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segunda-feira, 30 de abril de 2018

3 000 000

por estatuadesal

(Por Estátua de Sal, 30/04/2018)

MAGrx 

Estátua de Sal

O blog Estátua de Sal, atingiu hoje 3 000 000 de visualizações, número acumulado, desde 26 de Setembro de 2014, segundo as estatísticas do WordPress. O primeiro texto aqui publicado “O Coelho no País das Maravilhas” (1), era uma espécie de fábula à La Fontaine que pretendia desmontar os malefícios das políticas de austeridade da governação de Passos Coelho, executadas supostamente em benefício do País, quando na verdade, eram e sempre foram executadas em benefício de interesses muito específicos, a começar pela corte que o rodeava e pelos lote de súbditos laranjas do PSD e fiéis apaniguados.

Comecei com o blog numa tarde em que achei que devia dar voz à minha insatisfação com a situação política, social e económica que o País estava a seguir na época. Não podemos, sozinhos, fazer grande coisa, mas por pouco que façamos é sempre mais que fazer coisa nenhuma. O objetivo inicial era publicar textos meus, sempre que tivesse vontade e oportunidade de os escrever. Contudo, como manter uma continuada regularidade é extremamente difícil e desgastante, e como uma regularidade diária só é possível se fizermos da escrita profissão a tempo inteiro, desde cedo passei a republicar textos que vão surgindo na comunicação social institucional ou noutros sites e páginas da blogosfera.

É evidente que sou selectivo. Nem sempre concordo com a totalidade dos argumentos que os textos que publico apresentam, mas subscrevo, no essencial a substância dos mesmos. Alguns dos autores que aqui publiquei durante meses, por exemplo, passaram a ter, por aqui, apenas esporádica hospitalidade. É o caso de Clara Ferreira Alves, a qual, produzia prosas com as quais me sintonizava no tempo do Governo de Passos, mas que, após a entrada em funções do governo atual, revelou, de facto, que não passa de uma lídima defensora do Bloco Central de interesses que durante décadas governou o País com os resultados que se conhecem. Para ela, atacar Passos Coelho, era apenas uma forma de atingir uma desejada aliança PSD/PS, governando o País por décadas, sem oposição, de acordo com as ordens de Bruxelas, dos mercados, do Grupo de Bilderberg, ou de quaisquer outros mandantes.

Aliás, podem ver, se consultarem o Leitor, que se encontra no canto superior esquerdo da página, quais os sites e blogs que sigo e dos quais é frequente republicar muitos dos textos que aqui apresento.

Três milhões é um número muito grande. Claro que é inferior à dívida pública do País, mas é bem superior ao número de desempregados registados, e como se sabe, toda a gente diz que temos um desemprego elevado. E o número é tanto maior tendo em conta a temática das publicações.

Textos de carácter marcadamente político e económico, sempre numa perspectiva que não é a da manutenção do status quo, mas da alteração do status quo. E como não debato as chuteiras ou as namoradas do Ronaldo, nem as intrigas dos reality show, nem os enredos das telenovelas ou as novas receitas para fazer bacalhau, é óbvio que os que visitam a Estátua de Sal, não são, infelizmente, uma amostra maioritária daquilo que é a população do país ou correspondem ao perfil maioritário da população internauta, e isto tanto é válido para os que concordam quer para os que discordam daquilo que aqui é publicado.

E sobre a concordância ou discordância, é sempre possível e desejável que os visitantes deixem os comentários que acharem por bem. Todos eles foram e continuarão a ser publicados (independentemente da minha posição sobre eles), desde que obedeçam ao mínimo de civilidade na linguagem e no formato. Após a primeira aceitação de um comentário de um dado visitante, o sistema publica automaticamente os seguintes do mesmo autor, sem eu ter que dar qualquer aprovação.

A Estátua de Sal irá continuar com a mesma orientação e a prosseguir os mesmos fins. Usando a crítica, a liberdade de expressão e a escrita como arma, pugnando por uma sociedade melhor e mais justa como objetivo, porque, citando Vítor Hugo, “As palavras tem a leveza do vento e a força da tempestade”.

Estamos a atravessar tempos perigosos, de incerto rumo, e duvidoso norte. E só a capacidade coletiva de refletirmos sobre eles e sobre as tortuosas veredas por onde nos querem conduzir, agindo antecipadamente em conformidade, poderá evitar cenários de previsível catástrofe e retrocesso civilizacional.

Como proclama o lema da minha página do Facebook, “Entre as fendas dos dias e os sons feéricos dos vídeos dos novos tempos. Entre as palmas digitais dos novos mensageiros”, a Estátua de Sal continuará por aqui.

A todos os que me leem e me seguem e que por aqui tem passado, só me resta deixar uma palavra final: obrigado e regressem.


(1) O referido texto pode ser visto acedendo ao seguinte link:

https://estatuadesal.com/2014/09/26/o-coelho-no-pais-das-maravilhas/

A “MINHA” VERDADE (Sobre o Suicídio Voluntário)!

por estatuadesal

(Joaquim Vassalo Abreu, 30/04/2018)

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No passado fim de semana, mais propriamente de quinta a domingo, tive o prazer de estar em Paredes de Coura e assistir ao REALIZAR POESIA, evento que há três anos vem acontecendo nessa Vila Minhota à qual estou muitíssimo ligado (a minha Esposa era de lá e lá casei e vivi quase toda a época de oitenta).

É um fantástico evento dedicado às artes Poéticas, com Poesia nas ruas e nas Escolas, lançamento de livros, entrevistas, leituras e performances. Lá têm estado os nomes maiores da Poesia em Portugal, os melhores “diseurs” e figuras relevantes da nossa Cultura, sob o alto patrocínio do seu incontornável Presidente, o meu mui Amigo VITOR PAULO PEREIRA, e com a competente organização e programação do também meu mui Amigo ISAQUE FERREIRA, a quem eu apelido do “Sr. Poesia”!

E este ano, para além dos Escritores, dos Poetas e também de alguns “performers”, à semelhança dos anos anteriores, também houve espaço para a intervenção de personalidades ligadas a outras áreas mas, como a Poesia é Vida, ligados a essa mesma Vida! Foi o caso de Miguel Newton, dos Mata Ratos, de António Castro Caeiro e de David Pontes, falando da Poesia no Punk (Rui Reininho à última da hora não conseguiu comparecer), de Camané falando da Poesia no Fado, cantando mesmo e do Prof. EDUARDO PINTO DA COSTA, reconhecido Médico Legista, para falar da Poesia na Morte!

