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sábado, 12 de dezembro de 2020

Os mortos de Camarate

por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 11/12/2020)

Clara Ferreira Alves

Teorias da conspiração, cada um tem a sua. A minha é a do caso Dominique Strauss-Kahn. O diretor do FMI que foi preso e acusado de ter violado uma empregada do hotel francês em Nova Iorque onde ocupava a suíte presidencial. Naquela época, DSK estava na calha para ser o futuro presidente de uma França que odiava Nicolas Sarkozy. E era uma ameaça ao mundo nebuloso da alta finança internacional, criticando o comportamento da banca e instituições financeiras que levou à crise de 2008 e que, em 2011, quando ele foi apanhado, estava a preparar a desintegração da Europa. Se DSK tivesse prevalecido, a crise da dívida soberana teria sido diferente, e os resgates da Grécia e de Portugal também. Um dia, será feita a história completa deste período. O que temos são peças de um puzzle e cada um junta as que pode e sabe.

DSK tinha uma vida sexual pouco convencional e foi caçado na teia das “indiscrições”. Não havia melhor candidato para uma armadilha sexual, e caiu nela. Quanto a Sarkozy, acusado de corrupção ao mais alto nível, também não havia melhor candidato para uma conspiração destas. O próprio DSK previra, pouco tempo antes, que Sarkozy tentaria armadilhá-lo sexualmente e estender-lhe a famosa honey trap, truque dos serviços secretos que espiam as vulnerabilidades pessoais. O erro de DSK foi, ao intuir a trama, não resistir ao mel. Era um pecador convicto e descuidado.

É a minha convicção. Destituída de provas e não destituída de convencimento lógico misturado com emocional, uma mistura explosiva. Jay Epstein escreveu um relato minucioso e cronológico da armadilha na “New York Review of Books” que me convenceu, demasiadas inconsistências polvilhavam a versão da assaltada e mesmo das autoridades policiais de Nova Iorque, que não resistiram a passear DSK no famoso perp walk e assim espatifar-lhe a carreira para sempre. Com a passagem do tempo e a pressão do movimento Me Too e da cancel culture, o dito Epstein acabaria por rever a teoria, sem deixar de manter o essencial. DSK foi armadilhado? Por quem? Nunca saberemos.

As mortes de Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis, Adelino Amaro da Costa e mulher, de António Patrício Gouveia, dos dois pilotos, foi inesperada e traumática. Para quem viveu aqueles tempos de uma política perturbada pela violência e o radicalismo, pelas derrotas e vitórias torturadas, o acidente de Camarate teve contornos duvidosos. E para quem esteve na última conferência de imprensa de Sá Carneiro no Hotel Tivoli, ao lado do candidato Soares Carneiro, e viu e ouviu um chefe político manipular a íntima certeza de que sairia derrotado da contenda contra Eanes e a esquerda ao mesmo tempo que apregoava a vitória, a contemplação na longa noite dos destroços fumegantes engendraria um pesadelo sem despertar. Nada, naquelas eleições, fora normal.

Sá Carneiro, um homem com olhos azuis de aço afiado e magnetizado pelo chamado carisma, foi atacado pelo Partido Socialista por causa da ligação com Snu Abecassis de uma forma soez. Hoje, os tempos são mais civilizados. Por sua vez, a direita reacionária e negacionista corria a albergar-se debaixo do chapéu largo do PPD/PSD, não escondendo o ódio aos socialistas, que por sua vez odiavam e eram odiados pelos comunistas. Polarização, chamava-se isto. No CDS, Freitas do Amaral, com Amaro da Costa, tentava civilizar a direita. Em frente à sede do PS, no Largo do Rato, desfilava-se com a saudação nazi. Dentro do edifício, havia quem preparasse a resistência armada. Sobravam armas, resultado de uma descolonização apressada, e muita gente escondia-as em casa à espera de as usar. Portugal evitou a guerra civil graças aos chefes civilistas, Sá Carneiro, Mário Soares, Diogo Freitas do Amaral, e graças à moderação e autoridade do militarão Ramalho Eanes, que se revelaria um general estadista. Naquele tempo, não era claro que o fosse. As paixões espumavam, e o PS vivia num clamor contínuo, dilacerado entre uma direita acirrada e a ameaça de Cunhal à esquerda. Ontem como hoje.

