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segunda-feira, 15 de março de 2021

When Harry Met Meghan

 

por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 12/03/2021)

Clara Ferreira Alves

Em 1989, uma comédia romântica destinada ao esquecimento fez história. Por vezes, acontecimentos triviais abanam a árvore do conformismo e conservadorismo e tornam-se, sem intenção, revolucionários. O filme “When Harry Met Sally...”, quando Harry encontrou Sally (“Um Amor Inevitável”), tinha Meg Ryan, a ingénua da época, e o comediante Billy Crystal como amigos que se tornam amantes, ao cabo de peripécias que descrevem a relação entre homens e mulheres. Escrito pela grande Nora Ephron, a comédia tornou-se revolucionária por causa da cena do orgasmo. Na Katz's Delicatessen, em Manhattan, o casal mastiga um pastrami enquanto Sally explica a Harry que as mulheres fingem orgasmos. Ele, a típica resposta masculina, diz “comigo não”. E Sally demonstra como fingir um orgasmo. A cena é embaraçosa, para a época, e remata com uma mulher noutra mesa a dizer ao empregado, “quero comer o que ela comeu”.

Quando Harry, o príncipe inglês, encontrou Meghan, fez história. A entrevista a Oprah cristalizou num momento, como o da Katz, um propósito revolucionário. A monarquia inglesa é uma instituição tão datada e anacrónica como os asilos para mulheres “histéricas” do século XIX ou os conventos para mulheres desobedientes ou pobres. Em vez da Katz, tivemos a plataforma mediática de Oprah, a maior do mundo. Oprah é uma formidável máquina de comunicação, uma expressão modulada para a audiência global daquilo que a América pratica melhor do que ninguém, a confissão. As revelações da entrevista não surpreenderiam, a forma importa. Uma americana de classe baixa, sem meios nem fortuna, uma atriz de segunda ordem, enfrentou a maior e mais poderosa instituição inglesa, a Coroa. Meghan, com a beleza exótica que irrita os menos dotados, comandou o jogo. Vestida de Armani, com um desenhado lótus de renascimento, escreveu o jornalismo pedestre.

No Dia Internacional da Mulher, assistimos ao dilúvio de ódio e misoginia que galgou as redes e os comentários e inundou os media, incluindo os encostados à superioridade moral e financeira. Os comentadores do “FT” e do “New York Times” não resistiram à malícia. Só não puderam dizer que era um privilégio branco. Parafraseando Macbeth, quem diria que as pessoas tinham dentro delas tanto ódio, ou tanto sangue. Se as palavras fossem vitríolo estavam todos mortos ou corroídos por chagas. Ser queimada na fogueira foi, desde o primeiro momento, o fim reservado a Meghan.

Como ousava ela casar com o príncipe? Os contos de fadas não existem exceto na imaginação de mulheres nutridas por contos de fadas e colidem com o instinto de sobrevivência da classe possidente inglesa, a upper class.

Não se pode compreender essa entidade nacional chamada Reino Unido, feita da supremacia da inglesa sobre as outras, a galesa, a escocesa e a irlandesa, sem compreender o poder absoluto da monarquia e da aristocracia sobre uma sociedade assente em classes com o pretexto da tradição secular. Nada mudou, nem com os anos do trabalhismo, desde o domínio imperial. Tudo, incluindo o sentido de humor, o pessimismo inteligente e a autodepreciação, é formatado pela autopreservação e a rigorosa divisão social.

Marx escreveu ali o seu “Capital”, fornecia-lhe os elementos de que precisava para a teoria da luta de classes. Escusado será dizer que o marxismo no Reino Unido nunca teve nem terá hipótese e a monarquia, a supremacia de uma monarquia pensada e adaptada à democracia para ser um bastião do privilégio de classe, é a primeira linha de defesa contra veleidades coletivistas. Está fora de causa a destruição das classes, como está fora de causa, e acima das classes, a destruição da Coroa.

