Translate

domingo, 7 de março de 2021

A “reconfiguração da direita”

 

por estatuadesal

(José Pacheco Pereira, in Público, 06/03/2021)

Pacheco Pereira

Sem o doublespeak orwelliano, esta expressão não significa outra coisa senão capturar o PSD para a direita dos tempos da troika.

A ocultação pelas palavras e a manutenção do poder pelo controlo sobre as palavras estão na essência do 1984. Orwell descreveu a linguagem do ingsoc assente no doublespeak e o que é mais que actual no seu livro é a percepção de que, mais do que a repressão directa, era o controlo do que se dizia e como se dizia que explicava o poder do Big Brother. Acrescia a esta percepção a também muito actual situação de o Big Brother proibir todos os anos um certo número de palavras, o que, empobrecendo o vocabulário e a sua capacidade expressiva, condenava os seus servos a uma linguagem gutural e pouco comunicativa. Não nos diz nada num mundo dominado pela restrição de caracteres no Twitter e as abreviaturas da linguagem gutural dos SMS?

Por cá temos muitos exemplos do doublespeak orwelliano. Recordo-me de um exemplo típico nos anos (que parecem saudosos a alguns) da troika, quando o Governo Passos-Portas-troika anunciou uma série de “cortes”. Algum “comunicativo” explicou que chamar “cortes” aos cortes era uma asneira e no dia seguinte todos os ministros, secretários e demais pessoal político passaram a falar de “poupança”. Ontem eram “cortes”, hoje são “poupanças”. Mas a prática continuou.

Um exemplo dos dias de hoje é a célebre “reconfiguração da direita”, expressão que muita gente usa descuidadamente como se fosse unívoca. Vamos por partes, começando pela “direita” e acabando na “reconfiguração”. Já disse cem vezes, e repito mais uma, que os termos “direita” e “esquerda” são muito inadequados para uma análise da complexidade da vida política contemporânea, mas, mais uma vez, por maldita comodidade vou usá-los. No entanto, com a redução da política a um grau muito próximo do zero, talvez passe de novo a ter algum sentido. Só que esta “esquerda” e esta “direita” já não são o que eram – são outra coisa, são expressões que são hoje tribais, num período de radicalização que varre tudo o que não seja pertença de uma tribo outra. Estamos no reino dicotómico da esquerda-direita, e tudo o que não se reconheça numa das tribos é visto como traidor por uma delas. Na verdade, a tribalização hoje é mais evidente à direita do que à esquerda, porque a agressividade identitária é muito maior, quer pelas forças, a principal das quais é a aliança com o populismo antidemocrático, quer pelas fraquezas, em particular nas urnas. Por isso, na nossa frase orwelliana da “reconfiguração da direita”, a direita de que se fala tende a não ser a direita democrata-cristã, nem conservadora, nem liberal, mas a direita tribal que vem para regular as contas com o “socialismo”, que parece ser o seu alvo, mas não é.

Vamos então à “reconfiguração da direita”, uma expressão que não significa outra coisa senão capturar o PSD para a direita dos tempos da troika. Para esta direita tribal, o PSD é o seu objectivo principal, não é o PS. Sem o PSD, toda esta direita tribal é grupuscular, quem tem os votos é o PSD, sem eles não se acede ao governo e esse acesso, principalmente em tempos de “bazuca”, é estratégico. O seu inimigo principal não é Costa, é Rio, que cometeu o crime de querer recentrar o PSD e tirá-lo da forte deslocação à direita que se deu no Governo Passos-Portas-troika. Daí a nostalgia do regresso de Passos Coelho, a criação de Relvas, cuja memória é todos os dias objecto de lavagem, também num sentido orwelliano. Um dos instrumentos dessa lavagem é a atribuição das políticas mais impopulares à troika, quando os ditames da troika foram consentidos, desejados e ultrapassados, indo “para além da troika. Na parte em que houve obrigação, isso deveu-se a que o descalabro orçamental de Sócrates foi seguido por vários meses de políticas idênticas, até aos célebres cortes do Natal, que seriam únicos e para não se repetirem (já ninguém se lembra), porque chegavam. O problema nem sequer foi apenas os cortes, mas o alvo dos cortes, o ataque aos mais velhos, a “peste grisalha”, e à baixa classe média, aos direitos laborais, a sistemática tentativa de fazer políticas anticonstitucionais, num ambiente de revanchismo social contra todos os que tinham saído da pobreza por via do Estado, na educação, na saúde, na administração pública. E a coisa acabou com o varrer para o tapete, com a conivência da União Europeia, de tudo o que ficou por resolver como a crise na banca, que ainda hoje pagamos.

