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domingo, 24 de junho de 2018

O Vale dos Caídos e a Espanha franquista

  por estatuadesal

(Carlos Esperança, 24/06/2018)

fascismo

O anúncio da transladação dos restos mortais de Francisco Franco, do Vale dos Caídos, no cumprimento da decisão unânime, aprovada em sede parlamentar, não é apenas um ato de reparação histórica às vítimas, é um corte com a herança que envergonha o País perante a História e o compromete no seio dos países democráticos.

Pedro Sánchez apenas se limitou a confirmar o cumprimento do compromisso e da sua obrigação, e acordou demónios adormecidos do fascismo. Sobressaltou os herdeiros da Falange, inquietou filhos dos algozes, levou o alvoroço às sacristias, fez tremer báculos, agitar mitras e enraivecer velhos purpurados. A Fundação Franco, que nenhum político teve a coragem de extinguir, amaldiçoou a medida de higiene que a democracia exige.

Não há outro país europeu que, por masoquismo ou falta de pudor, perpetue a memória de um genocida e o venere, por respeito aos direitos humanos e ao pluralismo político, herdados do Iluminismo, e assimilados na sua matriz civilizacional.

Quem aceitaria hoje que Mussolini, Hitler, Pétain, Tiso ou Salazar tivessem uma guarda de honra permanente a homenageá-los? Ou, noutro quadrante, Estaline, Pol Pot, Enver Hoxha ou Ceauşescu? Só resiste o culto a Kim Il-sung, na Coreia do Norte, e a Mao, no regime ditatorial chinês, de capitalismo selvagem, sob o pseudónimo de comunismo e a cooperação do partido que mantém o nome.

Franco é uma referência sinistra entre os maiores genocidas do século XX, um precursor europeu de Pinochet, a réplica caucasiana de Idi Amin. No entanto, aquela Espanha sem remorso nem vergonha, acordou para a contestação à democracia na defesa do carrasco que repartia com a Custódia o direito a desfilar sob o pálio, nas procissões pias.

Com a experiência da cruel repressão da Revolução das Astúrias (1934) com tropas da Legião Espanhola, depois da vitória, apoiado pela Alemanha, Itália e Portugal, Franco estimulou durante cinco anos a alucinada chacina de centenas de milhares de pessoas, mortas em campos de concentração, execuções extrajudiciais ou em prisão.

A decisão do destino a dar aos restos mortais do genocida cabe à família, que não pediu perdão ao País, tal como o Vaticano, que esqueceu o apoio de Pio XI, designando como Cruzada a sedição, e a dos bispos espanhóis aos de todo o mundo a manifestarem o seu entusiasmo.

À Espanha democrática cabe dar um funeral digno às vítimas do franquismo e alterar o significado ao lúgubre monumento que perpetuou a memória e a vontade do ditador.

Enquanto não se alteram a constituição e o regime político, e se extinguem os títulos nobiliárquicos, cabe ao governo do PSOE solicitar ao rei a extinção do título de ‘duque de Franco’ que, no dia da moção de censura, que remeteu o PP à oposição, foi assinado pelo ministro da Justiça, Rafael Catalá, proclamando Carmen Martínez-Bordiú como nova duquesa de Franco, com o título que pertencera a Carmen Franco, filha do ditador, e solicitado algum tempo antes pela neta.

Urge fazer justiça para pacificar as feridas da guerra cuja violência foi exercida dos dois lados, e que os vencedores prosseguiram impiedosamente. Urge contar a verdade.

O nacionalismo e o populismo são chagas que dilaceram de novo a Europa, da Áustria à Itália, na própria Alemanha, da Polónia à Hungria. Neste último país, a ajuda altruísta a refugiados passou a crime, punível com prisão. Parece que o exemplo dos EUA, após a eleição de um presidente inculto e amoral, está a singrar na Europa das Luzes, esquecida a sua herança humanista, mas nenhum país reverencia ainda a memória de um déspota.