Repare-se no anacronismo. Uma monarquia riquíssima, dona de tesouros, sem escrutínio, destituída de poder político e sem qualquer utilidade social que não seja simbólica ou representativa de uma falsa proximidade entre o alto e o baixo no instante de cortar a fita. A rainha Vitória punha as joias para visitar os pobres. A monarquia é uma firma que funciona segundo os princípios de opacidade e mistério das poderosas multinacionais, as farmacêuticas e petrolíferas que os políticos temem. Uma firma que concretiza milhares de postos de emprego para leais súbditos e servidores, próximos do privilégio e fazendo-o render, dispostos a dar a vida pela instituição. Ou de simpatizantes e adeptos, ciosos da realeza como uma claque de futebol. Fora os empregos nos media, jornais e televisão, que a monarquia propicia e autoriza. E nem falemos da indústria turística.

Foi isto que matou Diana, esta máquina diabólica de lucro, a parte tabloide nas garras de Murdoch, que não autoriza desvio da norma. A monarquia é sagrada, mais do que um direito divino a reinar, é uma fonte de receitas e de regras imutáveis e intocáveis, a fundação de um sistema de autoridade que não tem religião. A monarquia é. Ou, como escreveu Christopher Hitchens, é uma falha da razão.

Para um jovem do século XXI, a monarquia parece um filme de terror pintado de cor de rosa. Uma família disfuncional com uma rainha nonagenária, um príncipe suspeito de abuso sexual de menores, Andrew, uma mulher assassinada pela personalidade, Diana, um velho herdeiro com uma amante, Carlos, e um príncipe-consorte centenário, Philip, cujo estado de saúde suscita mais compaixão do que os milhares de mortos de covid da responsabilidade de um primeiro-ministro que sem ser da aristocracia tem boas relações com a aristocracia e andou nas escolas da aristocracia, Eton e Oxford. E tem uma vaga ligação genealógica ao rei Jorge II, sendo assim parente de David Cameron.

Nesta construção caiu Meghan, cheia de ilusões americanas sobre a família e fazer o bem. Um filme do casamento mostra a cara assarapantada dos aristocratas, os primos, quando viram o pastor preto oficiar e cantar. O racismo existe. Mais do que o racismo da cor da pele, o que instiga a repulsa visceral por Meghan são as origens sociais. Trash. Um pai e uma meia família que vendem histórias aos tabloides, e que nem classe média conseguem ser. Vulgar é o pior insulto inglês. Gentalha que nunca deveria pisar um tapete palaciano ou contemplar um Rembrandt. E uma mãe preta. A frase mixed race confere à mestiçagem a vantagem do pingo de sangue branco. Mãe preta, antepassados pretos, claro que nas cabeças reais a pergunta jazia como um cadáver enterrado na cave. E se a criança sai preta?

Harry, um déclassé dentro da família repressiva acolitada pelos reptilianos tabloides que não hesitaram em dizer que seria um bastardo, filho de um amante de Diana, encontrou em Meghan a tal alma gémea. O conto de fadas do século XXI, com confissão e holofotes. Nem a morte de Diana abalou tanto a monarquia. Para os rentistas, rendeiros e admiradores da Coroa, a claque possessiva, a entrevista é a tomada da Bastilha. Nesta guerra entre Hollywood e a máquina mediática americana contra um austeniano orgulho e preconceito servidos pela máquina tabloide inglesa, ganha a América. Os ingleses nunca ganharam contra os americanos. Cheers.

sábado, 13 de março de 2021

A política Nem-Nem

 

por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 13/03/2021)

António Guerreiro

Numa entrevista ao PÚBLICO, publicada no dia 4 de Março, António Costa teve o seu momento Nem-Nem amplamente citado e comentado. Foi quando disse: “Nem André Ventura nem Mamadou Ba representam aquilo que é o sentimento da generalidade do país”. O Nem-Nem é, aqui, a marca linguística da ponderação. “Ponderar”, do latim ponderare, significa “pesar”. É o que faz o nosso primeiro-ministro, numa operação de retórica balanceada, isto é, ponderada: coloca pesos e contra-pesos nos dois pratos e, com a exactidão do fiel da balança, arbitra sobre o que ele entende ser o maléfico equilíbrio dos extremos. Em nome do “sentimento da generalidade do país”, procede a uma dupla exclusão. É esse o gesto justo, isto é, ponderado, de um grande equilibrista Nem-Nem.