Soares Carneiro era um candidato deplorável, um general inexpressivo e opaco, que Sá Carneiro vendia sabendo que não conseguira arranjar melhor e que fora buscar contra um Ramalho Eanes fortíssimo, o mesmo Eanes que valeu a Mário Soares um dos combates maiores pelo comando do partido que fundara.

Conhecendo as limitações da AD, a Aliança Democrática, e das franjas do PPD/PSD, da direita não alinhada, Sá Carneiro era um homem só. Mais inteligente do que as hostes, mais desconfiado, mais preocupado do que parecia. Este católico conservador clássico, que não apreciava a esquerda, sabia que construir uma ala direita forte num país saído de uma ditadura de décadas, com uma classe dominante constituída por uma alta burguesia inculta e um empresariado incipiente, que não apreciavam a diminuição dos poderes e a transferência democrática, significava fazer concessões e alianças com gente pouco recomendável e indisciplinada. A esquerda era demasiado poderosa, apesar de dividida. Rodeado dos delfins, a massa crítica e a gente mais inteligente do partido, ou seja, rodeado de elitistas, sabia que o país não era aquilo. Portugal era um amálgama de teorias, armadilhas, golpes, contragolpes, rumores e intrigas. Na sombra, apoiado por Moscovo, o brilhante e perigosíssimo Álvaro Cunhal ainda esperava a hora de derrotar o 25 de Novembro de vez.

No Tivoli, a temperatura era de escaldar. Berros, imprecações. Recém-chegada ao jornalismo e à política, lembro-me que olhei para aquilo como quem assiste a uma ópera bufa. Observei como um dos criados da política, os assessores antes de o serem, ser mandado entregar uma pergunta a uma famosa jornalista da televisão, já falecida, para ela fazer a Sá Carneiro. A pergunta ia num papel. E nem se preocuparam em esconder a manobra. A jornalista, que era do partido, fez a pergunta. Pensei, isto não pode ser a maneira de fazer jornalismo em política. Os escrúpulos não abundavam. O jornalismo, tal como a política, inventava-se depois do lápis da censura. Era tudo muito tosco e primitivo.

Pode ter sido um atentado. Pode ter sido um acidente, a versão em que sempre acreditei. Tudo tão tosco e primitivo como o resto. Descobrir, em 2021, que vivo num país onde o Presidente da República social-democrata acredita que foi atentado e nada acontece, como se fosse natural, arrepia-me. Um país onde seria possível assassinar sete pessoas impunemente. Uma delas, o primeiro-ministro. Imaginar que foi atentado significa atestar que o Estado de direito falhou, a Justiça falhou, o encobrimento venceu. Teorias da conspiração, cada um tem a sua.

Nestes 40 anos das mortes de Camarate, um pesado manto de nostalgia cobre, ainda, a orfandade da direita portuguesa. O PSD anda à deriva e à procura de D. Sebastião. Sem âncora ideológica, sem convicção, sem programa, sem outro desejo a não ser a despeitada ocupação do poder, esta direita dos caciques nascida do aparelho partidário que o cavaquismo personalista bombardeou e que o poluído Chega intoxicará com populismo, não chega para reformar Portugal. Mimetiza a direita insurrecta e ignorante do tempo de Sá Carneiro. A que ele sabia menos inteligente do que ele. E os novos elitistas, mais uma vez, não têm voz ativa nem representam o país. O CDS está no parque infantil. O PSD não despiu o luto.

O ódio da viúva e a ironia do ministro

Posted: 11 Dec 2020 03:45 AM PST

«Percebe-se que o ministro da Administração Interna esteja nervoso. Entende-se que Eduardo Cabrita esteja inquieto com o desenrolar do caso da morte de Ihor Homeniuk nas instalações do SEF e que levou à acusação de três inspetores daquele serviço por homicídio qualificado.

Compreende-se que ataque diretamente a Comunicação Social e os comentadores televisivos que escreveram e opinaram sobre a tragédia do cidadão ucraniano.

Percebe-se porque esta postura do governante não é novidade. Já em julho do ano passado acusou a Imprensa de causar alarmismo, após o "Jornal de Notícias" ter divulgado que as 70 mil golas antifumo entregues pela Proteção Civil no âmbito do programa "Aldeia Segura - Pessoas Seguras" foram fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização.

