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terça-feira, 10 de julho de 2018

Sem tempo para nervosismos

Opinião

Mariana Mortágua

Hoje às 00:09

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No Bloco de Esquerda nunca vimos o acordo com o PS ou a maioria parlamentar como um embaraço ou uma contrariedade. O programa de Governo do PS, tal como a sua atuação, estão muito longe do que achamos necessário para construir um futuro melhor para o país. Mas, em 2015, fomos confrontados com dois desafios, que aceitamos: i) começar a responder às urgências sociais deixadas pela Direita, e ii) usar a relação de forças existente para negociar avanços em áreas essenciais: combate à precariedade, justiça fiscal, liberdades individuais, serviços públicos, etc.

Durante estes três anos, e em três orçamentos, fomos uma força empenhada em cumprir ambos os desafios. Propusemos e formamos grupos de trabalho com o PS; negociamos medidas ao cêntimo, às vezes durante meses. Sempre que possível, como na precariedade ou na reforma do IRS, fizemos compromissos, por vezes longe do nosso ponto de partida. Noutras matérias, como na venda de bancos ou no acordo com os patrões para a redução da TSU, não acompanhámos o Governo, nem o nosso compromisso eleitoral o permitiria. Somos críticos e exigentes, mas agimos sempre com lealdade e competência porque levamos muito a sério as expectativas criadas no país.

Nos últimos tempos, depois da ascensão de Rui Rio no PSD, a atuação do PS face à maioria parlamentar alterou-se. Nas carreiras, o Governo fez tábua rasa do compromisso orçamental sobre o tempo de serviços dos professores; na lei laboral, acordou em segredo com os patrões medidas contrárias ao acordo com o Bloco; na saúde, colocou Maria de Belém no caminho da elaboração conjunta de uma lei de bases proposta por Arnaut e Semedo; no ISP ignorou o compromisso de neutralidade fiscal.

Agora, membros de topo do Governo desdobram-se em declarações, dizendo-se vítimas de ultimato por parte do Bloco. Não houve nem há ultimato. O que há é a exigência de ver cumpridos os compromissos assumidos pelo Governo, para que o último orçamento seja negociado como os anteriores - atempadamente, de forma séria e consistente. Não nos interessam os simulacros. Estamos cá para negociar, resolver problemas e terminar a legislatura. E tudo será mais fácil se o PS controlar o seu nervosismo pré-eleitoral e regressar ao espaço da maioria parlamentar que sustentou até agora o Governo. Com vontade de diálogo e de soluções que reforcem - e não que enfraqueçam, como no trabalho ou nos professores - o sentido dessa maioria.

DEPUTADA DO BLOCO DE ESQUERDA

segunda-feira, 9 de julho de 2018

O BPN (ainda) compensa

09/07/2018 by João Mendes 2 Comments

A Parvalorem é uma empresa pública, que gere os activos tóxicos resultantes da trafulhice levada a cabo por um grupo de cavaquistas criminosos, que destruíram o BPN e imputaram uma factura estratosférica aos contribuintes portugueses, sem que rigorosamente NADA do particularmente grave lhes tenha acontecido.

Em 2017, a Parvalorem pagou prémios de desempenho a altos quadros da empresa, grande parte dos quais provenientes da administração do BPN que destruiu o banco e asfixiou a economia portuguesa, num total de aproximadamente meio milhão de euros.

Os funcionários da Parvalorem que auferem salários mais baixos, como não poderia deixar de ser, foram excluídos deste gesto de generosidade publico-privado. Já António José Duarte, antigo assessor e braço direito de Oliveira e Costa, foi um dos felizes contemplados.

O dirigente máximo da Parvalorem chama-se Francisco Nogueira Leite, fez escola na JSD e esteve com Pedro Passos Coelho numa outra festa publico-privada, chamada Tecnoforma.

O que vale é que temos o Bruno de Carvalho para capturar toda a indignação deste país. Ou qualquer dia ainda nos indignamos a sério com a pulhice do sistema bancário e com a promiscuidade politica que gravita à sua volta. Mas para isso teríamos que deixar de ser cordeirinhos fofinhos, não era?

