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terça-feira, 9 de março de 2021

Mulheres e Revolução

 


por estatuadesal

(Maria Velho da Costa, in Cravo, 1976)

(Este texto é de 1976 mas, em grande medida - e apesar de muitos avanços ocorridos -, a realidade que ele retrata continua a ser a realidade de hoje, no que toca à situação das mulheres.

Texto que transforma um realismo de matizes fortes num belíssimo grito de libertação.

É, pois, o contributo da Estátua, para este Dia Internacional da Mulher. O texto pode ser ouvido no vídeo abaixo, numa leitura conjunta do saudoso Mário Viegas e de Lia Gama.

Estátua de Sal, 08/03/2021)


Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado. Elas alargam o cós das saias. Elas choram a vomitar na pia. Elas limpam a pia. Elas talham cueiros. Elas passam fitilhos de seda no melhor babeiro. Elas andam descalças que os pés já não cabem no calçado. Elas urram. Elas untam o mamilo gretado com um dedal de manteiga. Elas cantam baixinho a meio da noite a niná-lo para que o homem não acorde. Elas raspam as fezes das fraldas com uma colher romba. Elas lavam. Elas carregam ao colo. Elas tiram o peito para fora debaixo de um sobreiro. Elas apuram o ouvido no escuro para ver se a gaiata na cama ao lado com os irmãos não dá por aquilo. Elas assoam. Elas lavam joelhos com água morna. Elas cortam calções e bibes de riscado. Elas mordem os beiços e torcem as mãos, a jorna perdida se o febrão não desce. Elas lavam os lençois com urina. Elas abrem a risca do cabelo, elas entrançam. Elas compram a lousa e o lápis e a pasta de cartão. Elas limpam rabos. Elas guardam uma madeixita entre dois trapos de gaze. Elas talham um vestido de fioco para uma boneca de papelão escondida debaixo da cama. Elas lavam as cuecas borradas do primeiro sémen, do primeiro salário, da recruta. Elas pedem fiado popeline da melhor para a camisa que hão-de levar para a França, para Lisboa. Elas vão à estação chorosas. Elas vêm trazer um borrego à primeira barraca e ao primeiro neto. Elas poupam no eléctrico para um carrinho de corda.
Coisas que elas dizem:
— Se mexes aí, corto-ta.
— Isso não são coisas de menina.
— O meu homem não quer.
— Estuda, que se tiveres um empregozinho sempre é uma ajuda.
— A mulher quer-se é em casa.
— Isto já vai do destino de cada um.
— Deus não quiz.
— Mas o senhor padre disse-me que assim não.
— Dá um beijinho à senhora que é tão boazinha para a gente.
— Você sabe que eu não sou dessas.
— Estás a dar cabo do teu futuro com uns e com outros.
— Deixa-te disso, o que é preciso é sossego e paz de espírito.
— Comprei uns jeans bestiais, pá.
— Sempre dá para uma televisão daquelas novas.
— Cada um no seu lugar.
— Julgas que ele depois casa contigo?
— Sempre há-de haver pobres e ricos.
— Se tu gostasses de mim não andavas com aquela cabra a gastar o nosso.
— Põe o comer ao teu irmão que está a fazer os trabalhos.
— Sempre é homem.

Elas olham para o espelho muito tempo. Elas choram. Elas suspiram por um rapaz aloirado, por duas travessas para o cabelo cravejadas de pedrinhas, um anel com pérola. Elam limpam com algodão húmido as dobras da vagina da menina pensando, coitadinha. Elas escondem os panos sujos de sangue carregadas de uma grande tristeza sem razão. Elas sonham três noites a fio com um homem que só viram de relance à porta do café. Elas trazem no saco das compras uma pequena caixa de plástico que serve para pintar a borda dos olhos de azul. Elas inventam histórias de comadres como quem aventura. Elas compram às escondidas cadernos de romances em fotografias. Elas namoram muito. Elas namoram pouco. Elas não dormem a pensar em pequenas cortinas com folhos. Elas arrancam os primeiros cabelos brancos com uma pinça comprada na drogaria. Elas gritam a despropósito e agarram-se aos filhos acabados de sovar. Elas andam na vida sem a mãe saber, por mais três vestidos e um par de botas. Elas pagam a letra da moto ao que lhes bate. Elas não falam dessas coisas. Elas chamam de noite nomes que não vêm. Elas ficam absortas com a mola da roupa entre os dentes a olhar o gato sentado no telhado entre as sardinheiras. Elas queriam outra coisa.
Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encarnado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram faltar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.