Terminando com a “reconfiguração da direita”, sem doublespeak, e traduzindo, significa afastar Rio, trazer Passos ou um qualquer clone de Passos, capturar o PSD para a tribo, colocar o PSD à cabeça de uma “frente de direita” (algo que Sá Carneiro não quis que a AD fosse), e voltar à austeridade com os mesmos alvos do passado, “os que viviam acima das suas posses”, que não eram os que sempre viveram das nossas posses.

sábado, 6 de março de 2021

A coragem de Mamadou Ba

Posted: 05 Mar 2021 03:45 AM PST

 


«Mamadou Ba tem quase um metro e noventa, é corpulento e exibe um sorriso meio irónico, meio desafiador que parece dizer “eu vim para vos lixar a cabeça.” Sabe-se como, em geral, os brancos não gostam de negros impertinentes. A arrogância é uma característica deplorável, mas num negro ela torna-se quase inaceitável. Querem um exemplo? Ljubomir Stanisic, o último macho-alfa do planeta, tão seguro de si que quase explode de confiança. Desbocado, temerário, agressivo, parece um homem sempre pronto a recorrer à violência e que, por isso mesmo, e só por isso, não tem de recorrer à violência. Resultado? É uma estrela. Pagam-lhe milhões. Se fosse um negro? Deus nos livre!

O negro aceitável é humilde, bondoso, dócil, submisso. Pode ser intratável, mas apenas no raio limitado das suas competências. Por exemplo, o foco, a obstinação, o fervor maníaco de um Nélson Évora em competição é valorizado porque é lúdico, canalizado para uma atividade de regras estabelecidas e indiscutíveis. Fora isso, preferimos um Obikwelu, um tipo desarmante de tão simpático e genuíno, mas cujas características – que nada me faz acreditar que não sejam genuínas – tocam no nosso subconsciente: “este preto não é perigoso.”

Com Mamadou Ba a história é outra. Pela sua postura, pela sua função desestabilizadora, é uma ameaça à tranquilidade geral. Como se recusa a encaixar no tipo narrativo mais conveniente para a maioria da população – branca – é quase a personificação do negro malévolo, perigoso, vingativo, eventual assaltante ou violador, o “turra”, o negro insubmisso, ingrato, que recusa as migalhas da misericórdia branca e exige ser tratado como um homem e, assim, cria um abalo sísmico no interior de um sistema em que o negro que levanta a voz é sempre mais ameaçador que um branco – porque o branco nem sequer tem de levantar a voz.

Adversários e inimigos de Mamadou Ba gostam de dizer que é um provocador, retirando dessa forma substância e conteúdo à sua intervenção política. Ba seria apenas um agitador, alguém que se diverte a chatear os outros. E é possível que haja esse lado de provocação, mas o que é que quase certo é que, numa sociedade como a nossa, a tolerância para com um provocador negro é infinitamente inferior à reservada aos provocadores brancos.

Que se saiba, Mamadou Ba nunca usou de violência física nem advoga qualquer tipo de violência, não é líder de um grupo terrorista nem, que eu tenha conhecimento, alguma vez ameaçou alguém. Mas é uma ameaça ao sossego, a um certo consenso podre acerca do lugar apropriado para os negros na nossa sociedade. É normal que muitos canalizem para ele o ódio que têm de conter noutras circunstâncias e com outras personagens, que o vejam como uma ameaça porque ele, ao falar como fala, ao intervir como intervém sendo negro em Portugal, é um sujeito raro.

Muitos acusam-no de contribuir para a destruição da harmonia social ao inventar uma questão racial que não existe. Mas a maior ameaça a essa suposta harmonia social é a própria existência dele nos termos por ele escolhidos. E as reações a essa postura destroem o mito da harmonia social que é apenas a ideia de que harmonia é cada um se manter no lugar que lhe está destinado. E Mamadou Ba não aceita isso.