E falou, conversando com Francisco José Viegas, dando uma autêntica Aula, com uma clareza, uma simplicidade, uma sabedoria e uma ironia tais que conseguiu deixar toda a gente, para além de boca aberta, completamente extasiada! O Homem é mesmo um comunicador e um Cientista estratosférico!

A sua conferência, porque entrevista pouco foi, pois o Viegas quase se limitou a ouvir (acho que só lá foi ver o ambiente e a bola!), foi sobre um tema de sempre mas agora na agenda política: a apelidada de “Morte Clinicamente Assistida” ou, como ele prefere dizer, o “Suicídio Autorizado” ou “Suicídio Voluntário”. A chamada “Eutanásia”!

Lá do meio da assistência, depois dele ter afirmado ter apenas por uma vez participado num debate na TV, num Prós e Contras penso, e que não mais foi chamado porque a “Sua Verdade” era incómoda, eu perguntei-lhe : Qual é a “Sua” Verdade?

Ele não deve ter ouvido bem e terá percebido apenas “Qual é a Verdade”? E discorreu sobre o tema e, depois de explanar sobre diversas teorias, concentrou-se no tal “Suicídio Voluntário”.

O Suicídio Voluntário existe e, todos o sabemos, é um facto. Mas, ao contrário do que acontecia antigamente, em que o suicida não tinha direito a enterro e era entregue às aves e outros animais necrófilos para ser esfacelado e comido e via todos os seus bens confiscados pelo Estado, hoje é socialmente aceite. Isto é, não sendo o seu corpo profanado nem os seus bens extorquidos, permanece apenas como resultante de uma decisão individual e voluntária. E a Lei aceita-a assim mesmo: uma decisão voluntária e individual. E eu acrescento, com o meu maior respeito.

Mais tarde, já fora e no fim da sua explanação, abeirei-me dele e disse-lhe: Sr. Professor, eu perguntei-lhe não pela Verdade mas pela “Sua” Verdade. Ele respondeu-me muito solicitamente: Mas a “Minha” Verdade é aquela de que falei e assumi como minha! Agradeci, despedi-me e calei-me!

E fiquei a pensar: Mas, afinal quem manda na minha Vida? É um voto de um Deputado, como afirmou o Prof? Mas, afinal, se eu até já posso acabar com a minha Vida, porque razão não o poderei fazer em circunstâncias de sofrimento extremo e sem vontade de mais viver de um modo mais, direi, nobre? Porque deverei eu morrer abandonado num Hospital e não no seio da minha Família e do modo que eu definir? Porque deverei eu penalizar, sobrecarregar e fazer sofrer ainda mais a minha Família, e mesmo o erário público, quando já cá nada estou a fazer senão adiar o inevitável fim que, como também disse o Prof. Eduardo Pinto da Costa, faz parte da nossa mesma Vida? Porquê adiar esse fim sofrendo?

Estas são apenas algumas das perguntas essenciais que nenhuma qualquer comissão de Ética pode subvalorizar porque o que nisto deve prevalecer é a LIBERDADE INDIVIDUAL! O direito de fazer da minha vida o que eu entender desde que não prejudique ninguém! E não julgar a Liberdade dos outros…

O que se deve legislar é sim, e apenas, a Liberdade de inscrever a nossa vontade no Testamento Vital! Esta é a “minha” verdade!

Mas, não vou ser hipócrita, pode-nos ser muito difícil, pelos mais diversos motivos, fazer cumprir a decisão de um Familiar. Vai fazer no próximo dia onze de Maio um ano que a minha esposa Graciete partiu, depois de anos e anos de um processo doloroso e irreversível em que foi paulatinamente perdendo todos as suas capacidades normais e vitais. Mas, felizmente, manteve até quase ao fim o dom de, mesmo que a partir de certo momento de modos mais periclitantes, comunicar e expressar os seus sentimentos, sentimentos esses que davam para bem perceber o quanto agarrada à Vida estava, apesar do seu sofrimento, mitigado pelo acesso à Morfina , à Lidocaína e a todos os cuidados continuados sempre no nosso domicílio.

E foi para mim um enorme alívio, apesar dela ainda consciente da sua situação várias vezes me ter dito que não queria sofrer, não ter sido colocado nunca perante esse enorme dilema que era o de me perguntar “Que Faço”? Mas sempre disse que era em casa que queria estar e nunca num Hospital…

O mesmo também pensa outra figura ilustre da nossa Cultura e da nossa cidadania, o Dr. Francisco George, actual Presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e anterior Director Nacional da Saúde Pública que, numa entrevista que há pouco tempo dele ouvi no Porto Canal dada ao Júlio Magalhães, tudo o que eu disse ele afirmou.

Entendo assim que, ao invés de uns quantos legislarem colocando um “sim” contra um “não” numa simples representação numérica, se deve perseguir um amplo consenso que, no fundo, apenas servirá para ratificar uma situação há muito existente e aceite: a do “SUICÍDIO VOLUNTÁRIO”!

Rui Rio quer transformar o PSD na Liga do Norte portuguesa?

PSD

29/4/2018, 0:08

Rui Rio apenas tem uma preocupação: ficar na liderança do PSD, independentemente do que acontecer em 2019, usando as distritais do “seu Norte”. Arrisca-se a transformar o PSD num partido regional.

A liderança de Rui Rio no PSD está a deixar muita gente perplexa. Já foi eleito líder dos sociais democratas há mais de três meses e ainda não começou a fazer oposição ao governo.  Aliás, desde a eleição de Rio, vive-se uma situação bizarra na política portuguesa. O maior partido da oposição, o PSD, é o que tem melhores relações com o governo. Os partidos que apoiam o PS na Assembleia da República são os que lideram a oposição ao executivo socialista.