Oportonismo filial II

 

por estatuadesal

(José Gameiro, in Expresso, 05/07/2021)

José Gameiro

"Não sei se se lembra? Estive cá a falar consigo há uns meses. O meu filho estava a controlar-me a vida, durante o primeiro confinamento. E agora repete a graça.” Claro que me lembrava, o homem, por um lado, ficava sensibilizado pela preocupação do filho, mas por outro tinha perdido a liberdade e fazia coisas na clandestinidade. Chamava-lhe, e bem, o oportunismo filial.

“Durante o verão correu tudo muito bem. Um ou outro telefonema do Algarve para saber o que estávamos a fazer, onde tencionávamos ir, nada demais. Estava entretido com os amigos, voltou à condição de filho... Mas agora com este confinamento voltou tudo, ainda pior. Preciso mesmo que me ajude, isto não pode continuar. Já no Natal, apesar de termos sido aconselhados a ter cuidado, mas nada nos impedia de estar com a família, começou a chatear. Vocês são uns inconscientes, dão ouvidos a esses epidemiologistas que acham muito bem que se façam testes rápidos para se sentirem seguros. Eu só vou ao Natal de família se comermos fora da mesa, está fora de questão ficarmos todos sentadinhos e depois já sei como é... A partir daqui foi sempre a piorar. Se no primeiro só se preocupava comigo, agora tomou o comando da casa. Faz as compras, nada de produtos calóricos, que engordámos muito, todas as refeições com saladas, parecemos uns grilos. Em abono da verdade nunca comi tão bem, inventa e sai sempre ótimo. Com o agravar dos contágios dissemos à empregada para não vir. Olhe, acordo de manhã com o aspirador e com o frio a entrar pelas janelas. Abre tudo, diz que é preciso arejar, para expulsar os miasmas. Quer-nos obrigar a fazer testes regularmente. Muito antes desta nova diretiva de fazermos testes sem prescrição, já ele e os amigos os faziam. Ó pai é muito simples, telefona para a linha SNS 24, diz que teve um contacto suspeito, tosse, espirra, parece que tem menos olfato e passado pouco tempo recebe um código para ir fazer um teste de borla. Claro que nunca o fiz, mas não deixo de reconhecer que foram precursores da testagem maciça...”

Balbuciei, mas isso é bom, não é? Estava tão exaltado que não me respondeu.

“Calma que ainda não ouviu tudo. Um dia destes aceitámos um convite para ir jantar a casa de um amigo meu. Vive sozinho, tem uma mesa com quatro metros, o risco é quase nulo. Fez uma cena, que não podíamos ir, amuou, pintou a manta e, depois, como não é parvo, disse-nos que também ia sair. Está a ver, como se fossemos todos iguais. Isto da pandemia mudou muito a hierarquia familiar. Acha que vai voltar ao normal?”

Tentei pôr água na fervura. Claro que sim, é passageiro e traduz a preocupação dos jovens com os mais velhos. Levei logo com a resposta. “O senhor doutor é um ingénuo. Diga-me lá qual é a preocupação dele com o que lhe vou contar. Há uns dias chamou-me à casa de banho, com um ar de caso. Que grande bagunça que isto está. As coisas da mãe e do pai, todas misturadas, decidi arrumar tudo, as suas para um lado e as da mãe para o outro. Ah, pus no lixo toda a tralha que vocês tinham aqui. Não têm vergonha andam a roubar os frasquinhos dos hotéis, parecem uns putos, contentes por usarem gel com cheirinho. Não contente, chegou à dispensa e fez o mesmo. Metade foi fora. Aqui tinha razão, muita coisa já estava fora de prazo.”

Tentei falar, mas não me deixou. “Já estou a acabar, mas não posso deixar de lhe contar mais uma. Quando vou às compras trago-as num daqueles sacos de papel ecológicos que depois ponho lixo. Acusou-me de não me preocupar com o planeta: ‘O pai vai guardar o saco e usa sempre o mesmo, até poder.’ E agora tentou comprar-me: ‘Se o Pai se portar como deve de ser, ensino-lhe um sítio onde pode ir saborear o seu cafezinho. Basta dizer que é meu pai e tem tudo o que quiser... Mas não pede um café, pede um bitoque...’”

