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quarta-feira, 13 de junho de 2018

Entre as brumas da memória


Marchas?

Posted: 12 Jun 2018 02:03 PM PDT

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Precisamos de mais imigrantes. Sim, e então?

Posted: 12 Jun 2018 11:04 AM PDT

«Há as afirmações e há a prática. António Costa disse que Portugal precisa de mais imigrantes. Disse bem. Numa ótica estritamente utilitária, precisamos de imigrantes para nos ajudarem a ultrapassar todas as consequências dos saldos demográficos negativos que se instalaram entre nós. E, já agora, precisamos de imigrantes numa ótica que não é utilitária: porque eles nos enriquecem cultural e civicamente.

Mas depois há a prática. Temos mais de 30.000 imigrantes indocumentados em Portugal. Gente que aqui trabalha, aqui desconta para a Segurança Social, aqui paga impostos. Que requereu a sua regularização há meses, há anos.»

José Manuel Pureza
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Trump e Kim Jong-un – Magros e bonitos?

Posted: 12 Jun 2018 08:29 AM PDT

Não deu…
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Singapura? Foi assim...

Posted: 12 Jun 2018 06:00 AM PDT

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O Céu e o Inferno do G7

Posted: 12 Jun 2018 02:15 AM PDT

«O conselheiro de Donald Trump para o Comércio, o assustador Peter Navarro, foi à Fox News dizer que Justin Trudeau, o primeiro-ministro do Canadá, merece "um lugar especial no Inferno". Para Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, Trudeau, pelo contrário, merece "um lugar especial no Céu". Entre o Céu e a Terra dissolve-se a aliança dos Estados Unidos com os seus tradicionais aliados. Donald Trump, que governa através de tweets, acredita como uma fé que governa o Céu e que, à sua volta, só há pecadores. Que lhe devem o tributo e que se devem colocar de joelhos. Não distingue aliados de inimigos. Nem os negócios da diplomacia. Só a sua verdade conta. Por isso, no G7, afrontou os seus mais preciosos aliados, julgando que num mundo multipolar os EUA podem, querem e mandam. Perante esta racionalidade Xi Jinping e Vladimir Putin riem. Secretamente acham que Trump é o Darth Vader da democracia americana. E, na verdade, o cangalheiro da liderança americana no mundo. Trump vive a pensar que o mundo se vê da Trump Tower e que todos são seus empregados. Um dia perceberá que apenas é um peão de outros interesses superiores.

A forma como Trump destratou os seus aliados do G7 mostra que a Europa, o Canadá ou o Japão não podem acreditar em nada do que ele diga. Ele simboliza aquilo que, de forma certeira, Mario Vargas Llosa dizia este fim-de-semana no ABC: "A democracia baseia-se em que a verdade prevaleça sobre a mentira e se a fronteira entre ambas é cada vez mais obscura e difusa então é a sociedade democrática que está ameaçada pela entronização das famosas pós-verdades." Os tweets de Trump são uma ameaça à democracia e a sua forma de pretensamente governar o mundo foi retirada da Terra Média. Não que Trump leia. Mesmo que seja Tolkien. Trump é um retrocesso civilizacional. E a Europa tem de se preparar para se defender desta forma de olhar para o mundo. Trump não está só. É apenas o Exterminador Implacável que foi enviado para a frente de combate.»

Fernando Sobral

terça-feira, 12 de junho de 2018

Um esgoto a céu aberto chamado Fox News

Novo artigo em Aventar


por João Mendes

Um tipo queixa-se da CMTV, do Observador e da imprensa portuguesa em geral, mas estes tipos da Fox News são malta que, ideologicamente, está ao nível dos dementes do Daesh. Façam o favor de se rirem, enquanto isto não dá para o torto.

Quem é, afinal, o “porquinho mealheiro” de quem?

11 Junho 2018

Edgar Caetano

Trump ataca taxas que alguns países e blocos económicos, como a União Europeia, cobram aos produtos norte-americanos. E diz que os EUA vão deixar de ser "o porquinho mealheiro" do Mundo.

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Donald Trump fez campanha a criticar os antecessores por terem levado o défice comercial dos EUA para níveis que o presidente dos EUA considera “inaceitáveis”. Com esse défice comercial a dilatar-se ainda mais, já neste mandato, o presidente dos EUA tem apostado neste tema para mobilizar a base de eleitores e não ser acusado de falhar nos principais objetivos da sua governação.

A decisão de Trump de não assinar a declaração conjunta do G7, por entre quezílias em torno do tema do comércio e das taxas aduaneiras, colocou este tema ainda mais na ordem do dia. Mas fazem sentido as críticas de Trump? O presidente dos EUA tem um fundo de razão ou a sua análise é descabida? Afinal de contas, quem é que é o “porquinho mealheiro” de quem?

As taxas aduaneiras nos outros países são ou não mais elevadas do que as dos EUA?

Após a cimeira do G7, em Charlevoix, no Canadá, Donald Trump defendeu que os seus principais parceiros comerciais cobram taxas aduaneiras mais pesadas do que a sua nação. “Vejamos o Canadá — onde pagamos imensas taxas — os Estados Unidos pagam imensas taxas sobre os latícinios. Por exemplo, 270%”, disse o Presidente dos EUA.

