Em 31 de Dezembro de 1968, cerca de cento e cinquenta católicos entraram na igreja de S. Domingos, em Lisboa, e nela permaneceram toda a noite, naquela que terá sido a primeira afirmação colectiva de católicos contra a Guerra Colonial, numa actividade formalmente «disciplinada». Com efeito, o papa Paulo VI decretara, em 8 de Dezembro, que o primeiro dia de cada ano civil passasse a ser comemorado pela Igreja como Dia Mundial pela Paz e, alguns dias depois, os bispos portugueses tinham seguido o apelo do papa em nota pastoral colectiva.
Assim sendo, nada melhor do que tirar partido de uma oportunidade única: depois da missa presidida pelo cardeal Cerejeira, quatro delegados do numeroso grupo de participantes comunicaram-lhe que ficariam na igreja, explicando-lhe, resumidamente, o que pretendiam com a vigília:
«1º – Tomar consciência de que a comunidade cristã portuguesa não pode celebrar um “dia da paz” desconhecendo, camuflando ou silenciando a guerra em que estamos envolvidos nos territórios de África.
2º – Exprimir a nossa angústia e preocupação de cristãos frente a um tabu que se criou na sociedade portuguesa, que inibe as pessoas de se pronunciarem livremente sobre a guerra nos territórios de África.
3º – Assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África.»
Entregaram-lhe também um longo comunicado que tinha sido distribuído aos participantes, no qual, entre muitos outros aspectos, era sublinhado o facto de a nota pastoral dos bispos portugueses, acima referida, tomar expressamente partido pelas posições do governo que estavam na origem da própria guerra, ao falar de «povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa».
Apesar de algumas objecções, o cardeal não se opôs a que permanecessem na igreja, ressalvando «a necessidade de uma atitude de aceitação da pluralidade de posições». Pluralidade não houve nenhuma: até às 5:30, foram discutidos todos os temas previstos e conhecidos vários testemunhos, orais ou escritos, sobre situações de guerra na Guiné, Angola e Moçambique.
Hoje tudo isto parece trivial, mas estava então bem longe de o ser. Aliás, seguiu-se uma guerra de comunicados entre Cerejeira e os participantes na vigília, que seria fastidioso analisar aqui. Mas vale a pena referir que, com data de 8 de Janeiro, uma nota do Patriarcado denunciou «o carácter tendencioso da reunião», terminando com um parágrafo suficientemente esclarecedor para dispensar comentários:
«Manifestações como esta que acabam por causar grave prejuízo à causa da Igreja e da verdadeira Paz, pelo clima de confusão, indisciplina e revolta que alimentam, são condenáveis; e é de lamentar que apareçam comprometidos com elas alguns membros do clero que, por vocação e missão deveriam ser, não os contestadores da palavra dos seus Bispos, mas os seus leais transmissores».
A PIDE esteve presente (há disso notícia em processo na Torre do Tombo), mas não houve qualquer intervenção policial. Alguns jornais (Capital e Diário Popular) noticiaram o evento, mas sem se referirem ao tema da Guerra Colonial – terão provavelmente tentado sem que a censura deixasse passar… A imprensa estrangeira, nomeadamente algumas revistas e jornais franceses, deram grande relevo ao acontecimento. E foi forte a repercussão nos meios católicos.
Para quem esteve presente em S. Domingos, como foi o meu caso, essa noite ficará para sempre ligada à Cantata da Paz, hoje tão conhecida, mas que poucos identificam com a sua origem. Com versos propositadamente escritos para essa noite por Sophia de Mello Breyner, e com música de Francisco Fernandes, foi então estreada por Francisco Fanhais. (Quantas vezes a terá cantado depois disso, nem ele certamente o saberá…)
P.S. – Quatro anos mais tarde realizou-se uma outra vigília pela paz na Capela do Rato, com consequências bem mais gravosas porque envolveu uma greve de fome, prisões e despedimentos da função pública.