Rescisões, finanças, orçamento, futebol, modalidades: os dossiers que o Sporting tem para resolver a breve prazo

SPORTING

HÁ 2 HORAS

Bruno de Carvalho ainda é no plano formal líder da SAD do Sporting mas está fora. Há uma Comissão de Gestão, outra de Fiscalização, uma Mesa e "apoiantes". Quem resolve o quê a breve prazo nos leões?

Assembleia Geral do Sporting este sábado teve a maior votação de sempre neste tipo de reunião magna: quase 15 mil pessoas

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Por volta das seis da manhã, Bruno de Carvalho comentou as principais incidências da Assembleia Geral que levou à primeira destituição de sempre de um presidente do Sporting. E fez pela primeira, única e última vez: entre as constantes acusações de que foi uma “golpada” e que a reunião magna estaria cheia de ilegalidades, fechou a porta (sendo que pode sempre abrir-se uma janela com ele…) ao clube não só como dirigente mas também como associado e adepto. Os sócios decidiram, está decidido. Uma era que se pensava ir durar anos a fio foi-se desmoronando e caiu de forma retumbante nos últimos quatro meses.

Agora, o antigo líder que ocupou o cargo durante 63 meses está fora de um jogo que não pode parar. Há questões para resolver para ontem, planificações para dar ordem ao amanhã, matérias que fazem diferença no agora. Também é verdade que algumas se resolvem por si, como aconteceu com o Grupovarius, que anunciou o regresso como parceiro do clube e principal patrocinador do judo verde e branco. Mas há pelo menos cinco dossiers prementes para agarrar a curto prazo. E não foi por acaso que a Comissão de Gestão decidiu marcar uma conferência de imprensa para as 18 horas em Alvalade.

Poderão os jogadores que rescindiram voltar atrás neste cenário?

À exceção de Rui Patrício, que se comprometeu com o Wolverhampton ainda antes de qualquer sufrágio ou decisão em relação ao futuro institucional do Sporting, os restantes oito jogadores que revogaram o vínculo com os leões continuam sem clube (pelo menos que seja conhecido em termos públicos). E ao longo deste sábado, vários sportinguistas que iam falando quer no exterior do Altice Arena, quer nos vários canais televisivos, focavam de forma transversal essa necessidade de falar com William Carvalho, Gelson Martins, Bruno Fernandes, Rodrigo Battaglia, Rúben Ribeiro, Daniel Podence, Rafael Leão e Bas Dost para tentar inverter essa decisão ou, no mínimo, assegurar uma transferência que pudesse beneficiar (ou não lesar) todas as partes. Mas a dúvida, no atual cenário, é a figura para fazer isso: Augusto Inácio é o diretor geral do futebol leonino mas não se sabe ao certo se ficará ou não no futuro; Artur Torres Pereira, bem como os restantes líderes da Comissão de Gestão, não tiveram qualquer ligação com a esfera do futebol à exceção de Sousa Cintra, quando era presidente. Assim, é provável que possa surgir uma figura de “fora”, indicada pelo único elemento não executivo da SAD (da Holdimo) ou pela Comissão de Gestão.

Quem vai ficar com a planificação da época do futebol? E Mihajlovic?

Numa das últimas intervenções públicas, Artur Torres Pereira, líder da Comissão de Gestão que ficará no comando do clube (em relação à SAD são mais as dúvidas do que as certezas), fez questão de sublinhar que Sinisa Mihajlovic não seria a sua opção e que é treinador… para já. Mas há mais questões de relevo para resolver, quando estamos a poucos dias do arranque da temporada a sério do plantel principal depois dos habituais exames médicos: como ficarão os dossiers que estavam a ser negociados, casos de Joel Obi, Fábio Coentrão ou Slimani? Quem recebe e negoceia eventuais propostas que possa aparecer para alguns dos atletas habitualmente titulares que não rescindiram, casos de Piccini, Coates ou Acuña? Quem fecha o calendário da pré-temporada e os adversários nos jogos de apresentação? Muitas vezes pouco falado mas muito relevante, quem agarra na pasta dos jogadores sem espaço em Alvalade mas que mantêm vínculo com os leões? Muitas perguntas, poucas respostas.

