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terça-feira, 20 de abril de 2021

As raizes eleitorais da corrupção

Posted: 19 Apr 2021 03:47 AM PDT



 

«Ainda com a Operação Marquês “entalada nas nossas gargantas”, chega-nos agora a Operação Triângulo. Esta semana, a presidente da Câmara de Vila Real de Santo António foi detida por suspeita de corrupção. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa por valor abaixo do mercado, com supostas contrapartidas para a autarca e outro funcionário da câmara, lesando assim o erário municipal. Ao ler estas notícias, muitos de nós pensam que o mais provável é que esta senhora tenha o mesmo destino que outros políticos corruptos, ou melhor, alegadamente corrompidos pelo sistema. Assim sendo, é provável que passe algum tempo na prisão, que as provas não sejam conclusivas, que o processo prescreva e que entretanto escreva um livro, volte em apoteose num pedestal de inocência e, como mártir, se recandidate e seja eleita.

Tal cenário é passível de acontecer porque a população, mesmo já informada da existência de corrupção, continua a votar em pessoas que não se coíbem de colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses públicos. Como escreveu, em 2017, Javier Martín, no “El País”, a propósito da eleição de Isaltino Morais, “os munícipes voltam a votar no presidente que os rouba”.

Tradicionalmente, a ignorância e a falta de informação são vistas como a razão fundamental para que os eleitores votem em políticos corruptos. A população, em geral, desconhece o nível de corrupção, não consegue corretamente avaliar os seus efeitos e não acredita que esta seja o problema fundamental que impeça o real crescimento e desenvolvimento do país. Mais, os eleitores podem não ser capazes de inferir se determinadas práticas ou políticas são ilícitas, sobretudo quando expressas como do interesse público. Os políticos corruptos tendem a ser convincentes da sua idoneidade, sobretudo dando apoio a programas anticorrupção e também apontando o dedo a outros políticos idóneos, causando confusão à população em geral. Por último, é difícil para os eleitores conceptualizarem um sistema alternativo de governação e administração pública onde a corrupção está praticamente ausente.

O problema da ação coletiva também pode explicar o paradoxo do voto em políticos corruptos. Suponha, por simplificação, que existem dois partidos que do ponto de vista ideológico têm as mesmas propostas, mas que um inclui corrupção e outro não. O melhor resultado é a eleição do partido não corrupto. No entanto, para os apoiantes do partido corrupto existe um risco: o de perderem benefícios do clientelismo se não apoiarem o seu partido e este ganhar. Estes indivíduos têm então um incentivo para apoiar o partido corrupto. Se a maioria dos eleitores se comportar desta forma, é possível que a corrupção ganhe.

Obviamente, não nos teríamos que preocupar tanto com o voto em políticos corruptos se a corrupção fosse combatida na sua origem. Para tal, em Portugal é preciso reformar a justiça penal, que é extremamente lenta, pesada, burocrática e processualista. Tão simples quanto isto, com a cultura judicial portuguesa, os crimes de colarinho branco compensam, simplesmente porque os benefícios superam, em muito, os custos. Para alterar este quadro é preciso, como Nuno Garoupa diz, uma “profunda mudança da cultura jurídica, o que só é possível de ser feito, talvez em uma ou duas gerações, se as faculdades de Direito fizerem uma revolução agora”.

Entretanto, é preciso que a população esteja cada vez mais bem informada e escolha não eleger políticos corruptos. A esse nível, os meios de comunicação podem dar uma ajuda. Por um lado, não darem tanto espaço mediático a estes políticos. Por outro, para além de informarem sobre o quanto determinado político ganhou com alguma atividade ilícita, criando em nós a sensação de que “o mundo é para os espertos”, seria bom salientarem em quanto a população foi lesada com esse crime, causando nos eleitores a desagradável sensação de perda. Por exemplo, se um imóvel da câmara é vendido abaixo do preço de mercado, seria bom informar sobre as eventuais perdas, quebras de receitas fiscais e, se possível, traduzir essas perdas em informação que facilmente chega ao coração das pessoas. Por exemplo, o montante “roubado” traduz-se em “N” bolsas de estudo a menos para estudantes necessitados.