A principal luta política de Rio é contra os seus adversários no interior do PSD. Tem sido assim desde que foi eleito líder do partido, contra os próximos de Passos Coelho e contra os que apoiaram Santana Lopes. Rui Rio não passou o primeiro teste de liderança: foi incapaz de unir o partido.  É evidente que o seu objectivo central não é chegar a São Bento em 2019 mas manter a liderança do PSD mesmo perdendo as eleições. É este o grande desafio politico de Rui Rio. E é nesse contexto que se deve entender o acordo de Rio com o PM sobre a regionalização (também tratada como “descentralização”) e a distribuição dos fundos europeus.

A estratégia de Rio para se manter na liderança do PSD exige o reforço do seu poder nas três maiores distritais do Norte, Aveiro, Braga e Porto. Foi aí que ganhou as eleições internas e é aí que tentará preservar o seu poder. Para isso, será importante reforçar as competências locais, com a “descentralização”, e distribuir mais dinheiro com os fundos europeus, disponibilizados pelo amigo António Costa.

Para reforçar a sua base de poder no Norte do país, Rio arrisca-se a transformar o PSD num partido regional. Tenho um enorme orgulho no norte de Portugal, gosto muito das suas gentes (sendo adepto do FC Porto, não poderia ser de outra maneira) e admiro muito o dinamismo económico das suas regiões. Aliás, gostava muito de ouvir o líder do PSD a defender as pequenas e médias empresas do Norte, a descida do IRC, e o apoio aos estímulos fiscais para as empresas exportadoras. Mas o “Norte” de Rui Rio não é a região que tanto beneficia a economia nacional. É uma base de poder politico e partidário.

A verdade é que Rui Rio ainda não conseguiu tornar-se num líder político nacional. Continua a ser um político regional. Veremos se conseguirá. Sá Carneiro constitui um excelente exemplo. Nunca deixou de ser um homem do Porto. No entanto, a liderança do PSD transformou-o num líder nacional. Rio ainda não deu esse salto. Por exemplo, ninguém sabe o que o líder do PSD, um candidato a PM, pensa sobre a União Europeia, a zona Euro, a NATO, a segurança europeia, as relações com os Estados Unidos e com a Rússia, o Médio Oriente, as relações com Angola e com Moçambique, as relações com o Brasil. Nada. Um vazio.

Voltando ao Norte, ainda não ouvi uma palavra de Rui Rio sobre o Brexit, talvez o maior desafio estratégico e económico para a Europa, incluindo Portugal, dos próximos anos. Portugal tem um balanço comercial positivo na relação com o Reino Unido. Grande parte das exportações portuguesas para o Reino Unido têm origem no norte de Portugal. Para muitas empresas, sobretudo no sector automóvel, o Brexit é um risco político elevado com consequências económicas muito negativas se as negociações não correrem bem. É esse Norte que deveria preocupar Rui Rio. Mas o líder do PSD apenas tem uma preocupação: ficar na liderança do PSD, independentemente do que acontecer em 2019, usando as distritais do “seu Norte”. Arrisca-se a transformar o PSD num partido regional. Uma espécie de Liga do Norte portuguesa.

Inovação. Vamos comer carne sem matar animais

30 Abril 2018

Marta Leite Ferreira

Uma empresa em Silicon Valley quer pôr-nos a comer carne sem matar animais. Bill Gates, Richard Branson e a Tyson Foods já investiram na Memphis Meats, que quer revolucionar a indústria alimentar.

Quando tinha 12 anos, o jovem Uma Valeti foi à festa de aniversário no jardim de um vizinho em Vijayawada, a cidade indiana onde nasceu. Acompanhado pelo pai, que era veterinário, e pela mãe, médica, Uma distraiu-se a observar meticulosamente os passos de dança dos amigos enquanto comiam tandoori de frango e caril de carne de cabra. No quintal, o cenário era mais sangrento: os anfitriões degolavam animais, um atrás do outro, para garantir que os pratos dos convidados permaneciam cheios durante toda a festa.

A imagem daquele contraste entre “a vida de um lado da casa e a morte do outro”, como descreveu à revista Inc, acompanhou-o ao longo da adolescência. Sentia-se enojado pelas doenças transmitidas através dos alimentos, principalmente por aquelas que descobriu terem origem na mistura da carne que iria ser consumida pelas pessoas com as fezes espalhadas nos matadouros onde os animais eram mortos. Mas algo impedia Uma Valeti de se limitar ao vegetarianismo: gostava demasiado de carne. Só queria que houvesse outra forma de a consumir. Como não havia, inventou-a.

Em 2016, já nos EUA, nasceu a Memphis Meats, uma empresa que cria carne sem matar animais, mas apenas cultivando células musculares em laboratório. Alguns dos investidores mais ricos do mundo — como Bill Gates e Richard Branson — já investiram nesta empresa, bem como a gigante do setor alimentar Tyson Foods.

A receita para fazer carne em laboratório

O processo de produção de carne em laboratório pela empresa passa por três fases. Primeiro, recolhem-se células que tenham capacidade de se proliferarem rapidamente, como células estaminais de embriões ou de adultos, células satélite em músculos maduros ou de fibras musculares.

Idealmente, a Memphis Meats escolhe as células estaminais porque são as menos diferenciadas e podem ser coordenadas em laboratório para se transformarem em qualquer tipo de célula — nomeadamente as musculares, que são as que importam para este caso.

Depois, essas células são colocadas numa caixa de Petri dentro de uma incubadora e deixadas numa espécie de sopa proteica rica em glucose, vitaminas e minerais para que possam desenvolver-se livremente. E, finalmente, são transferidas para moldes de modo a crescerem de maneira a que ganhem o formato que se pretende — de uma almôndega, por exemplo. Na empresa de Uma Valeti, todo este processo demora cerca de três semanas.

As células estaminais são células que nunca passaram pelo processo de diferenciação celular e que, por isso, são capazes de se dividir para dar origem a outras que se podem especializar em qualquer tipo de célula.

As células satélite são parecidas a estas porque se podem transformar em células especializadas, mas só podem diferenciar-se num determinado tipo — neste caso, as musculares.

E as fibras musculares são precisamente as células que compõem os músculos.

Eric Schulze, que noutra fase da carreira trabalhou no super-regulador norte-americano de tudo o que é alimentos e medicamentos (a Food and Drug Administration, ou FDA), lidera a equipa de cientistas da Memphis Meats. E as condições que estes cientistas recriam, dentro da incubadora, dependem das características do animal que doou as células musculares.

