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domingo, 23 de setembro de 2018

Sócrates e o PS

  por estatuadesal

(Por Júlio, in Aspirina B, 22/09/2018)

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(Já fui xadrezista, e há jogos raros, mas deveras interessantes. Por vezes é preciso sacrificar a rainha para dar xeque-mate ao rei adversário. Espero que, RFC, um visitante regular deste blog, me acompanhe desta vez neste meu comentário... 

Estátua de Sal, 22/09/2018)


José Sócrates declarou que o PS “foi cúmplice de todos os abusos” que sofreu por parte da justiça. Não deu mais esclarecimentos sobre a cumplicidade dos socialistas. Ora ser cúmplice significa, no caso em apreço, participar moral ou materialmente em delitos ou abusos criminosos. A acusação é grave, mas, pelo seu carácter genérico e aparentemente emocional, não parece ter outra consequência, senão a de involuntariamente contribuir para ilibar o PS de António Costa de qualquer possível acusação de intromissão na justiça a favor de Sócrates – acusação que estava obviamente implícita na histérica encenação produzida pela direita em torno da sucessão de Joana Vidal.

Algumas perguntas me ocorrem, porém.

– Será que Sócrates exige que o PS, António Costa ou o governo interfiram no processo judicial, advogando a sua causa, censurando a actuação do MP e dando assim a imagem de um partido, um primeiro-ministro e um governo que não se conformam com a independência do poder judicial?

– Será que o político experimentado José Sócrates ignora que é essa a ratoeira que o bando que congeminou a Operação Marquês estende a António Costa, ao PS e ao actual governo?

– Será que Sócrates ignora que o dito bando espera impacientemente que lhe seja oferecido o mínimo pretexto para tentar envolver António Costa e os dirigentes e governantes socialistas na Operação Marquês, salpicá-los de suspeitas de conivência e corrupção, fazer deles coacusados, colocá-los sob vigilância pidesca, etc.?

Não parto do pressuposto de que Sócrates se deva deixar imolar em benefício da causa socialista ou do governo. Desejo que ele prove em tribunal a sua inocência, denunciando todas as tramóias que a Operação Marquês, a nova PIDE e a comunicação social de direita lhe armaram. Nesse combate pessoal, mas em que não está inteiramente só, José Sócrates deveria estar ciente de que a pior ajuda que poderia ter neste momento seria precisamente qualquer tipo de “apoio” do governo de António Costa ou do PS.

Portugal Colónia da França e da China

  por estatuadesal

(Dieter Dellinger, 22/09/2018)

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O aumento dos preços da eletricidade e o sistema de formação de preços são um autêntico ato de guerra contra Portugal.

A direita quer que o Governo reduza o IVA da eletricidade, enquanto os estrangeiros que controlam a produção e distribuição aumentam os preços sem qualquer necessidade.

Apesar de estarmos no fim do verão, as barragens batem o seu maior recorde de sempre de enchimento nesta época. As da bacia do Douro estão com 71% da sua capacidade máxima e a 22 de Setembro o máximo a que estiveram foi de 66%. As da bacia do Tejo estão com 75% e nunca estiveram nesta época acima dos 65%. Isto, apesar de terem despejado uma bocado de água para encher certas praias fluviais em que Marcelo Rebelo de Sousa foi tomar banho. Sem isso, as barragens teriam mais 2 a 4% de água.

Os produtores chineses estão a fazer um preço grossista de 71 Euros por MWh que é um dos valores mais elevados de sempre. Há dois anos, o preço do mercado era de 44 Eu/MWh com seca intensa. Estamos a ser ROUBADOS por estrangeiros.

O preço contratado pelos distribuidores é feito por parcelas: primeiro o mais barato das eólicas e fotovoltaicas, depois o do carvão e do gás natural ou petróleo e por fim o mais caro deste ano, o das barragens. Este último preço mais ALTO torna.-se o preço a receber por todos os produtores. Contudo, a água não subiu de preço e, como disse, o enchimento foi o maior de sempre. Porque razão o preço é o mais alto de sempre?

Qualquer das formas de eletricidade produzida por uma dada técnica nada tem a ver com as outras, pelo que é uma LADROAGEM eleger o preço mais alto como o que deve ser aplicado a todos os produtores que ficam mais que satisfeitos em vez de se fazer uma média de todos os preços.