Até que a reforma da justiça penal aconteça e a cultura judicial mude, é preciso compreender melhor as raízes eleitorais da corrupção, saber em que grau os eleitores apoiam políticos corruptos, porque os apoiam, e como é que os eleitores podem ser persuadidos e motivados a penalizar com o seu voto estes políticos. Para tal, é preciso não descurar fatores comportamentais neste combate.»

Susana Peralta é a primeira portuguesa a ‘autoincriminar-se’ num ‘dramático’ texto dado à estampa no ‘Público’…

Susana Peralta é a primeira portuguesa a ‘autoincriminar-se’ num ‘dramático’ texto dado à estampa no ‘Público’…

por estatuadesal

(Alfredo Barroso, in Facebook, 16/04/2021)

Atenção! Eu quero que a doutora Peralta vá chamar 'corrupto' a outro, que não eu, lá porque decidiu confessar, publicamente, que também ela é 'corrupta' (risos)!

Sinceramente, não compreendo a razão porque só agora, com o 'caso' de José Sócrates, ex-chefe de um Governo PS, é que se escrevem textos tão lancinantes sobre a corrupção, mas não na altura - não direi dos famosos 'jipes agrícolas' do 'cavaquismo' (risos) - mas na altura em que saltaram à nossa vista os 'casos' de corrupção (ou 'suspeitas' dela) bem mais graves, como os dos bancos BCP, BPN, BES, BPP, BANIF, ou os dos célebres submarinos para a Armada Portuguesa, dos sobreiros abatidos em nome do turismo, das famosas pequenas quantias depositadas tantas vezes por um tal Jacinto Leite Capelo Rego, da 'Tecnoforma' e outras grandes vigarices cujas suspeitas recaíam todas, mas mesmo todas, sobre malta do PPD-PSD e malta do CDS-PP, que acabou por se 'safar', bem 'safada', quando tudo parecia ser 'a da Joana' (risos), essa santa milagreira que terá posto a Justiça lusitana na ordem... -, não se passava nada!

Mas que raio de bicho é que mordeu a doutora Peralta, a Dr.ª Ana Gomes, o Dr. Fernando Medina e outras doutoras e doutores que se puseram a gastar tinta e latim a ferrar o dente no juiz Ivo Rosa (o seu colega Carlos Alexandre é que é um 'herói'!) e no Eng.º José Sócrates, ignorando supinamente os autênticos baldes de lixo, de porcaria e etc., cujas suspeitas recaíam todas sobre 'gajos' e 'gajas' da direita?

Na lógica desta bizarra doutora Suzana Peralta, "Portugal é corrupto", logo: todas e todos os 'tugas' são corruptos, logo: todo o mundo é corrupto dado que Portugal pertence ao mundo, além de ter dado 'novos mundos ao mundo' (não se esqueçam!)...

Eu me espanto, me surpreendo, me engalfinho, me torço todo de riso... 🙂🙂🙂🙂🙂

Campo d'Ourique, 16 de Abril de 2021 

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Maria Antónia Palla nas muralhas da cidade

 


(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 17/04/2021)

Sócrates: Porquê tanto ódio

A surpreendente, para muitos chocante, intervenção pública de Maria Antónia Palla contra o ódio político e contra a violência da direita permite tocar no melindroso assunto das relações pessoais afectadas pela Operação Marquês. É matéria íntima e privada, dentro do que os próprios considerarem como tal, mas cruza-se com a dimensão republicana para que somos convocados como cidadãos.

Como este cristalino texto de uma jornalista consagrada (e histórica combatente pela dignidade, pela democracia e pela liberdade) deixa num exuberante e comovente exemplo.

