Translate

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Os cidadãos da Polónia e da Hungria acreditam no Estado de direito. Será que a UE os apoiará?

Posted: 10 Dec 2020 03:27 AM PST

«Ao mesmo tempo que os líderes europeus se reúnem, esta semana, em Bruxelas para tentar desbloquear 1,8 biliões de euros de financiamento da UE, edifícios municipais em Varsóvia e a Estátua da Liberdade em Budapeste serão iluminados de azul. Esta acção, organizada por grupos de campanha e pelos presidentes de câmara destas cidades, é um poderoso lembrete da trajectória sombria que a UE tem pela frente se se colocar à margem enquanto o Estado de direito se extingue na Polónia e na Hungria. É um apelo à solidariedade com os milhões de cidadãos de ambos os países que defendem que o financiamento da UE deve depender da defesa destes direitos fundamentais por parte dos seus governos.

A distribuição de fundos da UE relacionada com o combate à covid-19 e com o orçamento 2021-2027 tem sido, até ao momento, vetada pelo húngaro Viktor Orbán e pelo polaco Mateusz Morawiecki, espelhando a relutância destes em aceitar que a adesão à UE depende da defesa de tais valores.

Não se trata, naturalmente, de uma nova luta para estes dois líderes. Há anos que nós, na Polónia e na Hungria, temos vindo a lutar contra os nossos governos nacionais que minam os valores fundamentais da Europa: democracia e direitos humanos. Centenas de milhar de nós têm saído à rua, ano após ano, para lutar contra as suas tentativas de controlar os meios de comunicação social, o poder judicial e os sistemas democráticos do nosso país.

A lista de violações do Estado de direito, da sociedade civil, da independência judicial e da liberdade de imprensa nos nossos países é longa. É bem conhecida a história de o governo húngaro ter espezinhado a liberdade académica ao tornar impossível o funcionamento da Universidade Centro-Europeia em Budapeste – a primeira vez que uma universidade foi forçada ao exílio desde a Segunda Guerra Mundial. Na Polónia, o partido do governo, Lei e Justiça (Pis), assumiu o controlo do anteriormente independente Conselho Nacional da Magistratura – ao assegurar que a nomeação, promoção e disciplina dos juízes da nação é decidida por pessoas leais ao partido.

No momento que escrevo, a PKN Orlen, empresa petrolífera estatal polaca, acaba de comprar a Polska Press, um meio de comunicação social privado que chega a 11 milhões de polacos todos os dias. Os críticos estão a expressar preocupação e têm motivos para isso, dado o padrão de acontecimentos na Hungria de Orbán. Aqui, os meios de comunicação social independentes têm caído, um após outro, nas mãos de figuras ligadas ao Governo – ao ponto que, neste momento, quase não existe no país qualquer meio de comunicação governamental independente ou crítico.

Não é exagero dizer que, na Polónia e na Hungria, a democracia está ameaçada. Numa grande sondagem feita aos cidadãos, no ano passado, dois terços dos polacos (64%) revelaram ser da opinião de que o Estado de direito estava a ser minado no seu país. Já na Hungria, 58% dos inquiridos mostraram sentir que o seu sistema político estava “fracturado”.

Ainda me lembro das celebrações na minha cidade natal quando a Hungria aderiu à União Europeia, em 2004. Para aqueles que tinham crescido atrás da Cortina de Ferro, foi um momento em que soubemos que estaríamos a salvo da tirania e que seríamos parte de um colectivo, com os nossos amigos europeus.

Com a nossa adesão à UE, pudemos passar por reformas que solidificaram e reforçaram o Estado de direito, que nos garantiram liberdades e que nos permitiram viver e prosperar como europeus. E esta é uma posição que se reflecte sondagem após sondagem – recentemente foi revelado que 73% dos polacos e 65% dos húngaros acreditam que a adesão à UE tem sido benéfica para a prosperidade do seu país.

Colectivamente, nos grupos aHang e Akcja Demokracja, temos apoiado centenas de milhares de cidadãos na Hungria e na Polónia que acreditam num mecanismo do Estado de direito para o financiamento da UE. Temos recebido mensagens como “estar em corpo e espírito na Europa era o meu sonho de juventude”, “a adesão da Polónia à UE foi um dia muito especial para mim” e “as actuais acções do Governo polaco são um crime contra os seus cidadãos”. Estes sentimentos estão a ser amplamente difundidos e são ignorados por Orbán e Morawiecki.

