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quarta-feira, 10 de março de 2021

Pandemia económica

Posted: 09 Mar 2021 03:55 AM PST

 


«O mercado laboral está a sofrer um sério revés desde o início do ano. Os dados indicam que, depois da evolução relativamente favorável em 2020, a taxa de desemprego em Portugal está a destoar pela negativa no conjunto dos países da Zona Euro no arranque de 2021, tendo mesmo sofrido o agravamento mais acentuado em janeiro entre todos os países da região.

Segundo o Eurostat, a taxa de desemprego em Portugal avançou de 6,8% em dezembro para 7,2% em janeiro. Apesar desta deterioração, Portugal conseguiu uma evolução muito mais favorável na taxa de desemprego no conjunto do ano passado. Claro está que esta situação está "mascarada" por um desemprego subestimado, devido aos apoios concedidos às empresas e trabalhadores. A verdade é que, perante os números mais recentes, o mercado laboral mostra sintomas de que estes apoios podem ser altamente insuficientes, receando-se uma escalada enorme do desemprego quando voltarmos à nova normalidade. A terceira vaga da pandemia atingiu-nos muito mais do que a segunda e isso terá consequências enormes na recuperação económica. As restrições à mobilidade, a bem da saúde dos portugueses, tiveram um efeito perverso e um duro golpe no tecido produtivo. Após um ano de resistência, o sofrimento das empresas e famílias mais expostas está a ser levado ao extremo. Cada vez são mais as lojas, hotéis e restaurantes que terão muitas dificuldades em voltar a abrir as portas.

Perante este cenário, fica claro que o Governo deve intensificar os apoios, não só para defender os postos de trabalho, mas também para estimular o consumo interno. Para isso, há que dar um forte apoio ao setor privado - como está a ser feito pelo resto da Europa -, mesmo para empresas em falência devido à pandemia. É que, perante esta situação, o risco aumenta em empresas exauridas, com pouca força para retomar a atividade. Logo agora que alguma luz no horizonte se aproxima com a dissipação da terceira vaga e o avanço da vacinação.»

António José Gouveia 

terça-feira, 9 de março de 2021

Mais do mesmo, o que poderá ser um bom sinal!

 

por estatuadesal

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 09/03/2021)

Dispenso-me quase sempre de ouvir o que diz Marcelo. Nunca com ele simpatizei e não é nesta altura da vida, que vou mudar de opinião quanto à sua sobrevalorizada personalidade. Filho e afilhado de fascistas, soube reciclar-se nos padrões canónicos da Democracia, mas sem perder de vista os valores e a perspetiva ideológica das direitas, que tão opostas são relativamente ao tipo de sociedade onde anseio viver e em que sinta potencialmente mais felizes as minhas netas.

Desta vez, porém, abri exceção tendo em conta o sucedido da vez anterior em que um presidente se viu reconduzido para um segundo mandato. Quem esquece a guerra anunciada por Cavaco contra José Sócrates nesse dia em que soubemos toldado o futuro imediato pelo previsível acesso das direitas entroikadas ao que qualificavam como pote?

Talvez o sinal mais emblemático da razão porque talvez, desta feita, não se perspectivem grandes embates institucionais entre Belém e São Bento, seja o de Cavaco ter saído da cerimónia sem ter cumprimentado o reempossado sucessor. Por não ter gostado da passagem do discurso em que ele rejeitava expressamente a imagem do país amordaçado que, ridiculamente, quis colar à ação deste governo que execra? Por certo que sim, embora os antigos prosélitos, queiram desculpar-lhe a vindicta rancorosa a título de inexplicável distracção.

Mas, não excluindo a sua senilidade - que a sê-lo assim manifestada, de há muito data! - sabemos bem que tipo de (falta de) carácter o norteia, não havendo assim novidade, que nos cause verdadeira admiração. Afinal, e apenas, o auto convencimento de quem já de tudo se julga legitimado por se considerar inimputável das muitas malfeitorias, que foi acumulando no curriculum.

No geral o discurso de Marcelo foi apaziguador das tensões, que as direitas gostariam de vê-lo promover contra o governo, desarmando quem teima em criticar quem tudo tem feito dentro do possível para vencer as sucessivas vagas da crise pandémica e se vem confrontando com a permanente dose de imprevisibilidade das suas circunstâncias. A deslegitimação dessas críticas transforma em pólvora seca as munições, que as oposições consideravam deter para prosseguir o afã de sucessivos disparos contra o governo. Razão para se reconhecer genuína a tranquilidade de António Costa durante toda a cerimónia ou na intervenção depois feita perante os jornalistas.