Realmente, é preciso ter 88 anos – ou seja, é preciso ter memória – para conseguir relacionar as peripécias da caçada a Sócrates com o modus operandi de uma ditadura. Essa característica referencial do seu clamor por “compaixão” (qualidade “feminina”, no sentido de ser do foro da empatia e da alteridade, da moldagem e do perdão) a propósito de uma figura tão inauditamente polémica como Sócrates talvez tenha sido o que levou Daniel Oliveira a carimbar como “absurdo” o passo em frente em direcção aos algozes e à turbamulta dado por Palla. O mesmo Daniel que, nas linhas cimeiras e altaneiras à desconsideração sonsa da voz da mãe de António Costa, se entretém a insultar Sócrates armado em psicólogo de café e reclamando o papel de defensor do PS e das vítimas do Engenheiro; vítimas estas por causa das relações pessoais (no partido e/ou na esfera privada) que mantinham com ele ao tempo da sua detenção e da revelação dos factos relativos ao dinheiro que Santos Silva lhe fazia chegar, directa e indirectamente.

Essas pessoas são vítimas, isso é inquestionável. Os danos do escândalo terão afectado a sua saúde de forma traumática. E para aquelas com profissões e actividades que impliquem exposição pública ainda mais, pois há um inevitável efeito de contaminação na reputação que passa a ser explorado incessantemente por pulhas e broncos. Estas pessoas, portanto, e sem carência de mínima explicação, não dispõem de qualquer motivação para mexer uma palha que possa ir ao encontro dos interesses de Sócrates. Algumas, precisamente por terem a sua voz amplificada pela comunicação social e tal lhes dar ocasião e influência para se protegerem, desde muito cedo sentiram a necessidade de começar a castigar Sócrates no plano moral, considerando (e com toda a razão) que os actos por ele assumidos em artigos e entrevistas já chegavam para uma condenação da sua conduta na esfera dos relacionamentos sem ser preciso esperar pelo desfecho do processo judicial.

Pedro Adão e Silva é um dos mais salubres, ponderados, objectivos e intelectualmente honestos “comentadores de referência”. Na edição do Bloco Central de ontem, podemos ouvi-lo na enésima denúncia moral contra Sócrates. A sua veemência desta vez, o próprio circuito espontâneo da fala, mostra como a dor que o dilacera ultrapassa a sua individualidade, remete também para terceiros que lhe são muito próximos (é o que intuo). Trago este episódio porque o Pedro, no embrulho narrativo com que procura matar simbolicamente quem considera culpado pela sua agonia, deixa as emoções dominarem a sua inteligência e ataca Ivo Rosa recorrendo a um dos argumentos mais usados na campanha para o desacreditar, o de que estaria num combate contra Carlos Alexandre e que teria disfunções psicológicas. Trata-se de uma falsa equivalência, criada para branquear Carlos Alexandre (um juiz que viola vários dos seus deveres) e para diabolizar Ivo Rosa (um juiz que cumpre exemplarmente todos os seus deveres). O admirável Adão e Silva, na frustração e desejo de vingança contra Sócrates, alargou a um inocente a impotência furiosa que o consumia.

Eis três radicalmente distintas formas de lidar com o mesmo, a dimensão moral da conduta de Sócrates nisso em que as suas decisões afectaram relações pessoais de diferente tipologia e grau. Daniel Oliveira aproveita para despachar mais uma encomenda de Balsemão e Ricardo Costa, os seus patrões, dando-lhes daquilo que eles gostam. O sofrimento a que alude no seu exercício é apenas carne para o canhão de um publicista. Pedro Adão e Silva expõe-se na sua fragilidade e dano, assume o seu papel no que fica como uma tragédia pois ele próprio se deixa diminuir na ânsia de se defender. E Maria Antónia Palla, que dá toda a ideia de ainda saber que António Costa é seu filho, avança por cima dos escombros das relações pessoais desmoronadas no PS, avança debaixo do fogo de barragem da direita que quer maximizar os ganhos e tentar atingir e comprometer o maior número dos talentos políticos socialistas que conseguir, para dizer na cara da multidão que a cidade também é dela.

Confesso: fiquei com inveja de Costa.

A saúde como condição da confiança e a confiança como condição da saúde

Posted: 16 Apr 2021 03:46 AM PDT

 


«Vivemos, há mais de um ano, uma grave situação de saúde pública que, pelo que se passa no mundo, no continente, no país, na comunidade a centenas de metros e mesmo para muitos(as) na própria família, é dispensável especificar.