Esta semana, os líderes da UE têm uma opção a tomar. Podem apaziguar Orbán e Morawiecki e, com isso, desapontar os cidadãos da Hungria e da Polónia que se preocupam com o Estado de direito e as liberdades essenciais. Isto encorajaria os dois líderes e mostraria a outros líderes nacionalistas que as tácticas de chantagem podem ser eficazes. Além disso, isto fomentaria uma nova mudança para o autoritarismo, não apenas na Hungria e na Polónia, mas em toda a Europa, o que causaria uma fractura desnecessária da UE-27. Uma alternativa seria enfrentar estes “tigres de papel” e colocar-se ao lado dos cidadãos destes dois países para defesa dos nossos valores, como europeus.

Nós, bem como centenas de milhares de cidadãos da Hungria e da Polónia, exortamo-los a manterem-se firmes perante as tácticas de intimidação de Orbán e Morawiecki e a darem um exemplo de como a Europa lida com autocratas. Os líderes europeus deveriam seguir o exemplo dado pelas centenas de milhares de cidadãos da Polónia e da Hungria: não deveriam comprometer a democracia nem o Estado de direito – deveriam defendê-la a todo o custo. Só isso tornará a Europa mais forte.»

Máté Varga, fundador do maior grupo de campanha progressista da Hungria

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A diretora do SEF não se demitiu, caiu. O ministro não se mantém, segura-se

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/12/2020)

Daniel Oliveira

271 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, a diretora do SEF demitiu-se. Se não o fizesse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. A revolta com o bárbaro assassinato de Ihor tem de servir para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. Estes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidade para liderar essa mudança. O seu receio em mexer um dedo que o ponha em perigo permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. Que seja nomeado alguém capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.


71 dias depois da morte de Ihor Homenyuk, Cristina Gatões demitiu-se.

Se acreditasse que há ali uma réstia de decência, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, desde que tomou posse, não deu relevância ao relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção contra a Tortura e aos avisos da Provedora da Justiça sobre o estranho estatuto os centros de internamento temporário e as condições favoráveis (e as suspeitas) para que ali acontecessem todos os abusos. Nem as sucessivas notícias que davam Portugal como o único de 17 países que mantinha imigrantes detidos por mais de 48 horas. A diretora do SEF conhecia a casa e os problemas. Não fez nada.

Se acreditasse que alguém assumiu alguma coisa, diria que a diretora do SEF se demitiu porque, depois da sessão de tortura, que culminou na morte do ucraniano, ficou 17 dias sem fazer rigorosamente nada, talvez esperando que a poeira assentasse, o que parece ser a sua especialidade. O inquérito interno só foi aberto, ao contrário do que garantiu Eduardo Cabrita no Parlamento, depois da notícia da detenção pela PJ de três inspetores do SEF.

Se achasse que percebeu o que é indigno em tudo isto, diria que a diretora do SEF se demitiu porque percebeu que o seu silêncio, durante oito meses, sem achar que o país merecia um esclarecimento, foi um insulto à memória de Ihor Homenyuk, à sua família (que nunca contactou) e aos direitos humanos e valores constitucionais.

Mas como tudo isto já eram factos quando finalmente decidiu falar, há cerca de um mês, é evidente que não foi por nada disto que se demitiu. Demitiu-se porque a pressão pública foi muita. Se Cristina Gatões não se demitisse teria de ser o ministro a fazê-lo. E ainda tem. Quem segurou a diretora do SEF durante todo este tempo foi o ministro da Administração Interna. Quem não olhou para os relatórios para saber que alguma coisa tinha urgentemente de ser feita, ainda antes da tragédia, foi o ministro da Administração Interna. Quem permitiu este inaceitável silêncio durante oito meses foi o ministro da Administração Interna. A responsabilidade política, que não é coisa meramente simbólica, é de Eduardo Cabrita.

Como escrevi ontem, a demissão da diretora do SEF e do ministro não é imperativa por isto ter acontecido nos seus turnos. É imperativa por eles terem responsabilidades no que sucedeu, por omissão, e não terem tirado consequências da gravidade do que aconteceu, depois. E porque a sua permanência transmite uma mensagem aos serviços e à sociedade: que um atentado aos direitos humanos destas dimensões não tem consequências para os que, no topo da hierarquia, o têm de evitar. O que se passa no SEF não é só um caso de polícia, é um caso de política. E a demissão da diretora do SEF, com a permanência de Eduardo Cabrita, esconde o falhanço da política.