Fonte: Aventar

USA e NATO esmagam a União Europeia em crise

  por estatuadesal

(Manlio Dinucci, In Rede Voltaire, 08/07/2018)

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Recusando-se imediatamente a assumir a sua independência perante os Estados Unidos e a submeter-se à influência dos contestatários europeus, um grupo de Estados liderados pela França optou por reforçar a sua subordinação à NATO.

O Presidente Trump continua limitado pelo sistema dos EUA a defender a NATO, presentemente, a principal ferramenta do imperialismo transnacional. Apesar das suas tentativas, os seus vassalos recusam libertar-se e agir por conta própria. Ele continua a política dos seus antecessores: infantilizar os europeus e instigá-los contra a Rússia. Antecipando uma possível dissolução da União Europeia, uma parte dos seus membros vincularam-se um pouco mais à NATO.


Duas Cimeiras, ambas em Bruxelas, num espaço de duas semanas, representam a condição da situação europeia.

A reunião do Conselho Europeu, em 28 de Junho, confirmou que a União, baseada nos interesses das oligarquias económicas e financeiras, relativos às grandes potências, está a desmoronar-se devido a conflitos de interesses e não apenas devido à questão dos migrantes.

O Conselho do Atlântico Norte – no qual participarão, em 10 e 11 de Julho, os Chefes de Estado e de Governo dos 22 países da UE (num total de 28) membros da Aliança (com a Grã-Bretanha de saída da União) - reforçará a NATO sob comando USA.

O Presidente Trump terá, assim, na mão, cartas mais fortes na Cimeira bilateral que acontecerá cinco dias depois, a 16 de Julho, em Helsínquia, com o Presidente Vladimir Putin, da Rússia. O que o Presidente dos EUA estabelecerá na mesa de negociações dependerá fundamentalmente da situação da Europa. Não é segredo que os EUA nunca quiseram uma Europa unida como aliada paritária. Durante mais de 40 anos, aquando da Guerra Fria, têm-na mantido subordinada e na primeira linha de confronto nuclear com a União Soviética.

Em 1991, acabada a Guerra Fria, os Estados Unidos temem que os aliados europeus possam questionar a sua liderança ou considerar a NATO como inútil, ultrapassada pela nova situação geopolítica. Daí a reorientação estratégica da NATO, sempre sob comando USA, reconhecida pelo Tratado de Maastricht como “fundamento da defesa" da União Europeia e o seu alargamento para Leste, ligando os antigos países do Pacto de Varsóvia ainda mais a Washington do que a Bruxelas.

Durante as guerras pós-Guerra Fria (Iraque, Jugoslávia, Afeganistão, novamente o Iraque, Líbia, Síria), os Estados Unidos negoceiam em segredo com as principais potências europeias (Grã-Bretanha, França, Alemanha) repartindo com elas, áreas de influência, enquanto das outras (incluindo a Itália) conseguem o que querem sem concessões consideráveis.

O objectivo fundamental de Washington é não só manter a União Europeia numa posição subordinada, mas, sobretudo, impedir a formação de uma área económica que abranja toda a região europeia, incluindo a Rússia, ligando-se à China através da Nova Rota da Seda que está a surgir. Daí, em 2014, com a crise na Ucrânia (durante a Administração Obama), a nova Guerra Fria que fez explodir na Europa, sanções económicas e a escalada da NATO contra a Rússia.

A estratégia de "dividir e reinar", isto é, de dividir para dominar, primeiro disfarçada sob roupagens diplomáticas, está agora exposta à luz.

Ao reunir-se em Abril com o Presidente Macron, Trump propôs que a França saísse da União Europeia, oferecendo condições comerciais mais vantajosas do que as da União Europeia. Não sabemos o que estão a decidir em Paris. É significativo, contudo, o facto de que a França tenha lançado um plano que prevê operações militares conjuntas de um grupo de países da UE, independentemente dos mecanismos de decisão da própria União Europeia: o acordo foi assinado em Luxemburgo, em 25 de Junho, pela França, Alemanha, Bélgica. Dinamarca, Holanda, Espanha, Portugal, Estónia e pela Grã-Bretanha, que assim, poderá participar após a sua saída da UE, em Março de 2019.