Quebrei todas as regras e perguntei ao senhor: “Onde é o cafézinho?”

segunda-feira, 8 de março de 2021

O bilioso de Boliqueime

 

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 06/03/2021)

O Bolsonaro lusitano saiu da hibernação onde remói ódios e cogita vinganças para a sua sazonal desforra contra a democracia, como orador principal da sessão de abertura da 5ª edição da Academia de Formação Política para mulheres sociais-democratas, a decorrer este fim de semana, por videoconferência.

Se as mulheres são sociais-democratas, o convite só se justifica para ouvir um opositor. O homem que foi catedrático por decreto, benevolência do Prof. Alfredo de Sousa, PM por intriga dentro do PSD, e PR por arranjo, na vivenda de Ricardo Salgado, esqueceu o passado obscuro para dizer que há “deterioração da qualidade da nossa democracia”, “A democracia em Portugal está amordaçada”, e sugerir que há ministros mentem.

O salazarista que um dia inventou escutas para combater o PM, que nunca lhe perdoou perder o vencimento de PR, quando o Governo decidiu a não acumulação de ordenados e pensões, e estas eram mais avultadas, tropeça na gramática, na ética e na cultura, mas não se esquece de bolçar o ódio à democracia. Para ele os adversários são inimigos.

Quem permutou a modesta vivenda Mariani por um terreno para construção, onde já se erigia a luxuosa vivenda Gaivota Azul, na praia da Coelha, recebeu pingues mais valias de ações não cotadas da SLN/BPN, dava faltas injustificadas na universidade pública e aulas na privada, faltas que o ministro Deus Pinheiro relevou, esqueceu os negócios que fez, os meios de pagamento que usou e coisas essenciais que o deixaram sob suspeita de ser contemplado pela generosidade de Oliveira e Costa.

O émulo de Trump a falar de social-democracia parece um muçulmano a elogiar a carne de porco.

Quem vislumbrou em Pides a prestação de relevantes serviços à Pátria, concedendo-lhes pensões, mérito que não viu em Salgueiro Maia, não veio afrontar o PM, aproveitou a conferência para desfeitear o atual PR que condecorou militares de Abril e deixou implícito o esquecimento durante a década em que ele e a família ocuparam Belém.

O homem que foi cúmplice e mordomo de Passos Coelho anda amargo, preferia no PSD o antigo vereador de Loures, em Belém um seu ex-ministro dos estrangeiros e na cadeia toda a esquerda.

O único PR que nunca leu Os Lusíadas é assim, transparente no ódio que bolça e torpe nas acusações que tece.

Um ano entre crenças e lições

Posted: 06 Mar 2021 03:56 AM PST

 


«Depois do acidente nuclear de Chernobyl (1986) acreditei que perante a brutalidade do evento todos os malefícios da indústria nuclear ficassem duradouramente à vista, e cheguei a propor a categoria de "pedagogia da catástrofe".

Depois disso tivemos o ainda maior desastre japonês de Fukushima (2011), cuja gravidade levou a Alemanha a acelerar o encerramento das suas centrais nucleares.

Contudo, sou obrigado a reconhecer que a combinação entre a higiene psicológica do esquecimento e a "indústria da mentira organizada", citando uma expressão de Hannah Arendt, reduz o alcance da minha proposta.

Hoje penso que a crença - herdada, inculcada, propagandeada ao longo da vida pelos interesses que dela se servem - tem precedência sobre o conhecimento. Se uma tragédia, por mais veemente que se afigure, puser em causa uma crença rudimentar, mas poderosa e confortável, não há qualquer garantia de as lições da tragédia serem aprendidas.

Voltando ao meu exemplo do nuclear: num recentíssimo livro, Bill Gates, o santo patrono dos bilionários filantropos, colocou o nuclear no lado dos remédios para a emergência climática. A lição da catástrofe fica escrita na areia, até ser apagada pela nova maré cheia...

Será que aprenderemos alguma coisa com esta pandemia global, que nos ataca em vagas sucessivas? Para todos aqueles que quando a tragédia começou já tinham uma resposta na ponta da língua, a crença prévia blindou qualquer possibilidade de aprendizagem. Não apenas cretinos certificados, como Trump e Bolsonaro, ou os milicianos das teorias conspirativas para quem o mundo é desprovido de mistério, mas também intelectuais como Giorgio Agamben não se sentiram interpelados pela voragem de interrogações e incertezas contidas no advento da covid-19. Foram ao baú dos seus preconceitos e fantasias, ou das suas sofisticadas grelhas teóricas e - imitando o Dr. Pangloss do Candide de Voltaire - decretaram que o assunto ficava demonstrado com um definitivo silogismo...