Quem vai tratar dos 15 milhões que são necessários até ao final do mês?

Devido ao adiamento do novo empréstimo obrigacionista de 15 milhões de euros (o outro, com o dobro do valor, será apenas uma preocupação maior lá para o final do ano), a SAD verde e branca precisa encontrar esse valor e de uma forma que já estaria mais ou menos prevista antes de tudo isto acontecer: a venda de um ou dois jogadores do plantel principal. Seja entre os que não rescindiram, seja entre aqueles que revogaram o vínculo — um dos nove elementos que entregou a carta apresentou, pouco depois, uma proposta para sair a bemcom um encaixe por valores que Bruno de Carvalho acabou por não aceitar. Aquilo que estaria previsto era apresentar publicamente o prospeto do empréstimo obrigacionista caso não tivesse havido a destituição, como houve e de forma estrondosa. E quem fica, o que fará?

Quem fecha as últimas contratações para as modalidades?

Como é normal nesta fase do ano, os plantéis das modalidades para a próxima temporada estão 90% compostos mas existem sempre aquelas situações pendentes, seja a nível de contratações, seja no âmbito de questões logísticas nos estágios de pré-época, por exemplo.É isso que se passa no Sporting, no futsal, no voleibol ou no hóquei em patins, por exemplo. Quem irá assumir essas decisões? E como serão construídas essas pontes? No plano teórico, a Comissão de Gestão teria essa responsabilidade, mas não foi, pelo menos em termos públicos, apresentada qualquer “divisão de tarefas” entre os 11 elementos encabeçados por Artur Torres Pereira. Depois, outros dois pontos a ter em conta: 1) imaginemos que existe a possibilidade real, como se falou, de Hélder Nunes deixar o FC Porto e assinar pelo Sporting — quem assume o pagamento da cláusula de rescisão? 2) provavelmente existem jogadores já contratados e fotografados ao lado de Bruno de Carvalho — como serão feitos os anúncios?

Quem vai fazer um novo orçamento para o clube (além de apresentar e votar)?

De acordo com os estatutos do Sporting, o orçamento para o exercício da temporada seguinte, neste caso de 2018/19, terá de ser apresentado e votado em Assembleia Geral até dia 30 de junho de cada ano. E era isso que Bruno de Carvalho estava a tentar fazer quando convocou, de uma forma ilegal à luz da decisão dos tribunais, a reunião magna de dia 17 que nunca chegou a acontecer. Agora, com a destituição dos sete elementos do Conselho Diretivo, não há ninguém para apresentar o orçamento. Um orçamento que a Comissão de Fiscalização nomeada por Marta Soares e coordenada por Henrique Monteiro reprovou, num parecer muito crítico até na forma como eram feitas as contas. Neste vazio, quem resolve o problema? E como?

A guerra dos mundos e a desintegração europeia

  por estatuadesal

(Vicente Jorge Silva, in Público, 24/06/2018)

vicente

A Europa está cada vez mais dividida, por motivos vários e até nas páginas do mesmo jornal. Ontem, as páginas de Economia do PÚBLICO abriam com a reforma do euro (que "já não é só uma miragem mas ainda está longe") e as do Mundo com um novo episódio da crise migratória ("Há mais um barco com refugiados a testar a solidariedade europeia"). Ora, os dois temas, apesar das suas diferenças óbvias, são hoje politicamente inseparáveis.

O ensaio teatral da reforma da zona euro, com Merkel a seguir timidamente os passos de Macron – e mesmo assim provocando logo a reacção negativa de 12 países, comandados pela super-ortodoxa Holanda –, surge como uma tentativa de resposta e fuga do eixo franco-alemão a essa crise migratória, explorada de forma cada vez mais histérica pelos populismos em expansão através do continente (e agora encabeçados pela Itália). Merkel pretendia, desse modo, desviar as atenções do dossier mais explosivo e evitar o choque frontal com o seu ministro do Interior, refém dos cantos de sereia populistas, precipitando a queda do actual Governo alemão. Já Macron ter-se-á focado em demasia na reforma do euro, como notava Cécile Ducourtieux no Le Monde, enquanto a urgência está hoje na crise migratória. A verdade é que nem Macron nem Merkel têm respostas efectivas para essa crise e ambos cultivam uma estratégia de dissimulação, tentando esconder a migração com o euro (e mesmo assim lá estão a Holanda e os outros onze a resistir à reforma).