O que não se entende é o que o Estado português tenha ignorado durante nove meses a família do cidadão ucraniano morto no Aeroporto de Lisboa. Não tenha tido uma palavra de conforto. Que a demissão da diretora do SEF tenha demorado nove meses. E que o ministro da Administração Interna anuncie agora, numa comunicação carregada de dispensável ironia, que vai indemnizar a família, como se não fosse essa a obrigação. Uma indemnização, diga-se, paga por todos os contribuintes portugueses.

São duras as palavras da viúva. "Não era nem criminoso, nem terrorista, nem assassino; era uma pessoa normal", diz, referindo-se ao pai dos seus dois filhos menores. E o "ódio" que confessa sentir pelo nosso país não se apagará certamente com uma conferência de Imprensa durante a qual um ministro tem a pretensão de achar que pode dar lições sobre direitos humanos aos portugueses.

É legítimo que vários partidos peçam "consequências políticas" para o caso de um cidadão espancado até à morte e que defendam que a demissão da diretora do SEF não é suficiente.

Por muito menos, já se demitiram ministros. Por muito menos.»

Manuel Molinos

Segurança Social, vítima de uma burla com décadas

por estatuadesal

(Vítor Lima, in Blog Grazia Tanta, 07/12/2020)

O valor retido pelo empresariato corresponde a quase um ano de pensões, com a conivência silenciosa dos governos e das chamadas oposições.

A riqueza é sempre relativa e, incorporando o vírus do capitalismo, não se contenta em qualquer patamar de acumulação. Enriquecer é um desígnio nunca saciado e para o qual a ética, quando apontada, é apenas um tapete que encobre a burla e o roubo; se necessário, através da inevitável repressão das gentes.

O papel do Estado, desde a ascensão do capitalismo foi sempre o de um gestor, de um auxiliar essencial para a acumulação de capital. Para o efeito, (re)constrói, em permanência, um discurso de organização e de encaminhamento da punção fiscal, hierarquizando os vários segmentos sociais.

Em Portugal, a Segurança Social (SS), no essencial, obtém, entre outras, as suas receitas a partir das quotizações dos próprios trabalhadores e contribuições das empresas onde trabalham, por conta do valor acrescentado que geraram. Os recursos financeiros da SS têm assim, uma proveniência bem definida e uma aplicação dos seus fundos, bem delimitada – pagamento de reformas, situações de desemprego, doença ou invalidez dos indivíduos que procederam aos devidos descontos. Pelo contrário, o Estado, tem recursos captados sobre toda a população (impostos) e, uma aplicação não consignada, muito generalizada, envolvendo uma miríade de funções.

Em Portugal, por regra, as receitas da área pública são cobradas com uma enorme e calculada dose de incúria; uma incúria que tem décadas, que é estrutural para financiamento de empresas que se inserem num capitalismo subalterno e, historicamente, muito dependente do apoio estatal. Esse apoio, revela-se num tradicional e elevado nível de economia paralela (27 a 30% do PIB); de fraude contributiva, com aparelhos de fiscalização muito lentos e “maleáveis”; e, uma administração pública burocratizada, partidarizada, que publicou a Conta da Segurança Social de 2018 (um verdadeiro labirinto) uns, vinte meses após o final daquele ano.

A SS, tal como a Autoridade Tributária, passou a divulgar listas de empresas com grandes débitos para com aquelas instituições. Uma consulta recente nomeava 34 empresas com dívida de contribuições não pagas, no valor de € 1 a 5 milhões; e que certamente não pagarão, não só pelo nível acumulado de dívida; porque já terão dissipado qualquer património; ou ainda, porque aquele foi previamente objeto de garantia a favor dos bancos credores, muito mais lestos e cautelosos nesta matéria. Se o objetivo era envergonhar alguém com essas listagens esse objetivo… falhou redondamente.

A situação conhecida no momento atual é clara quanto a uma silenciosa política de instalada incúria visando o financiamento de … empresários falidos ou calculistas.

                       Fonte: Contas da Segurança Social

O crescimento das dívidas tomadas como de médio ou longo prazo resulta, nos últimos anos, da grande redução das contribuições tomadas como dívida consolidada e já não como prestações em atraso (Contribuintes); o que não ilustra a gestão de Vieira da Silva. Para mais em paralelo temporal com o tempo pos-troika, o I governo Costa lançou o programa Peres[1]de recuperação de dívida que, como todos os programas[2]do género deverá ser o último… antes do próximo que provavelmente virá na boleia dos danos do covid-19.