A covid-19 oferece hoje o espetáculo do maior campo de batalha entre a reafirmação dogmática da crença e a procura esforçada de um conhecimento que possa ser útil para salvar vidas e evitar tragédias futuras ainda maiores. Essa batalha ganha contornos claros quando se resume o objetivo final da luta contra a pandemia como sendo o regresso à normalidade. Para os partidários da crença, a pandemia não precisa de ser explicada, mas sim vencida, para podermos retomar o ritmo do crescimento económico ativo em 2019. Para quem, pelo contrário, insiste na necessidade de conhecer a raiz causal da pandemia, é na própria normalidade que se encontram as sementes do mal que nos aflige. Já em 2019, o mundo sabia que estamos a descer o perigoso declive da crise ambiental e da emergência climática. A União Europeia foi ao ponto, no final desse ano, de fazer do Plano Ecológico Europeu a sua bandeira estratégica.

É hoje inegável que a covid-19, como todas as novas doenças nascidas da destruição da biodiversidade, fazem parte integrante da crise ambiental e climática.

As medidas de recuperação e resiliência, apesar de aspetos positivos, estão ainda carregadas de uma dolosa pegada ecológica - de aeroportos e minas à agricultura e silvicultura intensivas. Mais entropia, mais impactos, menos serviços dos ecossistemas. É tempo de libertar a vontade e a imaginação coletivas das correntes que nos prendem a um passado sem janela para o amanhã.»

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Cem anos ao serviço do povo e da pátria

 

por estatuadesal

(Jerónimo de Sousa, in Expresso, 05/03/2021)

(Cem anos é muito tempo. Apesar de todas as contradições que lhe podem ser apontadas, o PCP foi uma força política essencial para o derrube da ditadura e a eclosão do 25 de Abril, da Liberdade e da Democracia. Todos os democratas lhe devem a tenacidade, as lágrimas e mesmo o sangue que empenhou nessa luta. E todos os democratas lhe devem a viragem histórica que permitiu a queda da Direita e de Passos Coelho e o surgimento dos Governos do PS de António Costa.

Parabenizamos, pois, o PCP.. Se até o Expresso do Dr. Balsemão, neste aniversário do PCP, publica o artigo abaixo, porque não haveria a Estátua de o republicar? Ainda que isso não implique tomar posição sobre o conteúdo político nele expresso, como acontece com muitos dos textos que aqui trazemos.

Estátua de Sal, 06/03/2021


O PCP assinala este sábado, dia 6 de março, o seu centenário. Cem anos de vida e de luta que se confundem com a história e a luta dos trabalhadores e do povo português.

Cem anos de vida e luta ininterruptos, só possíveis de compreender pelo que este partido representou de criação e emanação da classe operária e dos trabalhadores portugueses, enquanto portador de uma teoria e uma natureza de classe a elas associadas expressa na sua orientação política, obra de resistência, heroicidade e inteira dedicação ao povo e ao país de gerações de combatentes comunistas.

Este é o partido da luta pela liberdade e a democracia, que enfrentou a ditadura fascista, o único que não capitulou nem renunciou à luta e que, enraizado na classe operária e no povo português, buscou aí, sem prescindir da construção da unidade democrática, a força e determinação para resistir e ampliar a sua ação. O “Partido!”, como era conhecido entre as massas, não só porque era o único que resistia mas sobretudo porque era nele que, na luta contra a exploração, as desigualdades, a pobreza e a guerra, os trabalhadores encontravam inscritas e traduzidas as suas aspirações.

Nas difíceis condições do fascismo, na clandestinidade, pagando com a vida ou a prisão, aí se encontrou o PCP, e essa abnegada e corajosa intervenção conduziu à liquidação do fascismo, à vitória da liberdade e da democracia. Ninguém como o PCP e os comunistas conhecem o valor e o significado do que democracia e liberdade representam, pela singela razão de saberem, por experiência vivida, o que pagaram para as conquistar, com a privação da sua própria liberdade ou a perda da vida.

Na Revolução de Abril, impulsionando a poderosa intervenção da classe operária e dos trabalhadores, das massas populares, transformando a ação militar em revolução, e na concretização das suas extraordinárias conquistas, que ainda hoje perduram como valores e referências para a construção de uma política capaz de assegurar a construção de um Portugal de progresso, desenvolvido e soberano, aí se encontra o PCP. Assim como na luta para enfrentar o processo contrarrevolucionário, de restauração do poder monopolista e de submissão externa do país, acompanhado da limitação de direitos e intensificação da exploração que sucessivos Governos da política de direita conduzida por PS, PSD e CDS suportam há décadas.