O seu a seu dono: devo esta categoria a Roland Barthes, que numa das “mitologias”, define uma crítica “Ni-Ni” como uma “doutrina” que encerra sempre um juízo moral e revela um “traço pequeno-burguês”. Escusado é dizer que tal designação, “pequeno-burguês”, já só a encontramos no baú das velharias. Sempre que a desenterramos, enchemo-nos de pó, mas ao mesmo tempo experimentamos uma satisfação que deve ser semelhante ao espanto dos arqueólogos.

Em vez de “pequeno-burguês”, que evoca ideias e figuras que já não fazem parte do mundo em que vivemos, por muito que gostássemos de restaurar ao menos o traço semântico do tédio que lhe estava associado, podemos talvez dizer “homem médio”. Sai Roland Barthes, entra Pasolini. Só muito parcialmente, porque não é exactamente o homem médio execrado por Pasolini que podemos reconhecer no Nem-Nem de António Costa. Colocando-se no centro de gravidade da nação, o primeiro-ministro sentiu-se no poder de resumir todas as forças vivas do corpo nacional (“o sentimento da generalidade do país”), tal como o centro de gravidade é capaz de concentrar num ponto todos os pesos diferentes. Este homem de pesos e medidas que indicam o grande equilíbrio Nem-Nem não é uma figura da mitologia pequeno-burguesa (demasiado anacrónica), mas também seria exagerado vê-lo como um agente do apocalipse, à maneira daquelas visões tremendas que Pasolini tinha da sua época e do papel central que nela desempenhava o “homem médio”. Não, se quisermos perceber o homem médio de feição costiana, o homem que, medindo o peso de uma embaraçosa dicotomia opta pela moral do terceiro e diz que aí reside o centro de gravidade do país, devemos remontar a uma teoria do homem médio, tal como ela foi formulada por um matemático, especialista de estatística, astrónomo e sociólogo, o belga Lambert Adolphe Quételet (1796-1784; Quételet ficaria fora do meu alcance, e não pretendo exibir uma erudição que não tenho, se não o tivesse encontrado referido no livro de um matemático e ensaísta francês, Vivre et penser comme des porcs, que tinha horror à mediania e à conformidade, chamado Gilles Châtelet). Para Quételet, homem da estatística e não das balanças, há uma excelência da média enquanto tal, seja ela da ordem do Bom ou do Belo. Na formulação de António Costa, a média diz-se de outra maneira; é o “sentimento geral do país”.

O pequeno-burguês entediante e modesto de Roland Barthes é um estereótipo de certas representações políticas e sociológicas de uma época que já não é a nossa; e o homem médio cretino e responsável pelo fim do mundo (ou, pelo menos, do fim de um mundo) de Pasolini também já não corresponde ao imaginário actual dos fins. Por isso, temos de ver no homem médio de Costa, um ideal implícito no seu expediente retórico do Nem-Nem, uma outra espécie de homem médio, muito mais próximo da concepção estatística de um “sentimento” nacional.

O homem médio em que Costa se revê e que lhe inspira a operação retórica do Nem-Nem fornece um ponto de apoio para buscar o consenso conservador, para eliminar qualquer posição crítica radical (e é preciso acrescentar que radical não é mesmo que extremo, apesar de encontrarmos hoje, em muitos discursos, essa equivalência), para deixar que o pragmatismo siga o seu curso, sem obstáculos. E assim nos vamos todos entediando, com o Nem-Nem de políticos fatigados e ponderosos, realizando a grande missão de equilibrristas.

quinta-feira, 11 de março de 2021

O que eles acreditam na vitória!!!