O gráfico seguinte ilustra a crescente utilização das contribuições não pagas à SS como norma de capitalização ou fuga de capitais por parte dos empresários portugueses, com a dedicada conivência dos governos, naturalmente. A grande quebra observada entre 2002/2003 deve-se a uma operação de titularização de dívidas fiscais e à SS[3], levada a cabo por Manuela Ferreira Leite. Nessa operação os créditos cedidos - € 9446 M do Estado e € 1995.2 M da SS – em grande parte incobráveis, os valores recebidos no final, foram de € 1453 M e € 307 M respetivamente. A diferença, na sua maioria, corresponde a não pagamentos de empresas em dívida e, entretanto desaparecidas, como produto da tradicional benevolência dos órgãos estatais face aos responsáveis. Uma tradição que surge como inconcebível em outros países da Europa.

Curiosamente, como também se pode ver no gráfico seguinte, o grande crescimento da dívida à SS, em termos de percentagem do PIB e entre 2005/11, coincide com a governação Sócrates, tendo como ministro para a SS um nocivo Vieira da Silva; que voltaria a protagonizar um acréscimo da dívida a partir de 2015, com António Costa, e apesar da cobrança extraordinária do já atrás referido, Peres. Vieira da Silva protagonizou[4] ainda a introdução do Factor de Sustentabilidade, uma fórmula de colocação dos trabalhadores a trabalhar (e a descontar) mais anos, encolhendo, naturalmente o tempo de vida, livre do trabalho; e, reduzindo o encargo para a SS mantendo a habitual displicência face ao incumprimento por parte dos patrões. Em contrapartida, o regime pos-fascista age duramente sobre pequenos devedores como neste caso.

Sobre a Segurança Social, sinalizamos adiante textos divulgados nos últimos anos – um tema que nunca interessou a imprensa, porque os prejuízos recaem sobre a população em geral e os reformados em particular que não têm lobbies para os representar. O modelo organizativo é aceite acriticamente pelos sindicatos, pela população em geral e, com o silêncio interessado da classe política; da parcela mais à direita até à menos reacionária.

O tecido económico de hoje não é dominado pelo trabalho intensivo como há décadas e isso exige outras incidências para financiamento da SS, mormente sobre o valor acrescentado; um tema que obviamente não é colocado, na pobreza ideológica dominante.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Os cidadãos da Polónia e da Hungria acreditam no Estado de direito. Será que a UE os apoiará?

Posted: 10 Dec 2020 03:27 AM PST

«Ao mesmo tempo que os líderes europeus se reúnem, esta semana, em Bruxelas para tentar desbloquear 1,8 biliões de euros de financiamento da UE, edifícios municipais em Varsóvia e a Estátua da Liberdade em Budapeste serão iluminados de azul. Esta acção, organizada por grupos de campanha e pelos presidentes de câmara destas cidades, é um poderoso lembrete da trajectória sombria que a UE tem pela frente se se colocar à margem enquanto o Estado de direito se extingue na Polónia e na Hungria. É um apelo à solidariedade com os milhões de cidadãos de ambos os países que defendem que o financiamento da UE deve depender da defesa destes direitos fundamentais por parte dos seus governos.

A distribuição de fundos da UE relacionada com o combate à covid-19 e com o orçamento 2021-2027 tem sido, até ao momento, vetada pelo húngaro Viktor Orbán e pelo polaco Mateusz Morawiecki, espelhando a relutância destes em aceitar que a adesão à UE depende da defesa de tais valores.

Não se trata, naturalmente, de uma nova luta para estes dois líderes. Há anos que nós, na Polónia e na Hungria, temos vindo a lutar contra os nossos governos nacionais que minam os valores fundamentais da Europa: democracia e direitos humanos. Centenas de milhar de nós têm saído à rua, ano após ano, para lutar contra as suas tentativas de controlar os meios de comunicação social, o poder judicial e os sistemas democráticos do nosso país.

A lista de violações do Estado de direito, da sociedade civil, da independência judicial e da liberdade de imprensa nos nossos países é longa. É bem conhecida a história de o governo húngaro ter espezinhado a liberdade académica ao tornar impossível o funcionamento da Universidade Centro-Europeia em Budapeste – a primeira vez que uma universidade foi forçada ao exílio desde a Segunda Guerra Mundial. Na Polónia, o partido do governo, Lei e Justiça (Pis), assumiu o controlo do anteriormente independente Conselho Nacional da Magistratura – ao assegurar que a nomeação, promoção e disciplina dos juízes da nação é decidida por pessoas leais ao partido.

