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domingo, 18 de novembro de 2018

Terrorismo

  por estatuadesal

(José Preto, advogado de Bruno de Carvalho, 18/11/2018)

jpreto

Pode revelar-se no plano da conduta individual - suicidária, como a de Richard Durn em Nanterre, ou temerária, como a de Theodore Kaczynski – ou no da conduta de uma organização. Houve grupos muito pequenos, como o grupo Stern, ou o grupo Baader e estruturas vastas, como a ETA que receberam essa classificação.

Pode ser expressão de uma oposição política, ou opção política de um regime para manter o poder. Começou aliás por aqui. Houve o regime do terror, antes do aparecimento do terrorismo como classificação. Embora não se mostre ainda sedimentado como conceito, terrorismo é uma imputação de violência política. A meramente militar não basta, embora possa caber na designação, porque é remetida para o rol dos crimes de guerra.

Sem intencionalidade política não há terrorismo.

Há portanto terrorismo de estado, hoje remetido à clandestinidade do Estado, na maior parte dos casos, mas nem sempre. Às vezes é aspecto complementar de actos de guerra, declarada ou não declarada, como a eliminação de dirigentes politicos rebeldes, o assassinato de chefes de estado hostis, ou a paralização de organizações militantes como foi o caso da Opération Satanique, pela qual se visou afundar e afundou o Rainbow Warier, assassinando o luso descendente Fernando Pereira.

Igualmente há terrorismo mantido por organizações militantes, em muitos casos num combate pela independência nacional, por ideários religiosos, ou em combate por ideários politicos religiosamente neutros, ou ainda hostis à religião de estado. Violência e política, portanto. Violência-política, por consequência.

A continuação da política por outros meios, em síntese. Uma opção que cabe na concepção de guerra, tal como a definia von Clauswitz. Protagonizada no quadro da assumpção, pessoal ou colectiva, de um poder informal, isto é, poder materialmente afirmado e conhecido, como ameaça, designadamente, mas sem qualquer estatuto formal, nem o de beligerante. E poder, claro. Uma soberania que se afirma informalmente no quadro de poder de um Estado e o desafia (e ameaça) por isso.

Bem entendido, o quadro internacional do reconhecimento da legitimidade da luta empreendida pode alterar tudo. Concretamente no caso do Direito dos Povos à insurreição. Assim, por exemplo, os braços armados das organizações políticas curdas, diga o que disser Erdogan, têm estatuto de beligerantes. Não são terroristas a não ser na terminologia oficial do governo Turco.

O alvo da violência-política, aqui, é sempre o Estado, sejam quais forem as baixas, sejam civis ou militares. O alvo é o estado, mesmo que os propósitos criminosos de um outro estado – em actuação clandestina - visem militantes de legítimas causas civis, como ocorreu no assassinato de Fernando Pereira pelo efeito da ordem criminosa de Miterrand, que atingiu evidentemente a Nova Zelândia, sob a tutela de cuja soberania estavam a propriedade e as vidas dos militantes da Green Peace no porto de Auckland e cujas fronteiras foram evidentemente violadas.

Questão interessante seria saber se uma “jacquerie”, amotinamento guiado pelo simples intuito de destruir as praças e insígnias estatais - como nas rebeliões camponesas medievas - mas sem projecto político da tomada de poder, seria ainda terrorismo. Diria que sim.

Mas já não assim o ámoque – com o qual brincava o Eça – fenómeno que nos era alheio e se identificara na Malásia, definindo a circunstância inesperada de um homem sair da sua cabana, de catana na mão, começando a matar indiscriminadamente quem lhe aparecesse na frente. Isso hoje surge nas sociedades ocidentais, com os massacres nas escolas por estudantes deprimidos ou em revolta, ou pelo alvejamento a tiro, felizmente mais raro, dos automobilistas em qualquer estrada. Aterroriza, claro. Mas não é terrorismo. Tem alcance político, evidentemente. Mas não tem propósito político assumido. A guerra de gangs também não é terrorismo. O hooliganismo também não. A sova dada, ou encomendada, visando, por exemplo, o rival que disputa as atenções da namorada, igualmente não é terrorismo. As explosões violentas de cólera em conflito num bar, ou numa discoteca, não são terrorismo também.