Em termos políticos, não concordo em quase nada com Mamadou Ba e acho que a atomização da sociedade em pequenas células identitárias é nefasta e contraria os princípios de uma verdadeira democracia e de uma República. Há dias, estava a ouvi-lo na televisão e acho que não concordei uma única vez com ele. Mas admiro-lhe a coragem e o desassombro. Num país de subalternos e medrosos, não é coisa pouca.» 

sexta-feira, 5 de março de 2021

Esta Comissão tem futuro (e Costa também)

 


por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 05/03/2021)

Clara Ferreira Alves

Quando a burocracia falha, o estratagema é criar uma nova burocracia que faça esquecer o falhanço. Na melhor tradição, a Europa unida quer criar uma nova estrutura apoiada numa quimérica Conferência para o Futuro da Europa. Esta Conferência para o Futuro da Europa leva os chefes europeus a escreverem cartas a António Costa, que tem nas mãos a rotativa presidência da Europa, argumentando a favor de uma liderança da futura estrutura, que ninguém sabe bem o que será, mais ligeira e menos burocrática. Isto, segundo uma investigação do “Financial Times” (e que seria de nós sem os jornais ricos e anglo-saxónicos).

Nunca tinha ouvido falar desta Conferência, mas o futuro é importante. A senhora Von Leyen, ex-ministra da Defesa da Alemanha (e odiada na Alemanha, para quem leia jornais alemães), tendo envenenado o nosso presente com a espera e o prolongamento dos confinamentos e fecho de fronteiras, arrisca o futuro dela no futuro da burocracia de Bruxelas. Em Portugal, quando a decisão vacila e a burocracia impera, criam-se comissões e grupos de trabalho (veja-se o caso maravilhoso do grupo de trabalho para as vacinas dos deputados, ágil e expedito a nomear sem decidir).

Em Bruxelas criam-se, entre outras coisas, Conferências para o Futuro. Quando mais escasso o presente, mais o futuro é radioso. Tratando-se da União Europeia, sabe-se que a primeira coisa que aconteceu foi uma guerrilha surda por lugares, poderes e presidências, com a Alemanha de Merkel e a França de Macron a quererem impor as regras hegemónicas. Note-se que a retirada de cena de Angela Merkel será marcada pelo declínio da sua liderança e pelo falhanço das vacinas, que o povo e os partidos alemães, incluindo a CDU, não parecem dispostos a perdoar. Quanto a Macron, que parecia o mais arguto e moderado dos chefes europeus, o mais resolutamente europeísta, estou para conhecer um francês que não o considere odiado em França. É um ódio visceral ao “pequeno Napoleão”, e superior ao fracasso das vacinas pelo qual ele é tão responsável, ao impor a compra e financiamento da vacina francesa, da Sanofi, que falhou. Os gauleses não esperam que o céu lhes caia em cima da cabeça, e nada esperam da vacina nem de Macron.

A francesa ideia da Conferência foi dele. A seguir à entrada de Von Leyen na Comissão Europeia, Macron achou que era altura de debater o futuro dos europeus. O ‘Brexit’ era a motor desta ideia universalista em que “os cidadãos” seriam chamados a debater o futuro da Europa. A covid deu cabo do sonho. E o ‘Brexit’ deu origem a um azedume entre a UE e o Reino Unido que não pressagia um bom futuro. Uma guerra comercial, a que temos neste momento, levou a Europa a fazer a vida negra aos ingleses, acumulando regulamentos e burocracia punitiva sobre o trânsito de mercadorias e prejudicando gravemente as exportações dos dois lados. Qualquer pessoa que tente enviar uma simples encomenda para o Reino Unido, ou importar outra, sabe do que estou a falar. Papéis, cópias, autorizações, declarações de valor, taxas. A punição europeia é vingativa, e não cria riqueza. Mas, a Europa fez melhor. No estranho caso da AstraZeneca, a Europa burocrática demonstrou uma malícia criminosa que já conhecíamos no estranho caso da dívida soberana e da humilhação insultuosa da Grécia, o país dos ladrões, e subjugação de Portugal, o país onde se gasta tudo “em copos e mulheres”.

A vacina “inglesa”, onde os “ingleses” investiram, que investigaram e criaram, e que encomendaram e pagaram a tempo e horas, chegou primeiro aos inventores e financiadores. O Reino Unido já vacinou mais do dobro da população portuguesa. A senhora Von Leyen, coadjuvada pela Alemanha e pela França, despeitadas, avançou para o castigo. Numa guerra de propaganda resolveram assassinar a vacina, considerando-a inadequada para maiores de 65 anos, porque não havia testes fiáveis da eficácia para os mais velhos. Também não havia testes fiáveis para os mais velhos no caso da vacina alemã, ou das americanas, mas o ponto era a destruição da vacina inglesa. Com as vidas e saúde dos europeus como dano colateral.