1 Raras vezes assisti a um exercício colectivo de tamanha hipocrisia como este a propósito da matança da Torre Bela. Ressalvo que muitas das enormidades e dos disparates que vi ditos e escritos não o foram por má-fé ou injusta indignação, mas tão-só por uma absoluta ignorância da matéria em causa e das leis aplicáveis. O que não é o caso, obviamente do ministro do Ambiente, tão lesto a cavalgar agora as ondas populares de fúria das redes sociais, logo classificando aquilo como “um crime ambiental”, como é inerte e silencioso perante os verdadeiros crimes ambientais, estruturais e irremediáveis, que marcarão o país por décadas, mas cujos poderosos autores e interesses ele não se atreve a enfrentar. A matança da Torre Bela não tem nada que ver com caça nem com ambiente, foi um simples acto de barbárie e exibicionismo — muito comum entre os espanhóis, que não são verdadeiros caçadores, mas matadores — e que simultaneamente serviu um fim específico: limpar o terreno de todos os animais silvestres de grande porte para nele poder instalar a central fotovoltaica para lá projectada. Todos os coutos de caça maior onde existem veados ou gamos têm de proceder regularmente, e por razões naturais, ao respectivo desbaste, o qual é fixado em função da sua existência. É um espectáculo feio, que eu já testemunhei mas em que sempre recusei participar, mas que, todavia, é como é: ou se proíbe a caça a estas espécies sem ser por aproximação, em terreno aberto de montanha, ou, se se consente, por razões económicas, não se pode proibir o desbaste. E a dimensão deste, ao contrário do que vi dito, não depende de lei nem de fiscalização, mas de quem gere o couto e que se presume que não tem interesse em extinguir ou pôr em causa a “raiz” do mesmo. O que aconteceu na Torre Bela é que o interesse era o oposto, era exactamente o de limpar o couto de todos os animais, de uma só vez. E, para tal, recorreram aos serviços de uma empresa especializada e a “caçadores” orgulhosos de levarem a cabo a tarefa. Foi tão simples quanto isso.
O cúmulo da hipocrisia foi ver juntar-se ao coro das indignações a própria Herdade da Torre Bela, esclarecendo em comunicado que tinha apresentado uma queixa junto do Ministério Público (depois de o Ministério do Ambiente já o ter feito), “contra os promotores da caçada e porque os donos da Herdade não se revêem no que lá foi feito”. Em primeiro lugar, cabe perguntar: quem são os donos da Herdade da Torre Bela? Sim, quem são esses donos que até hoje ninguém, nem o presidente da Câmara da Azambuja (outro indignado) nem o ministro, nos querem dizer quem são? Será possível que não saibam quem é o verdadeiro proprietário de uma das maiores tapadas da Europa, outrora propriedade do duque de Lafões e depois símbolo da reforma agrária? E os senhores gestores da Herdade querem fazer-nos crer que contrataram uma empresa já suficientemente conhecida por promover matanças semelhantes sem estabelecer previamente um limite de animais a abater e sem ter ninguém no terreno a acompanhar o que se passava e poder dizer “basta”, quando visse o que estava a acontecer?
A Torre Bela serviu às mil maravilhas para reacender a fúria dos inimigos da caça — como se aquilo tivesse alguma coisa a ver com caça, que eles sabem que não tem, mas que lhes dá jeito confundir. Até parece ter sido encomendado para isso. Quando oiço o tonitruante ministro Matos Fernandes a dizer que vai perseguir criminalmente os organizadores e “caçadores” da Torre Bela e rever a lei da caça, já antevejo o desfecho do assunto: nada vai acontecer aos espanhóis e as consequências que houver vão sobrar para os banais caçadores portugueses, que não tiveram nada que ver com aquilo.
2 A persistência lusitana em não abrir mão de certas e sagradas regras burocráticas sempre ancoradas em visões congeladas das leis, chega a ser cómica. Assim a decisão do Tribunal Constitucional (TC) de não chumbar liminarmente a candidatura presidencial de um tal Baptista, militar colocado num quartel da NATO na Holanda, e que, em vez das 7500 assinaturas válidas de apoio à sua candidatura, apresentou apenas 11 — “de um camarada militar, um amigo e a família”. Porque, ao que parece, o TC entende que a competência para excluir candidatos, afinal será do MAI, ou que é preciso um acórdão para esclarecer a “questão”. Mais cómico ainda, embora sem graça nenhuma, foi a guerra de competências entre a PSP e a GNR de Évora sobre quem deveria escoltar a carrinha das vacinas covid em direcção ao sul. Como a PSP entendeu que a cidade é da sua competência, resolveu que lhe cabia a si fazer a escolta e não à GNR, e deu-se ao assomo de reter a carrinha (com uma vacina que tem prazos de congelação apertados) durante meia hora, até que alguém do horrível poder central resolvesse este conflito de poderes descentralizados. Fez-me lembrar o episódio de um Tintim, em que os Dupond e Dupont dão ordem de prisão um ao outro e montam numa bicicleta, cada um com a mão no ombro do outro, para assegurar a sua captura. O mais cómico disto é pensar que quando passar esta fase inicial do folclore e fogo-de-artifício, se algum dia, como nos garantem, se chegar às 75 mil ou 150 mil inoculações por dia, é óbvio que acabarão as aparatosas escoltas para saloio ver. Assim como rapidamente acabou o segredo do “armazém secreto no centro do país” onde se armazenam as vacinas da Pfizer. Porque não conseguimos ser mais práticos e menos grandiloquentes? Mais eficazes e menos institucionais?