A Itália, especificou a Ministra da Defesa francesa, Parly, ainda não assinou por “uma questão de detalhes, não de substância”.

O plano foi, de facto, aprovado pela NATO, pois "completa e fortalece a prontidão das forças armadas da Aliança". E, sublinha a Ministra da Defesa italiana, Trenta, visto que “a União Europeia deve tornar-se um produtor de segurança a nível global; para fazê-lo, deve reforçar a sua cooperação com a NATO ".

Demissões no Reino Unido. Theresa May insiste no “soft Brexit”, Europa reage com ironia

BREXIT

HÁ UMA HORA

A primeira-ministra britânica agradeceu aos dois ministros demissionários, mas insistiu nos planos para um "soft Brexit". Prova de que há consenso no governo britânico, ironizou Jean-Claude Juncker.

OLIVIER HOSLET/EPA

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A primeira-ministra britânica, Theresa May, reafirmou esta segunda-feira os seus planos para um “soft Brexit”, depois das demissões dos ministros David Davis e Boris Johnson em desacordo com a líder do governo sobre o futuro das relações entre Reino Unido e União Europeia depois do Brexit.

Numa sessão parlamentar na Câmara dos Comuns, Theresa May agradeceu a David Davis e Boris Johnson pelo seu trabalho no governo. Segundo o The Guardian, May agradeceu a Davis por ter ajudado a fazer a legislação do Brexit passar no Parlamento britânico e lembrou a “paixão” de Johnson na promoção de um Reino Unido global no mundo.

David Davis (ministro para o Brexit) e Boris Johnson(ministro dos Negócios Estrangeiros) demitiram-se esta segunda-feira por não concordarem com um acordo aprovado na última sexta-feira entre os membros do governo britânico e que propõe que o Reino Unido negoceie com Bruxelas um “soft Brexit”.

Davis e Johnson, dois grandes defensores do Brexit — Johnson foi aliás um dos principais rostos da campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia –, saem em desacordo com Theresa May num movimento que pode dar origem a uma moção de censura interna que pode levar à queda da primeira-ministra.

Apesar de ter agradecido aos dois ministros pelo seu trabalho, Theresa May sublinhou que vai manter os seus planos para o Brexit e insistiu que o caminho está descrito no documento aprovado pelo governo na última sexta-feira, lembrando que uma saída sem acordo com a UE teria consequências graves para as duas partes.

A primeira-ministra afirmou ainda que o Parlamento tem legitimidade para rejeitar qualquer proposta apresentada pelo governo, mas lembrou que uma rejeição terá “consequências”.

Líderes europeus irónicos

Os principais líderes políticos da União Europeia também já reagiram às demissões no governo britânico. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse, irónico, que “isto claramente prova que havia uma grande unanimidade de opiniões no governo britânico”.

Pablo Pérez @PabloPerezA


Também o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, já falou das demissões, destacando que “os políticos vão e vêm, mas os problemas que criaram para as pessoas mantêm-se”.

“Só posso lamentar a ideia que a ideia do Brexit não tenha ido embora com Davis e Johnson. Mas… quem sabe?”, escreveu no Twitter.

Tailândia. “Há dois dias isto parecia o fim do mundo. Agora já não”

09 Julho 2018

Cátia Bruno

O drama na gruta de Tham Luang mobilizou muitos voluntários que estão a fazer tudo para ajudar. Depois do medo e do pessimismo, surgiu agora a esperança. Reportagem da enviada especial à Tailândia.

Reportagem em Mae Sai, Tailândia

Tinha passado apenas um dia do desaparecimento dos 12 jogadores da equipa de futebol Moo Pa (Javalis Selvagens, em tailandês) e do seu treinador, Ekkapol Chantawong, quando Aun decidiu oferecer-se como voluntário para ajudar nas buscas. O bombeiro, de 44 anos, vive em Mae Sai e sentiu que era seu dever usar a sua experiência para ajudar a encontrar as crianças. A decisão, contudo, preocupou a família — ir para a gruta de Tham Luang é um risco real, como se vê.