Daí, não obstante o quanto elas sejam, como são, constrangedoras e, mesmo, duramente lesivas (individual e colectivamente) do ponto de vista de qualidade de vida, economia, cultura, etc., em geral, são pacificamente aceites como devendo ser cumpridas as medidas de prevenção individuais e colectivas preconizadas pelas autoridades de saúde e, mesmo, desde que democraticamente sustentadas, pelo poder político. Isto também decorrerá do reconhecimento geral, ainda que implícito, de que, independentemente de se estar ou não numa situação de risco epidemiológico (se bem que neste caso tal seja mais evidente), se domínio individual e público há como eminentemente social, esse domínio é o da Saúde.

Por um lado, as condições, contextos e consequências de saúde individual são indissociáveis das de saúde pública (e vice-versa) e, por outro lado, nesta concepção unificada (individual e pública), a saúde é indissociável da sociedade em geral (economia, trabalho, habitação, educação, cultura...).

Talvez por isso, consciente ou inconscientemente, em geral e em regra (com excepções, como qualquer regra), tem havido uma situação de confiança social, sem dúvida no Serviço Nacional de Saúde, sim, mas também, no essencial, nas autoridades de saúde e no poder político quanto à gestão da situação sanitária.

Enfim para além da qualidade e suficiência das infra-estruturas (hospitais, centros de saúde, laboratórios etc.), dos meios técnicos, da tecnologia, do suporte científico e da competência, consciência e suficiência dos profissionais de saúde, é determinante neste domínio a confiança na acção das respectivas instituições e nas intervenções do poder político que suporta essa acção.

E é claro que muito mais determinante é a confiança nas instituições quando se está numa situação epidemiológica, cuja resolução, ou pelo menos mitigação, depende de uma resposta atitudinal e comportamental individual e colectiva harmonizada no modo, espaço e tempo.

Vem esta introdução a propósito do que se tem passado com as vacinas preventivas do risco de contaminação pelo vírus SARS-CoV-2 e possível contracção (ou agravamento) da doença covid-19. Naturalmente que não se pretende aqui mais do que uma não qualificada e modesta opinião pessoal e não, como o sapateiro, “ir além da fivela”.




O conteúdo e forma como foi comunicada a disponibilidade de vacinas (único meio farmacêutico até agora conhecido como podendo responder à situação), ainda para mais, quase euforicamente (o que se compreende, numa situação como a que vivemos), da sua segurança, eficácia, suficiência e relativamente próxima aplicação, com os óbvios reflexos emocionais, económicos, sociais e políticos daí decorrentes, induziu um alto nível de confiança social nas autoridades de saúde e na inerente acção do poder político. Contudo, com isso, foram criadas expectativas individuais e colectivas que projectaram responsabilidades institucionais e políticas quanto às condições e resultados da concretização dessas expectativas.

Ora, o que se tem passado no que respeita às vacinas covid-19, quer quanto a respeitantes decisões institucionais e políticas, quer, muito, na relacionada comunicação oficial (alheamo-nos aqui de comentar, não obstante o seu impacto, para o bem e para o mal, da comunicação social corrente), não só tem defraudado essas expectativas como, mais perigoso do ponto de vista de saúde pública, fragilizado a confiança, se não no Serviço Nacional de Saúde pelas provas de resposta esforçada e competente que tem dado e continua a dar, nas autoridades de saúde e no poder político que com estas se articula.

Todos sabemos o que se verificou e declarou como indiciando hesitação, insegurança, incerteza, falta de consistência, já nem se diz ao nível da Organização Mundial de Saúde mas das autoridades de saúde e poder político no nível e âmbito da União Europeia, concretamente, na negociação e contratualização com as farmacêuticas do fornecimento das vacinas, quer na distribuição destas aos países membros. E agora, mesmo, quanto ao divergente (e daí, fragilizador da confiança social) entendimento científico, tecnológico e político quanto à segurança e eficácia das vacinas, pelo menos de algumas. O que, evidentemente, suscita o risco de perda de confiança nas instituições de saúde, neste caso europeias.