Há uma redacção legal, no caso português, a suscitar dúvidas escusadas. É preciso passar a contratar, para as assessorias com o alcance da redacção material da Lei, gente que saiba ler e escrever... Já no Segredo de Estado é a mesma coisa. A rapariguinha tropeçou nos números dos artigos e ninguém o notou a tempo. É preciso ler aquilo respeitando a natureza das coisas, evidentemente. E estar mais atento antes de promulgar asneiras talvez não fosse pior.

Aplaudir a tortura, o sangue e a morte

Ladrões de Bicicletas


Posted: 17 Nov 2018 06:33 AM PST

«Podem dar as voltas que quiserem, mas as touradas são a exibição pública da tortura de um animal, que é esfaqueado para enfraquecer e depois, no caso das touradas de morte (...) ser morto. (...) As histórias ridículas de como os defensores das touradas “amam os touros” (sic), de como prezam a valentia dos animais, de como o “touro bravo” enobrece os campos do Ribatejo, para depois ser trazido à arena de tortura e morte como se esse fosse o seu destino teleológico, a cultura machista da “coragem” perante os mais fracos (o touro é o mais fraco dentro da praça), devem pouco a pouco envelhecer no passado. É isso mesmo que chamamos civilização. O mundo em que vivemos é duro, desigual, injusto, violento. Quem saiba história sabe que não há maneira de o tornar limpinho, higiénico, pacífico, nem em séculos, quanto mais numa geração. Mas acabar com as touradas, com a tortura dos touros para satisfação sádica das massas, é um passo no bom sentido. Porque senão vivemos na pior das hipocrisias em que matar ou tratar mal um cão e um gato pode levar à prisão — e bem —, mas em que no meio de cidades e vilas de uma parte do país podemos aplaudir a tortura, o sangue e a morte.»
José Pacheco Pereira, Os que “amam” muito os touros e os torturam e matam
«Há um momento nas touradas em que o touro, muito ferido já pelas bandarilhas, o sangue a escorrer, cansado pelos cavalos e as capas, titubeia e parece ir desistir. Afasta-se para as tábuas. Cheira o céu. Vêm os homens e incitam-no. A multidão agita-se e delira com o sangue. O touro sabe que vai morrer. Só os imbecis podem pensar que os animais não sabem. Os empregados dos matadouros, profissionais da sensibilidade embaciada, conhecem o momento em que os animais "cheiram" a morte iminente. Por desespero, coragem ou raiva (não é o mesmo?), o touro arremete pela última vez. Em Espanha morre. Aqui, neste país de maricas, é levado lá para fora para, como é que se diz? ah sim: ser abatido. A multidão retira-se humanamente, portuguesmente, de barriga cheia de cultura portuguesa, na tradição milenar à qual nenhuma piedade chegou. (...) Que será preciso para acabar com a tradição da tourada? Que sobressalto do coração será necessário para despertar em nós a piedade pelos animais?»
Paulo Varela Gomes, Morrer como um touro

Os Estados Soviéticos Unidos da América

Novo artigo em Aventar


por j. manuel cordeiro

Jim Acosta, da CNN, deverá as credenciais da Casa Branca restauradas, determina  juiz [NYT]

A história é simples. Uma semana antes das eleições intercalares nos EUA, a campanha republicana usou diariamente o tema da caravana a caminho das suas fronteiras. A Fox News, também conhecida pelo Canal Trump, chegou ao ponto de ter um repórter infiltrado nessa caravana. O objectivo óbvio foi usar o populismo do medo como arma eleitoral. Naturalmente, na noite da eleição, Acosta perguntou a Trump pela caravana. Afinal de contas, o próprio presidente usou-a constantemente nos seus comícios. Como merdas que é, não deixou que a pergunta fosse concluída nem se dignou responder. Passou, isso sim, a insultar o repórter. E, por fim, a porta-voz da Casa Branca, Sarah Huckabee Sanders, anunciou que o acesso de Acosta à Casa Branca tinha sido revogado, justificando a decisão com recurso a um vídeo manipulado por Alex Jones, o conhecido maluco da extrema-direita. Ou seja, Trump acusa a CNN de fake news e, sem surpresa, constata-se que essas fazem parte da natureza da sua administração.

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sábado, 17 de novembro de 2018

A EUROPA RESISTE

  por estatuadesal

(Clara Ferreira Alves, in Expresso, 17/11/2018)

cfa

Clara Ferreira Alves

(Ó dona Clara, eu já tinha ouvido chamar ao vórtice actual do capitalismo financeiro muita coisa menos "algoritmos opacos". Só há opacidade na percepção de como está a ser administrado o mundo actual, para quem não sabe o que é a taxa de lucro, nem nunca leu nada sobre a sua tendencial queda, que está a ser combatida com o recurso à mundialização das desigualdades. 

