolidas no turbilhão da História pelo Word e Excel da Microsoft. Não será um caso em que a economia imita a biologia e a teoria de Darwin da selecção natural (ou da tese da sobrevivência do mais apto, de Herbert Spencer). Parece mais um caso de uma jogada de xadrez, em que a Microsoft deliberadamente aproveitou a sua vantagem nos sistemas operativos para entrar em novos mercados e varrer do mapa a antiga concorrência (a Lotus antes tinha feito algo similar à VisiCalc), i.e., utilizando a analogia biológica, exterminar espécies que nem sequer eram inicialmente concorrentes, num episódio de “genocídio tecnológico”. E o que dizer dos omnipresentes “browsers” (navegadores) da internet, que surgiram 12 anos depois (1993) e que nos abriram as enciclopédias, as bibliotecas, as palavras de pessoas e os mercados do mundo. A revolução nas telecomunicações móveis iniciou-se pouco depois, com o telemóvel (e, a partir de 2007, do iPhone da Apple, os “smartphones”) a tornar-se na primeira tecnologia global com cinco mil milhões de subscritores únicos (i.e., cerca de dois terços da população mundial) e 7,7 mil milhões de números (subscrições) móveis, em 2017.

Essa revolução tecnológica continua e até parece acelerar em interacção com a dinâmica da economia mundial.

Parece assim existir fundamento para a convicção da tese da excepcionalidade do presente, a tese tão bem resumida por Reinhart e Rogoff (em relação às dívidas soberanas) com o título do livro “Desta vez é diferente”.

No entanto, como nos alerta Viriato Soromenho-Marques tão incansavelmente, esta é também uma era de profunda arrogância e ignorância intelectual que esquece a fragilidade que é habitar o equivalente a uma estreita margem de uma casca de maçã sem preocupações de monta pela saúde da mesma. Em particular, se se olhar para os problemas da Humanidade, das tremendas desigualdades aos problemas ambientais, é impossível não sentir insatisfação pelo actual estado de coisas e imensa responsabilidade perante as gerações que nos seguem.

Assim, temos este confronto entre as provas das nossas capacidades colectivas e esse precipício para onde parecemos caminhar convencidos da nossa própria invencibilidade.

Os paralelos com e as lições da Grande Depressão

Afigura-se, por conseguinte, pertinente reflectir sobre a seguinte questão. Como se comparam as gerações actuais com a narrativa hoje dominante do excepcionalismo dos líderes intelectuais e políticos da era da Grande Depressão?

Para a História ficou a percepção que a resposta inicial dos governos à Grande Depressão foi errada. No caso particular dos EUA essa narrativa é reflectida, por exemplo, nas memórias do presidente que perdeu a reeleição para Roosevelt em Novembro de 1932, Herbert Hoover, uma eleição polémica e viciosa que o historiador económico da Universidade da Califórnia em Berkeley, Barry Eichengreen, compara ao desfecho das recentes eleições americanas entre Trump e Biden.

Hoover culparia o Secretário do Tesouro, Andrew Mellon, pelas políticas económicas adoptadas no seu primeiro e único mandato, dado que este se opunha à intervenção directa do governo na economia. Mellon era um homem de negócios, financeiro, multimilionário e filantropo das artes que terá defendido, segundo Hoover, que a depressão económica era necessária para limpar “a podridão do sistema” económico dos excessos dos loucos anos 20 para que a economia americana se pudesse reerguer das cinzas tendo defendido, segundo Hoover, a liquidação do emprego, das acções, dos agricultores e dos imóveis. Mellon, aliás, passou a ser tão mal considerado pela opinião pública americana que foi sujeito a um processo de impugnação pelo Congresso Americano.

Roosevelt toma posse como presidente dos EUA em Janeiro de 1933 e, logo a partir desse ano, adopta medidas de política económica heterodoxas, muito diferentes das do passado. Essas medidas incluem o confisco do ouro e a criminalização do seu comércio nos EUA, a desvalorização do dólar face ao ouro e, desse modo, a reestruturação da dívida privada e pública americanas, novos programas de investimento público, novas instituições (e.g, Federal Deposit Insurance Corporation, instituição responsável por um novo seguro federal dos depósitos bancários), nova legislação (a lei bancária, i.e., o Banking Act de 1933, incluindo as provisões conhecidas por legislação Glass-Steagall que obrigaram à separação da banca comercial da banca de investimento) e novos programas sociais (e.g., Segurança Social) alguns dos quais perduram até aos dias de hoje.