Com tão incompetente oposição o primeiro-ministro sabe que os maiores desafios dos anos vindouros continuarão a ser os decorrentes da pandemia e os das ameaças ambientais, que obrigarão a decisões económica e socialmente exigentes. Com Marcelo a cumprir o seu papel de figurante, embora aparentemente com um poder que sabe não ter...

Vacinas: passaporte ou coragem? O lucro ou a liberdade?

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 09/03/2021)

Daniel Oliveira

Um certificado de vacinação não me levanta problemas. Existe para a febre amarela. Mas só pode haver limitações de movimentos se as vacinas estiverem disponíveis para todos. Para Bruxelas, a propriedade (mesmo paga com dinheiro público) é tão sagrada que, ao arrepio dos acordos internacionais, as patentes estão acima da saúde pública. Para não lhes tocar, está disposta a abrir alçapões morais e jurídicos. A questão não é a globalização. É o que está primeiro: lucro de poucos ou bem estar de todos? Propriedade ou liberdade?


A Alemanha e, por inerência de funções, a Comissão Europeia, avançou com a ideia de criar um passaporte de vacinação. À partida, um certificado de vacinação não me levanta qualquer problema. Quando viajamos para vários países ou de alguns países é obrigatório, por exemplo, o certificado internacional de vacinação para a febre amarela. Até defendo a obrigatoriedade de algumas vacinas que constam no plano nacional de vacinação para inscrição na escola pública, por exemplo.

A imunidade de grupo para algumas doenças implica a participação de todos. E a recusa da vacina é um ato de parasitismo, em que alguém que não quer correr qualquer risco se protege à custa do risco alheio. A liberdade individual não pode pôr em perigo a segurança coletiva. A moda dos antivaxxers é uma doença do individualismo extremo e do conforto que tem correspondido, em alguns países do primeiro mundo, a um recuo de décadas na saúde pública.

Mas qualquer limite de movimentos determinado pela a ausência de vacina contra a covid tem de ter como pressuposto que as vacinas estão disponíveis para todos e em todos os países europeus. Não estar vacinado tem de corresponder a uma escolha. Caso assim não seja, estaremos perante uma segregação de grupo inaceitável numa Europa que se diz democrática e solidária.

A parte interessante deste debate tem a ver com a inversão de valores a que assistimos na União Europeia. Esta proposta surge na mesma Comissão Europeia que é incapaz de usar a legislação internacional para levantar ou pelo menos ameaçar levantar as patentes, perante o descarado incumprimento dos deveres de umas poucas empresas farmacêuticas. Não tem nada de radical. Permite-o a declaração de Doha, no âmbito do TRIPS e da OMC. Como já aqui foi explicado, dezenas de países quebraram patentes, já neste século, em nome da saúde pública. Os EUA fizeram-no quatro vezes nos últimos 20 anos. Uma delas sobre o Tamiflu, durante a gripe das aves. E não é verdade que não haja, na Europa e fora dela, capacidade extra de produção.

Mas, para Bruxelas, a propriedade é sagrada. Tão sagrada que, ao arrepio dos acordos internacionais de comércio, está acima da saúde pública. Tão sagrada que é intocável mesmo quando foi paga com dinheiros públicos e os contratos não são cumpridos. E tão sagrada que a Comissão Europeia está disposta a abrir alçapões morais e jurídicos para não lhe tocar.

Este é apenas o primeiro sinal do que previ, em dezembro, que viria a acontecer quando se percebeu qual seria o modelo para o financiamento e produção destas vacinas. Com os países mais pobres a terem acesso mais generalizado às vacinas lá para 2024, viveremos anos em que a Europa se tornará numa fortaleza ainda mais murada e fechada sobre si mesma, para se proteger dos infetados. Um maná para a extrema-direita.

É curioso ver como os maiores defensores das maravilhas do capitalismo globalizado estão disponíveis para encerrar fronteiras e limitar a liberdade de movimentos das pessoas só para não tocarem na propriedade. O que prova que a divisão política entre os que estão abertos ou fechados ao mundo e à globalização é enganadora. A questão é a que sempre foi: que valores estão primeiro? O lucro de poucos ou o bem-estar de todos? A propriedade ou a liberdade? 

A luta pelo centro ainda vai deixar arrependidos

 

por estatuadesal

(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 09/03/2021)

A tomada de posse do segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa é, na simplicidade da cerimónia, a confirmação alegórica da inevitabilidade da sua reeleição, mas também antecipa alguma incerteza sobre o que pode fazer. Ainda assim, tudo parece fácil, doce engano que podemos vir a pagar caro.