No dia em que a revista Inc visitou as instalações da Memphis Meats, uma das incubadoras da empresa estava a 41ºC porque a caixa de Petri no interior desse “forno laboratorial” tinha células de Anas platyrhynchos domesticus, o pato doméstico, no interior e essa é a temperatura corporal do animal. Vistas ao microscópio, as células parecem transparentes, alongadas e muito finas com pontos brilhantes no centro que são os núcleos: estas células são musculares e ainda estão em formação. Ao lado delas há outras mais curtas e fortes “parecidas com minhocas de goma”, descreve a Inc: são células musculares maduras. Quando todas se juntarem, formarão um tecido “que parece o céu que Van Gogh pintou em A Noite Estrelada”.

Primeiro, recolhem-se células que tenham capacidade de se proliferarem rapidamente. Depois, são colocadas numa caixa de Petri dentro de uma incubadora em condições especiais e deixadas numa espécie de sopa proteica. A seguir são transferidas para moldes. Tudo isto demora três semanas.

Este não é um milagre da vida porque aqui não há vida: só um monte de células sem sistema nervoso.

Uma Valeti, que seguiu carreira de cardiologista, disse um dia que a Memphis Meats “não cria carne em laboratório” e que é “mais como uma fábrica de cerveja”. Ele sabe bem a diferença entre uma coisa e outra: depois de se ter formado pela Mayo School of Health Sciences, Uma foi acumulando cargos desde investigador na universidade onde estudou até presidente de um dos departamentos da Associação Americana do Coração.

A primeira parte da carreira foi, de todas, a mais preponderante para os primeiros passos da Memphis Meats: enquanto cardiologista, Uma Valeti dedicou grande parte do tempo da Mayo Clinic a estudar as células estaminais. A par de Nicholas Genovese, também ele investigador de células estaminais, e do engenheiro biomédico Will Clem, Uma Valeti conseguiu marcar território num mercado que vale biliões de dólares e que pode duplicar de tamanho nos próximos 30 anos.

O Observador pediu para falar com os membros da Memphis Meats mas a equipa está, nesta fase, a tirar uma pausa no que diz respeito a atenção mediática. Isto para que os investigadores consigam focar-se a 100% em superar os obstáculos que ainda restam — sobretudo um, que é crucial (já lá iremos).

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Uma Valeti, MD@UmaValeti

Team @MemphisMeats growing fast!!
If you have the urge to solve challenging and incredibly meaningful problems check out http://www.memphismeats.com/careers/

19:45 - 13 de nov de 2017

Quando vamos acabar com o “absurdo”, perguntava Churchill?

A ideia de Uma Valeti não é nova. Ainda em 1932, Winston Churchilldisse que “devemos parar com este absurdo de criar um frango inteiro para só lhe comer o peito ou as asas” e que “devíamos criar essas partes em separado a partir de um mecanismo apropriado”.

A primeira vez que alguém foi capaz de originar culturas de fibras musculares em laboratório foi em 1971, pela mão do norte-americano Russell Ross, um pioneiro da investigação das artérias: no estudo, publicado no mesmo ano, o professor de patologia explica que recolheu células de músculo liso da aorta de um porquinho-da-Índia e que os deixou numa cultura proteica durante oito semanas. O estudo foi tão revolucionário que ecoou até ao início deste milénio: até a NASA, agência espacial norte-americana, tentou (e conseguiu) fazer o mesmo com células de peru para poder enviar carne produzida em laboratório para o espaço.

Músculo liso é o tecido responsável por contrações involuntárias e lentas e fica nos órgãos que são ocos, como as veias sanguíneas, a bexiga, o útero, alguns órgãos sexuais masculinos ou o trato gastrointestinal. É graças a ele, a mando do sistema nervoso central, que o sangue circula, que a urina é expelida, que o esperma é expulso e que os fluidos do sistema digestivo operam.

Ainda assim, a história da carne in vitro só ganhou passos mais firmes em 2013, quando cientistas da Universidade de Maastricht serviramos primeiros hambúrgueres feitos em laboratório, cozinhados e, posteriormente, servidos a jornalistas que assistiam a uma conferência de imprensa: os hambúrgueres foram criados a partir de células estaminais de vaca, que depois foram amadurecidas para se tornarem musculares.

Quem cozinhou os hambúrgueres foi Richard McGeown, chef do restaurante de cinco estrelas Couch’s Great House. E os críticos gostaram: “Eu sei que não há gordura nesta carne, por isso não sabia o quão suculenta seria, mas tem um gosto bastante intenso. Está perto de carne, não é suculento, mas a consistência é perfeita. Isto é carne, na minha opinião“, escreveu Hanni Rützler, da Future Food Studio.

A ideia de Uma Valeti não é nova. Em 1932, Winston Churchill disse que "devemos parar com este absurdo de criar um frango inteiro para só lhe comer o peito ou as asas" e que "devíamos criar essas partes em separado a partir de um mecanismo apropriado".

Um investimento multimilionário

Uma Valeti garante que Memphis Meats serve carne mais aperfeiçoada, tanto que avisa muitas vezes de que os produtos desta empresa “não são vegetarianos porque o sabor é claramente o da carne”. Um dos principais investidores da Memphis Meats é a Tyson Foods, o maior produtor de carne dos Estados Unidos (responsável por um quilo de carne em cada cinco que os norte-americanos consomem).

Embora não se saiba quanto dinheiro é que a Tyson Foods investiu na Memphis Meats, sabe-se, no entanto, que todo ele vai ser encaminhado para investigação, desenvolvimento e para expandir a equipa: a equipa de 10 pessoas que atualmente trabalha no laboratório desta startup já está a crescer para as 40. É também um passo em frente para o grande objetivo a curto prazo da Memphis Meats: pôr carne feita em laboratório nas lojas em 2021.

A equipa da Memphis Meats na atualidade. Pode estar prestes a crescer para o quádruplo. Créditos: Memphis Meats

A decisão da Tyson Foods para adensar ainda mais a lista de investidores da Memphis Meats causou estranheza porque é a primeira vez que um produtor de carne entrega dinheiro a uma empresa potencialmente concorrente, que cria produtos alimentares “limpos”. Mas não há motivos para controvérsia, garante Uma Valeti: “Queremos continuar a construir alianças e a ser inclusivos. Adotar uma abordagem divisiva neste assunto não nos vai ajudar, nem a nós nem a ninguém”, garante o CEO e co-fundador da Memphis Meats.