“Toda a gente na minha família está muito preocupada. Estão todos juntos desde o primeiro dia em que isto começou e eu vim para aqui”, conta o bombeiro. “A minha mãe chorou, quando soube que eu vinha”, acrescenta Aun, que prefere não se identificar pelo seu verdadeiro nome — as autoridades têm pedido às equipas de salvamento para não se identificarem e para serem contidos nos contactos com os media, para não colocar em risco a operação.

Apesar disso, Aun aceita falar um pouco sobre a sua experiência como voluntário. Está de passagem pelo centro de imprensa de Pong Pha, para vir buscar mais material, quando se cruza com o Observador. O fato preto com tiras prateadas e os símbolos cosidos nas mangas (um amarelo no braço direito com uma cruz vermelha, do outro lado a bandeira da Tailândia) denunciam que faz parte das equipas no local da caverna. Nos últimos dias, a sua tarefa tem sido a de levar o que é necessário até à gruta, seja comida ou material. Mas, nos primeiros dias, enquanto os fuzileiros da Marinha tailandesa não chegavam,também ele ajudou a procurar dentro da gruta pelas 13 pessoas desaparecidas.

“Eu estava tão triste nesses dias”, diz, relembrando que também ele tem uma filha pequena, de quatro anos. “Mas quando os encontrámos foi uma felicidade. Hoje estou ainda mais feliz, porque arranjámos uma maneira de os retirar de lá.” Mal Aun sabia, a esta altura, que daí a umas horas faria parte de mais uma operação de resgate bem sucedida esta segunda-feira.

Tudo pelos “bons rapazes” de Mae Sai

Este é o sentimento comum partilhado por todos os voluntários no centro de imprensa de Pong Pha, para onde os jornalistas foram levados depois de se ter iniciado a operação de resgate. Do outro lado da estrada nacional, ergue-se a montanha de Doi Nang Non, uma massa de verde a perder de vista, rodeada de nuvens e neblina. Por baixo dela está o sistema de grutas de Tham Luang, onde desde esta segunda-feira só quatro das crianças e o seu treinador de 25 anos ainda permanecem.

A montanha de Doi Nang Non. Por baixo dela situa-se o sistema de grutas de Tham Luang, onde ainda estão encurralados quatro crianças e um adulto (CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

No primeiro dia a seguir ao resgate dos primeiros quatro adolescentes, o ambiente em Pong Pha foi de alegria. “Estou tão feliz!” repetem todos os voluntários, no seu inglês esforçado. Os sorrisos no rosto não enganam — há um grande alívio por perceber que a primeira fase da operação foi bem sucedida. Os voluntários repetem assim com mais afinco as diferentes tarefas que vão tendo a seu cargo: cozinhar, transportar material, descarregar paletes de água, oferecer café aos jornalistas… Tudo o que for preciso, eles lá  estão. São na sua maioria mulheres, mas não só — a maior parte dos cozinheiros são homens, facilmente distinguíveis pelas jalecas profissionais de chefe de cozinha, identificadas como sendo da Chefs Association from Chang Rai.

[Veja aqui o vídeo, gravado na manhã de segunda-feira, da enviada especial do Observador à Tailândia]

Na cozinha improvisada há woks de tamanho gigante, onde se cozem pernas de frango e vegetais com um molho picante. Ao fundo, há um sistema de cestos de metal para cozinhar o arroz a vapor. Ao lado, uma mesa onde se estabelece uma linha de montagem: há quem coloque o arroz em saquinhos, outros fazem o mesmo com o frango e os vegetais, e depois passam a um terceiro grupo, que fecha os sacos com elásticos coloridos. Por fim, o final da linha coloca os sacos em cestas e leva-os a outro lado do centro, onde voluntárias vestidas de amarelo disponibilizam a comida a quem a pedir, sem ter de pagar nada. Boonjira Chi Wadkla Non está na equipa de primeiros socorros, como o seu colete azul escuro com uma cruz vermelha deixa perceber. “Quero ajudar a curar as pessoas”, diz.

