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sexta-feira, 26 de março de 2021

A representação parlamentar de partidos de direita radical faz os seus apoiantes sentirem-se legitimados

Posted: 25 Mar 2021 03:47 AM PDT

 


«O sucesso eleitoral da direita radical é um fenómeno global. Nos últimos cinco anos, candidatos de direita radical venceram eleições no Brasil (Bolsonaro), Estados Unidos (Trump) e Filipinas (Duterte). Na Europa, praticamente todos os países têm um partido de direita radical nos seus parlamentos. Em Portugal, concretamente, as eleições de 2019 foram marcadas pela entrada do Chega no parlamento – cujo líder foi uma das figuras principais das eleições presidenciais de janeiro de 2021.

Depois da Segunda Guerra Mundial e da experiência catastrófica do autoritarismo na Europa, a maior parte das democracias ocidentais criou normais sociais contra posições não alinhadas com valores da democracia liberal – como sejam posições racistas ou autoritárias. Como um conjunto de estudos na psicologia social mostra, em virtude destas normas, apesar de muitos indivíduos continuarem a ter estas posições em privado, tendem frequentemente a não as expressar explicitamente em público por saberem que elas não são aceitáveis numa democracia liberal.

Dado que políticos de direita radical como André Ventura transgridem abertamente estas normais, e dado o seu sucesso eleitoral em anos recentes, uma questão que se tem levantado no debate público é até que ponto tal sucesso normaliza a transgressão das normas de uma democracia liberal como a portuguesa.

A presença da direita radical no parlamento, concretamente, tem o potencial para ter tal efeito normalizador. Por um lado, ela sinaliza sucesso eleitoral pela parte do partido. Tal sinal pode fazer com que os eleitores percecionem que o número de apoiantes da direita radical é mais alto do que pensavam. Por outro lado, as instituições políticas têm o potencial para legitimar os atores nelas representados. Assim, à medida que os partidos de direita radical entram no parlamento dos seus países, poder-se-ia esperar que as suas posições se normalizassem e os seus apoiantes se sentissem legitimados.

Esta é a questão que motiva um artigo que publiquei recentemente na revista Comparative Political Studies (“Parliamentary Representation and the Normalization of Radical Right Support”). Neste artigo mostro que, efetivamente, a representação parlamentar de partidos de direita radical normaliza posições de direita radical.

O artigo baseia-se numa nova medida de quão aceitável é expressar apoio à direita radical.

Esta medida consiste na proporção do voto oficial de um partido que é declarado em inquéritos pós-eleitorais. No rescaldo de cada eleição, estes inquéritos questionam uma amostra representativa da população acerca do seu sentido de voto nela. As entrevistas para tais inquéritos representam uma interação social com uma pessoa desconhecida (o entrevistador). Como tal, temendo ser julgados, muitos apoiantes da direita radical preferirão não declarar tal apoio.

De facto, o voto na direita radical que é declarado em tais inquéritos é consistentemente inferior ao seu resultado eleitoral real. Esta pressão social, no entanto, não se estende de igual forma ao voto, dado que este se faz em privado. Como tal, o voto oficial num partido representa uma medida de quantos eleitores apoiam a direita radical na ausência de pressões sociais. Em contrapartida, o voto na direita radical que é declarado em inquéritos pós-eleitorais representa uma medida de quantas pessoas numa população estão dispostas a assumir ao entrevistador que apoiam a direita radical, apesar da pressão social para não declarar tal apoio.

O artigo mostra que a proporção do voto oficial na direita radical que é declarado em inquéritos pós-eleitorais aumenta significativamente quando estes partidos adquirem representação parlamentar. As análises principais do artigo focam-se em dados de 80 partidos de direita radical em 21 países, entre 1996 e 2018. Os resultados mostram que, por cada 10 indivíduos que haviam votado na direita radical, quatro a cinco pessoas adicionais estavam dispostas a admitir que o haviam feito se estes partidos tivessem tangencialmente entrado no parlamento (comparados com partidos que tivessem ficado tangencialmente aquém do apoio eleitoral necessário para entrar no parlamento).