Trump usou o exemplo mais gritante. Todavia, é verdade que as taxas aduaneiras norte-americanas são mais baixas do que as cobradas pelos restantes membros do G7, à exceção do Japão.

Isso vai mudar, a 100%. As taxas aduaneiras vão descer porque as pessoas não podem continuar a fazer o mesmo. Nós somos como o porquinho mealheiro que toda a gente anda a roubar. E isso vai acabar”, disse Trump.

A Organização Mundial de Comércio (OMC) calcula que as taxas aduaneiras praticadas pelos EUA foram, em média, de 2,4% em 2015, enquanto a União Europeia, que inclui a Alemanha, o Reino Unido e Itália, aplicou taxas efetivas médias de 3% nesse ano. O Canadá, cujo primeiro-ministro, Justin Trudeau, foi apelidado por Trump de “fraco” e “desonesto”, tinha taxas aduaneiras de 3,1% em 2015. No Japão, as autoridades aduaneiras aplicavam taxas médias — efetivas — de 2,1%.

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817 mil milhões de dólares. Que número é este do qual Trump faz bandeira?

Desde a campanha eleitoral que Donald Trump faz, frequentemente, referência a um número que, na sua ótica, serve para provar ao eleitorado que os EUA estão a ser “roubados” no comércio internacional. De tão enorme, esse número impressiona qualquer um — mesmo alguém que não faz a mínima ideia do que acontece no comércio externo: 800 mil milhões de dólares.

(…) nós perdemos, enquanto nação, ao longo dos anos 800 [mil milhões de dólares], mas o número mais recente é de 817 mil milhões de dólares no comércio, no ano passado. Isso é ridículo e é inaceitável. E disse isso mesmo a toda a gente”, reiterou Trump no sábado, na conferência de imprensa após a Cimeira do G7.

Esse número — na verdade 807,5 mil milhões de dólares em 2017 — diz respeito ao défice da balança comercial de bens entre os EUA e o resto do mundo. Ao destacar esse valor, o presidente dos EUA não está a incluir o superávit (do ponto de vista dos EUA) nos serviços: aí os EUA exportam mais 255 mil milhões do que importa. Ou seja, ponderando os dois elementos sem dar primazia a um em detrimento do outro, o défice comercial dos EUA com o mundo — de bens e serviços — é de 552 mil milhões de dólares.

Vale a pena não esquecer os dados sobre os serviços porque, como se postula no relatório económico divulgado pela Casa Branca ainda há poucas semanas, “a economia norte-americana está a afastar-se da produção manufatureira e a dirigir-se para a prestação de serviços”.

No mandato de Trump, e apesar do conteúdo das mensagens que passa publicamente, o défice comercial continua a dilatar-se (saltou de 502 para 552 mil milhões entre 2016 e 2017, muito por culpa do comércio de bens). Nesse mesmo relatório, publicado já sob a liderança de Trump, pode ler-se que “concentrar apenas no comércio de bens ignora a vantagem comparativa dos EUA nos serviços”. E aí, em serviços de elevado valor acrescentado como a finança, a engenharia, a educação e as novas tecnologias, os EUA têm um superávit a nível global.

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Trump tem razão quando acusa a UE de subsidiar setor automóvel, em prejuízo dos EUA?

Todos os blocos económicos protegem os seus setores produtivos com subsidiação e com outras medidas de estímulo. Um dos exemplos que Trump mais gosta de usar é a indústria automóvel, onde ameaçou com uma taxa de 25% contra as importações de carros. De facto, a própria Comissão Europeia reconhece que “devido à importante criação de emprego e outros efeitos positivos de investimentos por parte do setor automóvel, os Estados-membros têm disponibilizado quantias elevadas em ajudas ao investimento no setor”.

Essas medidas de subsidiação foram especialmente robustas durante o auge da crise económica (mais de 1,8 mil milhões entre 2007 e 2014, só para este setor). Mas os EUA também o fazem: o exemplo mais paradigmático de todos é a nacionalização da “gigante” General Motors no final da década passada. Outro exemplo: o investimento na Chrysler, quanto também essa empresa entrou em dificuldades. Que subsidiação maior existe do que uma nacionalização pós-bancarrota?

O mais paradoxal do discurso de Trump, contudo, é que as interligações da indústria e do comércio mundial são, hoje, tão complexas que levam a que, por exemplo, o maior exportador em todo o país é uma fábrica da alemã BMW na localidade de Spartanburg, na Carolina do Sul.

“Mas, para Trump, isto são factos que não importam ou que ele não toma o tempo necessário para perceber — nunca sei muito bem qual é que é a explicação, em cada momento”, comentou, recentemente, o congressista luso-descendente Jim Costa, em entrevista ao Observador.

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Faz sentido dizer que a UE se protege contra as importações vindas dos EUA?

Não são de agora as críticas de alguns membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a Europa e as suas alegadas práticas dissuasoras da importação e, portanto, protecionistas. Em 2011, por exemplo, a UE foi criticada por envolver demasiada burocracia e padrões de qualidade, designadamente na área agro-alimentar, o que na prática seria uma violação das regras da OMC.