Em todos os momentos, no combate à exploração, na defesa e por avanços nos direitos dos trabalhadores, dos jovens, pela emancipação da mulher, pela soberania e independência nacionais, o PCP esteve presente. Não é uma frase de circunstância ou exibição proclamatória afirmar, com a certificação de verdade que a prática e a vida não autorizam desmentir, que em Portugal não há avanço, conquista, progresso que não tenha contado com as ideias, o esforço e a luta deste Partido Comunista Português que agora faz 100 anos.

Poucos negarão que este partido tem um percurso e uma história inigualável. Mas o que importa relevar no momento em que assinalamos os 100 anos da sua existência é que, orgulhoso do seu percurso ímpar e inseparável dele, o PCP confirma-se como partido com mais projeto e futuro do que história e passado.

O PCP confirma-se como partido com mais projeto e futuro do que história e passado

O PCP aqui está, nestes tempos estranhos e difíceis em que uma epidemia revelou problemas e défices estruturais acumulados a partir de políticas e opções contrárias aos interesses nacionais, a intervir para dar a resposta no plano da saúde com o reforço do SNS, da testagem, do rastreio e da garantia do acesso universal e rápido à vacinação, no apoio necessário a todos quantos perderam salários ou rendimentos, na criação de condições para a retoma das atividades (económicas, educativas, culturais, desportivas, so­ciais). Intervindo para combater os aproveitamentos que a partir da situação justificam o assalto a direitos e a mais exploração, contrariando a difusão do medo que corrói a dimensão social de um viver coletivo, tolhe vontades e o gosto pelo usufruir da vida.

O PCP aqui está, com inteira independência, fazendo prova de que não prescinde de nenhuma oportunidade para dar resposta aos problemas do país e à efetivação de direitos e à elevação das condições de vida dos trabalhadores e do povo, batendo-se pelo que se impõe como necessário, denunciando resistências e obstáculos que o Governo PS coloca à sua concretização, combatendo os projetos antidemocráticos que PSD, CDS e os seus sucedâneos do Chega e Iniciativa Liberal buscam para atacar o regime que a Constituição da República consagra.

A dimensão dos problemas com que o país se confronta exige uma outra política, uma política alternativa patriótica e de esquerda que assuma a valorização dos trabalhadores, dos seus direitos e salários, o reforço dos serviços públicos, o aumento da produção nacional e do investimento público, o aproveitamento pleno dos recursos naturais em harmonia com a preservação do ambiente e a coesão nacional, a recuperação do controlo de sectores estratégicos e da soberania monetária como eixos essenciais à construção de um país desenvolvido de acordo com os seus interesses e os do seu povo. É essa política que o PCP assume e propõe, em torno da qual convoca todos os democratas e patriotas, os trabalhadores e o povo, para com a sua ação lhe darem concretização.

Partido internacionalista e patriótico, o PCP ergue a sua ação na luta pela paz, pela afirmação do direito do país a um desenvolvimento soberano, não submetido a imposições externas contrárias aos seus interesses num quadro de cooperação mutuamente vantajosa com todos os outros países da Europa e do mundo.

Perante o que o capitalismo revela e confirma de sistema assente na injustiça, desigualdade e exploração, que o processo de vacinação exibe da sua natureza desumana e iníqua ao negar a milhões de seres humanos dos países menos desenvolvidos o acesso a este bem que deve ser património de todos, emerge com incontornável atualidade a luta por uma sociedade nova, uma organização social mais avançada, que coloque no centro a resposta às necessidades humanas e a sua harmonia com a natureza, uma sociedade livre da exploração e da opressão — o socialismo.

É vinculado a esse objetivo e ideal transformador, progressista e avançado, de revolucionamento indispensável ao futuro das novas gerações, que o PCP prossegue a sua luta. Sempre no lugar que ocupou: com os trabalhadores e o povo, baseado no seu compromisso para com os seus direitos e aspirações, vinculado ao seu ideal e projeto comunista, lutando por uma democracia avançada e pelo socialismo. É pelo seu passado e presente, mas essencialmente pelo seu projeto e ideal, que dizemos, com inteira confiança, que o “futuro tem partido”.

Secretário-geral do PCP