Pouco importa que os populistas dos diferentes quadrantes possam ter interesses nacionais contraditórios sobre a gestão da crise migratória, desde que os fantasmas por eles agitados sejam os mesmos. A irracionalidade não tem fronteiras, como vemos com o agravamento imparável da bestialidade de Trump face ao acolhimento das famílias de imigrantes (ele pode contradizer-se radicalmente entre dois tweets, como aconteceu agora mesmo sobre a Coreia do Norte, sem que a sua base de apoio fique minimamente incomodada, antes pelo contrário: quanto mais doido, melhor).

A guerra dos mundos está declarada entre a civilização e a barbárie, enquanto a Europa corre o risco de caminhar rumo à sua desintegração (económica mas sobretudo cultural), por mais persistente e genuíno que seja o voluntarismo europeísta que queiramos opor aos cépticos, derrotistas e populistas. Ora, uma das razões fundamentais dessa desintegração reside, precisamente, numa dupla incapacidade: a de a Europa integrar os imigrantes e a de os imigrantes se integrarem na Europa (sobretudo depois da fractura provocada pelo islamismo radical e pelo terrorismo que aí obtiveram, por trágica ironia, uma grande vitória estratégica).

Por mais que se argumente a favor da hospitalidade com que deveríamos acolher os refugiados e imigrantes, nenhuma das fórmulas de integração propostas até hoje parece já funcionar, enquanto crescem os fenómenos de rejeição dos que procuram na Europa um novo horizonte para as suas vidas.

Atingimos uma linha vermelha face à qual não existem soluções satisfatórias, pelo menos enquanto a Europa permanecer dividida entre os que se fecham cada vez mais no interior das suas fronteiras nacionais e culturais e os que, em número cada vez mais reduzido, se mostram solidários com os protagonistas das tragédias humanitárias no Mediterrâneo.

Por outras palavras, este é o ponto nevrálgico da sobrevivência da Europa e para o qual nem Macron, nem Merkel nem nenhum outro líder (ou Governo ou instituição) estão hoje em condições de fornecer, para além de uma visão idealista e generosa, uma resposta pragmática consistente.

A Europa vai ou não acordar para a ameaça chinesa?

23/6/2018, 12:27

A Europa captou 3,2 mil milhões de euros para o investimento na produção de veículos eléctricos. Sete vezes menos do que a China! Um quarto dos empregos na indústria está em risco, se a UE nada fizer.



Baixos custos da mão-de-obra e uma agressiva política de estímulo aos veículos eléctricos permitiram ao gigante asiático captar, só em 2017, 21,7 mil milhões de euros para a produção de veículos eléctricos. No futuro, vamos todos conduzir um carro made in China?

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O mais recente relatório divulgado pela Transport & Environment, organização não-governamental que se dedica à promoção de uma mobilidade mais “verde”, nota que a Europa está a ser largamente ultrapassada pela China, o que é tanto mais grave quanto isso acontece num sector-chave para a economia europeia: a indústria automóvel. A T&E partiu de dados que foram tornados públicos, fez as contas e concluiu que, só no ano passado, a China conseguiu captar 21,7 mil milhões de euros para a produção de veículos eléctricos, enquanto a Europa não foi além dos 3,2 mil milhões. Ou seja, sete vezes menos!

O que está em cima da mesa, nota a ONG, é se a Europa vai ou não acordar para estes números, isto é, se vai ou não adoptar políticas que estimulem a captação de investimento neste domínio, à semelhança daquilo que a China e o estado norte-americano da Califórnia fizeram. Sob pena de ver um quarto dos trabalhadores da indústria automóvel europeia, até 2030, perderem os seus postos de trabalho, se continuar de braços cruzados. Um cenário que colide claramente com a janela de oportunidade aberta pelos veículos eléctricos, na medida em que, ainda segundo a T&E, seria possível criar 200 mil novos empregos em toda a economia da UE, através de uma mudança para veículos de baixas e zero emissões produzidos na Europa.