Os resultados demonstram também que o efeito se torna mais forte à medida que aumenta o espaço de tempo entre a eleição e a entrevista para o inquérito pós-eleitoral. Isto sugere que a normalização das posições da direita radical se faz ao longo do tempo e que as instituições políticas enviam, de facto, sinais acerca de que comportamentos são aceitáveis numa sociedade.

Estas análises são corroboradas por análises adicionais ao nível individual (por oposição às análises iniciais, ao nível do partido) e por um estudo de caso do partido UKIP, no Reino Unido, antes e depois de este entrar no parlamento. Em ambos os casos, os resultados corroboram a conclusão principal. Quando os partidos de direita radical têm representação parlamentar, os eleitores sentem-se significativamente mais confortáveis em expressar-lhe apoio.

No seu todo, as análises do artigo mostram que, apesar de haver normas sociais contra a expressão de posições de direita radical, o continuado sucesso de políticos de direita radical pode levar à erosão dessas normas. É importante sublinhar que os resultados do artigo não sugerem que esta consequência seja somente fruto de as posições dos eleitores se tornarem mais radicais. Pelo contrário, o artigo sugere que o sucesso da direita radical faz com que indivíduos que já tinham posições de direita radical, mas que não as expressavam em público, se sintam mais confortáveis em fazê-lo. Estes resultados têm importantes implicações, principalmente tendo em conta que este efeito se poderá fazer sentir não apenas na declaração de apoio à direita radical, mas também num conjunto de outros comportamentos associados com a direita radical e contrários aos valores da democracia liberal.»

Truculenta deve ser a tia deles!

 

por estatuadesal

(Jorge Rocha, in Blog Ventos Semeados, 25/03/2021)

Em pelo menos dois dos jornais hoje lidos e publicados encontrei a expressão «truculento» para designar o ministro Pedro Nuno Santos a propósito da ida a uma comissão parlamentar para testemunhar a respeito dos problemas por que passa a Groundforce.

Na escolha da expressão há o intento de depreciar, de desvalorizar. Algo do género: não o levem muito a sério, porque ele é como é.

E por isso o «jornalista», que se responsabilizou pelo «Expresso Curto» pedia que lhe explicassem muito devagarinho onde estava o problema. Aparentemente não sendo loiro, Filipe Garcia comportava-se enquanto tal se nos ativermos aos estereótipos das anedotas sobre a referida cor do cabelo.E, no entanto, o que Pedro Nuno Santos informou no parlamento foi de liminar clareza: o governo PSD/CDS decidiu entregar a Groundforce a Alfredo Casimiro naquela dinâmica de privatizações, que tanto entusiasmava Passos Coelho, Vítor Gaspar, Paulo Portas, Carlos Moedas ou Maria Luís Albuquerque e arranjou-lhe forma de lhe dar um autêntico negócio da China: primeiro financiaram-no em 7,6 milhões de euros para, depois, e quando o «esplendoroso» governo da troika já via o anunciado fim no horizonte, ele adquiriu a empresa por 3,6 milhões de euros. Razão porque Pedro Nuno Santos deixou sem resposta o desalentado deputado centrista, que se julgava capaz de o pôr em xeque, ao perguntar-lhe: “Quem não gostaria de fazer um negócio destes?”

No Observador a «insuspeita» Helena Garrido constatava que aqui estava um eloquente exemplo de favorecimento a um “capitalista sem capital” (ver aqui) , ao mesmo tempo que o não menos «inquestionável» Manuel Carvalho, no Público, (ver aqui), considerava o caso como demonstrativo de “no esplendoroso mundo do capitalismo pátrio, o mérito, o esforço, a frugalidade ou a transparência sempre valeram menos do que a esperteza que mantém portas sempre abertas no Terreiro do Paço.“ Só se esqueceu de dizer que isso foi obviamente verdadeiro enquanto o governo apadrinhado pelo «amordaçado» de Boliqueime estava a desnortear o rumo do país.

O que sempre muito aprecio em Pedro Nuno Santos é esse estilo “pão, pão, queijo, queijo”, que tanto parece incomodar alguma gente de sensibilidade muito delicada, quando se trata de ter de dar razão a quem se situa determinadamente à esquerda. Felizmente que vão sendo muitos os portugueses, que me secundam nessa apreciação do ministro. E que se disporão a apoiá-lo, quando as circunstâncias assim o ditarem.