Isto é feito no âmbito de uma mercado ibérico e Portugal é, neste aspeto, apenas uma colónia de interesses chineses, espanhóis e, talvez, outros. O Mexia é uma espécie de governador colonial muitíssimo bem pago pelos chineses.

Basta analisar nos relatórios do Banco de Portugal as variáveis da balança de pagamentos para ver a quantidade de dinheiro, milhares de milhões, que vão para fora devido à venda descontrolada feito por Passos Coelho, Paulo Portas e Assunção Cristas dos principais bens da Pátria.

Nos aeroportos é a mesma coisa, as taxas aumentam e nada é feito pelos colonizadores franceses da Vinci para desbloquear o acesso aeronáutico a Portugal. Arranjaram o traidor de nome Ferreira para fazer uma queixa a Bruxelas contra o possível impacto ambiental negativo que provocaria a transformação do base aérea do Montijo em aeroporto civil como se os aviões militares não a utilizassem há muitas décadas.

A eletricidade é o bem principal de uma economia cada vez mais automatizada e robotizada e com mais computadores e com viaturas ligeiras e pesadas a eletricidade e comboios também. Desde o telemóvel à lâmpada elétrica, passando pelas máquinas das fábricas, computadores, etc., tudo carece de eletricidade. Estando ela na mão dos chineses por via de um "Tratado Injusto" firmado com o governo Passos e Portas, Portugal passou a ser uma país meio colonizado como era a China no século XIX e primeiras décadas do século XX.

Somos uma colónia a carecer de um movimento de LIBERTAÇÂO que tem de passar por uma justiça NACIONAL que investigue o que foi corrupção.

Repare-se que uma tecnológica portuguesa, quase desconhecida, encaixou mais na Bolsa de Nova Iorque que o governo de Passos na venda da Pátria a FdP chineses, franceses e outros.

VIVA PORTUGAL

sábado, 22 de setembro de 2018

Depois admirem-se!

22/09/2018 by Ana Moreno Leave a Comment

Foto: pictura alliance/dpa; Merkel, Seehofer e Nahles

O país está parvo. “Inacreditável”, “incompreensível”, “inaceitável”, “fantochada”, “uma farsa”, é o que se ouve sem cessar da maioria dos cidadãos e de grande parte dos seus representantes políticos.

Resumidamente, a inconcebível história (ainda por finalizar) é a seguinte:

26 de Agosto: Em Chemnitz, na Saxónia, (leste da Alemanha) um cidadão alemão de 35 anos é esfaqueado até à morte numa briga ocorrida durante um festival de rua. Os suspeitos, dois refugiados (um sírio e um iraquiano) são detidos.

Foi isto pretexto para a extrema-direita, que nesta região da ex-RDA tem a sua principal sede, desatar a atacar em manifestações violentas pessoas com aparência estrangeira. O número de manifestantes de extrema-direita e a rapidez com que se reuniram contrastou com a suspeita incapacidade da polícia (já pelo insuficiente número) de reagir à altura.

28 de Agosto: Merkel condena publicamente o acontecido: “O que se viu em Chemnitz não tem lugar num país onde prevalece o Estado de Direito. Temos imagens de pessoas a serem perseguidas, de gangues de manifestantes, demonstrações de ódio nas ruas. Não consigo salientar suficientemente que isto é incompatível num Estado de Direito. Referindo-se a um vídeo em que se viam dois homens estrangeiros a fugirem de perseguidores, Merkel classificou as perseguições como “caçadas coletivas”.

1 de Setembro: Quatro manifestações em Chemniz. 8.000 adeptos da extrema-direita/neonazis, saem à rua. Protestando contra ela, 3.000 pessoas. A polícia, desta vez, a postos. 18 feridos e 37 detidos. Ataque a jornalistas.

3 de Setembro: “Nós somos mais” – Concerto ao ar livre em Chemniz, contra a extrema-direita e a xenofobia – 65.000 pessoas.

7 de Setembro: Hans-Georg Maaßen, director do serviço de inteligência alemão (Gabinete Federal de Defesa da Constituição, BfV), contradiz Merkel, minimizando os protestos xenófobos e a violência de extrema-direita em Chemniz – afirmando que não tinha “informações fiáveis sobre quaisquer “caçadas” terem acontecido” em Chemnitz e questionando a veracidade dos vídeos que mostravam pessoas a correrem atrás de imigrantes nas ruas da cidade, afirmando que poderiam ser “fake news”. O ministro do Interior, Horst Seehofer (CSU), vem a público defender Maaßen.