Há vários estudos e trabalhos que apontam nesse sentido, recorda o organismo, tanto mais que as novas metas fixadas em termos de emissões de CO2 obrigam os construtores a fabricar veículos eléctricos ou com algum tipo de electrificação. A dúvida, portanto, é onde é que eles vão ser produzidos: se em solo europeu, ou se importados da China.

Se a Europa quiser colher os benefícios económicos, de emprego e ambientais da transição para a mobilidade eléctrica, tem de adoptar uma política que encoraje activamente o investimento no fabrico de veículos mais amigos do ambiente aqui na Europa, assim como a China e a Califórnia fizeram”, avisa a T&E.

Este alerta ocorre poucos dias antes do encontro dos ministros do Ambiente da UE, que se vão reunir já na próxima segunda-feira, dia 25 de Junho, para discutir o que é preciso fazer em relação às novas regras para as emissões de CO2 em veículos ligeiros. O objectivo, até 2025, é baixar 20% das emissões.

Políticas fortes podem ajudar a Europa a manter sua liderança global na indústria automóvel. Com metas fracas, é provável que a posição da UE e seu sector-chave sejam usurpados pela China”, antecipa a T&E.

O Grupo Volkswagen, a Daimler (Mercedes e Smart) e a Nissan são os maiores investidores na China, impulsionados por uma agressiva política que obriga os construtores a obter créditos para a produção de veículos eléctricos correspondente a 10% do mercado total de ligeiros de passageiros em 2019 e 12% em 2020. Mais, como o Governo chinês só subsidia a produção se a investigação e desenvolvimento (a propriedade intelectual) forem locais, o know-how que a China garante por esta via e os baixos custos da sua mão-de-obra podem ser “assassinos” para a indústria automóvel europeia. Neste momento, o dragão asiático é o que melhor se posiciona para, também no que toca à produção de veículos eléctricos, vir a ser a fábrica do mundo. Isto embora recentemente tenha alterado as regras do jogo, deixando cair a imposição de os construtores de automóveis terem de criar empresas locais em joint-venture com sócios do país – limitação que continuará até 2020, mas que ainda este ano deverá ser eliminada no caso dos veículos eléctricos.

Rio, Negrão e o PSD. Uma semana de contradições

23/6/2018, 16:53

Se a "geringonça" não se entender no OE, não será o PSD a dar a mão ao governo. Antes haja eleições antecipadas. Bancada do PSD revoltada com Rio depois de raspanete via jornais. Negrão por um fio.

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Foi uma semana de contradições no PSD de Rui Rio. Começou com as jornadas parlamentares na Guarda, onde ficou claro que a animosidade entre o líder do partido e os deputados ainda não está sarada. Seguiram-se recuos e inflexões discursivas sobre a posição do PSD em relação à guerra do governo com os professores, e muita contra-informação sobre o que fará o PSD na votação do Orçamento do Estado. Terminou com a cereja no topo do bolo: uma desautorização de Rio à direção da bancada parlamentar sobre a votação da redução do imposto sobre combustíveis. O “raspanete” foi dado via jornais e Fernando Negrão nem telefonou a Rui Rio depois de ter visto a notícia. Foi preciso o secretário-geral José Silvano fazer de árbitro, dizendo que Rio e Negrão iriam almoçar juntos nos próximos dias para acertar estratégias.

O almoço deverá acontecer nesta segunda-feira, segundo o Diário de Notícias, com Fernando Negrão a deslocar-se ao Porto preparado para dar um murro na mesa em nome da defesa da autonomia da bancada parlamentar face à direção do partido. “Foi marcado um almoço nos próximos dias e todo este ambiente de alguma tensão vai ficar resolvido e articulado, não tenho qualquer dúvida”, disse na sexta-feira José Silvano à agência Lusa no rescaldo da polémica lançada. Ao que o Observador apurou, a bancada, incluindo a direção da bancada (mais afeta a Rui Rio), ficou revoltada com a desautorização pública dada pelo presidente do partido ao líder parlamentar. Ainda por cima porque foi um raspanete dado em praça pública, via jornais.