3 E, por falar em vacinas, há quem já esteja preocupado por ainda não haver, segundo as sondagens, um número suficiente de portugueses dispostos a vacinar-se em quantidade que garanta a imunidade de grupo de toda a população. É, de facto, um problema inesperado se a estupidez de uns quantos puser em causa a saúde de todos. É, aliás, um subcapítulo de uma mais vasta e preocupante estupidez universal que liga o negacionismo sobre a covid-19 a teorias da conspiração sobre o “roubo” da reeleição de Trump, a grande seita pedófila democrática, o chip que Bill Gates terá instalado em cada vacina e destinado a controlar cada cidadão do planeta, e outras histórias que, de tão imbecis, não acreditaríamos que alguém pudesse acreditar nelas, não fosse esta a era da imbecilidade absoluta das redes sociais. Sendo que o princípio da voluntariedade da vacinação permanece intocável, certos países ponderam, contudo, adoptar consequências para quem se recusar a tomá-la, com fundamento na violação de um dever cívico de solidariedade social e de defesa comum da saúde pública. Uma dessas consequências — que me parece no mínimo exigível — é a de que quem se recusar a ser vacinado e venha a ter de ser tratado depois à doença pague os seus tratamentos por inteiro.
Em boa verdade, porém, esta é uma conversa que me parece completamente prematura no caso português. Mantendo o pessimismo de que aqui dei conta na semana passada, acho que estamos muito longe do momento em que as autoridades terão de andar atrás dos portugueses para eles se vacinarem. O contrário é que é bem mais provável: se não abrirem mão do que não pode ser nada mais do que preconceitos ideológicos ou incapacidade organizativa e não estenderem a vacinação à farmácias, sectores privado e social, o que veremos antes é os portugueses a andarem atrás das autoridades a mendigarem uma vacina.
4 Amanhã, Portugal inicia a sua quarta presidência semestral da União Europeia e pode-se dizer que António Costa é um homem de sorte: há um mês, a tarefa de Portugal era um pesadelo à vista, hoje é uma planície de onde foram removidos todos os pedregulhos. Graças a Angela Merkel, a Ursula von der Leyen, a Michel Barnier e a Christine Lagarde, a ‘bazuca’ vai estar desimpedida e activa, o crédito disponível e barato, as vacinas contra a covid em plena distribuição coordenada por Bruxelas e o ‘Brexit’ resolvido. Não é apenas uma oportunidade incrível para Portugal (mais uma!), é também uma oportunidade única para a Europa, para uma nova agenda virada para o futuro e para a procura de soluções para os problemas de amanhã. Temos todas as condições para fazer uma presidência que brilhe, mas também todas as responsabilidades para não falhar. Nesta hora em que a Europa emerge de tantos e tão terríveis desafios mais forte e mais unida do que nunca, gostaria de saber quem é que ainda se atreve a dizer que estaríamos melhor fora da Europa?
5 A lei que rege as candidaturas presidenciais é absolutamente clara no sentido de permitir a suspensão do mandato parlamentar do deputado André Ventura, enquanto durar a campanha eleitoral. E a lei sobrepõe-se ao estatuto dos deputados. Ao recusar a pretensão de André Ventura, ao arrepio do parecer jurídico do deputado encarregado de se pronunciar sobre o assunto, a coligação PS/PCP/BE não faz mais do que cobrir-se de vergonha e ajudar à vitimização de Ventura. Ainda não perceberam que atitudes destas relativamente ao deputado do Chega, tais como as de Ana Gomes e Marisa Matias, só servem para lhe dar força crescente.