Ontem, anunciou-se uma dança de cadeiras. Se isto não for uma situação transitória, demonstra-se que esta demissão foi uma farsa, uma mera reação à pressão mediática. Para o lugar de Gatões vai o seu adjunto, que foi chefe de gabinete de Eduardo Cabrita. José Luís Barão não tem qualquer experiência em nada que se relacione com esta área e tem um currículo mais vasto no aparelho do PS e da JS. E o novo diretor adjunto é o homem que foi nomeado diretor de Fronteiras de Lisboa para substituir o diretor envolvido na ocultação do crime. Sangue novo, só se for o que vem da “jota”.

Depois, tentando que pareça que mexe o que esteve sempre parado, o Governo foi repescar ao baú o que tinha no programa de governo e prometeu uma reestruturação do SEF lá para o verão do ano que vem. A proposta é separar a parte burocrática da policial. Parece evidente – o processo de legalização de imigrantes não é assunto de polícia. Mas o momento e a forma como aparece apenas revelam a vontade que se deixe de falar do assunto e, acima de tudo, do ministro.

Só que ao ouvir ontem, na SIC, a viúva de Ihor, que teve de pagar do seu bolso a transladação do cadáver e é tomada pela revolta quando ouve a palavra “Portugal" - julgava que deste lado da Europa se respeitavam os direitos humanos -, sente-se uma vergonha sem fim. Pelo crime. Por nem um estuporado representante deste país lhe ter telefonado. Por o Presidente da República, que sobre tudo bota discurso e que todas as mortes lamenta, não dizer uma palavra. Por tudo, tudo, tudo. E torna-se intolerável ver este ministro que nada fez, que nada vai fazer, sentado no mesmo lugar.

O importante é que a revolta com o bárbaro assassinato de Ihor Homenyuk sirva para mudar a forma como o Estado lida com os que nos procuram para cá viver e trabalhar. O problema é que só muda quem tem autoridade para liderar a mudança. E estes agonizantes nove meses de espera, oito em silêncio e um em resistência passiva à assunção de quaisquer responsabilidades, dizem-nos que Eduardo Cabrita não tem capacidades e condições políticas para liderar a mudança que é precisa. Porque não lidera coisa alguma, é liderado pelos acontecimentos. Porque remenda, não resolve. Porque não age, reage. Porque a sua cultura política, a sua passividade e receio em mexer um dedo que o ponha em perigo, foi o que permitiu que se reforçasse um Estado arbitrário dentro do Estado. No SEF e não só. É urgente uma mudança no SEF. Que seja nomeado um ministro ou uma ministra capaz de exercer a tutela política das forças de segurança.

Um negócio multimilionário

Posted: 09 Dec 2020 03:34 AM PST

«Chama-se Margaret, tem 90 anos, foi a primeira pessoa no Mundo a receber a vacina da Pfizer/BioNTech. A mesma que, esperamos todos, chegará aos portugueses nos primeiros dias de janeiro.

Foi às 6.45 horas de ontem, em Coventry, no Reino Unido, país onde se prevê que sejam administradas quatro milhões de vacinas só até ao final deste mês.

É um momento simbólico e de esperança. Mas é também um momento em que se confirma que a pandemia não atinge todos por igual. A vacinação começa por um dos países mais ricos do Mundo, como foram os países mais ricos do Mundo (Estados Unidos e União Europeia) a arrebanhar a maior parte do número limitado de primeiras doses desta e de outras vacinas (a da Moderna é a segunda na fila).

O alerta é de Sidney Wong, dos Médicos Sem Fronteiras, que não terá nunca o impacto mediático de Margaret. Um alerta e um apelo, porque, como acrescenta, é urgente que multinacionais farmacêuticas como a Pfizer e a Moderna partilhem com outros a propriedade intelectual e a tecnologia que permita a produção massiva de vacinas à escala global.

Por outras palavras, as vacinas que permitem salvar vidas e retirar a humanidade de uma crise sanitária, económica e social sem precedentes, não podem ser apenas mais um negócio multimilionário. Sucede que o simples facto de o alerta estar a ser feito nesta altura é a melhor prova de que assim será.

