Posted: 12 Apr 2021 03:27 AM PDT
Posted: 12 Apr 2021 03:27 AM PDT
Posted: 08 Apr 2021 03:31 AM PDT
por estatuadesal |
(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 08/04/2021)
Jorge Coelho era um homem de compromissos. E isso foi evidente quando o tive ali, à minha frente, durante duas horas, numa situação que seria sempre tensa. Quem pede para falar com quem lhe fez uma crítica ética violenta, seja para compreender as razões para o ter feito, seja para o convencer que não tinha razão, é alguém que sabe que a política não é a arte de somar inimigos, mesmo que eles sejam inevitáveis. É, mais vezes do que isso, fazer pontes para chegar a quem dispara do outro lado do rio.
Um dia, há bastante tempo, no "Eixo do Mal", disse uma coisa bastante desagradável sobre Jorge Coelho. A crítica, sendo política, tinha uma dimensão inevitavelmente ética e por isso pessoal. Por interposta pessoa, pediu para falar comigo. Não reagiu irado, não protestou, não queria tirar satisfações. Como acho que ouvir aqueles de que falo faz também parte do meu ofício, obviamente que aceitei a proposta. Uns dias depois, falámos durante duas horas, presencialmente. Não foi um almoço de confraternização. Foi numa sala em terreno neutro, um em frente ao outro. Diria que foi desconfortável para os dois e não é coisa que me tenha acontecido muitas vezes na vida.
Dei-lhe as minhas razões, que ele pediu. Porque queria, disse-o genuinamente, perceber o meu ponto de vista. Deu-me as dele, em parte pessoais, que eu ouvi. Falámos da vida dele. Eu não recuei no que tinha dito (nem acho que tivesse de recuar), nem ele me pediu que o fizesse. Ele também não terá mudado de opinião no que via como uma injustiça. Apesar da tensão da conversa, nunca perdeu o pé, nunca foi incorreto, nunca deixou que nada daquilo resvalasse para mais do que tinha pedido: uma conversa sincera. Foi sempre incrivelmente educado, apesar do que tinha dito dele, que foi forte e tinha a ver com a ida dele da política para a Mota-Engil.
Foi o gesto de um sedutor, que é o que todo o político talentoso é. E de quem sabe que em democracia a relação com a crítica pública faz parte do ofício do político. Jorge Coelho saberia que uma reação pública irritada teria sido mais confortável para mim e talvez também para ele. Olhos nos olhos, perante um ser humano, é tudo mais embaraçoso. As pessoas ganham vida. Disse-lhe tudo o que achava que lhe devia dizer e ainda hoje não me arrependo, porque fui frontal, mas sempre correto. Quase frio, para resistir à aproximação. Mas o meu respeito por ele aumentou consideravelmente. Tinha à minha frente um dos homens que mais poder teve neste país a explicar-se perante quem, tendo muitíssimo menos poder do que ele, foi duro na crítica e não lhe pediu explicações.
Pelo menos uma coisa mudou na forma como o via: passei a acreditar na sinceridade da sua demissão, depois da queda da ponte de Entre-os-Rios. E ao mudar essa opinião mudei muito do que pensava sobre ele. Isso não me incomodou. Ao longo dos anos fui percebendo que somos todos muitas coisas. Que há tão poucos heróis como vilões. E que a uns e outros, quando o são em pleno, tende a faltar humanidade. Aquele encontro foi um dos muitos passos que dei na vida para a tolerância, caminho que todos devemos estar destinados a palmear.
Saber resistir ao ressentimento é das qualidades mais importantes e difíceis que um político tem de ter. Há quem lhe chame cinismo. Mas é respeito pela democracia. A crítica, por vezes dura, faz parte do processo. Jorge Coelho não era arrebatador. Era um homem de compromissos. E isso foi evidente quando o tive ali, à minha frente, durante duas horas, numa situação que seria sempre tensa. Alguém que se senta para falar com quem lhe fez uma crítica violenta, seja para compreender as razões para o ter feito, como me disse, seja para o convencer que não tinha razão, é alguém que sabe que a política não é a arte de somar inimigos, mesmo que eles às vezes sejam inevitáveis. É, mais vezes do que isso, fazer pontes para chegar a quem dispara do outro lado do rio.