Miguel Sousa Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
«Há eventos, na história mais recuada e nos tempos recentes, que percebemos bem terem sido causados, ou piorados, pela má qualidade dos políticos e dos governantes. Exemplifico. A Revolução Francesa não está desligada da mediocridade de Luís XVI. Qualquer um esperaria de governantes como Trump e Bolsonaro que potenciassem uma carnificina, em calhando uma crise pandémica como a da covid. Porque psicologicamente e politicamente são produtos que não têm o bem comum da generalidade da população como princípio norteador.
O “Brexit” foi outro caso claro de políticos desastrosos sucedendo-se como dízima infinita. O irresponsável Cameron, com a brincadeira do referendo. May, mostrando força que não tinha. Boris Johnson, impreparado e espalhafatoso. Corbyn, sempre ambíguo e politicamente radical. Desagradava tanto aos britânicos que estes, até os que detestam o cisma com a União Europeia, preferiram votar nos conservadores do “Brexit”.
Porém, neste ano de pandemia, tivemos a sorte de algumas lideranças providenciais. Daquelas que agiram para minorar ou extinguir a crise. Que velaram pelo bem comum em vez de pelo narcisismo estrepitoso próprio dos líderes proto-autoritários. Dentro delas, curiosamente, as melhores foram mulheres. Para mim, as personalidades políticas de 2020 foram quatro e estão todas no feminino.
Ursula von der Leyen é a mais emblemática. Porventura a maior responsável europeia pela vacina para a covid. Não tendo a União Europeia uma política de saúde comum, para além dos mínimos de regulamentação, a Comissão Europeia tomou para si o financiamento da pesquisa das empresas privadas, arriscou (porque poderia financiar e os resultados serem sofríveis ou insuficientes), coordenou etapas entre o regulador comunitário e as farmacêuticas, encomendou doses para toda a UE, e, por fim, está a distribui-las por todos os países simultaneamente.
Penso que em Portugal todos temos noção de que, não fora toda a estratégia, planeamento e logística da Comissão Europeia, não receberíamos vacinas contra a covid ao mesmo tempo que a Alemanha. Nem teríamos stocks atempados para recuperarmos normalidade de vida no verão. Lembremos há pouco tempo o desaire com as vacinas da gripe, esse da gestão do muito português Ministério da Saúde, que colocou pessoas que normalmente se vacinam sem dificuldades não conseguindo vacinas este ano.
A presidente da Comissão não deixou os Estados membros entregues a si próprios numa área que não é da competência da UE. Depois da calamitosa resposta inicial da UE à Itália – ficou sozinha a tratar do surto explosivo de covid, com ajuda casuística dos países vizinhos em alguns internamentos –, onde até houve ralhetes e ameaças do BCE por causa das contas públicas italianas à conta da covid, Ursula von der Leyen percebeu que a resposta teria de ser europeia. Porque o coronavírus tem a particularidade irritante de não se incomodar com fronteiras.
Não foi só na vacinação que Ursula von der Leyen entregou resultados. A bazuca europeia para a recuperação económica pós-covid tem a sua impressão digital. Conseguir convencer os mais renitentes à emissão de dívida europeia para a bazuca foi épico. O discurso do Estado da União por Von der Leyen este ano no Parlamento Europeu – memorável. Falando em inglês e francês, Ursula não tem a vivacidade que lhe é visível nas partes em que discursa em alemão, é mais pausada e contida, mas as oscilações de forma não a impediram de ser ambiciosa para a UE, tanto na economia como nos direitos humanos, passando até pela cultura.
Felizmente temos uma Ursula von der Leyen à frente da CE neste ano alucinado. Até o dossier “Brexit” a expediente Ursula conseguiu encerrar. E é curioso – e comovente – que o ano da consumação do “Brexit” seja também o ano em que a colaboração europeia fez tanto sentido e foi tão imprescindível.
Outra líder incontornável: Angela Merkel. Sempre reincidente nestes rankings de boas características. A sua firmeza a decretar confinamentos, a escolha de bons cientistas para a aconselharem e a ausência de hesitação a aplicar as recomendações foram de índole a dar segurança ao mais incréus. Os seus discursos políticos onde explicava, de modo calmo e contundente, o que sucederia se a taxa de transmissão da doença aumentasse, quantos mortos se esperariam diariamente se o Natal alemão fosse mais relaxado, e outros pormenores técnicos tornados acessíveis e evidentes por Merkel, foram de antologia. Deveriam ser usados em licenciaturas e mestrados como paradigmas de boa comunicação política.