 


por estatuadesal

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 10/03/2021)

(Comentário da Estátua:

Mulher escondida com Moedas de fora.... 🙂 )



Lançada com trombetas e foguetes a candidatura de Carlos Moedas à edilidade lisboeta é daqueles balões que promete inchar, inchar, mas depressa começa a perder fôlego e a reduzir-se à mínima dimensão do seu (de)mérito. Primeiro foram os ultraliberais, que escusaram-se a juntar-se-lhe no baile. Agora é a entidade patronal - essa Fundação Gulbenkian onde os desempregados laranjas tendem a ganhar bem remunerada reforma! - a anunciar que lhe mantem quente o assento e não o substituirá nas tarefas que lhe encomendara, preferindo distribui-las pelos demais pré-reformados da sua administração.

Assim se constata o quanto crê que o sujeito pode mesmo dispensar a sinecura, por muito que a mulher vá ganhando o sustento da família nas empresas que ele, quando era ministro, privatizou ou privilegiou.

A promessa de ser vogal na CML depois de derrotado é anedótica: o futuro do putativo sucessor de Rui Rio passará pelos belos jardins da Praça de Espanha. O que convenhamos é decerto um aprazível privilégio!

O regresso d’Os (in)desejados

 

 regresso d’Os (in)desejados

por estatuadesal

(Carlos Esperança, 10/03/2021)

No intervalo pungente da direita jurássica, a suspirar pelo regresso de Passos Coelho, surgiu no espaço mediático o seu principal cúmplice, sem açaime, primeiro, a acusar de amordaçada a democracia, depois, a afrontar o PR, de direita democrática, com a subtileza de um azemeleiro.

Prestou à democracia um inestimável serviço e a Marcelo um invulgar favor, mostrando a diferença entre o salazarista amargo e a finura de um conservador ilustrado, sensível e inteligente.


A sua qualificação da democracia mostrou a que deseja, a desforra do 28 de maio contra o 25 de Abril, a nostalgia da Constituição de 1933 contra a que jurou várias vezes. A declaração n.º 27.003, “declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constituição de 1933, com ativo repúdio do comunismo e de todas as ideias subversivas”, continua o código de valores que rumina na defunção política a que se condenou.

Falta agora o regresso d’O Desejado, em qualquer manhã, entre brumas da memória dos que ainda o julgam capaz, os mesmos que julgavam o outro um estadista.

Não há lixívia que lhe branqueie o passado nem eleitores que o sigam na reincidência. Pode tomar o partido, para o perder de vez, mas jamais conquistará o país que iludiu.

A antecipação de Cavaco mostrou como estava viva a memória e morta a ressurreição, e a vinda do ora catedrático Passos Coelho, sem categoria, sem vergonha e sem cabelo, é a dádiva que favorece os adversários.

A pandemia produzirá a maior crise das nossas vidas, e vai ser demolidora na economia, no emprego e na saúde. A volubilidade do eleitorado é inevitável, mas era preciso que o País ensandecesse para reincidir em falhados.

Tal como a orquestra do Titanic, há orquestras que não tocam duas vezes.

quarta-feira, 10 de março de 2021

Costa determinou o segundo mandato de Marcelo, oferecendo-lhe todo o poder sobre o Governo

 


por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 10/03/2021)

Daniel Oliveira

A maior condicionante ao comportamento de Marcelo numa crise incerta é a desproporção de força entre o Governo e o Presidente. E ela resulta de escolhas de Costa. Não quis uma solução de maioria e apoiou informalmente Marcelo. O Presidente tem 60% dos votos para redefinir os seus poderes. Já começou. Fá-lo em proteção de um governo frágil, fá-lo-á para limitar todas as suas opções. As opções táticas de Costa definiram o segundo mandato de Marcelo. O seu protetor poderá vir a ser o seu carrasco.


Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse para o seu segundo mandato. Definiu as suas prioridades. Mas vivemos um tempo de tal incerteza que as suas prioridades não podem ser determinadas por ele. Não sabemos quanto tempo durará esta pandemia e até onde nos levará a crise sanitária. Não sabemos, por isso mesmo, a profundidade do impacto social, económico e até político da crise. Nem sequer sabemos que Europa sairá desta pandemia. Serão as prioridades que determinarão Marcelo, não o oposto.