Negócio EDP-ENGIE: o que falta (ainda) saber?

 


por estatuadesal

(Óscar Afonso, in Expresso Diário, 25/03/2021)

(Sendo tudo isto verdade é, de facto, mau de mais. Se tiver sido negligência o Ministro que peça a demissão pois o interesse público não se compadece com tanta incompetência. Se tiver sido acto ponderado, pior ainda. Nesse caso chamem a polícia...

Em qualquer dos casos, parafraseando Cícero, só me resta perguntar: "Até quando, ó Matos, abusarás da nossa paciência?"

Comentário da Estátua, 25/03/2021)


O polémico negócio da venda de seis barragens pela EDP a uma empresa francesa com um trabalhador é abordado pelo presidente do Observatório de Gestão da Fraude e professor da Faculdade de Economia do Porto, Óscar Afonso, para o qual "não há dúvida que tem havido falta de transparência num negócio que, por envolver bens do domínio público, deveria ser exemplarmente transparente"


Sabe-se hoje que a EDP montou um esquema de planeamento fiscal agressivo para evitar o pagamento de impostos – Imposto do Selo, IMT, IRC e Derrama –, motivados pela transação de 6 barragens da bacia do Douro. Sabe-se também que esses impostos são os que a lei portuguesa tipicamente estabelece para este tipo de transações. Sabe-se ainda que o senhor ministro do Ambiente e Ação Climática estava avisado pelo Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) para a possibilidade de construção de um esquema de negócio que, uma vez utilizado, frustraria o pagamento de um elevado montante de impostos.

Em suma, não há dúvida de que o senhor ministro conheceu previamente a construção que o MCTM considera artificiosa, evasiva, agressiva e abusiva. Por não a ter evitado, ignorou o aviso que lhe foi feito e, pelo menos moralmente, colaborou na sua montagem. Essa montagem está descrita num aditamento ao contrato de concessão em que o Estado, representado por dois serviços sob direção do Ministério do Ambiente – APA e DGEG –, assinou com a EDP, uma empresa inexistente à data da assinatura e uma empresa do consórcio adquirente.

Assim, o atual concessionário das barragens não deixa de ser uma empresa desconhecida do Estado, com apenas um trabalhador, cuja idoneidade para ser titular dessas concessões não foi avaliada pelo Ministério do Ambiente e da Ação Climática, como a lei expressamente estabelece. Curiosamente, essa empresa foi constituída já depois da assinatura da adenda ao contrato de concessão e um dia antes do negócio entre a EDP e o consórcio liderado pela ENGIE. Acresce que a constituição dessa empresa estava anunciada na adenda ao contrato de concessão, e que o seu período de vida estava previamente anunciado pelas partes como sendo de apenas 100 dias. Ou seja, essa empresa constituiu-se com o único propósito de ser veículo fiscal para evitar o pagamento dos impostos devidos, com morte anunciada e, portanto, sem qualquer outra racionalidade económica.

Acresce que o Estado tinha direito de preferência na transmissão das barragens e não há nenhum indício de que o tenha exercido nem que tenha sido avaliado o interesse no exercício desse direito.

Neste contexto, terá o senhor ministro cuidado de defender o interesse público?

Sabe-se que, efetivamente, foram vendidos 6 empreendimentos hidroelétricos, compostos pelo universo de direito e obrigações que os compõem e que sobre essas transmissões incide, em geral, a verba 27.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Sabe-se, também, que desse universo faz parte um subuniverso de concessões do domínio público (de utilização da água do rio, de utilização dos terrenos expropriados e de utilização das construções), que estão, na parte relativa ao respetivo valor, sujeitos à verba 27.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo. Sabe-se, ainda, que foi alienada a titularidade privada das construções das barragens e dos edifícios e maquinismos fixos conexos que, pertencendo à EDP, passam agora para o balanço dos adquirentes e que, portanto, estão sujeitas ao IMT.