Narongsak Osot-tanakorn, responsável pelo comando da operação, fala aos jornalistas sobre o resgate de segunda-feira (GETTY IMAGES)

Isso não a impede, contudo, de se oferecer para outras tarefas e, a certa altura, junta-se à linha de montagem, fechando saquinhos. “Nos últimos dias chorei muito”, conta ao Observador, antes de levantar uma manga da camisola e mostrar a grande nódoa negra que traz no braço esquerdo. “Nem sei como fiz isto, foi a dormir. Deve ter sido dos nervos”, comenta.

Boonjira, à semelhança do bombeiro Aun, também é de Mae Sai. Gere uma pequena loja que vende bugigangas e souvenirs, conta, enquanto exemplifica o tipo de produtos que vende mostrando as pulseiras que lhe abanam no pulso. Ao contrário de muitos outros voluntários, que vêm da cidade maior de Chiang Rai, Boonjira conhece os rapazes que estão na gruta e as suas famílias. “Sou amiga de muitos dos pais”, confirma. “Estamos a falar de pessoas normais, eles não são ‘dos grandes’, se é que me entende. Muitos deles são agricultores e não têm muito dinheiro”, conta a mulher de 52 anos. “E os miúdos, são todos tão bons rapazes!”, diz, juntando as duas mãos como se rezasse.

Talvez por conhecer de perto a maioria das crianças, Boonjira revela-se um pouco mais apreensiva do que a maioria dos voluntários. “Agora estou muito feliz, claro”, afirma, referindo-se ao resgate das primeiras quatro crianças (o segundo grupo ainda não tinha sido resgatado a esta altura). “Mas quero que os outros também venham cá para fora. Ainda estou um bocadinho com medo”, diz, enquanto coloca com destreza um elástico azul em volta de um saco de plástico cheio de arroz e lhe dá um nó.

Patcharin, de 58 anos, não conhece os jogadores do Moo Pa, mas também ela chorou quando soube da notícia. “Fiquei em choque, só pensava na minha filha”, conta, apesar de a filha em questão já ser uma mulher adulta de 34 anos. “Vive em Banguecoque, é cantora. Anda à procura de um homem!”, conta Patcharin, soltando uma gargalhada sonora. Todos os dias esta professora de formação sai do seu trabalho (que atualmente é dar aulas numa prisão) e vem ter ao centro de imprensa. Veste a camisola amarela que alguns voluntários envergam, põe um lenço ao pescoço, veste um avental por cima e põe mãos à obra. “Cozinho, carrego coisas de um lado para o outro, faço o que for preciso”, conta a habitante de Chiang Rai. “Esta situação é nova e inesperada, tinha de vir.”

De olhos postos na montanha, do outro lado da estrada, fala sobre as crianças, com ênfase nos que ainda estão encurralados: “Não os conheço, mas parecem bons rapazes: jogam futebol, o que é um bom hobby”, diz. “Espero que tenham hipóteses. Têm de ter um bom futuro e vir a ser boas pessoas”, remata, soltando nova gargalhada.

Nações Unidas no centro de imprensa de Pong Pha

Para além do amarelo das camisolas da maioria dos voluntários, outra cor dá nas vistas — o verde da farda escolar de alguns alunos do secundário que se juntaram aqui. Chanthima Sangchan, de 17 anos, e Jurarat Aphiwong, de 16, estão sentadas debaixo do placard onde são afixados os postais enviados de todo o país, com mensagens de força. No centro, um grande coração em vermelho tem as palavras Moo Pa escritas em tailandês, com um animal improvisado — um urso? um leão? — desenhado.