Só os fantasistas duvidavam de que era uma vitória escrita nas estrelas. Por isso, sem surpresa, os analistas sublinham (e festejam) o sucesso do primeiro mandato presidencial e a facilidade da sua simples campanha em janeiro, como a prova do êxito de uma estratégia, conquistar o centro. Marcelo representa essa visão, que gere com pinças e a que chama “cooperação estratégica” com o Governo, apesar de o primeiro-ministro só usar relutantemente a expressão.

Ela constitui uma prisão para ambos, exactamente como pretendem: o centro, para um e outro, é essa ponte institucional que serve de referência para a coisa política. E é neste sítio que se reconhecem, o centro, seja inclinado para a esquerda seja para a direita, é em todo o caso o único espaço em que entendem o poder de decisão e a bússola das regras da União Europeia, mas é também o único lugar em que imaginam a sociedade. É, portanto, o confinamento central que desejam e que disputam, de modo elegantemente florentino, porque nessa praça só pode haver uma estátua, mas já se viu quem vai ganhar: agora o primeiro-ministro, que governa beneficiando do apoio permanente e das virtudes pedagógicas do presidente, mas, no fim destes dias, será Marcelo o vencedor, dado que ele estará quando Costa rumar para o seu cargo europeu. O tempo que vai passando cansa o governo e preserva o presidente. Qualquer que seja a transição, mais cedo ou mais tarde, é Marcelo quem a vai gerir.

A bem dizer, muitos dos outros protagonistas imitam esta estratégia da disputa do centro, cada um à sua escala: Costa, na sua recusa feroz de qualquer ajustamento estrutural nas leis laborais ou na capacidade dos serviços públicos, para assim manter a ligação às associações empresariais e a interesses financeiros na saúde; Rio, na combinação, tantas vezes menosprezada mas hábil, entre o apoio ao governo em primeira instância, no aeroporto, nas grandes questões económicas, como na dispensa de debates parlamentares a um primeiro-ministro impaciente com essas democratices, e um discurso com picos de contraste para mobilizar a sua base; e até Jerónimo de Sousa, como se viu na campanha presidencial, que colou o seu candidato ao governo e suscitou encómios entusiasmados por parte dos setores mais à direita do PS, uma aproximação que nenhum arroubo doutrinário pode esconder. O problema é que esta corrida para o centro só tem uma expressão possível: o poder do poder. Ela é um círculo vicioso. Exclui alternativas, não tanto porque não sejam possíveis, mas porque propõem unicamente a fisiologia continuista. Quanto mais incerteza, no mundo em que já se lamenta a saída de Merkel, se teme a eleição francesa, se espera o abismo do fim da política expansionista do BCE e se descobre que Biden tem como prioridade reafirmar a liderança de Washington, tanto mais estreito fica esse caminho do centro, mas mais desejável se torna para os seus cultores. Na dúvida, a sua resposta é que nada será como dantes, a única mudança desta vez é que tudo deve ficar na mesma.

Esta estratégia é um engano e pode ser um engano pesado. Precisamente porque há mais do que dúvidas no nosso horizonte, há também certezas: a fragmentação social, a hipercomunicação em modo de fanatismo e que reduz a política ao tribalismo, a emergência do autoritarismo social para suportar uma economia em que os vencedores são os donos de rendas e, portanto, a deslocação da direita para os proteger. Os estragos que estas mutações provocaram em poucos anos são tão visíveis que surpreende que o comodismo do centro possa fingir ignorá-los: Trump entrou pelas nossas casas adentro e há quem pretenda que basta contar as pratas e sacudir os tapetes para que tudo seja esquecido, sem reparar que ele não saiu da sala. Um terço da direita vai mesmo ser a extrema-direita, são precisas milícias para o programa de privatizar os hospitais ou a segurança social, ou para uma taxa única que baixe os impostos para os milionários.

Há por isso um argumento razoável para propor uma estratégia alternativa, a da polarização com alianças à esquerda, apostando que uma maioria popular e eleitoral apoiará medidas que mudem o dia a dia das pessoas, em vez de esperar alívio pelas pontes ao centro, como o têm feito o primeiro-ministro e o presidente. O enunciado desta política tem, no entanto, uma dificuldade: está a falar outra linguagem, não tem tradução para a que tem predominado. São incomunicáveis, uma garante o vínculo institucional que promete segurança pela afirmação dos protagonistas do poder, outra quer criar a força de propostas que criem segurança na vida da população. Uma é pose, outra deverá ser programa de ação. Uma triunfou sempre, mas foi o seu êxito que abriu o campo ao crescimento das direitas liberais mais autoritárias, outra ainda espera o seu tempo e é o tempo que testará a sua coerência, que lhe falta demonstrar.