Do que é conhecido, sabe-se porque o Parlamento exigiu ao senhor ministro do Ambiente o envio da documentação relativa ao negócio. Porém, não são conhecidos ainda os contratos celebrados, porque o senhor ministro afirma não os conhecer. Ora sendo assim, não há dúvida que tem havido falta de transparência num negócio que, por envolver bens do domínio público, deveria ser exemplarmente transparente.

Perante o que se sabe há imensas questões sem resposta; em particular, permanece por compreender por que motivo o senhor ministro:

(i) deixou que a EDP fizesse um negócio, com a participação ativa do Estado, especialmente concebido para evitar o pagamento de impostos?

(ii) aceitou que um negócio simples, de transmissão de 6 empreendimentos hidroelétricos da EDP para o consórcio liderado pela ENGIE, fosse realizado mediante uma complexa operação que envolveu cisões, fusões permutas de partes sociais, constituições e dissoluções de sociedades, bem como múltiplas transmissões de ativos, num complexo emaranhado jurídico, sem substância nem genuína racionalidade económica e apenas com o propósito de evitar o pagamento dos impostos?

(iii) procedeu como o fez, apesar de avisado pelo MCTM para a probabilidade de tal acontecer e para a necessidade de acautelar o interesse público?

(iv) ignorou os alertas do MCTM?

Na sequência, acrescem ainda outras questões que seria útil serem conhecidas. O Estado foi notificado pela EDP para o exercício do direito de preferência? Foi avaliado o interesse no exercício desse direito? Por que motivo o Estado não exigiu nenhuma contrapartida pela realização do negócio, dado que o Estado é parte do negócio, como titular das concessões e também porque a sua autorização foi condição essencial para a EDP ter ganho uma mais-valia? Porque assinou, o Estado, uma adenda ao contrato de concessão, sabendo que uma das empresas que seria parte do negócio ainda não estava constituída? Porque aceitou que as concessões fossem transmitidas para uma empresa cuja idoneidade não foi avaliada pela APA nem pela DGEG, como a lei estabelece expressamente? Porque aceitou que esse concessionário tenha apenas um funcionário no seu quadro e não tenha assinado o contrato de concessão?

Finalmente, porque declarou o senhor ministro do Ambiente, no dia 28 de dezembro, que a venda das barragens foi um negócio societário que não estava sujeito ao pagamento do Imposto do Selo? Porque declarou o senhor ministro do Ambiente que as barragens não pagam IMI nem IMT, sabendo-se, como consta do contrato de concessão, que elas são bens privados, que constam do balanço da EDP, que é a sua titular? Porque declarou o senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no Parlamento que os edifícios e construções que constituem os empreendimentos hidroelétricos são bens do domínio público, isentos do IMT e do IMI, quando se sabe, porque consta da adenda ao contrato de concessão, que são bens privados, cujo titular era a EDP, que agora os transferiu para a Cameríngia? Porque proferiram os dois responsáveis governamentais essas declarações e acrescentaram, na audição parlamentar de 27 de janeiro, que não conheciam os contratos feitos entre as empresas alienante e adquirente?

Em face das declarações proferidas, terá a Autoridade Tributária e Aduaneira, tutelada pelo Governo e, especificamente, pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, condições para auditar e desempenhar com autonomia a sua ação de inspeção e de investigação, sabendo que as entidades que a tutelam já declararam que não são devidos impostos pelo negócio?

Perante as dúvidas, parece evidente que é indispensável que o negócio seja investigado por entidades independentes e acima de toda a suspeita e condicionamento.

quinta-feira, 25 de março de 2021

 

Como nos protegemos dos negacionistas da vacina da covid?

Posted: 24 Mar 2021 08:05 AM PDT



 

«Já me aconteceu, como a todos, ter cuidados de saúde por causa de viagens. Tomei a vacina da febre amarela julgo que para ir ao Peru. Quando ia à Índia anualmente em trabalho fazia a profilaxia da malária (tremendamente tóxica; na última destas viagens estava a tentar engravidar e já não a tomei, porque de tão benigna podia ter consequências uterinas). Tenho visto, portanto, com normalidade a discussão sobre o passaporte de vacinação da covid. É de elementar bom senso assegurarmos que os vírus e as variantes viajam pouco pelo mundo.