Por cá, ao nível nacional, por não faltarem motivos (quer de ordem decisional, quer, muito, de ordem comunicacional), também não ficámos imunes a esse risco de perda de confiança social.

E não se referem exemplos que não devem ser factor de perda de confiança, como foi, inicialmente, o caso de dever ou não haver recurso às máscaras como medida de protecção individual e outros idênticos, visto que, como foi e é, então e agora, bem explicado e há que reconhecer como convincente, tal decorreu de um processo de melhoria do conhecimento em curso e, simultaneamente, de gestão curial dos meios e da sua priorização numa situação de emergência.

Referimo-nos, sim, a outros exemplos projectores de dúvidas e incertezas que, num domínio em que está em causa o valor humano e social que mais importante é para cada um e para a sociedade, a Saúde, conviria serem melhor respondidas, sob pena de uma perigosa perda de confiança social nas instituições e no poder político.

“A prevenção da mortalidade é o primeiro objectivo prioritário do plano de vacinação”, ouvimos publicamente, desde há muito, o Sr. Coordenador do Grupo de Trabalho responsável pelo Plano de Vacinação.

Quem tem morrido como sendo o motivo oficialmente comunicado a doença covid-19 ou algum outro de algum modo associado a esta doença? Nem é preciso ouvir especialistas e autoridades, basta atentar na respectiva estatística diária meramente descritiva: pessoas com morbilidades ou deficiência graves e, sobretudo, em muitos dias exclusivamente, as pessoas com mais idade. Não apenas as com mais de 80, mas, quotidianamente, com mais de 70, 60, até 50 anos.

Tranquiliza e suscita confiança saber que os utentes de lares (locais de elevado risco de contágio e mesmo de morte, por razões óbvias) e aquelas, em geral, com mais de 80 anos já beneficiaram, e bem, da prioridade da vacinação. Mas da restante população com mais idade (abaixo dos 80 anos), não se encontrando naqueles grupos (utente de lares ou com comorbilidades), muito poucas receberam qualquer vacina.

Dir-se-á, disse-se, com razão, que tal se deve à escassez de vacinas. Mas, entretanto, desviou-se a aplicação do plano da vacinação das pessoas com mais idade (ou seja, pelas razões já aduzidas, da “primeira prioridade, evitar a mortalidade”) para a vacinação de algumas profissões consideradas essenciais para a “resiliência do Estado” e com risco acrescido (acrescido, porque, afinal, numa situação de pandemia, por definição, risco corrente toda a gente corre) no exercício efectivo dessa profissão.

É inquestionável que tais profissões são essenciais para a “resiliência do Estado”, não apenas permanentemente (aliás, nesta óptica, económica e socialmente todas o são) mas ainda mais na actual situação. Desde logo, evidentemente, os profissionais de saúde, que foram, e bem (não podia ser de outra maneira, não “apenas” pela saúde e vida estritamente deles próprios mas por todos em geral que deles estamos dependentes no tratamento, se necessário), os primeiros a ser vacinados.

Mas, à parte os profissionais de saúde, é preciso ter em conta que, num domínio como a saúde e numa situação como a presente de escassez de vacinas (porque, é óbvio, o ideal é que fosse possível com segurança e eficácia, vacinar toda a população) a “essencialidade” de qualquer profissão não é de todo objectiva, absoluta, há outras profissões (relativamente) também essenciais na (à) sociedade e até com acrescido risco covid pela natureza e condições do seu exercício e ou contexto laboral deste.

E esse critério de priorização por profissões, considerando a sua essencialidade social e o acrescido risco talvez devesse ter sido melhor fundamentado e comunicado publicamente.

Por outro lado, que haver, estabelecimento de prioridades por escassez de vacinas e definindo-se como essencial para a “resiliência do Estado” determinada profissão, o entendimento dessa essencialidade para efeito de priorização na vacinação não poderia, na sua aplicação, decorrer da mera detenção do estatuto dessa profissão, dissociado do concreto risco acrescido, ou seja, do seu efectivo exercício. O que, tanto quanto veio a público (inclusive, com a credibilidade de o ser comunicado, qualificadamente, parte de pessoas da própria profissão), não terá rigorosamente acontecido.