Se o parágrafo acima é muito esotérico para o capricho da pluma eu faço uma síntese, parafraseando o Bill Clinton: "It's the inequality, stupid"! E, a Europa, não resiste, não. Há muito que alinhou na dança.

Comentário da Estátua, 17/11/2018)


O mundo parece cada vez menos percetível e controlável, organicamente administrado por algoritmos opacos.


Não foi assim há tanto tempo. Novembro de 1989. Em frente a um muro cinzento e grafitado, um homem toca violoncelo saudado pelo Rato Mickey, que diz “Willkommen in Est-Berlin”. Est está riscado com um X negro. As pessoas caminham para cá e para lá, atravessando a fronteira desfeita. Junto do homem está um grupo que o abraça, grato pelo bocado de História, tão importante como os bocados arrancados que durante meses se venderiam nas ruas como recordação do dia da queda do Muro de Berlim. O homem é o violoncelista russo Mstislav Rostropovitch, “Slava”, um dos grandes músicos do século XX. Slava estava exilado nos Estados Unidos, depois de ter sido perseguido pelo regime de Moscovo e privado da cidadania soviética, país ao qual só regressaria em 1990.

A queda do Muro representou um dos momentos sinfónicos da Europa, quando as cicatrizes das duas guerras pareciam sarar de vez, deixando um risco na superfície do continente unido pela união das duas Alemanhas e o colapso da União Soviética. Putin era então um funcionário dos serviços secretos em Dresden, e considerou o assalto ao quartel-general da Stasi a suprema humilhação da Mãe-Rússia. Moscovo ficou em silêncio e ele meteu-se no Trabant e desandou, farejando a derrota. Putin ainda não existia. Merkel ainda não existia. E Trump, símbolo do egotismo e ganância de Nova Iorque nos anos 80, dava entrevistas onde dizia coisas como adoro ter inimigos, combato os meus inimigos, adoro levá-los ao tapete. Em janeiro de 1989 foi capa da “Time” e o narcisismo patológico levou o jornalista a perguntar-lhe se já tinha tentado a psicoterapia. Os atuais donos das democracias iliberais da Europa de Leste, herdeiros das autocracias que os precederam, massacrados pela História dupla e triplamente, ainda não existiam. Os políticos amados eram Mandela e o checo Václav Havel, um escritor dissidente que se tornou Presidente da Checoslováquia. O humanismo era o sentimento dominante na Europa e a vitória da democracia e do capitalismo liberal conduziram a pena de Francis Fukuyama para “O Fim da História”, título do qual se arrependeu mil vezes.

A História continuou, ou como marcha encenada do kitsch supremo, como a viu Milan Kundera em premonição, ou como relação de causa e efeito.

Muitas coisas terríveis aconteceram nos anos 80, não sendo a menor delas a epidemia de sida e a devastação que causou, mas o sentimento geral, e o tal humanismo como gesto natural, logo criaram uma planetária angariação de fundos para o tratamento e descoberta da vacina. Ou o Live Aid e o We Are The World, para ajudar África. Este era o ar do tempo.

O otimismo do final dos anos 80, que culminou com a queda do Muro, fez da década de 90 uma década prodigiosa que começou com a libertação de Nelson Mandela e o fim do apartheid. A primeira Guerra do Golfo não enevoou o otimismo, e os exércitos americanos deixaram cem mil corpos iraquianos no deserto julgando ter neutralizado Saddam, sitiado em Bagdade. O conflito israelo-palestiniano caminhou para os acordos de paz de Oslo. Em África, o genocídio do Ruanda, em 1994, também não conseguiu destruir a convicção de que a humanidade caminhava para um amanhã de prosperidade e liberdade.

Para um jornalista, as duas décadas, 80 e 90, foram privilegiadas. A História oferecia um acontecimento por dia.

No dia 11 de setembro de 2001, o sonho liberal estilhaçou-se. E a América reagiu como um grande animal ferido. Em 2007, a crise financeira fez o resto. E, pouco a pouco, começámos a perceber que o admirável mundo novo não era assim tão admirável. De cidadãos passámos a consumidores, a nova ordem mundial inverteu-se e perverteu-se com o gigantismo e o apetite aquisitivo da China, a América das hipotecas deu cabo dos bancos da Europa e impôs uma austeridade cujas consequências são visíveis no esfarelamento da União Europeia e no ‘Brexit’. Depois do otimismo do alargamento, o pessimismo da contração. O Médio Oriente veio morrer nas nossas praias. E a revolução digital aliada à inteligência artificial é usada para controlar uma humanidade dependente e viciada.