Porém, julgo que a conversa está só, e mal, focada nas viagens. Inicialmente os cientistas diziam-nos que a covid provavelmente iria tornar-se mais suave, correria pela população como uma normal gripe. O que se passa é o contrário. O contágio tem garantido o surgimento de variantes mais selvagens, mais contagiosas e tão ou mais mortais. Que podem, ou não (não sabemos), ser combatidas com as vacinas já existentes.

A vacinação do mundo todo levará ainda dois ou três anos, nas alternativas mais otimistas. Ora uma variante surgida numa favela do Rio de Janeiro ou de Deli, ou numa aldeia da Tanzânia, contagia com facilidade até à Europa. As vacinas poderão ou não atenuar este contágio. Mas quanto maior a proporção de população não vacinada, também maior a potencialidade de catástrofe sanitária – e económica – que vem com estas novas variantes. Por outro lado, se muita gente não se quiser vacinar, sabemos lá se não nos tornaremos também os felizes produtores de uma nova estirpe virulenta de covid.

Parece-me, então, que temos de preparar estratégias para nos proteger do perigo que a população não vacinada representa. Claro: todas as pessoas adultas têm liberdade de não se vacinarem. Pela minha parte, nem tenho vontade de debater se as vacinas são fiáveis ou não. Cada um faz com o seu corpo o que quer. Além disso, a conversa é inútil. Trata-se de pessoas para quem, primeiro, a pandemia não existia ou não era mortal. Depois os casos confirmados eram falsos positivos. As máscaras – que comprovadamente contrariam o contágio de vírus respiratórios, como se viu com a inexistência de gripe neste inverno que passou – não funcionam e são elementos de destruição populacional em massa. Os mortos numerosos deveram-se somente a problemas de falta de capacidade hospitalar. Sabe-se lá por que razão, estavam ótimos de saúde mas morreram por falta de ventiladores. Foi teimosia de levar a covid literalmente até ao fim, certamente. E agora a vacina é um perigo.

Tivemos no fim de semana passado um ajuntamento de, dizem, três mil pessoas, sem máscaras, protestando contra o mundo numa manifestação de adolescência serôdia. Os cartazes contra a vacinação destacavam-se. É fácil rirmo-nos de quem se manifesta sem levar com uma carga policial enquanto nos garante viver na mais restritiva ditadura, assim de nazi para cima. Com o ar new age de São Francisco ali à Rua da Betesga. As rezas de olhos fechados que a multidão parecia fazer nas fotografias. A satisfação de se considerarem grandes rebeldes, tão corajosos como (pelo menos) os membros da Resistência na França ocupada da Segunda Guerra Mundial.

No entanto, o ridículo não nos pode fazer esquecer o perigo. Um dos organizadores da manifestação foi diagnosticado com covid. Não sabemos quantas pessoas terá contagiado. A vacinação está atrasada na União Europeia. Há ainda muita gente com idade e problemas de saúde pré-existentes suscetíveis de desenvolver formas agudas e mortais de covid. As pessoas não vacinadas são, e vão continuar a ser (e com novas variantes pior), um perigo para todos, vacinados ou não.

Posto isto, questiono-me. Vamos aceitar alunos nas universidades que não se vacinam, colocando em risco os colegas? Vamos ter pessoas não vacinadas nas empresas com capacidade de contagiar outros trabalhadores? Teremos gente fazendo atendimento ao público sem vacina e disseminando covid pelo dito público? Empregados de mesa em restaurantes, onde os clientes não estão sequer de máscara? Profissionais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, cabeleireiros, massagistas e por aí em diante: não teremos o direito de saber se aquela pessoa tem uma maior vulnerabilidade à covid ou se foi vacinada?

Nada disto é risco teórico. Posso apresentar a minha experiência. Quando tive covid, não fui contagiada por ninguém num contacto de proximidade sem máscara. Foram todos testados. Terei sido contagiada por alguém numa loja, num tratamento de saúde ou restaurante.

Parece-me justo que, se toda a gente pode recusar a vacina contra a covid, também os demais têm o direito de se proteger de quem assim se constitui um risco para a saúde. Não tenho respostas definidas, sobretudo em tocando ao direito à educação e ao trabalho. Mas é uma conversa que precisamos de ter, para obter um consenso que concilie quer o direito ao trabalho, à educação e às alucinações dos anti vacinas, bem como à proteção de todos os restantes seres pensantes do país.