Em antecipação a esta cimeira, e já a adivinhar um confronto com os EUA, a Comissão Europeia preparou um conjunto de dados que procuram rebater a ideia de que as exportações norte-americanas (para a UE) podem estar a ser penalizadas por medidas que vão além das subsidiações ou das taxas aduaneiras.

Nesse factbox, a UE sublinha que por exemplo na carne de vaca os 50 estados podem exportar para os países da UE — ao passo que só França, Irlanda, Holanda e Lituânia podem exportar carne de vaca para os EUA. Ovos só a Holanda pode exportar para os EUA e carne de aves nenhum país da UE está autorizado a exportar este produto para os EUA.

Voltando ao tema dos automóveis, a UE lembra que todos os anos são produzidos nos EUA 2,4 milhões de carros europeus, com destaque para a tal fábrica na Carolina do Sul. Só o grupo BMW dá emprego a 70 mil pessoas nos EUA.

Mas como é que as taxas aduaneiras são aplicadas? As regras preveem que seja aplicada uma tarifa de 10% nas importações de carros dos EUA para a UE, que compara com 2,5% aplicados em sentido contrário. Mas essas são taxas regulamentares — na realidade, essas taxas quase nunca são pagas na totalidade, desde logo devido à organização da produção em que peças automóveis vão para os EUA para serem montadas. Em 2017, diz a UE, apenas mil milhões de euros em exportações de carros dos EUA para a UE pagaram a taxa máxima — num universo de seis mil milhões.

Os números da OMC referentes às barreiras ao comércio não apoiam as declarações de Trump. Os EUA têm 5.256 medidas não tarifárias em vigor, incluindo subsídios à exportação e restrições às importações, segundo a base de dados da OMC, enquanto a União Europeia lista 2.075, o Canadá 2.002 e o Japão 1.519.

Só em subsídios à exportação, a administração Trump mantém apoios às indústrias das carnes — vaca, porco e aves —, ovos, óleos vegetais, manteiga, queijo, arroz e trigo.

Há muito tempo presente nas declarações e tweets de Trump, a guerra comercial a sério começou quando a administração norte-americana aplicou, a 1 de junho, taxas aduaneiras de 25% por cento nas importações de aço e de 10% no alumínio. Uma decisão que atinge a União Europeia, o Canadá e o México. Bruxelas anunciou uma retaliação, previsivelmente a partir de julho, sobre produtos norte-americanos como o bourbon, as calças de ganga, o sumo de laranja e as motorizadas.

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Costa: cimeira entre Trump e Kim Jong-un acabou melhor do que reunião do G7

HÁ 33 MINUTOS

O primeiro-ministro português acredita que a cimeira entre os Presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte terá acabado melhor do que a última reunião do G7, no Canadá.

HUGO DELGADO/EPA

Autor
  • Agência Lusa
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O primeiro-ministro, António Costa, observou esta terça-feira que o resultado da cimeira de Singapura, entre os Presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte, acabou melhor do que a última reunião do G7, no Canadá.

António Costa assumiu esta posição depois de ter visitado a multinacional Cisco, em Silicon Valley, na Califórnia, Estados Unidos da América, após ser questionado pelos jornalistas se acredita na desnuclearização da Coreia do Norte na sequência do encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un.

“O facto de a cimeira ter existido já é positivo, porque quando duas partes começam a falar é um primeiro passo para a diminuição da tensão. Os sinais aparentam que esta cimeira acabou melhor do que a do G7, o que é um cenário positivo”, disse, numa alusão às divergências verificadas entre os Estados Unidos e os restantes seis países desta organização.

Em relação ao resultado da cimeira de Singapura, o primeiro-ministro referiu que a declaração final, “por muito genérica que seja no que respeita à desnuclearização, é obviamente uma boa notícia para todos os que estão preocupados com a segurança mundial”.

É possível combater a corrupção, mas é preciso querer

12 Junho 2018

Nuno Gonçalo Poças

O que podemos aprender com os melhores países do mundo no combate à corrupção? Que medidas são mais eficazes? E já agora: Portugal quer mesmo acabar com a corrupção? Ensaio de Nuno Gonçalo Poças

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

A corrupção e os crimes que lhe estão associados não são temas de hoje – são temas diários que há vários anos ocupam o espaço de debate público. Olhando só para os casos mediáticos, incluindo aqueles sobre os quais se levantaram meras suspeitas sem que delas tivesse decorrido qualquer processo judicial, os que resultaram em condenações ou absolvições e as investigações atualmente em curso, a história dos casos de alegada ou comprovada corrupção portuguesa, em democracia, vem de longe. Desde o caso do fax de Macau ao do Fundo Social Europeu, das faturas falsas ao Taguspark, dos submarinos ao saco azul de Felgueiras, do caso da mala ao Freeport, do BPN ao Face Oculta, da Operação Marquês aos vistos Gold, do Apito Dourado ao E-Toupeira, foram dezenas de instituições em Portugal, ao longo das últimas décadas, envolvidas em casos mais ou menos nebulosos. Casos que poderão ter decorrido de alegados crimes como a corrupção, o peculato, o tráfico de influências, a falsificação de documentos, a fraude fiscal ou o branqueamento de capitais, além do abuso de poder ou da prevaricação.