A “Teoria Geral” de Keynes de 1936, que lança as bases para a nova área científica da Macroeconomia, segundo Robert Skidelsky procura explicar a Grande Depressão, generalizando essa explicação (TG) a todas as crises económicas.

E ainda, por exemplo, o opus de Milton Friedman e Anna Schwartz de 1963, “Uma história monetária dos Estados Unidos”, que contribuirá para o desenvolvimento da teoria monetarista, tem as suas raízes nessa profunda crise económica e social. Nessa obra, Friedman e Schwartz argumentam que foram erros na política monetária da Reserva Federal que contribuíram para agravar essa recessão económica.

Assim, a Grande Depressão permitiu também que se destacassem líderes políticos que são apreciados hoje como verdadeiramente excepcionais porque definiram políticas públicas, à altura inovadoras, que sobreviveram ao teste do tempo. Resultou ainda no aparecimento de novas teorias económicas e de uma nova área científica. Coroou Keynes como o grande mestre da Macroeconomia. E contribuiu para que muitos outros economistas, como Milton Friedman, se destacassem.

Narrativas, é claro, podem não coincidir com a realidade. Porventura a lição é que parece necessário uma crise e sofrimento numa escala sem precedentes para que possa emergir verdadeiro excepcionalismo.

Excepcional mesmo seria evitar uma recessão profunda…

Infelizmente, à luz dessas referências intelectuais e políticas, a geração actual não parece tão excepcional assim. Apesar dos feitos impressionantes nos domínios da ciência e tecnologia, parece continuar a faltar rasgo e ambição nas respostas do mundo aos problemas da Humanidade e, em particular, à actual crise económica causada pela covid-19.

Seria bom, no entanto, saltar etapas indo directamente para essa fase do verdadeiro excepcionalismo, prescindindo da parte trágica da História que lentamente se insinua.»

Ricardo Cabral

A dor de perder de um filho é “a maior dor do mundo”- para sempre

por estatuadesal

(Marco Paulino, in Expresso Diário, 07/12/2020)

Na noite de sábado 5 de dezembro fomos invadidos pela ideia de quão vulnerável e efémera pode ser a vida. Não é que muitos de nós já não o soubéssemos, mas existem momentos em que a vida nos abana veementemente e mostra que tudo pode mudar num minuto, num segundo. Sara Carreira, de 21 anos, filha do cantor Tony Carreira e Fernanda Antunes, morreu num acidente entre vários automóveis na A1, em Santarém, junto à saída do Cartaxo. Rapidamente, a informação se difundiu, desde os meios televisivos às redes sociais.

É certo que todos os dias morrem várias pessoas, algumas das quais da mesma idade, ou até mais novas; em condições tão ou mais trágicas do que estas. Porém, Sara Carreira é uma figura pública, filha de uma celebridade que Portugal conhece, seja porque adora, seja porque odeia. Obviamente que isto não quer dizer que por ser uma cara conhecida seja mais importante do que qualquer cidadão anónimo, sobretudo para os respetivos entes queridos.

O que este enquadramento mediático nos dá, como facilmente se percebe pelos milhares de comentários que surgiram nas redes socias, é uma noção de proximidade da pessoa que partiu, daquela família enlutada, que gera sentimentos de compaixão, de comoção. É o que em Psicologia se tem chamado relações parassociais, enquanto relações de proximidade emocional potenciadas pela exposição repetida à vida da figura pública mediante as facilidades criadas pelos media, especialmente as redes sociais como o Instagram, e que quebra a barreira entre espectador e celebridade.

Esta espécie de conexão emocional gera inevitavelmente um abalo, que pode resultar, inclusive, no que tem sido denominado luto coletivo (collective grief), também designado por “luto público” (public grief) e que diz respeito ao processo de luto que é originado pela morte de uma figura pública. Para além deste luto, existe um processo de luto a realizar pelos pais, pelos irmãos, pelos amigos mais próximos.