Ainda vai haver arrependidos da busca do centro como o Santo Graal, se bem que não saibamos se a estratégia alternativa de polarização à esquerda será suportada pela coerência de propostas, pela visibilidade de soluções, pelo apoio popular e pela decisão de protagonistas. Era melhor que fosse, sem ela a alternância garantirá que ao centro se sucede uma nova direita, seria então a vez do rancor.

O que se sente e o que se pensa

Posted: 07 Mar 2021 04:02 AM PST

 


«Uma boa conversa pode ser tão importante quanto a comida, a bebida, o exercício ou o amor. É uma das grandes necessidades humanas. À minha volta, aqueles que estão confinados em família, queixam-se da obrigatoriedade da proximidade extrema e permanente a que se encontram sujeitos. Alguns dos que estão sozinhos dizem que até os lábios secam. Podem passar-se dias em que não falam com ninguém, para além das momentâneas comunicações digitais. Outros argumentam que mantém a sanidade tendo conversas imaginárias consigo próprios.

Há um provérbio de inspiração árabe que aconselha a não falar, se o que vai ser dito não for mais bonito que o silêncio. É uma noção algo romântica porque existem silêncios que podem funcionar como autênticos socos, conseguindo ser tão ou mais agressivos do que as palavras. A nossa realidade é a linguagem, mas a nossa realidade são também as emboscadas dessa linguagem. Principalmente quando o espaço público respira conflitualidade como acontece no presente.

Vivemos um tempo onde impera a experiência emocional individual e a capacidade de escutar se perdeu. A Internet por vezes consegue ser um espaço comunicativo de acção comum, mas tende a desintegrar-se em espaços expositivos do eu. Há sede de atenção e afirmação. Há quem tenha prazer em provocar discórdia, seja impenetrável à crítica, como se concordar com o outro fosse perturbador. Muitas vezes não se quer debater, apenas sentenciar. Identificam-se fragilidades alheias, mas não se retribui, de forma produtiva, com nenhuma ideia ou desafio como alternativa. Ainda assim não vale a pena fugir-se do conflito, até porque ao fazê-lo procuram-se apenas refúgios de semelhança. E assim privamo-nos de entender, negociar e experimentar, pondo-nos em contacto com a nossa diferença e dos outros, como é inevitável que aconteça. Sem nos expormos às tensões, maior será a dificuldade em alcançar formas de coabitação, seja entre países, cidades, bairros ou em relações a dois.

Por norma diz-se que para resolver discórdias o melhor é separar os juízos das reacções emocionais. É difícil. A informação emocional tende a ser mais veloz do que a cortical. A impulsividade vai à frente da racionalidade. Como os choques tendem a emergir quando alguém nos põe em causa ou aos nossos interesses, por norma vêm acompanhados de emoções de animosidade. E a beligerância e a irascibilidade não são boa companhia para emitir veredictos. Quando estamos zangados as possibilidades de serem pronunciadas sentenças terríveis, das quais muitas vezes depois nos arrependemos, aumentam exponencialmente.

Justificamos essas acções com o que se sentia naquele instante, mas esquece-se o óbvio. No calor de um episódio virulento, o que se pensa não é o mesmo que se sente. A diferença é imensa. Em alvoroço não há a faculdade de estabelecer equilíbrio. Todos conhecemos o poder tranquilizador ou incendiário das palavras, tal como sabemos que as mesmas coisas podem ser ditas de muitas maneiras, causando efeitos diferentes. Pode-se ser crítico e construtivo ao mesmo tempo, sem danificar a auto-estima de ninguém. Nessas alturas de tensão mais vale respirar fundo, ou seja, dar tempo aos canais da racionalidade para alcançar os circuitos emocionais para os abrandar. O sentimento é subjugado pelo momento, acorrentado ao escrutínio do aqui e agora, e em cenários de antagonismo oferece resumos amplificados da situação. Daí a distinção crucial entre dizer o que se sente e dizer o que se pensa.

Da mesma forma é preciso auscultar as abertas para falar, escutar e estar calado. O silêncio pode ser conclusão, espera, cumplicidade, questionamento ou menosprezo. Existe uma multiplicidade discursiva em que se decide não dizer uma única palavra. Mas a grande questão é saber quando nos refugiamos nas palavras ou no silêncio que a vida nos oferece. A inteligência discursiva, ou o início de uma bela conversa, deve ser isso. Escolher as palavras ou os silêncios que cada momento exige.»