As duas alunas de Mae Sai são tímidas, de olhos no chão, mas aceitam traduzir o que dizem os postais. “Lutem!”, diz um, onde alguém desenhou 13 figuras presas num buraco, rodeadas de cor. “Vamos esperar por vocês”, diz outro. “Salvem-se”, pede uma terceira mensagem. “A minha mãe está muito preocupada com isto tudo”, conta Chanthima. Nem consegue imaginar como estariam os seus pais se fosse ela a ficar presa dentro daquela caverna — é “demasiado difícil”, diz. Jurarat, cujo aparelho colorido nos dentes não a impede de ser a mais sorridente do grupo, consola-a, sublinhando que os rapazes na gruta “são fortes”. “Sim, hoje já não é um problema tão grande”, responde a amiga. “Há dois dias isto parecia o fim do mundo. Agora já não.”

Daqui a uma semana, as duas adolescentes têm exame geral, mas preferem estar aqui do que a estudar — e os pais apoiam a decisão. “Eles dizem-me ‘faz uma coisa boa’”, diz Chanthima. Piya Wat Korn concorda: “Já não tenho muitas aulas este ano. Estava em casa sem fazer nada, é bem melhor estar aqui”, explica o rapaz de 17 anos, que pede para ser tratado pela alcunha Blue. Embora só conheça de vista os rapazes do Moo Pa, pois andam em escolas diferentes, Blue está preocupado: “Quando me avisaram que eles estavam presos na gruta, pensei que era uma piada. Não estava tempo para aquela chuva. Lembro-me que nessa tarde não havia chuva nenhuma… Mas à noite choveu tanto, tanto!”

Nos tempos mortos, entre descarregar e transportar sacos com melancia e manga fresca cortada, os adolescentes entretêm-se com os seus telemóveis. Quase todos souberam da notícia do desaparecimento da equipa de futebol ou pelo Facebook, ou porque algum amigo lhes disse pelo telemóvel. Não conhecem Portugal, mas fazem muitas perguntas. “És do país do Cristiano Ronaldo?”, pergunta Chanthima, a voz ficando mais aguda com o entusiasmo. “Ó meu Deus, ele é tão bonito!”, diz, soltando um gritinho. Jurarat também mostra interesse: “Quantos voos apanhaste para chegar aqui? Posso adicionar-te no Instagram?”, pergunta, ao fim de algumas horas. Pedido de amizade aceite e é então que a adolescente diz, olhos nos olhos, com um sorriso rasgado: “Prazer em conhecer-te.”

O contacto com os jornalistas estrangeiros deixa a maioria dos habitantes de Mae Sai — muitos deles que nunca na vida foram sequer a Banguecoque — animados. Colocam nas mãos de todos pratos com noodles, bananas e oferecem café e bolos. A maioria não consegue falar inglês, mas tenta. Sentem-se gratos pela atenção de que têm sido alvo: “Obrigada ao mundo todo por ter vindo cá”, faz questão de dizer a socorrista Boonjira. São quase mil pessoas concentradas nesta cidade de 22 mil habitantes, conhecida por ser a cidade mais a Norte da Tailândia e ponto de passagem para os que querem atravessar a fronteira para Myanmar. Há câmaras por todo o lado, diretos a serem feitos em línguas como o finlandês ou o hindi e uma operação logística de monta.

Por aqui, nunca se viu nada assim — mas também em Mae Sai nunca se esteve à beira de uma tragédia (para já evitada) como a que pende por cima dos rapazes de Moo Pa e do seu treinador e antigo monge budista, Ekk. As equipas de resgate, do outro lado da estrada, continuarão esta terça-feira a fazer o seu trabalho para trazer de volta os que faltam. Perante a sombra da montanha de Doi Nang Non, todos dão o seu melhor e contribuem com o que podem, na esperança de que as próximas operações corram tão bem como a primeira — e agora como a segunda.

“Como podes ver, toda a Tailândia quer estes rapazes fora da gruta”, diz o bombeiro Aun. “Temos a unidade necessária para o conseguir”, acrescenta, antes de entrar na carrinha e seguir em nova viagem para a entrada da gruta de Tham Luang. Horas depois, já à noitinha, as esperanças ganham forma maior com o anúncio de que mais quatro rapazes foram retirados da gruta esta segunda-feira, numa operação bem sucedida. Sentados nas mesas do centro, rodeados de toda a comida que andaram a distribuir todo o dia e do lixo acumulado em volta, os voluntários sorriem.