A campanha foi tão bem-sucedida que os alemães e os franceses recusaram a vacina em massa. Milhões de vacinas jazem agora nos depósitos e frigoríficos, e arranjou-se uma nova e dupla solução. Ou se oferecia a vacina aos países subdesenvolvidos, os pobres, solução perigosa na opinião pública porque os países desenvolvidos não têm vacinas, ou se estipulava, mediante novo regulamento made in Bruxelas, que afinal a vacina da AstraZeneca era boa, tão boa como as outras, incluindo as não aprovadas e que subitamente se tornaram vacinas eficacíssimas. No questions asked. A vingança correu mal.

Na nomenclatura das variantes mais perigosas, ninguém se preocupou na Europa em chamar inglesa à variante do Reino Unido, ou em chamar brasileira ou sul-africana às outras. O vírus é que não podia de modo nenhum ser chinês, era racismo. E também porque em plena pandemia, a Europa, com a Alemanha a chefiar, assinou um brutal tratado comercial com a China, e se uma coisa a anémica Europa percebe é quem manda e paga. Mais uma vez, tudo foi feito nas costas dos “cidadãos”. Para estas coisas é que se inventam as conferências sobre o futuro.

O nosso Costa, preocupado com o futuro próprio e com o futuro europeu, e aqui os dois futuros cruzam-se e terão decerto um final feliz, tem estado a recolher as epístolas. Parece que a dita e futurista conferência está assombrada pela fraqueza de Merkel e Von Leyen e porque Macron, num acesso de humor, fartou-se do projeto. O candidato dele era o ex-primeiro-ministro belga Guy Verhofstadt, mas os países do Norte e do Leste da Europa não concordam porque o senhor é um federalista. Verhofstadt tem a particularidade de ter um vídeo no YouTube onde critica com aspereza Von Leyen e a Comissão Europeia pelo “fiasco das vacinas”, que explica longamente. No Reino Unido, o vídeo é um sucesso e o “Telegraph”, o jornal conservador, não se cansa de o invocar com júbilo. Note-se que os países do Norte e do Leste da Europa já furaram o projeto vacinador europeu, comprando vacinas à Rússia e à China, ou fazendo, como a Áustria e a Dinamarca, uma aposta no fabrico e produção autónoma de vacinas juntamente com Israel, após uma cimeira trilateral.

O Parlamento Europeu, a presidente da Comissão Europeia e o Conselho Europeu teriam um representante “honorário” na Conferência para o Futuro, com uma comissão executiva composta por alguns representantes e observadores dos 27 países. Aqui começa a luta de gatos. Quem lidera a comissão executiva? Não sei porquê, assim de repente, acho que Costa pode vir a ser o nosso homem no futuro.

E nós por cá? Todos bem. Conjugamos o verbo “esperar vir”, como em “esperamos vir a receber tantos milhões de vacinas”. No futuro

Como será a nossa vida depois do pesadelo?

Posted: 04 Mar 2021 04:03 AM PST

 


«Todos fomos surpreendidos pela chegada desta pandemia. Pela dimensão, fruto da capacidade de transmissão da covid-19, e pela rapidez com que nos atingiu. No início de Janeiro de 2020, as autoridades de saúde davam a notícia desta nova doença, ligada a hábitos estranhos dos chineses, que comem morcegos e pangolins. Nunca tinha ouvido falar dessa longínqua cidade de Huang, apesar de ter 12 milhões de habitantes, pelos vistos com infra-estruturas muito modernas, mas manias ancestrais. Considerava-se que a maleita não chegaria cá, a esta Europa tão civilizada como distante. Ainda me lembro da análise que se fazia ao vestuário dos chineses, que incluía as máscaras de cores garridas, que conhecíamos das nossas viagens exóticas. Talvez protegessem os chineses do ar poluído dos seus motores ruidosos, mas não tinham valor para evitar a propagação dessa nova doença. Enfim, é impressionante como nos enganamos! A velocidade com que esta pandemia se tornou global, parece estar ligada ao tráfego aéreo, que tardamos a proibir, se é que isso ainda era possível. As grandes pandemias que conhecíamos, a última há mais de um século, viajaram de barco para todo o mundo. Esta, rasgou os céus, em velocidade de cruzeiro low cost.