Há outros nomes sonantes na carteira de investidores da Memphis Meat. Richard Branson, fundador do grupo Virgin, é um deles: “Estou entusiasmado por ter investido na Memphis Meats. Acredito que em 30 anos, mais ou menos, já não precisaremos de matar animais e que toda a carne será limpa ou com base em plantas, terá o mesmo sabor que a vinda de animais e que vai ser mais saudável para toda a gente”, reagiu o multimilionário numa entrevista por e-mail à Bloomberg News.

Ao lado de Richard Branson está Bill Gates, fundador da Microsoft, e a Cargill Inc., um gigante da agricultura que pretende “ir ao encontro do que procuram os consumidores, principalmente os millennials“.

“O mundo adora comer carne e isso está no coração de muitas tradições e culturas. Só que a forma tradicional com que a carne é produzida hoje em dia levanta desafios para o ambiente, para o bem estar animal e para a saúde humana. Estes são os problemas que todos querem resolver”, explicou Uma Valeti, que à conta destes e outros investidores já conseguiu amealhar 22 milhões de euros só em joint ventures.

Um dos principais investidores da Memphis Meats é a Tyson Foods, o maior produtor de carne dos Estados Unidos responsável por uma libra de carne em cada cinco que os norte-americanos consomem. O dinheiro vai ser encaminhado para investigação, desenvolvimento e para expandir a equipa.

100% carne. Mas (ainda) não 0% crueldade

Há bons motivos para fazer da Memphis Meats um negócio milionário. Em primeiro lugar, os motivos culturais: os países asiáticos, principalmente a China e a Índia, estão a consumir cada vez mais proteínas de origem animal porque estão a adotar hábitos ocidentais à mesa. E isso está a acontecer de forma tão célere que a própria empresa de Uma Valeti está a apostar todas as fichas na venda de carne laboratorial de pato na China: lá come-se mais carne desse animal do que no resto do mundo todo junto.

Em segundo lugar, a falta de rentabilidade em que se está a entrar o negócio da pecuária: embora as Nações Unidas estimemque 25% de toda a área terrestre e água fresca disponível sejam usadas para criar gado, apenas uma em cada 25 calorias que uma vaca ingere pode ser transformada em carne comestível. Tudo o resto tem de ser entregue a empresas de descarte contratadas pelos produtores para se desfazerem das cartilagens, pelos ou penas e peles, bicos e cascos dos animais mortos.

Mas o principal motivo que levou Uma Valeti a abrir a Memphis Meats não é financeira: é ambiental. Os números dizem que quase 15% de toda a emissão de gases com efeitos de estufa emitidos para a atmosfera vem da pecuária, que tem um peso maior nas alterações climáticas do que as emissões provocadas pelos transportes. Com cada vez mais pessoas a quererem comer carne, tem sido preciso sacrificar regiões gigantescas de floresta virgem e fontes de água fresca e potável para abrir espaço à exploração do gado.

O resultado é a morte dos pulmões do planeta, a seca em várias regiões do mundo, quintas com animais em condições degradantes e, por consequência, a circulação de bactérias ou vírus capazes de iniciar verdadeiras pandemias. E pode nem sequer haver medicamentos que nos protejam deles: a carne que consumimos vem de animais constantemente bombardeados com antibióticos.

De tanto a comermos, nós próprios tornamo-nos resistentes aos antibióticos, ao ponto de permitirmos que os vírus e bactérias que nos atacam evoluam para microrganismos super-resistentes à medicação. E depois vem a crueldade animal: por exemplo, há mais frangos a serem criados e depois mortos para serem comidos do que todos os outros animais terrestres em conjunto. Alguns são criados em condições degradantes: ficam confinadas a espaços tão minúsculos que nunca tocam no chão durante toda a (curta) vida.

A sopa proteica em que as células estaminais são postas para se desenvolverem é soro fetal bovino, uma fração livre de células que resta da coagulação natural do sangue. Mas esse soro fetal bovino é colhido de fetos bovinos retirados de vacas grávidas durante o abate.

As organizações defensoras dos direitos dos animais estão entusiasmadas com os planos da Memphis Meats. A The Good Food Institute, uma organização sem fins lucrativos que promove a carne de origem vegetal, diz que empresas com a de Uma Valeti “deixam imaginar um sistema alimentar onde os produtos mais deliciosos e acessíveis também são bons para o organismo e para o planeta”.

E a People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), uma organização não governamental de proteção dos animais, disse que este tipo de mercado tem “o potencial de poupar a vida de milhões e milhões de animais por ano, melhorar o meio ambiente e reinventar a grande agricultura como a conhecemos”. Referindo-se especificamente à Memphis Meats, a PETA diz que a carne da empresa é “acima de tudo livre de crueldades”.

Mas pode não ser bem assim: resta um grande desafio à Memphis Meats para criar carne laboratorial — muitas vezes também designada por “carne limpa” — sem o envolvimento de qualquer produto que resulte de práticas menos éticas com animais. É que, na verdade, a sopa proteica em que as células estaminais são postas em cultura para se desenvolverem é soro fetal bovino, uma fração livre de células que sobra da coagulação natural do sangue e que é sujeita a centrifugação para eliminar todos os glóbulos vermelhos que ainda estejam em circulação.

Esse soro é vendido a mil dólares por litro, mas é o produto mais utilizado para alimentar culturas celulares em laboratório por ser muito rico em fatores de crescimento, como a glucose. Mas há um senão maior do que o preço: o soro fetal bovino é colhido de fetos bovinos retirados de vacas grávidas durante o abate. Normalmente, ele é retirado por meio de uma punção cardíaca sem que o animal seja sujeito a qualquer anestesia.

Ao The Wall Street Journal, Uma Valeti garantiu, porém, que a Memphis Meats está a preparar uma sopa proteica com base vegetal que eliminará a necessidade de usar o soro fetal bovino como meio de cultura das células estaminais. Essa sopa estará disponível “num futuro próximo”, prometeu. Talvez os milhões em investimento que a empresa tem recebido ajudem a superar esse obstáculo crucial.