Tudo começou quando, esta sexta-feira, uma “fonte da direção” do PSD afirmou à agência Lusa que o partido não tinha gostado de ver a bancada parlamentar decidir, “completamente à revelia”, votar a favor do projeto de lei do CDS que previa a “eliminação do adicional do imposto sobre produtos petrolíferos”. Isto porque o PSD, na pessoa de Rui Rio, não concordava que o Parlamento aprovasse um diploma que viesse a diminuir a receita no Orçamento do Estado, achando que é ao Governo que cabe decidir se precisa de receita ou se pode abdicar dela. Ainda para mais depois de Rui Rio ter ido às jornadas parlamentares, na Guarda, dizer aos deputados que não cabe ao PSD “empurrar o Governo para a irresponsabilidade”, sendo essa a tarefa do PCP e do BE. Ao PSD, nas palavras de Rio, cabe antes apresentar propostas responsáveis e fazer ver que o suposto “milagre económico” do governo é apenas “aldrabice”.

Fonte parlamentar assegura ao Observador que o sentido de voto do PSD sobre as quatro iniciativas relativas à redução do imposto sobre os combustíveis foi decidido em reunião da direção da bancada, tendo sido perguntado explicitamente a Fernando Negrão se a questão estava articulada com o presidente do partido. Negrão terá respondido que tudo estava articulado. Mas algo correu mal pelo caminho. Acontece que Rio e Negrão tinham abordado o tema dos combustíveis há cerca de um mês, tendo decidido que a estratégia do PSD seria, não apresentar um projeto de lei (que tem força vinculativa, se for aprovado), mas sim um projeto de resolução (que se limita a recomendar uma ação ao governo). A ideia era que a recomendação pusesse o ónus no governo mas deixasse claro que o PSD queria garantir o princípio da neutralidade fiscal e não queria pôr em causa a norma-travão, que impede que os partidos legislem sobre qualquer aumento de despesa ou perda de receita a meio do ano orçamental em curso.

O projeto de resolução do PSD foi aprovado, com o voto favorável do CDS e a abstenção do PCP e BE. Mas para ter o voto favorável dos centristas, o PSD teve de dar também o seu voto favorável ao projeto de lei do CDS, mesmo fazendo ressalvas de que teria de ser melhorado na especialidade para não pôr em causa a norma-travão. O projeto de lei do CDS foi, assim, aprovado, não só com o voto a favor do PSD (porque só esse não chegava) mas com a abstenção dos partidos da esquerda mais à esquerda. E Rui Rio não gostou. Problema: os deputados também não gostaram que Rui Rio lhes tivesse mandado aquela alfinetada publicamente, deixando passar uma imagem de desautorização e de fraca autonomia da bancada.

Será com esta postura de “isto não pode voltar a acontecer” que Fernando Negrão se vai dirigir a Rui Rio no almoço de segunda-feira. O episódio desta sexta-feira foi a gota de água na já muito tensa relação entre Rio e a bancada parlamentar, depois de, no início da semana, o presidente do PSD ter sido recebido de forma muito pouco calorosa nas jornadas parlamentares da Guarda. Ao Observador, vários deputados queixaram-se da relação fria que o líder do partido mantém com a bancada, sabendo de antemão que aquela não foi uma bancada escolhida por si mas pelo anterior líder — e que, consequentemente, tem anticorpos. “Não faz nenhum esforço para cativar”, diz um deputado, lembrando que Rio apenas foi às jornadas para a sessão de encerramento e, quando chegou, foi aguardar para uma sala fechada, em vez de “fazer conversa” com os deputados.