Sim, a lista de casos é longa. Mas ainda mais inquieta a perceção pública de que pouco ou nada acontece aos visados – isto é, que às instituições democráticas, nomeadamente na Justiça, falta força para averiguar e punir. Não são raras as vezes em que, apesar do alarido, tudo fica na mesma. Dos clubes de futebol às autarquias locais, da banca aos partidos políticos, dos sindicatos ao próprio Governo, passando pelo Parlamento, têm sido várias as instituições nacionais a prestar-se a justificações, mais ou menos convincentes, de que, afinal, tudo vai bem, de que todos lutam pela transparência, pela ética, pela verdade e pela justiça.

As perguntas que ficam são numerosas. Que causas tem a corrupção e que riscos traz? De que forma põe em causa os nossos interesses pessoais e os da sociedade em geral? Será que somos, afinal, complacentes com condutas pouco éticas? E que soluções se podem trazer para combater o fenómeno? Será que se aplica a Portugal a frase de Jô Soares que diz que “a corrupção não é uma invenção brasileira, mas a impunidade é uma coisa muito nossa”? E tinha ou não razão a então procuradora Cândida Almeida quando afirmou, em 2012, que “o nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos, Portugal não é um país corrupto”?

Como sempre acontece, existe uma grande diferença entre realidade e perceção: há muito a fazer, em Portugal, para melhorar o combate à corrupção – que até é investigada, mas várias vezes sem sucesso e sem conseguir punir os infratores. São estas questões que este ensaio abordará – para concluir que isto só se resolve com uma reforma da Justiça.

Perceções e realidades: a corrupção em Portugal e no mundo

Começo por trazer, a este propósito, o que António Araújo disse, em entrevista ao Público: “Há muitos estudos sobre a oposição, mas não há ainda um sobre como é que Salazar administrava uma coisa fundamental que era a cunha, como é que ele dominava o país”. Valeria a pena olhar para o que eram as relações sociais e profissionais e a forma como os cidadãos se relacionam com o Estado desde a ditadura, mas a cultura da “cunha” é mais antiga do que isso. Facto é que a maioria dos Estados em que a corrupção é generalizada (ou a sua perceção é elevada) são Estados com valores democráticos débeis e com instituições públicas desacreditadas. No entanto, não é menos certo dizer que a experiência do Estado Novo trouxe a Portugal a ideia de que a denúncia da corrupção é ineficaz ou que traz, por si só, represálias, além de ter cimentado a cultura da “cunha”, que já nos era tão familiar.

Os dados levantam uma questão curiosa: como é que se explica esta perceção generalizada em toda a Europa de que a corrupção não nos afeta enquanto cidadãos? Uma resposta possível é que a corrupção é geralmente abordada no debate público, nomeadamente pela comunicação social, como um crime sem vítimas.

A cultura cívica, enquanto causa do fenómeno da corrupção, reflecte-se também no famoso argumento “rouba, mas faz”, a simplificação verbal do que justifica, em não raros casos, a falta de transparência, a burocracia, a ambiguidade normativa ou a ineficácia dos meios sancionatórios. Já em 2006, no inquérito “Corrupção e Ética em Democracia – O Caso de Portugal”, se verificou que praticamente 64% dos portugueses se mostram tolerantes com a corrupção desde que esta traga benefícios à população em geral. Por outro lado, o desenvolvimento da economia portuguesa, nas últimas décadas, tem demonstrado uma natureza clientelar e corporativista – que a democracia não extinguiu. O Estado, por sua vez, mantém-se centralizador e constituiu-se um obstáculo à iniciativa privada independente e, ao mesmo tempo, revela-se permeável aos interesses partidários ou a influências de outros grupos de interesse, com frágeis mecanismos de controlo de transparência e de fiscalização.

No Índice de Perceção da Corrupção de 2017, o principal indicador mundial sobre níveis de corrupção no sector público, Portugal partilhava o 29.º lugar com o Qatar, num total de 180 países – numa escala que vai da Somália e do Sudão (os piores classificados) à Dinamarca e à Nova Zelândia (os melhores). Estamos abaixo da média da União Europeia e há vários anos que mantemos praticamente a mesma posição no ranking. O que acaba por dar razão à Associação Cívica Transparência e Integridade, que tem afirmado que Portugal está estagnado no combate à corrupção – que é como quem diz que não estamos mal, mas também não temos feito nada para estarmos melhor.

No entanto, esta parece ser uma realidade que desagrada aos portugueses. Num inquérito Eurobarómetro, realizado em 2017, 58% das empresas portuguesas diziam que a corrupção é um problema que enfrentam nos negócios que fazem; 86% afirmaram que a corrupção é prática generalizada em Portugal; 70% acreditam que para ter sucesso nos negócios é preciso ter ligações políticas; e para 74% os concursos públicos feitos à medida são um problema.