A este propósito, uma pesquisa sobre luto, em particular pais em luto, mostra-nos que a perda contranatura de um filho, enquanto experiência traumática, tende a ser descrita como a perda mais dolorosa que qualquer ser humano pode vivenciar. Os pais em luto descrevem o sofrimento gerado por esta perda como “a maior dor do mundo”.

É sabido que a morte de um filho envolve inúmeras outras perdas consideradas secundárias, como a perda das expectativas para o futuro, a perda do papel parental na sua forma tradicional e a perda da própria identidade. Dada a importância da parentalidade para a identidade, os pais sentem-se destruídos, enquanto figuras parentais e pessoas. Por isso, veem-se invadidos por questões várias, como “quem sou eu agora?”, ou se continuam a ser reconhecidos como pais pela sociedade, na eventualidade de se tratar de um filho único.

As principais emoções presentes neste processo de luto são a culpa e a zanga, destacando-se o vazio como a principal sensação referenciada pelos pais em luto. A crença errónea de que os pais têm a capacidade de proteger incondicionalmente os filhos potencia que sejam vivenciados sentimentos de culpa e de falha, enquanto figuras parentais. Ainda que irracionais, estes pensamentos de autorresponsabilização são comuns e geram um sofrimento atroz.

Por sua vez, a zanga é facilitada, exatamente pela sensação de impotência e de injustiça pela perda da pessoa mais importante para a vida dos pais.

As investigações acerca do luto parental referem que a complexidade desta perda é também resultado das tarefas que são exigidas aos pais, tais como a necessidade de reorganizar as dinâmicas familiares e maritais, a inevitabilidade de comunicar a perda e com todo o sofrimento associado, num contexto em que o suporte social é reduzido, ainda para mais nesta fase pandémica em que somos recordados diariamente da necessidade de distanciamento.

No contexto das relações humanas, a perda de um filho tem vindo a ser reconhecida como a perda mais severa, duradoura e debilitante. Quanto ao casal, as investigações apresentam resultados distintos relativamente às mudanças originadas pela perda nas dinâmicas familiares. Enquanto algumas relações terminam, outras são fortalecidas pelo sofrimento, dada a necessidade de apoio mútuo constante.

Segundo uma investigação publicada em 2017 e intitulada "Parental bereavement: looking beyond grief", esta coesão tende a ser resultado de um maior entendimento do casal acerca da discrepância das suas respostas, ou necessidades individuais. Isto é, quando os membros do casal reconhecem que têm reações e necessidades diferentes no seu processo de luto, é facilitada a compreensão das atitudes do outro e proporcionado o apoio recíproco.

Pelo contrário, na ausência destas pontes de comunicação e compreensão, as tendenciais dificuldades associadas à gestão das diferenças na reação à perda dificultam a coesão entre o casal e potenciam o risco de divórcio dos pais. Na maioria das vezes, os homens optam por evitar o diálogo e mostram-se emocionalmente menos expressivos, atitude que pode ser percecionada pelas mulheres em luto como um sinal de desvalorização da perda ou esquecimento do filho perdido. Todavia, a investigação mostra que esta atitude visa, comummente, na ótica do pai em luto, passar uma imagem de força e proteger a mulher do sofrimento. Daqui se percebe um benefício claro, entre os vários possíveis, da intervenção psicológica especializada no luto.

Por acréscimo, destaca-se o relato dos irmãos em luto, os quais acentuam que não só perderam um irmão ou irmã, mas também os próprios pais, que “nunca mais voltaram a ser os mesmos”. É assim vivenciada uma dupla perda.

Perante o partilhado, percebe-se o facto de este processo de luto apresentar um maior risco de complicações e obstáculos à integração da perda na identidade. Os fatores de risco para complicações são, exatamente, a idade reduzida do descendente aquando da sua morte, a natureza repentina e consequente ausência de preparação para gerir a dor e a existência de uma relação de dependência.

No que diz respeito à variável idade, sabe-se, por exemplo, que uma das principais causas de morte na infância é a Síndrome de Morte Súbita Infantil, morte inesperada, que é frequentemente associada a sentimentos de impotência e falha no papel parental. Numa outra fase, se a perda de um filho acontece numa fase tardia da vida, pode ser sentida como mais dolorosa, pois acontece num contexto de múltiplas perdas sociais e interpessoais.