Há alguns dados dispersos sobre quanto estarão a cobrar as farmacêuticas por cada cidadão vacinado (40 euros a Pfizer, 60 euros a Moderna, tendo em conta que são necessárias duas doses), mas nada sabemos sobre qual é a sua margem de lucro. Como não sabemos até que ponto estão as farmacêuticas a incorporar nos seus proveitos os milhares de milhões de fundos públicos canalizados para as diferentes investigações. Ou o conhecimento científico que é património comum e público.

Ao contrário, sabemos que, entre março e dezembro, a BioNTech, parceira da Pfizer, valorizou 258% em bolsa (de 28 para 99 euros por ação), e que cada ação da Moderna passou, no mesmo período, de 25 para 125 euros. Vale uma aposta que nas próximas listas de bilionários globais algumas fortunas vão engordar substancialmente?»

Rafael Barbosa

Resposta de um eleitor do BE a Boaventura Sousa Santos

por estatuadesal

(Carlos Marques, 08/12/2020)

(Este texto é resposta ao artigo de Boaventura Sousa Santos que publicámos aqui: https://estatuadesal.com/2020/12/08/lenine-e-nos/

Estátua de Sal, 09/12/2020)


Todo o texto do “Boaventura PSousa PSantos” cai quando confrontado com qualquer argumento que use um pingo de lógica:
1- para que serviria um BE se aprovasse um orçamento do PS em que o PS não aprovou uma única proposta do BE?
2- para que serviria o BE se aprovasse um orçamento que, em vez de contra-cíclico à boa maneira Keynesiana, tem como prioridade o ajustamento orçamental ainda com a pandemia a meio?
3- para que serviria um discurso diário de defesa dos trabalhadores, se depois o BE se aliasse a um PS que mantém a lei laboral da troika e de Passos Coelho, que condena tantos à precariedade e pobreza?
4- para que serviria o BE se fizesse de conta que António Arnaut e José Semedo nunca existiram nem concluíram que era preciso salvar o SNS da lógica a que o PS o condenou?
5- para que serviria um BE Socialista (por oposição a um PS Capitalista) se continuasse a aceitar colocar dinheiro num off-shore de um fundo abutre para tapar buracos de “imparidades” inventadas com suspeita de crime?

E a resposta a todas é: não serviria para nada. Ora, era exactamente esse o objectivo do PS desde 2019, quando rejeitou o acordo escrito com o BE: fazer todos os possíveis, de teatro em teatro, até provocar uma crise política estéril, convocar eleições antecipadas e repetir até à exaustão durante os 15 dias da campanha: “estão a ver que o BE não serve para nada? Dêem-nos a maioria absoluta”.

O problema é que o BE abriu os olhos a tempo. Por mim falo: se o BE continuasse a ser bengala desta política desastrosa e governo desastrado, eu deixaria de votar BE.

Eu, eleitor do BE, queria mais investimento, mas o PS só olha para uma descida ilusória do défice. Queria uma lei laboral decente, mas o PS encosta-se à Direita-Radical. Queria um SNS com o financiamento adequado, mas o PS cativa. Queria que o ROUBO da Lone Star parasse, mas o PS escolhe o fanatismo ideológico NeoLiberal. E queria também uma continuação da Geringonça, mas o PS recusou-a logo em 2019.

E a prova dos 9 são os resultados eleitorais. O BE tem-se mantido no seu máximo histórico (10%), enquanto o PCP está a definhar e vai em várias derrotas consecutivas. Nestas eleições presidenciais suspeito que a tendência se manterá. E acrescento que a principal razão para o PS não apoiar um candidato(a) da sua área, e em vez disso ir atrás da miss popularidade, Marcelfie, é só tacticismo: não ter uma derrota estrondosa, e fazer de conta que a popularidade de Marcelfie é a sua.

Mas reconheço um erro ao BE: na votação inicial do orçamento devia ter-se abstido. E só após o PS rejeitar as suas 12 propostas, aí sim o BE devia ter estado contra na votação final. Foram com demasiada sede ao pote, e para já até pode haver gente que, apesar de votar no mesmo partido que eu, tem outro ponto de vista e ficou descontente. Mas no médio e longo prazo, será uma questão de tempo até se fazer justiça e se perceber que o contra foi o voto certo.

Assim como em 2011 o BE foi castigado por “não dar a mão a Sócrates e ao PEC 4”, veio depois o castigo inicial no mau resultado nas eleições logo a seguir, mas logo 4 anos depois o BE voltou ao máximo e, como se tem visto, tirando de forma sistémica votos ao PS, e que nunca voltarão ao PS.