Entre 12 e 17 de Setembro: A polémica aumenta. Maaßen volta atrás, afinal as imagens são verdadeiras. Vários partidos da oposição e o SPD, que integra a coligação no governo (CDU, CSU e SPD), exigem a demissão de Maaßen. A tensão na coligação aumenta. Uma reunião de urgência entre Merkel (CDU), Andrea Nahles (líder do SPD) e Seehofer (líder do CSU) acaba sem resultados e uma nova reunião é marcada para 18 de Setembro.

18 de Setembro: Ao fim de várias horas de reunião, um comunicado anuncia o compromisso alcançado: Maaßen é demitido do BfV; mas é destacado para outro posto no ministério do Interior, ficando sob a tutela de Seehofer. Uma vitória política para o ministro. Como secretário de Estado no ministério do Interior, Maaßen acaba assim por ser promovido e o seu salário mensal aumentado em 2.505,30 Euros. Para aquecer mais ainda a situação, Seehofer despede do seu ministério Gunther Adler, do SPD, para possibilitar a entrada de Maaßen.

A consternação e indignação são generalizadas. Comentário do Ex-líder do SPD, Sigmar Gabriel: “Se a deslealdade e a incompetência no cargo passam a ser recompensadas com saltos de carreira, Horst Seehofer tem a chance de se tornar secretário-geral da ONU. Isto é uma loucura.”

Nahles, sob o fogo cerrado do seu partido, vem explicar que Seehofer ameaçou romper a coligação se Maaßen fosse despedido e que não estava disposta a que uma questão ao nível do pessoal impossibilitasse a governação (o fracasso da coligação significaria muito provavelmente a realização de novas eleições).

Pois bem. Este resultado é tão absurdo, que demonstra à evidência o que de mais podre há na política, provocando a descrença até nos cidadãos mais sensatos e empurrando para as garras do AfD (o partido da extrema-direita) os que já tinham tendência para o populismo. Tudo isto porque Seehofer está decidido a atacar Merkel por todos os meios – ele que está em perigo de perder o cargo depois das eleições regionais da Baviera, em 14 de Outubro próximo. Por sua vez, Merkel não quer arriscar uma ruptura com o “partido irmão”, em especial em véspera das eleições regionais. Porém, a falta de uma resposta enérgica é interpretada por muitos como fraqueza da chanceler. Por seu lado, Nahles está sob enorme pressão dentro do partido, devido aos fracos resultados eleitorais e à rejeição, por cerca de 40% dos membros, de participação do SPD na actual coligação. Claro que depois desta fantochada, a última sondagem apresenta resultados ainda mais baixos. O AfD, pelo contrário, passou a segundo maior partido.

Encostada à parede, Nahles escreveu ontem a Merkel e Seehofer apelando a uma reconsideração da decisão: As reacções em larga medida negativas da população mostram que nós nos enganámos. Minámos a confiança, em vez de restabelecê-la. Isso deveria ser para todos nós motivo para fazermos uma pausa e repensarmos o que foi acordado” escreve a líder do SPD”. E declara: “Manifestamente, é incompatível com o sentido de justiça de muitas pessoas que o Sr. Maaßen, embora demitido como resultado de seu trabalho, seja simultaneamente promovido noutro cargo”.

Mas em que planeta vive esta gente que nos governa??? Não entra pelos olhos adentro de qualquer pessoa que isto é inadmissível??? Como é possível que nem sequer se apercebam de que uma promoção não é uma punição e que se alguém não é competente para um cargo, por declarações que o aproximam da extrema-direita, também não o é para outro cargo de alta responsabilidade?

Merkel anunciou ontem que o caso vai ser reconsiderado este fim de semana pelos três líderes, procurando-se uma “solução viável”.

Seja qual for o resultado, a credibilidade da política está de rastos e não admira. E o governo está por um fio. É assim que se reforça a extrema-direita.

A segunda pele: o telemóvel

  por estatuadesal

(António Guerreiro, in Público, 21/09/2018)

Guerreiro

António Guerreiro

O Liceu San Benedetto, da cidade italiana de Piacenza decidiu fazer uma experiência radical: banir os telemóveis do início ao fim de cada dia de aulas, incluindo os intervalos. À entrada da primeira aula de cada dia, os alunos são obrigados a introduzir os seus telemóveis numa bolsa que os bloqueia completamente. Nenhuma utilização clandestina é possível porque nenhum aluno detém o código de abertura da bolsa.