Há, no entanto, condições prévias que já definem e continuarão a definir o comportamento do Presidente da República. E foram quase todas determinadas por decisões táticas de António Costa. A maior condicionante política ao comportamento de Marcelo numa crise de dimensões e duração incerta é a desproporção de força entre o Governo e o Presidente.

Quando António Costa optou por não ter uma solução de maioria parlamentar, não negociando com o Bloco de Esquerda essa possibilidade (bem aliviado deve estar o BE, neste momento), com a desculpa esfarrapada de que essa solução teria de incluir um PCP que recusava acordos escritos, pensou que teria quatro anos de prosperidade económica e folga orçamental. Que poderia gerir alianças de geometria variável e chantagens em cada crise. Se há coisa que um político deve saber é que a previsão é uma arte estranha ao seu ofício. A importância de estar prevenido para o pior é a única certeza que pode ter. Hoje, no meio de uma crise pandémica, Costa depende da continuação da crise da direita para sobreviver.

Estando numa situação de fragilidade política, António Costa decidiu apoiar informalmente a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Mário Soares foi reeleito com 70% no mandado de um governo de maioria absoluta do PSD. Por isso, o Cavaco deu-se ao luxo de apoiar a sua reeleição. Soares nada podia fazer, a não ser dar alento, como deu, a uma esquerda há seis anos na oposição. Costa deu-se ao luxo de apoiar informalmente a reeleição de um Presidente de direita quando governa em minoria.

Julgava estar, com este apoio, a comprar um escudo. A não ser que seja o único político português que acredita na lealdade de Marcelo (Marcelo não acredita na de Costa, seguramente), saberá que esse escudo durará enquanto a direita não se reorganizar e enquanto interessar ao Presidente manter Costa em São Bento. E, mesmo até lá, será um escudo pesado. É evidente que Marcelo venceria as eleições sem o apoio de Costa. Até é provável que o vencesse à primeira, com menos votos da esquerda e mais da direita. Mas dificilmente teria a votação que teve. O que quer dizer que dificilmente teria a força que tem.

Quer a larguíssima votação que deu ao Presidente um poder reforçado, quer a fragilidade da solução governativa resultam de decisões de Costa. E têm origem no mesmo problema: um olhar que é sempre de curto ou médio prazo.

Enquanto a direita não conseguir arrumar a sua casa, não é provável que Marcelo tenha choques com o Governo. E não é provável, porque não precisa de o fazer. Perante uma crise pandémica, social e económica, com um governo minoritário e que tenderá a desgastar-se depois da fase pandémica, o Presidente tem 60% dos votos para redefinir os seus poderes. E já o começou a fazer.

Quando Marcelo anuncia datas e critérios para o desconfinamento, que são poderes executivos, até pode estar a ajudar o Governo, preparando o caminho para uma solução faseada e muito cautelosa. Mas está a alargar a sua influência, como não acontecia desde o tempo de Ramalho Eanes, quando eram outros os poderes. Fá-lo em proteção de um governo frágil, fá-lo-á para limitar todas as escolhas desse governo frágil, quando isso for do seu interesse. Quando Costa fez todas as opções táticas que o tornaram totalmente dependente do Presidente da República, definiu o que será o segundo mandato de Marcelo. O seu protetor poderá vir a ser o seu carrasco.

Nota: não tenho qualquer razão para acreditar na desculpa sem conteúdo dada pelo gabinete de Cavaco Silva para não ter ido à sessão de cumprimentos do seu sucessor. Foi mais uma de muitas demonstrações de desrespeito e deselegância institucional, comuns no ex-Presidente. Mas não deixei de me divertir com a afirmação, dias antes, de que vivemos numa “democracia amordaçada”. Para quem se lembra como as cargas policiais eram a forma banal de lidar com manifestações, fosse de polícias, de estudantes ou de utentes da ponte sobre Tejo, ouvir isto de Cavaco Silva é hilariante.