Mas algo que também do ponto de vista de comunicação (não se discutindo a bondade da decisão que lhe está subjacente) poderá induzir o risco de perda de confiança social é, por exemplo, o coordenador do Plano de Vacinação declarar agora, quanto a ter sido adoptado o critério de prioridade de vacinação em certas profissões, que “se continuarmos a vacinar por grupinhos, vamos acumular vacinas em armazém” (PÚBLICO, 1/4/2021)

O risco é o de, não se questionando o alto nível ético e a preocupação com a saúde pública que o almirante Gouveia e Melo tem demonstrado, o de poder ter sido entendido publicamente (com consequente perda de confiança institucional) que o critério de vacinação vai passar a ser a mais avançada idade das pessoas não por ser o “primeiro critério”, “prevenir a mortalidade”, mas para não se “acumularem vacinas em armazém”.

Mas, sob este ponto de vista de confiança social, mais preocupante será, no entanto, o que se tem passado com a vacina Astrazeneca, quer a nível da União Europeia (sobretudo), quer a nível nacional. Não há muito tempo, a Autoridade de Saúde Europeia (EMA) e a Comissão Europeia (CE), com (natural) seguimento das autoridades de saúde e do poder político nacional, prescreviam que essa vacina não deveria ser administrada a maiores de 60 anos, porque, não tendo sido feitos os necessários ensaios, “não há evidências da sua eficácia nesse grupo etário”.

Que tivesse sido oficialmente explicado e até pelo tempo decorrido e pelas condições de aplicação (doseada) dessa vacina, esses suficientes ensaios não foram (ainda) realizados. Porém, agora, é a mesma EMA e a mesma CE a orientar que é precisamente (só) aos maiores de 60 anos que essa vacina deve ser administrada, ainda por cima divergindo várias países nessa idade e mesmo, no caso de um (Dinamarca), deixando de a aplicar.

Há que reconhecer que tal (nova) orientação da autoridade de saúde europeia e Comissão Europeia não poderia deixar de ser seguida pelas autoridades de saúde e pelo poder político nacional. Todavia, também com este processo e na insuficiência e pouco clareza de comunicação que permitisse melhor compreender tais pelo menos aparentes contradições, se terá perdido confiança social nas instituições envolvidas e, claro, sobretudo nas vacinas, pelo menos nessa.

Depois, ainda a este propósito, um outro exemplo desse risco de perda de confiança é o de declaração pública (9/4/2021, RTP) - a directora-geral de Saúde (a quem é merecido o maior respeito e consideração pelo inquestionável esforço e competência que tem colocado ao serviço da Saúde Pública), ao assumir e determinar a nível nacional tal (nova) orientação e especificamente dirigindo-se a quem já tomou a primeira dose dessa vacina, pretender tranquilizar essas pessoas dizendo que até lá, à data da segunda dose, “talvez já haja informação adicional”, sem acrescentar outra explicação a respeito.

O que é que – ouve-se alguém perguntar -, entretanto, vai permitir essa até agora desconhecida por falta de ensaios clínicos mas também agora importante como argumento para uma autoridade de saúde, “informação adicional"? A vacinação “experimental” com essa vacina (só) dos maiores de 60 anos, é o que muitas pessoas, por aí, (se) perguntam.

Por que não se suspende a vacinação com essa vacina, dada a perda de confiança nela (independentemente de esta até poder ser injustificada, como garantem especialistas da área, autoridade de saúde e poder político) e se diligencia para a substituir por outra – perguntam as pessoas, não obstante, a maior parte, acabar mesmo por se vacinar com ela quando for chamado.