Da cardiologia à revolução da indústria alimentar

Uma Valeti deu os primeiros passos com a Memphis Meats em mente quando estava a gozar uma bolsa de investigação da Mayo Clinic há treze anos. Nessa época, o cardiologista estava a testar uma forma de usar células estaminais para reparar danos causados por paragens cardiorrespiratórias: como essas células podem especializar-se em qualquer função, a ideia era injetá-las no coração danificado para se transformarem em células musculares saudáveis.

Foi a explorar esta possibilidade que se fez luz na mente de Uma Valeti: se as células estaminais podem resgatar o lugar de células musculares estragadas, então elas também podem ser manipuladas de modo a criar coxas de frango ou em bifes de vaca. Enquanto médico, Uma encontrou aqui uma missão: melhorar a saúde da populaçãoao programar as células para uma função nutricional mais ajustada às necessidades das pessoas; e salvar a vida dos animais. Em entrevista à Inc, Uma Valeti chegou a dizer: “Se continuasse a ser cardiologista, talvez pudesse salvar duas ou três mil vidas nos próximos 30 anos. Mas eu foco-me nisto: tenho o potencial para salvar milhões de vidas humanas e biliões de vidas animais“.

Em entrevista à Inc, Uma Valeti chegou a dizer: "Se continuasse a ser cardiologista, talvez pudesse salvar duas ou três mil vidas nos próximos 30 anos. Mas eu foco-me nisto: tenho o potencial para salvar milhões de vidas humanas e biliões de vidas animais".

Depois de ter conhecido Nicholas Genovese, parceiro de negócio que encontrou através de um amigo da New Harvest, Uma Valeti conseguiu o apoio de Ryan Bethencourt como primeiro investidor externo da Memphis Meats. Os três tinham em comum o facto de se terem tornado vegetarianos, não por não gostarem do sabor da carne, mas por não concordarem com a forma como ela era produzida.

Enquanto diretor da IndieBio, o primeiro acelerador de startups na área da biologia sintética, Bethencourt andava há anos a tentar convencer Mark Post — o cientista que liderou a equipa que criou o primeiro hambúrguer feito em laboratório — a transferir as suas pesquisas para a empresa, mas sem sucesso. Post não quis porque, afinal, acabou por criar a MosaMeat com o apoio de Sergey Brin, co-fundador do Google. Mas Uma Valeti estava disponível.

A New Harvest é uma organização sem fins lucrativos que promove o desenvolvimento de tecnologias para combater a insegurança alimentar e as preocupações ambientais e éticas relativas à produção de gado.

Demorou três meses até que a equipa tivesse preparada em laboratório a primeira almôndega: desde setembro de 2015 até janeiro do ano seguintes, a Memphis Meats esteve e aprender a preparar culturas de células musculares de vaca com uma pitada de colagénio (composto da pele), ligamentos e compartimento fascial (músculo envolvido em tecido fibroso), que são os produtos que dão o sabor à carne.

Vinte anos depois de ter parado de comer carne, Uma Valeti garante que ainda reconhecia naquela almôndega, que agora demora apenas três semanas a estar feita, o sabor que apreciava na infância.

Tudo bem, não fosse o problema da carteira: esta almôndega é demasiado cara. A carne de pato custava 18 mil dólares por libra, embora o valor já tenha baixado para menos de metade. À Inc, Uma Valeti disse que pretende que esse valor baixe mil dólares, a cada mês. Isso pode demorar muito tempo mas, para o diretor da IndieBio, não é impossível: “Não é uma loucura pensar que um dia pode criar-se carne por dois dólares à libra. A certa altura, podemos substituir toda a indústria da carne. Em 20 anos, acho que as pessoas vão achar bizarro criar e depois matar um animal“, disse Ryan Bethencourt.

Uma almôndega produzida em laboratório pela Memphis Meats. Créditos: Memphis Meats

Concorrência de peso

Mas a abordagem de Uma Valeti não é a única na luta para mudar o mercado alimentar nas próximas décadas. Um dos seus concorrentes mais diretos é a Impossible Foods, uma companhia norte-americana que produz carne e lacticínios em laboratório utilizando apenas as propriedades das plantas: os hambúrgueres, especialidade da marca, são tão parecidos com carne que até sangram quando são levados à grelha. Porquê? Porque a Impossible Foods passou cinco anos a descobrir que as propriedades que reconhecemos na carne — o sabor, o aspeto e o cheiro — são responsabilidade de uma molécula com ferro que se chama hemo e que existe tanto nos animais como nas plantas.

Nos animais, ela agarra no oxigénio armazenado dos pulmões e depois transporta-o ao longo de todo o organismo, embora seja muito abundante principalmente nos músculos. Nas plantas, principalmente nos legumes que armazenam oxigénio e azoto, o hemo também existe e é transportado através de uma proteína chamada leg-hemoglobina: como o heme encontrado nas plantas é perfeitamente igual, a nível molecular, do encontrado nos animais, a Impossible Foods aprendeu a extraí-lo da soja e a utilizá-lo em laboratório.

A Impossible Foods descobriu que o sabor, aspeto e cheiro da carne são responsabilidade do hemo. O hemo que existe em animais e em plantas é igual, por isso a Impossible Foods aprendeu a extraí-lo da soja para fazer carne com base vegetal.

Sim, sabemos no que poderá estar a pensar: se a Impossible Foods contasse apenas com as plantações de soja para criar carne em laboratório, o problema que resolveria no mundo animal seria transferido para o mundo vegetal, que ficava ameaçado com um excesso de exploração. Foi por isso que a empresa de Pat Brown, um bioquímico que passou 18 meses sabáticos como protesto contra os métodos utilizados na indústria pecuária, encontrou uma forma de obter hemo sem saturar os campos de soja.

Agora, a Impossible Foods extrai ADN das células que compõem as raízes da soja e depois transfere essa informação genética para uma levedura para passar por um processo de fermentaçãosemelhante ao que dá origem à cerveja. Estas técnicas de engenharia genética chamaram a atenção de investidores tão sonantes como (outra vez) Bill Gates, a Temasek ou a Khosla Ventures, que juntos já amealharam 75 milhões de dólares para investimento nesta empresa. E também conquistou o Saxon+Parole, um restaurante premiado com estrelas Michelin que já introduziu a carne da Impossible Foods no cardápio.