Sem dúvida que em certas profissões, em implicando proximidade interpessoal, os empregadores têm de poder exigir o passaporte de vacinação da covid. Não rejeito a ideia de hotéis, companhias aéreas e outras transportadoras, restaurantes, ginásios, salões de estética e por aí em diante pedirem o mesmo aos clientes antes de aceitarem prestar-lhes serviços. É de basilar sensatez alguém num guichet ou num supermercado, atendendo centenas de pessoas por dia, ter de ser vacinado – ou colocado noutra função. Uma empresa tem de poder obrigar ao teletrabalho, caso seja possível, quem com facilidade contagia colegas a cada espirro de inverno.

Cada um tem o direito de fazer escolhas para si, para o seu corpo e saúde. Mas não pode verter sobre o resto da comunidade as consequências das escolhas que livremente tomou.

Demos, portanto, lugar aos legisladores para começarem a debater como se protege a sociedade quando a crise aguda da covid passar. Concretamente, dos negacionistas das vacinas. Entretanto tratemos de proteger a comunidade já. A PSP está a elaborar um processo crime contra os organizadores da manifestação do passado fim de semana, onde todas as regras sanitárias foram quebradas. Esperemos que o Ministério Público prossiga com a intenção. Afinal os resistentes aos nazis durante a Segunda Guerra Mundial estavam dispostos a morrer pela causa. Não esperamos menor espírito de sacrifício dos gloriosos negacionistas da vacina da covid.»

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Dia do Estudante 1962

Posted: 24 Mar 2021 05:26 AM PDT


 

24 de Março é, para muitos de nós, uma data inesquecível em que manda a tradição que no juntemos na Cantina Velha de Lisboa, num mais do que tradicional jantar. Em 2020, as inscrições estavam feitas, o espaço reservado, mas o dito jantar já não aconteceu. Dissemos então que este ano lá estaríamos, que a festa seria de novo nossa. Não será.

Mas como acordei hoje com um saudável humor negro, deixo aqui um aviso ao professor Marcelo e ao dr. Costa: façam bem as contas, ainda podem decretar mais uns 25 Estados de Emergência, mas parem lá isso a tempo porque, no próximo ano, vamos mesmo festejar o 60º ANIVERSÁRIO.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Pontue a verdade. Se não gostar, damos-lhe outra

Posted: 23 Mar 2021 04:42 AM PDT

 


«No "Daily Telegraph", equaciona-se vincular uma parte do salário dos seus jornalistas ao número de cliques que tenham os seus artigos e ao número de assinaturas geradas. Pelo menos, o "Guardian" assim o garante, depois de ter acesso a um mail dirigido aos funcionários e ter recolhido vários testemunhos. Pelo que consegui perceber, a informação não foi totalmente confirmada pelo jornal visado. Certo é que, por dificuldades técnicas, a medida não avançará já. Mas o editor do jornal considera justo que aqueles que trazem mais leitores sejam mais bem pagos. Os jornalistas indignaram-se e levantaram objeções, esperando que seja uma ideia louca que passará. Tenho uma notícia para lhes dar: não passará. Mais tarde ou mais cedo ela vai chegar a quase todas as redações. Já é esse o espírito instalado, quando, nas redações, há painéis com tráfego online de cada notícia.

É provável que muitos jornalistas e editorialistas do "Telegraph", conotado com a direita (enquanto o "Guardian" é mais ligado à esquerda), tenham defendido esta lógica para muitas atividades. Que a produtividade deve ser medida e premiada no salário. À partida, parece justo. Todos já tivemos colegas que, fazendo pouco e esforçando-se nada, recebem o mesmo que todos os outros. E sabemos o mal que isso faz a uma organização. Todos, da esquerda à direita, valorizamos o mérito e o esforço. Mas não há nada como uma proposta destas aplicada ao jornalismo para se perceber a perversidade da lógica produtivista como ética geral do trabalho. Sobretudo a atividades que tem funções sociais, como o jornalismo, a medicina ou na academia.