Naturalmente, o problema não é exclusivamente português. Um inquérito Eurobarómetro anterior, realizado em 2013 nos 28 Estados-Membros da União Europeia, concluiu que 76% dos europeus entendiam que a corrupção era prática generalizada no seu país, que 67% consideravam que não existia transparência e supervisão suficientes quanto ao financiamento partidário e ainda que dois em cada três europeus consideravam que a corrupção faz parte da cultura empresarial do seu país. Curiosamente, apenas 30% dos europeus inquiridos afirmaram sentir-se pessoalmente afetados pela corrupção – ignorando dados do mesmo ano que diziam que a corrupção provocava danos, só na União Europeia, de 120 mil milhões de euros anuais. Não, o problema não é só nosso, mas nós continuamos estagnados abaixo da média europeia, como vimos.

Os dados levantam uma questão curiosa: como é que se explica esta perceção generalizada em toda a Europa de que a corrupção não nos afeta enquanto cidadãos? Uma resposta possível é que a corrupção é geralmente abordada no debate público, nomeadamente pela comunicação social, como um crime sem vítimas. De facto, poderá entender-se que se trata de um crime em que existe uma distância considerável entre o agente e a vítima, o que faz com que não se dê visibilidade à vitimização – e, pior, faz com que a própria vítima não tenha consciência de que o é. Costa Andrade utiliza a expressão “crime de vítima difusa”, já que todos somos vítimas e ninguém sabe disso. Talvez a expressão seja a mais feliz de todas.

Já vários estudiosos do tema elencaram os danos que a corrupção nos provoca: prejudica a concorrência económica e, por conseguinte, os consumidores; lesa o património público, o que produz efeitos nos sectores da saúde ou da educação; compromete a vida das atuais e das futuras gerações; aumenta a desigualdade social; reduz o investimento estrangeiro; aumenta os custos de financiamento público; aumenta o défice; denigre a democracia, destruindo a confiança dos cidadãos nas instituições; corrói o sistema político, o judicial e a administração pública. Mesmo que a perceção seja a de um crime sem vítimas, a realidade mostra que a corrupção não é coisa pouca.

A justiça, sempre a justiça

Por mais curioso que pareça, no já referido inquérito “Corrupção e Ética em Democracia – O Caso de Portugal”, de 2006, em que se verificou que mais de 60% dos inquiridos se mostravam tolerantes com a corrupção desde que esta trouxesse benefícios à população em geral, os portugueses não deixaram de expressar outros sentimentos: regra geral, consideravam que a justiça era demasiado branda para com membros do Governo, Deputados, autarcas, dirigentes desportivos ou gestores de empresas. Por outro lado, os portugueses mostravam-se descontentes com a mão pesada dos tribunais no caso dos pequenos delinquentes e do cidadão comum. E, desde 2006 até hoje, o que mudou, nomeadamente na forma como a Justiça tem combatido o fenómeno?

A investigação, pelo menos, está a aumentar. Segundo a Procuradoria-Geral da República, e incluindo na análise os crimes relacionados com questões éticas, verificamos que, entre 2014 e 2017, houve 2014 inquéritos por corrupção, 1268 por abuso de poder, 1260 por peculato, 534 por branqueamento de capitais, 251 por participação económica em negócio, 85 por tráfico de influência, 77 por administração danosa e 57 por recebimento indevido de vantagem, num total de 5564 inquéritos. Mas, no mesmo período, houve apenas 457 acusações. E 138 condenações em primeira instância. No entanto, mesmo o número de acusações tem subido, sendo que o das condenações se tem mantido oscilante, mas muito abaixo das primeiras.

O anterior presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, eleito em 2012, afirma que houve mudanças grandes desde que foi eleito para o cargo até hoje e salientou, a propósito dos dados que acabamos de ver, a formação especializada dos procuradores do Ministério Público. Mas a verdade é que ficam algumas questões relevantes por responder: a investigação está a aumentar porque há mais corrupção ou porque existem mais meios para investigar? O que explica uma disparidade tão grande entre o número de investigações, de acusações e de condenações? E essas condenações, quanto tempo demoram a ser atingidas? E as penas aplicadas são de prisão efetiva ou suspensas quanto à sua execução?

Não há respostas finais e absolutas. Mas há pistas que, com base na investigação académica, se pode seguir. Luís de Sousa, num ensaio da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a corrupção (2011), chamava à colação os dados do projeto “A corrupção participada em Portugal 2004-2008”, afirmando que as suas conclusões corroboravam o fraco desempenho do aparelho repressivo no combate à corrupção. Isto porque, entre 2004 e 2008, 53% dos processos tinham sido arquivados, 30% encontravam-se em investigação, apenas 5,6% dos processos tinham acusação deduzida e apenas 6,9% dos processos foram encerrados por decisão judicial condenatória. Mais: do baixo volume de condenações transitadas em julgado, poucos eram os que cumpriam penas de prisão efetiva.

E não se ficava por aqui. Os crimes de corrupção seriam os que originam maior número de arquivamentos por inexistência de indícios probatórios, e a razão mais comum às absolvições em primeira instância era a falta de provas quanto à apropriação de vantagem patrimonial e à sua ilicitude.