Entrevistados por uma televisão italiana, alguns alunos mais condescendentes falam da experiência como um castigo benévolo que lhes é infligido e que consiste, diz um deles, “em fazê-los sentir fora do mundo”. Mas outros há que parecem ecoar as palavras de Kurtz, em O Coração das Trevas: “The horror, the horror”. É o caso de uma rapariga que diz que é “uma das piores torturas”, uma coisa “terrificante” que não deseja a ninguém.

Devemos salientar: estamos em Itália, o paraíso do telefonino. Mas hoje, para onde quer que orientemos o radar, só uma pequena minoria consegue não se sentir fortemente afectada pela privação do telemóvel. Já não é um aparelho que se tem ou não se tem: é um “instrumento absoluto” que, na sua ausência, nos faz sentir em estado de privação.

Quem, nos anos 90 do século passado, experimentou viajar de comboio de Munique para o Norte da Itália, ficava pasmado com um contraste gritante: após a paragem na primeira estação italiana, em Bolzano, acabava-se a tranquilidade e instaurava-se o casino italiano. Na altura, grande parte dos alemães ou ainda não tinha telemóvel ou achava que tal objecto não era para ser usado despudoradamente, diante dos outros passageiros da carruagem.

Hoje, quer se entre em Itália pelos Alpes suíços, quer se entre pelos Alpes austríacos, as fronteiras já são muito menos marcadas. E certamente que do outro lado há pedagogos e directores de escolas a olhar muito interessados para a experiência italiana.

Logo após o aparecimento do telefonino, Umberto Eco escreveu uma das suas crónicas a desvalorizá-lo, a mostrar que a comunicação instantânea permitida pelo telemóvel servia motivos fúteis e nenhuma questão de vida ou de morte estava aí em jogo. Alguns anos depois, reviu e corrigiu essa crónica e formulava deste modo a questão: “Podemos ainda viver sem telemóvel”? Podemos, claro, mas entretanto muita coisa mudou na nossa vida e sentimos que se abre um abismo aos nossos pés quando colocamos a hipótese de voltar à era antes do telemóvel.

Quando reescreveu essa crónica, já outro italiano, um filósofo bem conhecido, Maurizio Ferraris, tinha escrito o seu tratado de Ontologia del telefonino. Assim reza o subtítulo de um livro de 2011, que se chama Dove sei? (onde estás?) e é ilustrado com a foto de um judeu a pôr um telemóvel colado ao muro das lamentações.

Para Ferraris (que entretanto se tornou um dos filósofos mais polémicos em Itália por causa de um “manifesto do novo realismo”), o telemóvel é um objecto filosoficamente interessante, ao ponto de suscitar uma ontologia, na medida em que a pergunta pertinente para o telefone fixo, “Quem é?” passou a ser, para o telemóvel, “onde estás?”.

Do outro lado, sabemos sempre quem é, a não ser que o telemóvel tenha sido roubado, porque o aparelho é quase como uma impressão digital. O que não sabemos é onde está: pode estar em qualquer parte do mundo, inclusivamente a poucos metros de nós, tão acessível por via vocal como pelas ondas que dão instantaneamente a volta ao mundo para regressarem quase ao ponto de partida.

Outra transformação radical: não podemos ignorar que alguém nos telefonou, deixou de ser possível dizer que não sabíamos de nada. Agora, se não respondemos, temos de arcar com a responsabilidade do nosso silêncio.

Por que é que devíamos estar todos a ler o 1984?

  por estatuadesal

(Pacheco Pereira, in Público, 22/09/2018)

JPP

Pacheco Pereira

É hoje muito mais importante para ler nas democracias do que nas ditaduras, porque o que ele diz para as democracias, para a defesa das democracias das investidas autocráticas dos dias de hoje, cada vez o sabemos menos.


Poucos livros são tão importantes para os nossos dias do que o 1984, de George Orwell. É hoje muito mais importante para ler nas democracias do que nas ditaduras, porque o que ele diz sobre as ditaduras totalitárias já todos o sabemos (e o sabem os que lutam contra elas), mas o que diz para as democracias, para a defesa das democracias das investidas autocráticas dos dias de hoje, cada vez o sabemos menos. O reducionismo do 1984 a um panfleto antiestalinista, ou mais genericamente anticomunista, e o seu esquecimento como uma distopia datada de há já quase 25 anos são um erro e reduzem o património escasso de grandes obras literárias e políticas, de que precisamos, mais do que nunca, nos dias de hoje.