No momento que escrevo, a PKN Orlen, empresa petrolífera estatal polaca, acaba de comprar a Polska Press, um meio de comunicação social privado que chega a 11 milhões de polacos todos os dias. Os críticos estão a expressar preocupação e têm motivos para isso, dado o padrão de acontecimentos na Hungria de Orbán. Aqui, os meios de comunicação social independentes têm caído, um após outro, nas mãos de figuras ligadas ao Governo – ao ponto que, neste momento, quase não existe no país qualquer meio de comunicação governamental independente ou crítico.

Não é exagero dizer que, na Polónia e na Hungria, a democracia está ameaçada. Numa grande sondagem feita aos cidadãos, no ano passado, dois terços dos polacos (64%) revelaram ser da opinião de que o Estado de direito estava a ser minado no seu país. Já na Hungria, 58% dos inquiridos mostraram sentir que o seu sistema político estava “fracturado”.

Ainda me lembro das celebrações na minha cidade natal quando a Hungria aderiu à União Europeia, em 2004. Para aqueles que tinham crescido atrás da Cortina de Ferro, foi um momento em que soubemos que estaríamos a salvo da tirania e que seríamos parte de um colectivo, com os nossos amigos europeus.

Com a nossa adesão à UE, pudemos passar por reformas que solidificaram e reforçaram o Estado de direito, que nos garantiram liberdades e que nos permitiram viver e prosperar como europeus. E esta é uma posição que se reflecte sondagem após sondagem – recentemente foi revelado que 73% dos polacos e 65% dos húngaros acreditam que a adesão à UE tem sido benéfica para a prosperidade do seu país.

Colectivamente, nos grupos aHang e Akcja Demokracja, temos apoiado centenas de milhares de cidadãos na Hungria e na Polónia que acreditam num mecanismo do Estado de direito para o financiamento da UE. Temos recebido mensagens como “estar em corpo e espírito na Europa era o meu sonho de juventude”, “a adesão da Polónia à UE foi um dia muito especial para mim” e “as actuais acções do Governo polaco são um crime contra os seus cidadãos”. Estes sentimentos estão a ser amplamente difundidos e são ignorados por Orbán e Morawiecki.

Esta semana, os líderes da UE têm uma opção a tomar. Podem apaziguar Orbán e Morawiecki e, com isso, desapontar os cidadãos da Hungria e da Polónia que se preocupam com o Estado de direito e as liberdades essenciais. Isto encorajaria os dois líderes e mostraria a outros líderes nacionalistas que as tácticas de chantagem podem ser eficazes. Além disso, isto fomentaria uma nova mudança para o autoritarismo, não apenas na Hungria e na Polónia, mas em toda a Europa, o que causaria uma fractura desnecessária da UE-27. Uma alternativa seria enfrentar estes “tigres de papel” e colocar-se ao lado dos cidadãos destes dois países para defesa dos nossos valores, como europeus.

Nós, bem como centenas de milhares de cidadãos da Hungria e da Polónia, exortamo-los a manterem-se firmes perante as tácticas de intimidação de Orbán e Morawiecki e a darem um exemplo de como a Europa lida com autocratas. Os líderes europeus deveriam seguir o exemplo dado pelas centenas de milhares de cidadãos da Polónia e da Hungria: não deveriam comprometer a democracia nem o Estado de direito – deveriam defendê-la a todo o custo. Só isso tornará a Europa mais forte.»

Máté Varga, fundador do maior grupo de campanha progressista da Hungria

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A diretora do SEF não se demitiu, caiu. O ministro não se mantém, segura-se

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/12/2020)

Daniel Oliveira

271 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, a diretora do SEF demitiu-se. Se não o fizesse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. A revolta com o bárbaro assassinato de Ihor tem de servir para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. Estes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidade para liderar essa mudança. O seu receio em mexer um dedo que o ponha em perigo permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. Que seja nomeado alguém capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.


71 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, Cristina Gatões demitiu-se.

Se acreditasse que há ali uma réstia de decência, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, desde que tomou posse, não deu relevância ao relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura e aos avisos da Provedora da Justiça sobre o estranho estatuto os centros de internamento temporário e as condições favoráveis (e as suspeitas) para que ali acontecessem todos os abusos. Nem as sucessivas notícias que davam Portugal como o único de 17 países que mantinha imigrantes detidos por mais de 48 horas. A diretora do SEF conhecia a casa e os problemas. Não fez nada.