Luís de Sousa elencava, então, uma série de problemas com que a justiça se deparava: a escassez de recursos, a ausência de resultados, a ausência de especialização (que, como vimos, tem vindo a ser atenuada, pelo menos no que diz respeito ao Ministério Público), a burocratização da investigação criminal, a concentração de poderes judiciais no que concerne aos altos cargos, o desprestígio dos tribunais de primeira instância, a falta de sistematização da informação e a excessiva dependência da denúncia e, por fim, a inconsequência da justiça. Ora, a estagnação portuguesa no Índice de Perceção explica que os problemas continuam a ser essencialmente os mesmos. O que fazer, então?

Os melhores do mundo no combate à corrupção

É evidente que a chamada “criminalidade de colarinho branco” é um fenómeno complexo (e cada vez mais sem fronteiras) e que, por isso mesmo, não é simples criar mecanismos e estratégias que a combatam. Até porque também é verdade que um dos maiores problemas que a luta contra a corrupção enfrenta é a tolerância com que a própria sociedade lida com esta criminalidade económica. Mas também não é menos certo que mesmo esse cenário de tolerância se tem vindo a alterar, num processo que a comunicação social tem, até certo ponto, ajudado a desenvolver.

Vistos os problemas, que soluções se poderão encontrar para eles? É nesta altura que o debate se torna (mesmo) difícil, já que quanto ao tema da corrupção, em geral, não há quem discorde de que se trata de algo a combater. O problema está, sobretudo, na forma como esse combate é travado.

Um dos pontos de partida deverá ser o dos mecanismos de transparência e da cultura de meritocracia que os regimes legais apresentam. Olhemos para os dois países que lideram o Índice de Perceção da Corrupção: Nova Zelândia e Dinamarca.

Na Dinamarca, o combate à corrupção é antigo – ainda no século XIX, para fazer face a uma crise económica, foi criado um sistema de tolerância zero na administração pública.

Nova Zelândia. O país tem uma administração pública altamente transparente, com mecanismos burocráticos otimizados e absolutamente focada na eficiência dos serviços que presta. Além disso, foram criados instrumentos legais que permitem separar claramente a administração da política. Além disso, o princípio da economicidade é chão comum às políticas públicas neozelandesas: os recursos públicos são objetivamente tratados como escassos e, na sua aplicação, o contribuinte é visto como um normal cliente a quem deve ser conferido um tratamento com um elevado grau de exigência.

Uma das fórmulas que a Nova Zelândia alcançou para atingir este ponto cultural foi a implementação, em 1912, através de uma grande reforma administrativa, da States Service Comission (SSC), um organismo com mais de cem anos que é o grande responsável pela uniformização da política de administração pública, nomeadamente do funcionalismo público. Uma das grandes missões da SSC é evitar a criação de grandes clivagens salariais nas carreiras públicas, as quais são analisadas e atualizadas em função da realidade do sector privado, além de implementar e monitorizar o modelo de ascensão na carreira dos funcionários públicos através de uma política objetivamente meritocrática.

Os resultados mais práticos são evidentes: a produtividade do sector público saiu reforçada e não existe qualquer entidade estatal que possa favorecer determinadas carreiras, nomeações ou concursos por razões políticas.

Dinamarca. Também neste país escandinavo o combate à corrupção é antigo – ainda no século XIX, para fazer face a uma crise económica, foi criado um sistema de tolerância zero na administração pública. A Transparência Internacional indica, além disso, como causa do grande sucesso dinamarquês no combate à corrupção as instituições fortes e independentes do sector judicial. Mas Gert Tinggaard Svendsen, professor da Universidade de Aarhus, vai mais longe, dizendo que, apesar de as leis penais dinamarquesas não serem especialmente pesadas, há uma dureza implacável nos mecanismos de punição. Ou seja, as penas são aplicadas rapidamente e efetivamente cumpridas.

Além disso, a Dinamarca tem um sistema bastante avançado em matéria de transparência e controlo dos cargos públicos e criou instrumentos de fiscalização e combate à criminalidade económica junto das entidades do sector financeiro. Veja-se, a este propósito, o que se passou com o Danske Bank: o maior banco dinamarquês foi recentemente alvo de reprimendas por parte da entidade reguladora por ter sido incapaz de implementar medidas de combate ao branqueamento de capitais. Em primeiro lugar, porque o banco não se opôs a uma série de operações financeiras duvidosas, e também porque não tinha um funcionário exclusivamente responsável pela área de combate à entrada no sistema financeiro de dinheiro com origem em atividades ilícitas. Resultado? O banco admitiu que falhou, que fez muito pouco e muito demoradamente em matéria de cumprimento da legislação, houve demissões e já está em processo de aceleração no sentido de convergir com as recomendações do regulador.

Que caminhos possíveis existem para melhorar?

O debate sobre o combate à corrupção é intenso e, se há ponto em que todos concordam, é este: não é tarefa fácil. Como acima se viu, os melhores países em matéria de combate à corrupção não começaram a sua batalha ontem. Obter resultados, nesta matéria, implica esforço e persistência durante anos para atingir o grau de confiança nas instituições públicas que hoje apresentam. Claro que não há regimes perfeitos. Claro que haverá sempre casos de corrupção. Mas o trabalho que se faz nesta matéria, criando mecanismos de prevenção e de punição ágeis e duros, acaba por gerar a tão ambicionada cultura de transparência e de responsabilidade – e um sentimento social de confiança.