Orwell percebeu o caminho para o mundo actual de fake news, de relativização da verdade e dos factos, da “verdade alternativa”, do tribalismo, do combate ao saber a favor da ignorância atrevida das redes sociais, da crise das mediações a favor de uma valorização da pressa, do tempo instantâneo, do fim do tempo lento, do silêncio, e da pseudopresença num mundo de comunicações vazias, ideal para o controlo afectivo, social e político. Orwell sabia que o Big Brother estaria feliz nos dias de hoje com o permanente ataque a toda a espécie de delegação de poder pelos procedimentos das democracias, ou pelas hierarquias da competência e do saber, a favor de um falso empowerment igualitário, que enfraquece os mais débeis, os mais incultos, e os mais pobres, mas dá mais poder aos poderosos, aos ricos, aos que estão colocados em lugares decisivos por nascimento, herança, ou amoralidade. Descreveu, pela primeira vez no 1984, o mundo da manipulação e geral degenerescência da linguagem, das palavras e das ideias. Um mundo onde quem manda reduz as palavras em circulação a uma linguagem gutural, a preto e branco, sem capacidade expressiva e criadora, mas também desprovida da capacidade de transportar raciocínios e argumentos lógicos, mas apenas banhar-nos em pathos. Ele escreveu uma distopia, nós vivemos nessa distopia. Uma das fontes do 1984 foi o conhecimento que tinha do totalitarismo comunista e em particular a sua experiência na Guerra Civil espanhola, que lhe serviu também para escrever Animal Farm. Mas a outra fonte importante do livro foi a sua experiência na BBC, na comunicação social em tempo de guerra e no papel que esta tinha na própria guerra como arma. Arma de propaganda, mas também arma de manipulação, através da chamada “propaganda negra” ou daquilo a que mais tarde os serviços soviéticos deram o nome de “desinformação”. Orwell conjugou estas duas fontes, de origem muito diversa, numa interpretação do valor da verdade, e da ideia de que quem controla as palavras controla as cabeças e o poder. A isto Orwell acrescentava algo que sabia estar ausente do mundo da ideologia, uma genuína compaixão pelos “danados da terra”, pelos que nada tinham, e é a eles que dá a capacidade de revolta: “If there is hope, it lies in the proles.”

Dois exemplos mostram a manipulação das palavras, que é hoje uma actividade especializada e lucrativa de agências de comunicação e publicidade, de assessores de imprensa e de outros amadores de feiticeiros na Internet, já para não falar dos serviços secretos: um, de há uma semana na América de Trump, o grande laboratório do Big Brother; e outro dos nossos anos do lixo, entre a troika e o Governo PSD-CDS. No primeiro caso, trata-se do interrogatório do candidato a juiz do Supremo Tribunal Ben Kavanaugh, em que as mesmas armas, espingardas de tiro automático ou semiautomático, são descritas como “armas de assalto” (“assault weapon”), pelos que defendem o seu controlo, ou como “espingardas de desporto modernas” (“modern sporting rifles”), como entendem os defensores da interpretação literal da Segunda Emenda, para quem o direito de ter, transportar e exibir armas é intangível.

O exemplo português é um entre muitos dos anos do Governo da troika-PSD-CDS, que começam a ser perigosamente esquecidos. Quando começaram os cortes em salários, pensões, reformas, despesas sociais, durante dois ou três dias, mesmo os membros do Governo usavam a expressão verdadeira de “cortes”. Depois, de um dia para o outro, e de forma concertada, deixaram de falar de “cortes” para falar em “poupanças”. O mais grave é que, como no mundo do Big Brother, a expressão começou a impregnar a linguagem comum, a começar pela da comunicação social, que nesses dias e nalguns casos até hoje mostrou uma especial capacidade de ser manipulada pelo “economês”. Leia-se pois o 1984, ou “releia-se”, que é a forma politicamente correcta de se dizer que se leu sem se ter lido, até porque é um livro que não engana ninguém logo à primeira frase: “Era um dia de Abril, frio e cheio de sol, e os relógios batiam as treze horas.”