Para além do risco de complicações no luto, destaca-se o risco de perturbações mentais, como depressão, perturbação do stress pós-traumático e ideação suicida; e, inclusive, de patologia física, como o cancro e patologias cardíacas.

O processo de reconstrução da identidade é inegavelmente doloroso, mas, quando conseguido, permite alcançar maior estabilidade do que aquela que existiria na ausência de qualquer intervenção especializada, ainda que seja impossível regressar integralmente ao funcionamento anterior à perda. Numa relevante investigação de Paige Toller, da Univerisdade do Nebraska-Omaha, em 2008, denominada "Bereaved Parents' Negotiation of Identity Following the Death of a Child", foi evidenciado que a nova identidade é reconstruída em função do sofrimento da perda, com novos objetivos, princípios e crenças baseados na experiência traumática. No fundo, a irreversibilidade destas mudanças é resultado do abrupto surgimento do evento traumático na identidade.

Sabe-se que as memórias traumáticas são rapidamente evocadas e, por isso, estabelecem relações imediatas com a autobiografia da pessoa em luto, levando a que o trauma seja transformado num inevitável ponto de referência da história de vida da pessoa. Perante uma fase de marcada desorganização e luto intenso causado pela morte de um filho, o psicólogo detém um papel preponderante para facilitar o envolvimento em rituais funcionais e promover o trabalho terapêutico das emoções, pensamentos e comportamentos.

Este não é, e jamais poderia ser, um texto sobre o luto da família Carreira; é um texto sobre aspetos gerais que a ciência psicológica nos disponibiliza nos dias de hoje sobre o luto, em concreto sobre pais em luto; é a insignificante oportunidade de manifestar os meus sinceros sentimentos aos pais, aos irmãos e amigos mais próximos da Sara Carreira; é também a insignificante oportunidade de expressar os meus sinceros sentimentos a qualquer pai e mãe em luto.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Com a vacina à vista, é estúpido morrer na praia

Posted: 06 Dec 2020 03:27 AM PST

«Estamos a entrar numa nova fase que muda radicalmente a nossa perspectiva sobre a pandemia da covid-19. Não eliminará os constrangimentos que fomos forçados a adoptar para nossa defesa. Mas Dezembro de 2020 é uma linha divisória. Há um antes e um depois que, embora parecidos, têm um significado desigual. Saímos de uma fase defensiva, e algo cega, para entrar numa outra, em que passa a haver uma perspectiva. Será um tempo mais exigente, para os cidadãos, para a política e para os governantes.

A questão chave é que a chegada das vacinas não é o fim da pandemia, nem da recessão económica, nem das restrições a que estamos submetidos. A vacina é apenas um primeiro passo. O que é relevante é que desencadeia um novo processo.

O desafio político é agora prevenir o cepticismo ou a frustração dos que esperam uma imediata vitória sobre a pandemia. O cansaço das restrições vai acentuar-se, como efeito indirecto das expectativas criadas pela notícia das vacinas. Avisam os cientistas: não podemos baixar a guarda. Este Natal vai ser um teste. Agora, que há uma sólida esperança, seria estúpido morrer na praia.

Em 31 de Dezembro de 2019, a China comunicou à Organização Mundial da Saúde a existência de uma pneumonia de causas não identificadas. Seguiu-se uma devastadora pandemia. Onze meses depois, num espantoso salto em frente da ciência e da tecnologia biológica, o coronavírus foi identificado, estudado e surgiram vacinas que se prevêem eficazes. Vacinas produzidas e testadas em menos de um ano e não nos cinco ou dez habituais. É uma prodigiosa aventura da investigação e da indústria.

A confiança

Governos e responsáveis da saúde terão de explicar aos cidadãos que se inicia um combate de longo fôlego. Muitos esperam que, iniciada a vacinação, sejam levantadas as restrições – recolher obrigatório, condicionamento de viagens, normalização dos horários comerciais ou da vida nocturna.

Mas a máscara e a distância social continuarão a limitar a nossa “vida social”. Suportaremos, por tempo ainda indefinido, a privação do contacto físico e a mutilação das nossas redes de relações. A limitação à conversa electrónica continuará a empobrecer-nos. A vida cultural está profundamente ferida.