Para os países que estão menos avançados neste combate, existe o “sentimento social de ineficácia” (relembrando uma expressão do juiz do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Luiz Barroso), que é necessário enfrentar. Se é verdade que os comportamentos que estão aqui em causa são, por si só, de elevada dificuldade probatória, não é menos verdade, então, que este tipo de criminalidade carece de mecanismos punitivos especiais e de um sistema processual específico que, não obstante possa e deva ser alargado a outros tipos de crime, devem visar, acima de tudo, a destruição da ideia de que é o infrator aquele que sai sempre beneficiado. Seja através da insuficiência probatória, seja através das garantias constitucionais, seja através do sistema de recursos, da lentidão processual ou até da parca aplicação de penas de prisão efetivas e rapidamente aplicáveis, parece que os infratores estão sempre em vantagem.

No Brasil, um país que se tem visto enredado em diversos casos mediáticos de corrupção, o Ministério Público avançou com o projeto “Dez medidas contra a corrupção”, que tem seguido o seu caminho em termos de processo legislativo. Nesse projeto, avançava-se com a instituição de diversos mecanismos legais de prevenção da corrupção: a criação de um teste de integridade para agentes públicos; a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; aumento das molduras penais; racionalização dos recursos judiciais; restrição do habeas corpus; aumento dos prazos de prescrição; redefinição dos conceitos de provas ilícitas; responsabilização de partidos políticos por atos praticados durante o exercício dos seus mandatos; alargamento dos pressupostos da prisão preventiva; objetivo de recuperação do lucro do crime.

No último Pacto da Justiça, optou-se por deixar de fora o enriquecimento ilícito e a delação premiada. Terão feito bem?

Na senda das iniciativas legislativas, formais ou informais, de combate à corrupção vindas da magistratura, também em Portugal têm surgido propostas concretas. Recentemente, o juiz Carlos Alexandre defendeu, nas Conferências do Estoril de 2017, uma série de medidas para o efeito, de entre as quais saliento:

  1. A delação premiada;
  2. O regime especial de proteção de testemunhas;
  3. A criminalização do enriquecimento ilícito;
  4. A vinculação das entidades bancárias à obrigação de não eliminar registos de contas;
  5. A revisão do quadro normativo das ações ao portador;
  6. A restrição da aplicação do princípio da presunção de inocência e do in dúbio pro reu.
  7. Simplificar a legislação processual;
  8. Reduzir as garantias constitucionais.

Também Luís de Sousa, no acima citado ensaio da FFMS sobre o tema, avançou com a necessidade de rever o sistema de recursos – um tema que esteve há relativamente pouco tempo em discussão em Portugal e no Brasil a propósito da prisão de Lula da Silva – cuja discussão, pelo menos, não me parece de descurar. Além disso, é de salientar também o debate sobre a regulamentação do lobbying, um tema que nos tem interessado menos do que devia e sobre o qual a Assembleia da República se tem debruçado – a par da criação de novos mecanismos de transparência, como a criação de um código de conduta dos deputados ou da criação de mais uma entidade fiscalizadora para as declarações de património dos parlamentares, por exemplo.

Enriquecimento ilícito e delação premiada: dois tabus?

O Presidente da República pediu e os vários organismos e entidades do sector judiciário aceleraram no sentido de ser criado (mais um) Pacto para a Justiça. Magistrados, advogados, solicitadores e funcionários judiciais chegaram a um consenso que incluiu, em matéria de combate à corrupção, medidas como a suspensão dos prazos de investigação enquanto se encontrar pendente a resposta a cartas rogatórias ou a definição do catálogo de crimes que podem integrar o conceito de criminalidade económico-financeira. No entanto, optaram por deixar de fora o enriquecimento ilícito e a delação premiada. Terão feito bem? Afinal o que está em causa quando se discutem estes dois temas?

Enriquecimento ilícito. Depois de dois chumbos no Tribunal Constitucional, o tema voltou este ano à agenda mediática. Em 2015, quando o Presidente da República solicitou a fiscalização preventiva, estavam em causa as seguintes normas:

  • Nº 1, artigo 1 que aditava o artigo 335.º-A ao Código Penal: “Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou que devam ser declarados é punido com pena de prisão até 3 anos” – pena que podia ser agravada até cinco anos se a discrepância fosse superior a 500 salários mínimos.
  • Nº 2, que adita o artigo 27.º-A: “O titular de cargo político ou de alto cargo público que durante o período do exercício de funções públicas ou nos três anos seguintes à cessação dessas funções, por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva obtiver um acréscimo patrimonial ou fruir continuadamente de um património incompatível com os seus rendimentos e bens declarados ou a declarar, é punido com pena de prisão de um a cinco anos” – pena que podia subir até um máximo de 8 anos se a discrepância fosse superior a 350 salários mínimos.

Os juízes do Tribunal Constitucional entenderam que a incriminação do ‘enriquecimento injustificado’, tal como feita pelo diploma da Assembleia da República, não só não cumpria as exigências decorrentes do princípio da legalidade penal como, ao tornar impossível divisar qual seja o bem jurídico digno de tutela penal que justifica a incriminação, violava o princípio da necessidade de pena.