Se acreditasse que alguém assumiu alguma coisa, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, depois da sessão de tortura, que culminou na morte do ucraniano, ficou 17 dias sem fazer rigorosamente nada, talvez esperando que a poeira assentasse, o que parece ser a sua especialidade. O inquérito interno só foi aberto, ao contrário do que garantiu Eduardo Cabrita no Parlamento, depois da notícia da detenção pela PJ de três inspetores do SEF.

Se achasse que percebeu o que é indigno em tudo isto, diria que a diretora do SEF se demitiu porque percebeu que o seu silêncio, durante oito meses, sem achar que o país merecia um esclarecimento, foi um insulto à memória de Ihor Homenyuk, à sua família (que nunca contactou) e aos direitos humanos e valores constitucionais.

Mas como tudo isto já eram factos quando finalmente decidiu falar, há cerca de um mês, é evidente que não foi por nada disto que se demitiu. Demitiu-se porque a pressão pública foi muita. Se Cristina Gatões não se demitisse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. Quem segurou a diretora do SEF durante todo este tempo foi o ministro da Administração Interna. Quem não olhou para os relatórios para saber que alguma coisa tinha urgentemente de ser feita, ainda antes da tragédia, foi o ministro da Administração Interna. Quem permitiu este inaceitável silêncio durante oito meses foi o ministro da Administração Interna. A responsabilidade política, que não é coisa meramente simbólica, é de Eduardo Cabrita.

Como escrevi ontem, a demissão da diretora do SEF e do ministro não é imperativa por isto ter acontecido nos seus turnos. É imperativa por eles terem responsabilidades no que sucedeu, por omissão, e não terem tirado consequências da gravidade do que aconteceu, depois. E porque a sua permanência transmite uma mensagem aos serviços e à sociedade: que um atentado aos direitos humanos destas dimensões não tem consequências para os que, no topo da hierarquia, o têm de evitar. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. E a demissão da diretora do SEF, com a permanência de Eduardo Cabrita, esconde o falhanço da política.

Ontem, anunciou-se uma dança de cadeiras. Se isto não for uma situação transitória, demonstra-se que esta demissão foi uma farsa, uma mera reação à pressão mediática. Para o lugar de Gatões vai o seu adjunto, que foi chefe de gabinete de Eduardo Cabrita. José Luís Barão não tem qualquer experiência em nada que se relacione com esta área e tem um currículo mais vasto no aparelho do PS e da JS. E o novo diretor adjunto é o homem que foi nomeado diretor de Fronteiras de Lisboa para substituir o diretor envolvido na ocultação do crime. Sangue novo, só se for o que vem da “jota”.

Depois, tentando que pareça que mexe o que esteve sempre parado, o Governo foi repescar ao baú o que tinha no programa de governo e prometeu uma reestruturação do SEF lá para o verão do ano que vem. A proposta é separar a parte burocrática da policial. Parece evidente – o processo de legalização de imigrantes não é assunto de polícia. Mas o momento e a forma como aparece apenas revelam a vontade que se deixe de falar do assunto e, acima de tudo, do ministro.

Só que ao ouvir ontem, na SIC, a viúva de Ihor, que teve de pagar do seu bolso a transladação do cadáver e é tomada pela revolta quando ouve a palavra “Portugal" - julgava que deste lado da Europa se respeitavam os direitos humanos -, sente-se uma vergonha sem fim. Pelo crime. Por nem um estuporado representante deste país lhe ter telefonado. Por o Presidente da República, que sobre tudo bota discurso e que todas as mortes lamenta, não dizer uma palavra. Por tudo, tudo, tudo. E torna-se intolerável ver este ministro que nada fez, que nada vai fazer, sentado no mesmo lugar.

O importante é que a revolta com o bárbaro assassinato de Ihor Homenyuk sirva para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. O problema é que só muda quem tem autoridade para liderar a mudança. E estes agonizantes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de quaisquer responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidades e condições políticas para liderar a mudança que é precisa. Porque não lidera coisa alguma, é liderado pelos acontecimentos. Porque remenda, não resolve. Porque não age, reage. Porque a sua cultura política, a sua passividade e receio em mexer um dedo que o ponha em perigo, foi o que permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. É urgente uma mudança no SEF. Que seja nomeado um ministro ou uma ministra capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.