É por isso que os “Boaventuras PSousas PSantos” desta vida andam tão irritados e se fartam de escrever e comentar contra o BE, mas sempre com o cuidado de nunca analisar as propostas e sentidos de voto, pois aí fica demasiado óbvio o erro histórico que é o apoio da Esquerda ao àquilo em que o António Costa transformou o PS, de forma menos óbvia desde 2018, de forma mais descarada desde 2019, e de forma escandalosa desde o chumbo das 12 propostas do BE e o ataque raivoso no debate orçamental de 2020.

Então aquela semana em que PS e seus comentadores andaram diariamente a chamar irresponsável e “encostado à Direita” ao BE e a elogiar o PCP por causa da questão dos 480 milhões para a Lone Star (Novo Banco), foi o cúmulo da desonestidade intelectual, uma vez que ambos os partidos votaram da mesmíssima forma.
E se o PS (e o Marcelfie) rasgassem as vestes desta maneira por causa da precariedade, desigualdade (de classe, e territorial), pobreza, sub-orçamentação do SNS, +40h/semana no sector privado e horas extraordinárias que nunca mais acabam, pensões miseráveis para os nossos idosos, e falta de condições para os jovens terem filhos cá em vez de emigrarem? Isso é que era de valor!
Mas como não o fazem, suspeito que a lição de Lenine tenha o sentido exactamente oposto ao que o “Boaventura PSousa PSantos” lhe quis dar…

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Zona Franca da Madeira: licença para abusar

Posted: 08 Dec 2020 03:57 AM PST

«Todos os anos, Portugal perde 850 milhões de euros devido ao abuso fiscal proporcionado por offshores e jurisdições semelhantes, dados da Tax Justice Network (TJN). É o equivalente ao salário anual de quase 50 000 enfermeiros.

Nem é preciso falar aqui do branqueamento de capitais. A simples evasão fiscal já é uma corrida para o fundo. Não se trata de eficiência económica, mas de concorrência desleal por parte de algumas empresas e indivíduos, com a consequente delapidação das receitas fiscais globais, com particular incidência nos países mais pobres.

Esta constatação não impediu Portugal de criar o seu próprio offshore, disfarçado de apoio económico à região ultraperiférica da Madeira. Em 2011, ano de crise e austeridade, foi publicado o livro "Suite 605". Nele, João Pedro Martins relata as histórias de fraude e evasão que levaram centenas de empresas a registarem-se na mesma suite 605, no Funchal. Alguns desses casos são bem conhecidos: Isabel dos Santos, apanhada no escândalo Luanda Leaks, a filha do ditador da Guiné Equatorial ou futebolistas famosos em fuga ao fisco. Outros casos, menos mediáticos, passam pela criação de empresas falsas para onde rendimentos de grupos económicos são canalizados, aproveitando as isenções e reduções de taxa, sendo depois distribuídos das formas mais criativas. Neste sistema, perdem os países de origem mas também a Madeira, que viu o seu PIB falsamente inflacionado, com redução de acesso a apoios comunitários.

Dirão que o offshore da Madeira já não tem a agressividade de outros tempos. É certo, mas nem por isso deixa de ocupar lugares respeitáveis nos índices que medem os graus de sigilo financeiro e facilitação fiscal em todo o Mundo. O prejuízo global causado pelo regime deverá rondar os 450 milhões de euros.

Os defensores da Zona Franca da Madeira argumentam com os benefícios para a criação de emprego e riqueza na região. Mas era há muito evidente que estes critérios não eram cumpridos. Os postos de trabalho eram falsos, assim como as empresas e, por isso, logo em 2016, o Bloco quis criar regras de cumprimento e verificação desses critérios. Essa proposta foi rejeitada por PS, PSD e CDS, os mesmos partidos que juravam que o regime servia para... criar emprego e riqueza na Madeira. Também a Comissão Europeia decidiu investigar e acaba de confirmar que houve fraude às regras, tal como há anos denunciamos.

Veremos se é desta que a hipocrisia do PS acerca do abuso na Madeira é abalada. Refere a imprensa que, na confusão das votações orçamentais sobre a medida do Novo Banco, quando a publicação destas conclusões estava iminente, o Governo terá tentado alterar o voto dos deputados do PSD Madeira com promessas sobre a Zona Franca, não se sabe bem quais. É um mau prenúncio num tema em que tanta transparência e rigor têm faltado.»

Mariana Mortágua