Antes de Dezembro, isto tinha um sentido deprimente, era o último e frágil recurso de defesa perante a “peste”. Hoje, com a vacina, ganha outro sentido: é a janela por onde poderemos vislumbrar a saída da crise. Há, enfim, uma meta à vista.

Muitos dos novos hábitos vieram para ficar. O comércio digital está a expandir-se e o teletrabalho vai em grande medida permanecer. Surgirão graves problemas na criação de empregos ou na requalificação dos trabalhadores. A pandemia desencadeou um processo de destruição criadora. Mas, primeiro, destrói.

Não haverá regresso automático à “normalidade” de 2019. A simples descoberta deste facto, de que hoje há uma consciência muito ambígua, criará frustração e tensões sociais. Caberá ao poder político falar com rigor e seriedade aos cidadãos, enquanto dos media se espera realismo perante as expectativas. A questão da confiança é agora mais importante que na fase anterior.

Exasperação

Os cientistas ainda não conhecem todas as virtualidades e limites das vacinas. Não sabemos por quanto tempo garantem a imunização, nem a medida em que anularão os riscos de contágio. As campanhas de vacinação serão longas. Mesmo começando em Janeiro, os europeus terão de esperar meses, talvez muitos meses. Haverá conflito sobre as prioridades. A vacinação tenderá a ser desigual, em termos sociais e geográficos. A logística de uma vacinação em massa é um gigantesco empreendimento, que exige extrema competência. Ninguém perdoará os erros.

Num artigo recente, dois investigadores da universidade Johns Hopkins, Josh Michaud e Jen Kates, fazem o balanço dos muitos obstáculos a vencer e tiram algumas conclusões. “Como resultado, o risco de surtos continuará depois de ser posta em marcha a primeira geração de vacinas. As medidas de distância social, o controlo das fronteiras e outras formas de intervenção pública deverão permanecer por muitos meses. É possível que se siga uma desilusão, especialmente em relação às desigualdades na saúde, que se tornarão mais visíveis entre países e dentro do mesmo país” (Foreign Affairs, 2 de Dezembro).

Acrescentam: “Estas frustrações populares podem agravar o cepticismo sobre as vacinas e fomentar uma ainda mais perigosa desinformação, complicando os desafios dos programas globais de imunização.”

Europa

Ao contrário da maioria dos asiáticos, os ocidentais, europeus ou americanos, não souberam prevenir a segunda vaga da pandemia. Após um êxito inicial foram tentados a baixar a guarda. As populações estariam saturadas. A economia não devia permanecer parada. O relaxamento no Verão foi fatal.

No entanto, a literatura científica era clara: o regresso precipitado a uma relativa “normalidade” antes de haver uma vacina provocaria o retorno da pandemia numa forma mais agressiva.

O escritor italiano Daniele Rielli contesta o argumento da economia: “A escolha entre saúde e economia é um dilema mal formulado porque uma gestão prudente da economia, sem as loucuras e o laxismo estivais, talvez com um breve confinamento de duas semanas em Outubro, teria sido muito melhor para a economia.”

Ao contrário do que alguns anteciparam, a China não ganhou a “batalha das vacinas”. Pode ter muitos clientes e marcar pontos. É possível que as vacinas chinesas e russas venham a mostrar-se eficazes. Mas a falta de transparência e o desrespeito das regras de certificação feriram a sua credibilidade científica. Neste terreno, ganharam americanos e europeus.

O que a China e a Ásia estão a ganhar é a batalha da recuperação económica. A retoma do crescimento acelera-se no Extremo Oriente, em parte arrastado pela China. A América está a meio caminho. Na cauda, está a Europa. A Alemanha e França fecharão o ano com números negativos. Um factor decisivo será a capacidade europeia de lançar uma vacinação em massa. A eclosão de uma terceira vaga ser-nos-ia fatal.

Os governos têm pela frente tremendas tarefas com as campanhas de vacinação e um duro Inverno em perspectiva. Os próximos meses podem ser terríveis. A única forma de responder à exasperação popular é uma relação de confiança.

Aos cidadãos cabe perceber que, agora, é a vez de assumirem um papel activo no combate à covid. Repito: seria estúpido morrer na praia.»

Jorge Almeida Fernandes