Esta situação opressiva que vivemos, vai acabar por passar, apesar das variantes inevitáveis dos vírus, que irão surgindo. As vacinas, que passaram por ser a afirmação da vitória do espírito europeu, até se tornarem no seu maior embaraço, vão acabar por chegar. A razia dos mais velhos, em conjunto com a legião dos imunizados, servirão de “corta fogo”, para termos algum descanso. Não vai ficar tudo bem, mas iremos sobreviver, como sempre. A dúvida que permanece é se aprendemos alguma coisa, depois desta catástrofe que se abateu sobre nós, e nos infernizou a vida, mais de um ano seguido.

A maior parte dos amigos com que partilho esta inquietação, garante-me que vai voltar tudo ao mesmo, talvez ainda de forma mais exuberante. Festas suadas de milhares de pessoas, compras desenfreadas, viagens intercontinentais em promoção. Parece que assim foi noutras pandemias, talvez porque a geração que as apanhou considera que o aperto não se repetirá nas suas vidas, e é preciso esquecer.

Gostava muito que desta vez não tivessem razão. O Homem, como ser inteligente que é, aproveitaria o confinamento para concluir que não precisa de renovar o guarda roupa em todas as estações, que pode fazer muito trabalho em casa e não precisa de voar para o outro lado do mundo, por uma reunião de três dias. O nosso modelo de desenvolvimento, está posto em causa. Mesmo para quem pode gozar com o aquecimento global, procurando os lugares aprazíveis que o dinheiro pode comprar, não escapa às novas pragas, em muito geradas pelas alterações do clima. E, agora, as pandemias podem ser mais frequentes e apoquentar mais vezes uma mesma geração. Estou com um otimismo contido. Talvez este abalo brutal tenha feito a humanidade repensar o mundo.»

quinta-feira, 4 de março de 2021

Quem és tu Romeiro?

 


por estatuadesal

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 04/03/2021)

Dissipado o nevoeiro em que não se deu pelo prometido Sebastião, eis que dele emergiu azougado Romeiro, que não esconde o envolvimento no autêntico Alcácer-Quibir de entre 2011 e 2015, quando ajudou a entregar o país à troika ou a suportar-lhe os posteriores efeitos. Desde então a quase anónima passagem por Bruxelas não nos fizera darmos-lhe pela falta, agora interrompida ao ver-mo-lo ansioso por se voltar deitar com a ditosa Pátria apesar de a saber a usufruir maior felicidade no ter-se entregue a outro eleito..

Convenhamos que dizendo-se endinheirado no apelido - mesmo que tão pouco se fique pelas moedas e não tanto pelas bem mais apetecíveis notas - não se lhe encontra merecimento maior do que o personagem garrettiano. É que olhamos para trás e dele não lembramos a mais ínfima tentativa de impedir o avanço do (In)desejado chefe para o inóspito deserto, quiçá acreditando-lhe na promessa de aí serem encontrados verdejantes prados. O resultado, não o esquecemos: os jovens convidados a procurarem futuro nas estranjas, menos direitos para quem ainda mantinha os empregos e o geral empobrecimento dos que não soubessem enriquecer à conta das fartas privatizações ou das fugas fiscais.

Até outubro, e porque não têm quem lhes sirva de contrapoder que as contradiga, as televisões e a generalidade da imprensa irão ser pródigas nos méritos do regressado, por muito que não nos consigam dizer quais os que a seu respeito possam alegar. Mas sabemos bem o quanto as direitas, nelas consolidadas, nem quererão saber que fundamento possa existir nas promessas de quem, não tendo uma única ideia para fazer progredir o país, já se contentam com a reconquista do poder apenas por esse mesmo poder. Não faltarão laudas às «virtudes» do Romeiro como se de Aladino com a respetiva lâmpada mágica se tratasse. E haverá até quem o julgue sério concorrente a quem, em contraponto, vem transformando Lisboa numa das mais reconhecidamente belas cidades europeias.

Lá para o fim do ano, quando o logro tiver ficado esclarecido poderemos ver reposto o verdadeiro final do segundo ato do «Frei Luís de Sousa»: a quem perguntar ao Moedas quem afinal é, sempre poderá responder com o «Ninguém», que futuramente está fadado a ser...