Uma terceira é Jacinda Ardern, da Nova Zelândia. Teve como política suprimir o contágio de covid. O país fechou, para dentro e para fora (ajudou ser um arquipélago), e temporariamente teve os custos económicos da paragem. Como resultado, no total tiveram pouco mais de dois mil casos de covid e, segundo o site Worldometers, 25 mortos (para cinco milhões de habitantes). Já reabriram as fronteiras com a Austrália e regressaram à vida (quase) normal mesmo sem vacinas que lhes trouxessem a almejada imunidade de grupo.
E a quarta: Tsai Ing-wen. A Presidente de Taiwan, líder do DPP, o partido progressista e independentista da ilha. Teve melhores resultados que Ardern: menos de mil casos em Taiwan, e sete mortes. Tanto mais assinalável pela alta densidade populacional: a ilha é menos de metade de Portugal e tem mais do dobro da população. A estratégia de Tsai Ing-wen foi implementada mal se souberam dos casos em Wuhan nos primeiros dias do ano. Logo em janeiro, estava a OMS ainda a olhar para o umbigo e para a propaganda chinesa, fechou o país ao exterior (só entravam residentes e nacionais, com quarentena), convidou os turistas chineses (há lá muitos) e japoneses a regressarem a casa sem demoras, encerrou as escolas e universidades por umas tantas semanas, as máscaras tornaram-se obrigatórias e eram distribuídas à população.
Taiwan nunca teve confinamento geral, mas a pronta ação inicial e a limitação de movimentos contiveram o contágio de covid nos primórdios da doença. Podemos comparar com os países europeus, Portugal por exemplo, incentivando a vinda de turistas todo o verão, a ver se tornavam inevitável uma segunda vaga. Taiwan está na meia dúzia (mal contada) de países que vai crescer economicamente em 2020.
2020 foi um ano terrível. Porém, é reconfortante que nesta crise gigante as lideranças políticas femininas tenham sido as mais admiráveis.»
A Comissão de Vencimentos da TAP aprovou a subida do salário de Ramiro Sequeira para 35 mil euros brutos mensais, na sequência da sua promoção a presidente interino da comissão executiva, um valor que representa quase o dobro do que o gestor auferia no cargo anterior. Tem retroativos a setembro.
Alexandra Vieira Reis também entrou para a comissão executiva da empresa de aviação e passa de 14 mil para 25 mil euros brutos.
O presidente do conselho de administração da TAP, Miguel Frasquilho, mantém-se no posto, mas subiu o seu salário de 12 mil para 13,5 mil euros brutos.
O anterior CEO, que Ramiro Sequeira substitui provisoriamente, o brasileiro Antonoaldo Neves, ganhava 45 mil euros brutos e recebia mais 14 mil para casa e educação dos filhos.
Estes são os factos. Qual é a polémica nesta notícia?
A decisão da Comissão de Vencimentos (um tipo de organismo que nas grandes empresas em todo o mundo se tem mostrado meramente instrumental para caucionar, com uma pretensa legitimidade formal, salários exagerados para gestores de topo) decorre no momento em que a TAP está à beira da falência, tem o governo a pedir empréstimos por ela a Bruxelas, anunciou um plano de despedimentos para mais de dois mil trabalhadores e pretende reduzir em 25% os salários dos que ficarem.
A questão não está, em primeira análise, no valor dos salários dos gestores (isso seria uma segunda discussão), está no facto de estes aumentos ocorrerem precisamente num contexto tão dramático na vida da TAP.
Este contexto motivaria o mais básico bom senso de fazer, na melhor das hipóteses, acertos salariais meramente simbólicos, devido às promoções efetuadas, nunca uma duplicação dos valores auferidos no cargo anterior, adiando-se para quando estivesse totalmente claro o futuro da empresa (o que só acontecerá depois das negociações com Bruxelas) a definição da política para estes quadros, adaptada à nova realidade, quer no estatuto remuneratório quer na própria composição dos organismos executivos.
Não basta dizer que os administradores da TAP também sofrerão um corte salarial de 25%, tal como os outros trabalhadores, nem que a diferença entre o que aufere agora Ramiro Sequeira e o que auferia antes Antonoaldo Neves é muito grande, com prejuízo para o primeiro.