Posted: 10 Apr 2021 08:28 AM PDT
por estatuadesal |
(Francisco Louçã, in Expresso Diário, 10/04/2021)
Alguns dos pilares essenciais da acusação desabaram, a não serem salvos pelo recurso, José Sócrates clama vitória e ainda assim poderá ser julgado por crime com pena de prisão, vamos para uma década desde o início da investigação e ainda nem sabemos se haverá julgamento, ou sobre quê.
Este panorama é um desastre e não começou com o maremoto de ontem. Antes de todos, é o processo penal no combate à corrupção, que não chegou incólume a esta fase do processo, que sai ainda mais desacreditado daquela sala de tribunal, o que tem gigantescas consequências. Por isso mesmo, talvez o primeiro dever seja perguntarmo-nos como se chegou até aqui e o que correu mal.
Os prazos deste processo não são compatíveis com a defesa do bem público. E tudo contribui para os estender: a dificuldade de uma investigação sem meios, além de confrontada com longos atrasos da cooperação internacional; a vontade do Ministério Público (MP) de compilar indícios para a tese que formulara antes das evidências, seguindo portanto todas as pistas possíveis ou imaginárias e dispersando-se em todas as direções; a discricionaridade de decisões de anular os prazos processuais, o que os torna irrelevantes; o gigantismo do processo, prolongando os procedimentos de instrução; os conflitos entre magistrados sobre a própria interpretação da lei.
Conclusão, o que correu mal nos prazos ainda pode correr pior. Mas se o resultado for que um caso de corrupção é julgado vinte anos depois do início da investigação, trata-se então de um fracasso irremediável.
Depois, foram os truques. E, desta vez, foram todos à uma: a prisão preventiva sem suficiente justificação processual, na base de suspeitas que foram entretanto abandonadas e substituídas por outras, ou a insistente divulgação de peças em segredo de justiça, incluindo gravações áudio e vídeo de interrogatórios em jornais preferencialmente especializados nesta indústria, seguindo a estratégia de mobilizar a opinião pública para um julgamento prévio. Pela insistência nestas técnicas, já não se pode acreditar que quem usa este método no MP, os funcionários ou eventualmente algum advogado que promova este crime de violação do segredo acreditem ou respeitem o valor da justiça, antes preferindo um ganho circunstancial num causa particular, mesmo que a cidade arda toda. Se me parece fundamental evitar o abuso da prisão preventiva, já a consequência da persistente revelação seleccionada e criminosa de peças da investigação só tem como único remédio possível a abolição radical do segredo de justiça, ou a violação de direitos dos cidadãos. O que os corruptos agradecerão, dificilmente será possível investigá-los.
Finalmente, ainda se combate a corrupção na presunção de que os corruptos contarão ao telefone os seus sucessos, ou que haverá um arrependido que se disponha a trair a família. Ora, não se vai a lado nenhum com as declarações de um Helder Bataglia, como se viu.
É meridianamente claro que o dinheiro é a chave da corrupção e, por isso mesmo, a prevenção se deve basear na verificação dos rendimentos. Assim, uma lei que obrigue à declaração e que, portanto, exponha os rendimentos injustificados, não só permite a inspeção das alterações patrimoniais, como conduz à punição da sua ocultação como crime, tornando mais direta a intervenção da justiça. Talvez um processo por enriquecimento injustificado seja menos espampanante, mas levaria à decisão pelo tribunal sobre mais crimes, no tempo adequado e com mais eficácia.
Se no combate à corrupção, depois de tudo isto, continuarem a eternizar-se os processos, se não lhe forem dados meios, se não for imposto o respeito pelas suas próprias leis e a capacidade de atingir todos os dinheiros que enriquecem criminosos, então não sairemos deste pântano em que a justiça foi aprisionada.