Não é por acaso que jornalistas de um meio de comunicação social conotado com a direita se indignam com esta proposta, na liberal Inglaterra. Ela corresponde à destruição do jornalismo. O critério de um jornalista que recebe por cada clique não será o da verdade, muito menos num tempo em que as pessoas deixaram de a distinguir da mentira. Não será o da relevância. Quem perderá tempo a escrever sobre cultura ou assuntos internacionais? Que pobre miserável se entregará a ler e a explicar estudos ambientais? A tratar de temas complexos e aborrecidos? Mesmo que sejam os mais relevantes para o futuro de um país ou do mundo. Quem dará tempo a minorias se é a maioria que o pontua? O critério também não será o da sobriedade. Aquilo a que já assistimos em títulos de jornais, enganadores para puxarem pelo clique desprevenido, passaria a ser incontornável para o jornalista que não quisesse viver na penúria.

Hoje, muitos jornalistas são escravos de editores e diretores que abandonaram a sua fidelidade ao jornalismo para se transformarem em meros representantes do acionista na redação. Com esta proposta, passam a ser escravos dos leitores. Parece bom? É péssimo. Um jornalista que dá aos leitores o que eles querem não faz jornalismo. Não lhes conta coisas incómodas. Não segue o critério da relevância. Substitui o interesse público pelo interesse do público. O interesse público norteia o jornalismo, o interesse do público norteia o comércio.

A maioria dos jornalistas (e também dos comentadores) vive entalada entre o seu dever deontológico e social e a atividade empresarial da imprensa. Não é a única atividade em que isso acontece e isso não é, por si só, um problema incontornável. Quando empresas privadas de comunicação social deixam de procurar o lucro até nos devemos preocupar: quer dizer que os acionistas procuram comprar influência política por via do jornalismo. Como em muitas outras atividades, a regulação e a autonomia deontológica dos profissionais deveria garantir que os planos não se confundem. Os jornalistas fazem jornalismo, não são meros produtores de conteúdos.

O problema é que, de uma economia de mercado, passámos para uma sociedade de mercado. Permitimos que, em vez desse equilíbrio e dessa tensão, que exige conflito e regulação, a ética do mercado tomasse conta de todos os domínios da nossa vida. Como em todos os momentos em que a balança cai demasiado para um lado, as coisas correm mal.

Transformar cada artigo ou cada jornalista num produto torna o jornalismo inviável. Mata toda a sua ética e todo o seu propósito. E fomos nós, jornalistas, que deixámos que isto acontecesse. Assumindo que vender notícias era a nossa função. Permitindo que as administrações dos órgãos de comunicação social entrassem nas redações. Abdicando de poder e de autonomia. E assumindo guerras comerciais entre empresas de comunicação social como uma questão que nos diz respeito. Não diz. É assunto dos acionistas.

A lógica das estrelas que damos aos motoristas da Uber, que achamos excelentes por nos darem a ilusão de ser patrões, vai infetar todos os domínios da nossa vida. E vai afetar o jornalismo crítico - ou o que sobra dele. Perde-se a própria ideia de jornalismo de referência, que não pode depender de cada notícia, mas do conjunto coerente que deve ser um jornal. O jornalismo incómodo não é o jornalismo popular e populista, que simula afetar os poderes estabelecidos enquanto torna quem o lê, quem o ouve e quem o vê cada vez mais desinformado. Não é aquele que indigna o público, provocando o gesto imediato de clicar numa notícia e pontuá-la. É o que alimenta o que de menos imediato existe em nós: a inteligência. É o que faz o leitor pensar e perceber a realidade.

Quando um jornal de referência, como o "Telegraph", começa a pensar em institucionalizar no salário o clickbait, sabemos que o jornalismo incómodo vai morrer. E o jornalismo incómodo é o que incomoda o público. Porque perturba verdades feitas em vez de as confirmar. Porque faz pensar antes de reagir. Não se queixem os que, na imprensa, acham que a ética do mercado tudo resolve. Ela aí está, para ditar a verdade. Se uma verdade não vende, não interessa. Se nos incomoda, dão-nos outra.»

Daniel Oliveira