O que estaria em causa – e o que se mantém até hoje em discussão – é a questão da inversão do ónus da prova: a criminalização do enriquecimento ilícito dificilmente terá outros contornos que não façam com que, em vez de ser o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal a produzir a prova, sejam os investigados a ter de demonstrar a origem lícita da sua fortuna. O argumento tem méritos, de facto. Mas será que, visando a criminalização do enriquecimento ilícito constituir uma “arma preciosa para perseguir corruptos”, na expressão do juiz Carlos Alexandre, e considerando que a medida é socialmente aceite em prol da realização da justiça penal e do combate à corrupção, faz sentido manter a rigidez axiológica neste debate?

Delação premiada. A medida vem importada do Brasil e dos sistemas anglo-saxónicos, será discutida no Parlamento por via de uma petição pública, e não é nada consensual. O gabinete da ministra da Justiça já disse que a delação premiada pode violar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e que o regime brasileiro não tem correspondência com os princípios do processo penal português; a procuradora-geral da República diz que o tema merece um debate amplo; vários académicos têm alertado para os perigos do populismo penal por causa desta medida. À direita, os partidos são tendencialmente favoráveis a ela, à esquerda são tendencialmente contra. Os sindicatos dos magistrados do Ministério Público e dos Juízes mostram-se favoráveis; a Ordem dos Advogados não concorda com a medida. Ninguém se entende.

A delação premiada é, no fundo, uma ferramenta processual que abrange quem conheça ou quem tenha sido cúmplice da prática de crimes e que decide colaborar com a justiça no processo de apuramento da verdade material. Mas muitas questões aqui se levantam: a delação premiada pode significar que o Ministério Público deixa de investigar? Não conduzirá isso a uma quebra das garantias de defesa dos arguidos, nomeadamente dos inocentes? Não estaremos a colocar em causa o princípio do processo justo?

Mais uma vez, as questões não deixam de ser pertinentes e de levantar problemas graves. Mas a solução não é inédita, mesmo em Portugal, uma vez que estes mecanismos de prémio a quem colabora com a justiça já existem nalguns tipos de crimes, como é o caso do tráfico de estupefacientes. Essencial é que, a instituir-se a figura da delação premiada no combate à criminalidade económico-financeira, não se percam de vista alguns pontos essenciais para que os méritos do nosso sistema processual penal não sejam beliscados: em primeiro lugar, que a mera delação, por simples testemunho, não pode chegar, não pode ser dispensada a investigação, a reprodução de prova documental e o cruzamento com outros meios de prova. Em segundo lugar, que ao arguido seja mantida a faculdade de contrariar os factos resultantes da colaboração premiada E, ainda, que a mera delação sem suporte probatório ou que a investigação venha a concluir ser falsa não coloque em causa a aplicação do regime da denúncia caluniosa.

O que retirar de tudo isto? Quatro ideias-chave que puxam por uma reforma da Justiça

Primeiro: não há combate à corrupção sem mecanismos de transparência a montante dos processos judiciais. Uma sociedade e um Estado efetivamente abertos e livres, e um ordenamento jurídico simples, ágil e sem alçapões, são o primeiro passo para que se criem sentimentos de confiança nos agentes públicos e nas instituições. Significa isto que o Estado deve permanecer, através do ordenamento jurídico, afastado de pressões de grupos de interesses, incluindo os dos partidos políticos.

Segundo: as carreiras no funcionalismo público merecem um tratamento especial. Ou seja, libertá-las dos seus próprios grupos de interesse, como são os partidos ou os sindicatos, dignificá-las em salários, em condições de trabalho e implementar medidas objetivamente meritocráticas.

Terceiro: a justiça precisa de ser desburocratizada e agilizada. É necessário rever o quadro dos meios probatórios, é imperativo criar uma forma de dar cumprimento às condenações dos tribunais de primeira instância, evitando o caráter dilatório de muitos recursos, e é ainda fundamental instituir novas tipificações penais e processuais que reprimam condutas ilícitas e pouco éticas.

Quarto: falta muito por fazer e muito por discutir nesta matéria. E, acima de tudo, que era muito proveitoso se os portugueses sentissem, da parte de quem debate e de quem legisla, que existe de facto uma vontade inabalável de dotar o Estado e as instituições de mais transparência e de menos corrupção.

Ora, para que estas ideias-chave tivessem valor, seria importante que não ficássemos sempre com a sensação de que, a cada reforma da Justiça proposta ou a cada medida mais dura avançada, a rejeição é automática porque coloca em causa princípios estruturantes do nosso Estado de Direito. Afinal, há mesmo vontade de combater a corrupção em Portugal? Esse é o debate fundamental – porque, demasiadas vezes, parece faltar essa vontade. Sim, os princípios do Estado de Direito não podem, de facto, ser de todo esquecidos ou afastados. Mas há caminhos possíveis. E um Estado que se presta a não tentar ser dos melhores no que diz respeito à transparência e ao combate à corrupção, de Direito também já parece ter muito pouco.