Em primeiro lugar, o estatuto remuneratório de um administrador é muito diferente do dos outros trabalhadores, pelo que não pode ser analisado da mesma forma - e deveria, nesta situação em que se pede um sacrifício intolerável a todos os trabalhadores, obedecer pelo menos a um princípio de o sacrifício maior começar pelo topo da hierarquia da empresa
Em segundo lugar, a missão de Ramiro Sequeira está atribuída, por enquanto, interinamente, o que deveria aumentar ainda mais a probidade desta decisão e torna a hipotética comparação com o salário do CEO anterior uma falácia.
Além disso, sem outra explicação disponível, parece-me totalmente incompreensível a subida, nesta altura, do salário de Miguel Frasquilho, que se mantém no mesmo cargo que já antes exercia.
Esta Comissão de Vencimentos tomou a decisão destes aumentos, malgrado a polémica causada no ano passado com o pagamento de prémios a quadros superiores da empresa (apesar do prejuízo de 118 milhões de euros no exercício anterior) que totalizou 1,171 milhões de euros e levou o ministro Pedro Nuno Santos a dizer, em fevereiro deste ano, que se estava perante "uma falta de respeito para com a esmagadora maioria dos trabalhadores da TAP".
E estes aumentos de agora, são o quê?
Este ministro, que garante que a TAP será, depois da reestruturação, mais de 90% estatal, apresentou há dias, numa entrevista televisiva, os salários dos pilotos da companhia. Segundo esses números, os salários de um piloto podem variar dos seis mil euros brutos mensais até aos 18 500 euros brutos mensais.
Perguntado pelos jornalistas da SIC que o entrevistavam se achava esses valores demasiado altos, Pedro Nuno Santos retorquiu com outra pergunta; "Não sei. O que é que acha?..." O que achará então este ministro, agora, desta política definida pela Comissão de Vencimentos da TAP?
A cegueira política de quem tomou estas decisões, apesar do ambiente depressivo da TAP, vai, objetivamente, contribuir para reforçar as hostes dos que defendem que a empresa deve ser abandonada à sua sorte e que o Estado não deve meter nela os três mil milhões e meio de euros que o ministro das Infraestruturas acha serem necessários para a viabilizar.
Quem defende a passagem para a esfera pública da companhia de bandeira tem de exigir mais à sua gestão: não só por, por princípio, a gestão da coisa pública dever ser sempre exemplar nos seus critérios de atuação, mas, também, por o escrutínio atual sobre a TAP ser elevadíssimo e qualquer falha política poder ser fatal para a empresa.
A TAP, assim, está a ser morta por dentro e o ministro Pedro Nuno Santos, assim, não a vai salvar.
«O princípio do fim ou o fim do princípio. Foi assim, a cada um sua leitura, olhado o início da vacinação contra a Covid 19 em Portugal e no resto da Europa. Garantida está, pelo menos, uma réstia de esperança para o ano novo que se aproxima e se deseja melhor, solar, aberto. Mas nada está garantido, muito pelo contrário.
Quando acabará o longo pesadelo? Vemos uma luz ao fundo do túnel, ao mesmo tempo dá-se quase por garantida uma terceira vaga da pandemia, e bastantes vozes dizem recusar a vacina, hipotecando a possibilidade de alcançarmos a sonhada imunidade de grupo. Vamos acreditar que no domingo, com o início da vacinação, assistimos ao início de algo novo. Uma coisa é certa: não retomaremos o momento interrompido em março passado, ninguém tenha ilusões. Mas é chegada a hora de levantar os escombros, afastar esta crise que muitos classificaram, sem qualquer exagero, como uma guerra silenciosa. Desconhecemos ainda o que iremos encontrar amanhã, todavia teremos de estar preparados para o pior: para uma crise social sem precedentes. Até agora essa crise foi amortecida por apoios sociais garantidos pelos diferentes estados, por moratórias de dívidas que acabarão por ter de ser pagas. E serão aqueles que pouco ou nada têm, uma vez mais, a sofrer.
Serão "os pobres, aqueles que odiamos porque recebem subsídios e não trabalham, tirando dinheiro dos nossos bolsos, aqueles que gastam esse dinheiro na droga e no álcool, que roubam e nos atazanam a vida, e têm o privilégio de nunca terem sido amados", escreve o padre José júlio Rocha, no Diário Insular, dos Açores. Um texto que é um verdadeiro murro no estômago a lembrar-nos que é a esses, "os que não têm lugar", os que nunca foram amados, que o dia seguinte se apresenta verdadeiramente negro.»