A Impossible Foods disse em julho de 2016 que os seus métodos utilizam menos 95% de massa terrestre, gastam menos 74% de água fresca e emitem menos 87% de gases com efeitos de estufa do que os métodos tradicionais. Mas não é a única a publicar resultados brilhantes: a Finless Foods, uma companhia de biotecnologia que cria peixe em laboratório, está a prometer resolver o facto de 53% dos recursos haliêuticos já estar explorado, mas o consumo continuar a aumentar.

“Esta escassez de carne de peixe significa que o preço permanecerá num curso ascendente, colocando a proteína vinda de peixe saudável fora do alcance de todos, com exceção para os consumidores mais ricos. A poluição do oceano também tem feito com que metais pesados como mercúrio se acumulem nos peixes, limitando as quantidades de consumo recomendadas dessa fonte de energia. A pesca está a matar o nosso planeta“, explica a marca no site Finless (cujo nome pode ser traduzido por alimentos sem barbatana).

O que a Finless Foods decidiu fazer é em tudo semelhante à técnica da Memphis Meats: ela recolhe células da carne do peixe, mergulha-as numa sopa nutritiva e recria o peixe em laboratório. Apesar da concorrência pesada — que inclui outras empresas de Silicon Valley como a Mosa Meat e a Hampton Creek –, Uma Valeti não está preocupado com o sucesso da Memphis Meats: há mercado para todos. Dentro de trinta anos, a população mundial vai chegar aos nove mil milhões e simplesmente não vai haver recursos animais para tanta gente.

“São de facto precisas mais empresas para, a par da Memphis Meats, combaterem o flagelo”, acredita Uma Valeti.

O mais provável é que a Memphis Meats seja regulada pela Food and Drug Administration (FDA) em primeiro instância para avaliar a qualidade da carne em cultura. A seguir, o produto e a forma como é processada serão inspecionados pelo Food Safety & Inspection Service.

Entretanto, as entidades reguladoras dos produtos alimentares nos Estados Unidos estão atentas a estas substâncias: a American Food and Drug Administration (FDA), uma espécie de ASAE norte-americana, aprovou o hemo utilizado pela Impossible Foods e considerou-a “segura para consumo” em 2014; e a Memphis Meats ainda não foi sujeita a regulação porque a lei não é clara sobre que tipo de entidade pode regular uma carne que não tem origem animal. Mas há outra questão que se impõe — e que pode ser a mais preponderante — para avaliar qual é o futuro deste mercado: estão os vegetarianos por convicção, os judeus e muçulmanos ou os fãs de documentários como “Cowspiracy” disponíveis para reintroduzir (est)a carne nas suas dietas?

Da religião ao culto da natureza. Quem vai comer “carne limpa”?

Segundo o Centro da Comunidade Judaico, os judeus não comem carne de porco por causa da leitura que fazem do capítulo 14 do livro de Deuterónimo da Torá: “Todo o animal que tem unhas fendidas, divididas em duas, que rumina, entre os animais, aquilo comereis. Porém estes não comereis, dos que somente ruminam, ou que têm a unha fendida: o camelo, e a lebre, e o coelho, porque ruminam mas não têm a unha fendida; imundos vos serão. Nem o porco, porque tem unha fendida, mas não rumina; imundo vos será; não comereis da carne destes, e não tocareis nos seus cadáveres”.

Menachem Genack é rabino e líder da divisão kosher da União Ortodoxa, a maior agência de certificação kosher do mundo, que decide à luz da religião o que pode ou não pode ser comido pelos judeus. Em entrevista à Quartz, Genack disse-se “entusiasmado” com os avanços científicos que estão a ser feitos no sentido de tornar a carne laboratorial uma realidade no mercado em pouco tempo: “Estou maravilhado. A indústria do gado e a indústria da carne parecem estar a ser completamente transformadas”.

Mas ainda há barreiras: por exemplo, os judeus acreditam que um prato de frango desfiado só poderia ser considerado kosher se as células levadas para laboratório fossem colhidas de um animal abatido de acordo com as regras desta religião: de acordo com a União Ortodoxa, o ritual — shechitá — deve ser orquestrado por uma pessoa apta depois de orar a Beracha. Essa pessoa teria de degolar o frango e romper-lhe as artérias carótidas e veias jugularessem atingir as vertebras cervicais, de modo a que o animal largue o máximo de sangue possível de uma vez, para que não sofra mais. Esse ritual tem de ser feito com uma faca muito afiada chamada chalaf. Depois, a carne é inspecionada e mergulhada em água para eliminar o máximo de sangue possível: só é considerada kashal aquela que tiver poucos vasos sanguíneos e nervos. Toda a carne que não obedecer a estes princípios passa a chamar-se tarêf e não pode ser consumida pelos judeus.

Os muçulmanos também estão proibidos de comer carne de porco, exceto se a vida de uma pessoa depende de a tomar. O que está religião determina, segundo a interpretação feita do Alcorão, o que está expresso nestas frases: “São-vos proibidos o animal morto (que morreu de morte natural), o sangue, a carne de porco, os animais que foram degolados sob a invocação de outro nome fora de Alá, os animais estrangulados até à morte, os mortos por espancamento, os mortos devido à queda ou dilacerados e mortos por chifres, os devorados (despedaçados) por um animal carnívoro, excepto os que são degolados ritualmente ainda com vida. São-vos proibidos também os animais sacrificados para os ídolos”.

O Islamismo acredita que a carne de porco não pode ser consumida porque é um animal que vive na imundice e, por isso, a carne é considerada impura.

Chernor Saad Jalloh, imã do Centro Cultural Islâmico de Nova Iorque,está mais cético do que os muçulmanos em relação à carne de laboratório: “Isto é uma novidade para nós, é algo em que nunca pensámos. E não é algo que possamos encontrar no Alcorão”. Também os muçulmanos têm um método particular para matar animais se os quiserem comer, o Zabihah. Antes do abate, uma pessoa conhecedora do Islamismo tem de dizer a frase: “Em nome de Alá, o mais bondoso, o mais misericordioso”. Depois, essa pessoa deve utilizar uma faca afiada para fazer um corte profundo que atinja a traqueia, o esófago, as artérias e a veia jugular: assim, o sangue do animal é escoado e o animal não sofre. Todo o processo é acompanhado por inspetores que, conhecendo a lei Sharia, podem rotular a comida de halal, isto é, apta para ser consumida por muçulmanos.