No discurso aos deputados, Rio quis evidenciar qual é a sua receita para os próximos meses, na oposição, quer os deputados gostem ou não: ser colaborante com o governo, acutilante nas críticas e sério nas propostas. “Esta foi a receita que eu, desde que estou na vida pública, sempre apliquei. Até à data deu resultado, pode haver um dia em que não dará. E fi-lo sempre contra ventos e mares”, disse. A ideia é passar uma imagem de político-sério — uma imagem de que, à partida, a classe política não goza, e os deputados, em particular, muito menos. Para isso, Rio obrigou Fernando Negrão a fazer marcha-atrás no seu discurso inicial sobre as reivindicações salariais dos professores, assumindo para este tema a mesma postura que tinha para o tema dos combustíveis: se o governo prometeu, deve cumprir, se não cumpre é porque não há milagre económico, e é isso que deve explicar aos portugueses, pedindo desculpa.

Em todo o caso, um dos highlights que ficou do discurso de Rio na Guarda, sublinhado por vários deputados, foi a admissão de um cenário de derrota eleitoral — disse-o duas vezes durante o discurso de quase 40 minutos. E isso foi outra coisa que os deputados não gostaram de ouvir.

PSD vai mesmo votar contra Orçamento do Estado

Outra contradição que marcou a semana social-democrata foi a postura do PSD no debate orçamental que vai arrancar depois do verão. A questão que se põe, perante a posição “colaborante” assumida por Rui Rio face ao governo de António Costa, é saber se o PSD admite dar a mão ao governo na aprovação do Orçamento do Estado para 2019 caso as negociações à esquerda falhem.

Fernando Negrão, justamente à margem das jornadas parlamentares, começou por admitir esse cenário ao Observador. O líder parlamentar disse que o mais provável era a geringonça manter-se unida na hora H, mas não deu como garantido o voto contra dos sociais-democratas por não conhecer ainda o documento. O passo seguinte surgiu pela voz de Silva Peneda, um dos ministros-sombra escolhidos por Rui Rio para o Conselho Estratégico nacional. Em entrevista ao Público e Renascença, Silva Peneda defendeu que o PSD devia negociar com Costa caso falhasse o entendimento à esquerda porque era a favor da “estabilidade dos mandatos”.

As declarações do ministro-sombra de Rio para a área da Solidariedade, contudo, não caíram bem no partido. Rui Rio, questionado sobre elas durante uma conferência de imprensa no Porto, começou por dizer que não estava “minimamente zangado com Silva Peneda” e que se recusava recusa a “liderar um partido em que as pessoas não possam falar com sinceridade”, mas acabaria a dizer que dificilmente o PS irá apresentar um orçamento que vá ao encontro dos interesses do PSD.

Também o vice-presidente do partido Salvador Malheiro afirmou na sexta-feira que a posição do PSD sobre o OE 2019 estava “longe de ser” a posição de José Silva Peneda. “Naturalmente que não representa a posição oficial do PSD, é a posição de uma referência da social-democracia, que falou a título individual. A posição do PSD está longe de ser essa veiculada pelo dr. Silva Peneda”, disse Salvador Malheiro em declarações à Lusa.

De acordo com o semanário Expresso, a ideia de Rio é, de facto, contrária à de Silva Peneda. “Seria suicídio político” aprovar um Orçamento do PS no atual quadro parlamentar, disse fonte da direção do PSD aquele jornal, garantindo que Rio prefere um cenário de eleições antecipadas caso a “geringonça” rompa durante a discussão orçamental — cenário em que não acredita verdadeiramente — do que dar a mão ao governo apenas para aguentar mais uns meses até às eleições de outubro de 2019. A verdade é que o próprio Marcelo Rebelo de Sousa, e inclusive o próprio António Costa, já fez saber que se o último Orçamento da legislatura não for aprovado por via da “geringonça”, a atual solução governativa cai por terra.

Para já, as questões do PSD são internas e Rui Rio tem de olhar para dentro. O almoço de segunda-feira com Fernando Negrão é o primeiro passo para, como disse José Silvano, “acertarem estratégias”. A hora de olhar para António Costa ainda não chegou.