Dada a reconhecida credibilidade das entidades envolvidas, é de admitir que todas estas dúvidas e receios sejam – virá a provar-se futuramente – objectivamente infundados. Mas, a não serem esclarecidas de outra forma que não seja o de invocar o argumento de cariz gestionário “risco/benefício”, para cada pessoa, que como leiga em medicina, farmácia, virologia, pneumologia ou cardiologia, pensa no risco para a sua saúde e para a sua vida por não saber se, apesar da enorme diferença de probabilidades estatísticas, lhe calha o “benefício” ou a concretização do “risco”, é mais do que compreensível a eventual perda de confiança nas instituições e poder político quanto a esta matéria, com eventual projecção para outras.

E então volta-se ao início, à necessidade de reflexão (e consequente acção) quanto ao risco de degradação da confiança, (individual e social), tão determinante esta é como condição da saúde (individual pública), tal como, vice-versa tendo em conta o que precede, a confiança é condição de(a) saúde.»

João Fraga de Oliveira 

Bombas debaixo do tapete

Posted: 17 Apr 2021 03:42 AM PDT

 


«Os estilhaços das bombas a que vou aludir têm efeitos demolidores: provocam falências, desemprego, pobreza e perigos para a democracia. A economia do nosso país e a vida de grande parte dos portugueses estão hoje muito dependentes de apoios temporários e precários, como é o caso das moratórias e do layoff. A crise que nos aprisiona é uma espécie de mãe de muitas outras crises, cheias de incertezas. Exigem-nos reflexão contínua a partir de vários ângulos.

Ao longo de 2020, a União Europeia, confirmando que o impossível acontece quando tem de ser, suspendeu as suas estúpidas regras orçamentais e aprovou financiamentos relativamente abundantes, a crédito e a fundo perdido. O Governo português, fiel ao ditado, quando a esmola é grande o pobre desconfia, abriu os cordões à bolsa orçamental de forma muito limitada, orçamentando pouco e executando ainda menos. O resultado foi a concessão de poucos apoios a fundo perdido e muitos sob a forma de crédito e moratórias. Portugal alcandorou-se ao pódio dos países que menos protegeram os cidadãos e as empresas. Chama-se a isto esconder bombas debaixo do tapete.

Se os calendários avançados pelo Governo se cumprirem, tudo converge para, no início do outono, começar a chegar um futuro que não desejamos. O layoff passará de extraordinário ao que normalmente é, a antecâmara de despedimentos, em particular coletivos, mesmo que debaixo dessa designação hipócrita do "mútuo acordo". Os sinais deste caminho já são visíveis, como o JN tem noticiado. As medidas de magro apoio a quem ficou sem rendimento serão levantadas; o mesmo se perspetiva para as moratórias e para o crédito, resultando daí exigências de reembolso e de pagamento de juros, por parte da Banca. Além disso, nada nos garante que, nessa altura, já exista a prometida bazuca e, muito menos, que estejam a aterrar nos aeroportos portugueses charters de turistas imunizados.

O grande desafio ao Governo e aos atores políticos e económicos parece simples, mas é exigente: ver o que é claro. A necessidade de abrir mais os cordões à bolsa servindo destinos corretos: i) prorrogar medidas de apoio extraordinário, com moratórias e créditos estendidos no tempo; ii) substituir o layoff, o máximo possível, por emprego apoiado e útil à sociedade, desde logo no setor público; iii) proteger melhor o desemprego e condicionar despedimentos; iv) suspender despejos em diversas situações; v) promover investimento na industria; vi) recentrar exportações e substituir importações; vi) reforçar medidas de combate à pobreza, no quadro novo que a crise coloca.

Ao longo do tempo, diferentes governos em diversas crises agiram no pressuposto de que os trabalhadores que ficam desempregados e os pequenos empresários falidos se vão desenrascando através de fuga para a economia informal, o que é sempre um grave erro. Contudo, dado o perfil atual e a desativação da nossa economia, esse fenómeno não acontecerá nas condições do passado. Por outro lado, como o rendimento mediano dos portugueses está em queda, isso levará a que muitos pobres não sejam contabilizados estatisticamente como tal.

Todos sabemos que o empobrecimento e o desespero são inimigos da democracia. Se, naquele contexto, emergir o sonho de uma maioria absoluta como garante da imposição de políticas, então estaremos perante o desastre perfeito.»