Esta carne pode não convencer os muçulmanos ou os judeus porque ambos acreditam que só pode ser comida se o animal tiver sido morto de acordo com regras religiosos. Se não há sacrifício de um animal, "é difícil de decifrar" se a carne limpa pode entrar na dieta.

À Quartz, Chernor Saad Jalloh diz que “há um longo caminho pela frente” antes de discutir se a carne laboratorial pode entrar na dieta dos muçulmanos: “Acredito que os muçulmanos praticantes vão ficar longe dessa carne durante um período de tempo”. Até mesmo a carne que não envolve a utilização de células de porco pode não convencer os muçulmanos ou os judeus porque ambas as comunidades acreditam que a carne que consomem só pode ser tomada se o animal tiver sido morto de acordo com regras religiosos muito específicas: se não há sacrifício de um animal, “é difícil de decifrar” se a carne limpa pode entrar na dieta dos praticantes dessas religiões, explica Aly Ghanim, gestor da Câmara de Comércio halal dos Estados Unidos.

A The Good Food Institute, grande aliada das startups na área da comida laboratorial, é quem está mais afincada para convencer muçulmanos e judeus de que esta carne tem um lugar na dietade quem segue estas convicções religiosas — até porque há muito dinheiro envolvido: o mercado kosher vale 24 mil milhões de dólares a nível global e o halal vale 1,6 biliões de dólares.

Mas há alguma ironia nesta batalha: às pessoas que não se regem por motivos religiosos, as empresas comunicam que a carne é “igual à convencional a nível molecular”, mas para os crentes a mensagem tem de ser que a carne laboratorial não é carne convencional.  Como essa luta se tem mostrado infrutífera, a The Good Food Institute tem uma carta da manga: criar uma linha especial de produtos só para as pessoas que não comem carne (ou que limitam o tipo de carne que comem) por motivos religiosos.

De acordo com uma investigação feita pelos cientistas da New Harvest, uma solução pode ser criar carne a partir de linhas celulares imortais, uma população de células que, por causa de mutações, não param de se proliferar. À conta disso, podem ser mantidas em laboratórios para efeitos experimentais, mas essas mutações também podem ser induzidas em células normais por cientistas.

Como os muçulmanos e os judeus só consideram comer carne limpa se as células que lhe dão origem tiverem vindo de animais abatidos, a solução pode passar por recolher essas linhas celulares de animais mortos de acordo com as regras religiosas e depois mantê-las numa proliferação ad eternum dentro das incubadoras, mantendo assim a missão de salvar milhões de animais. Se assim for, o Menachem Genack disse sentir-se “inclinado a abençoar” a carne limpa.

O PS na mira de comentadores impacientes que não querem esperar pela justiça

O PS na mira de comentadores impacientes que não querem esperar pela justiça

Não deixa de ser surpreendente que muitos comentadores e jornalistas estranhem que o Partido Socialista (PS) não comente  os casos judiciais que envolvem José Sócrates e, mais recentemente, o seu ex-ministro Manuel Pinho.

  • 29 Abril, 2018
  • Estrela Serrano

    Alegam esses comentadores que como a justiça em Portugal é demorada o PS devia pronunciar-se e demarcar-se já dos actos de corrupção de que Sócrates é acusado e dos dinheiros que Manuel Pinho terá recebido do BES enquanto era ministro do governo de Sócrates.

    Para estes comentadores o que já se sabe sobre Sócrates é suficiente para que o PS se pronuncie, mesmo antes de ser dado como culpado pelo tribunal dos crimes de que é acusado pelo Ministério Público.  Apesar de todos reconhecerem que a divulgação televisiva dos interrogatórios judiciais não acrescentou informação ao que já fora publicado sobre o processo, foi essa divulgação que despoletou nestes comentadores a urgência de uma posição do PS, sobretudo depois da declaração  de Ana Gomes de que o PS não pode continuar a ser “instrumento de corruptos e criminosos”.

É evidente que o PS não é responsável pelos actos praticados por um ou mais dos seus dirigentes. Nem os ministros que integraram o governo de Sócrates podem ser culpabilizados por crimes pelos quais o tribunal venha eventualmente a condenar José Sócrates. Aliás, pode perguntar-se porque razão os órgãos fiscalizadores do governo, desde logo, o Parlamento, mas também os jornalistas e o Tribunal de Contas não descobriram os crimes de que agora Sócrates é acusado e Manuel Pinho suspeito.

Aos comentadores impacientes que não podem esperar pelo julgamento de Sócrates não interessa aguardar até lá para então se saber até que ponto as acusações que recaem sobre ele se relacionam  com o exercício das suas funções de primeiro-ministro, isto é, se Sócrates é de facto o dono dos milhões que lhe são atribuídos pelo Ministério Público como resultado de luvas recebidas enquanto primeiro-ministro.

Sócrates admite que pediu e deve muito dinheiro a Carlos Santos Silva, seu amigo de infância, embora negue que tenha praticado actos de corrupção. Ser financiado por um amigo, não sendo crime, é do ponto de vista ético reprovável num primeiro-ministro. Porém, se assim for, trata-se de uma questão da vida privada de Sócrates pelo que não pode exigir-se que o PS se pronuncie sobre ela. O contrário constituiria uma cedência ao populismo.

Os comentadores impacientes que querem que o PS comente o processo Sócrates e o caso Manuel Pinho não exigiram que os amigos de Ricardo Salgado, entre os quais o Presidente Marcelo e os jornalistas que ele convidava para férias na neve na Suiça e em França, comentem e se demarquem do ex-banqueiro.

É um maul sinal que pessoas influentes na formação da opinião pública se sirvam das suas tribunas mediáticas para pressionarem outros a violarem princípios básicos como a presunção da inocência e a separação de poderes. Não é verdade que a justiça está a funcionar? Então deixemo-la funcionar!

O que havia a dizer por parte do PS sobre Sócrates, disse-o António Costa no dia em que Sócrates foi detido. Tudo o que viesse dizer antes do julgamento do ex-primeiro ministro seria uma irresponsabilidade.

Exclusivo Tornado / VAI E VEM