Hoje, olhamos para um planeta onde nos comportamos como o vírus que mata o hospedeiro. A democracia iliberal ganha eleições, a extrema-direita alemã ameaça a Europa, o fascismo ganha em Itália, e Mr. Trump deixou de vender condomínios. Muitos jornalistas proletarizaram, trivializaram ou foram decapitados, real e metaforicamente. Os cidadãos consumidores consomem os conteúdos que eles mesmos ou o seu grupo insistentemente, neuroticamente, geram. Os políticos perderam prestígio e autoridade. As pessoas deixaram de se interessar pela verdade. E as artes entraram no remake, na repetição, na elegia ou na distopia. A biografia comezinha, a que Alexandre O’Neill chamava a vidinha, é hoje o centro da tragédia.

O mundo parece cada vez menos percetível e controlável, organicamente administrado por algoritmos opacos.

Resta a memória. Como se viu pelas cerimónias do Dia do Armistício, que o Presidente Emmanuel Macron, devoto do simbolismo, encenou junto ao Arco do Triunfo para mostrar ao mundo que a Europa resiste.

Nem mais um contrato diário

  por estatuadesal

(Isabel Moreira, in Expresso, 17/11/2018)

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(Uma vergonha, a fazer lembrar esse excelente e emblemático filme de Elia Kazan, "Há lodo no cais".

Um governo, supostamente "de esquerda" não pode permitir práticas de contratação deste jaez. E se são legais, mudem-se as leis.

Comentário da Estátua, 17/11/2018)


Ricardo tem 33 anos e trabalha há uma década no Porto de Setúbal. No entanto, dez anos de trabalho não são considerados um emprego permanente. Para os empregadores, Ricardo continua a ser um "trabalhador eventual", cuja função seria suprimir necessidades temporárias.

Conta à TSF que vive de contratos diários. "Todos os dias somos escalados por turno. Cada turno que efetuamos é um contrato novo". O primeiro turno diário corresponde a oito horas de trabalho, o segundo corresponde a sete. Muitas vezes, Ricardo faz ambos no mesmo dia.

O caso de Ricardo está muito longe de ser único. Corresponde à situação de 90% dos trabalhadores do Porto de Setúbal, de acordo com o Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística (SEAL).”

(Fonte: TSF)

Esta violência laboral justifica a greve da SEAL, a qual quase paralisou o Porto de Setúbal. O efeito é esse porque os trabalhadores precários, tratados como espécie de escravos ao dia, como gente com funções alegadamente não permanentes, afinal são absolutamente indispensáveis ao movimento do Porto de Setúbal.

Não me interessa entrar na história toda, que pode ser lida nas notícias, não me interessa saber se a ACT acordou agora, interessa-me isto:

É intolerável que em 2018 cheire a Estado Novo. Estes trabalhadores são evidentemente essenciais à empresa, têm funções permanentes e não sabem o que seja um contrato de trabalho com os direitos a ele associados. Acordam na incerteza. Sabem que vão trabalhar. Não sabem por quantas horas, a que valor, qual a duração do abuso. Nada os acode numa situação de doença. O seu “mínimo de existência” é grosseiramente validado pela entidade empregadora entre o nascer do sol e a noite escura.

Se há matéria a que a esquerda não pode ser indiferente é esta.

Estes trabalhadores têm de ver a sua situação de facto reconhecida, têm de ter segurança no emprego, absoluta liberdade sindical e direito ao trabalho digno, com retribuição justa, pondo fim a esta “praça da jorna” ou “praça da vergonha”.

Conseguem imaginar a situação relatada pela TSF?

"Todos os dias somos escalados por turno. Cada turno que efetuamos é um contrato novo". O primeiro turno diário corresponde a oito horas de trabalho, o segundo corresponde a sete. Muitas vezes, Ricardo faz ambos no mesmo dia”.

É, pois, de louvar que os trabalhadores se recusem a trabalhar enquanto a entidade empregadora - a empresa Operestiva - não assinar contratos de trabalho permanentes com todos os precários (parece que perante as consequências da paralisação, houve uma proposta manhosa de dar trabalho a uns quantos).

Solidariedade no combate é isso.

Solidariedade pelo combate deve ser toda.

Nem mais um contrato diário.