Posted: 03 Dec 2018 02:02 AM PST
Para lá de Merkel, o Presidente Macron, para usar a fórmula de um dos seus vários apoiantes nacionais, tem emergido como a grande esperança do europeísmo dominante na opinião deste rectângulo. Como indicam as orientações de política de Macron, de resto conformes à lógica profunda da economia política da integração europeia, trata-se de uma presidência dos mais ricos, pelos mais ricos e para os mais ricos.
Numa situação cada vez mais degradada, não admira que a sua popularidade seja hoje inferior à de Sarkozy e de Hollande na mesma altura dos seus mandatos, sendo rejeitado por três quartos dos franceses. Está a seguir o caminho de outra das esperanças do europeísmo, lembrem-se, o bufão italiano Renzi.
A raiva popular, bem racional nestas desgraçadas conjuntura e estrutura, tem estado, uma vez mais, nas ruas, com cada vez mais coletes amarelos. Uma ampla maioria apoia os protestos. Muito mais importante do que a sua causa imediata, do que o rastilho, é a questão social com uma expressão geográfica, a França periférica, que emerge em toda a sua amplitude. Esta expressão de um potencialmente poderoso contramovimento nacional-popular, culminando na exigência política da demissão de Macron, tem sido enquadrada politicamente, mas não tem sido dirigida.
Neste contexto, há quem queira resgatar a melhor tradição das esquerdas. Há quem não alinhe na enésima versão dos “deploráveis”. Insultar as classes populares tornou-se de novo uma das especialidades do elitismo liberal, um vírus que atinge também sectores de esquerda, os que têm medo a tudo o que mexe em baixo.
Haja quem perceba, não sem contradicções e hesitações, que populismos, tal como nacionalismos, há muitos. De resto, e como diz o economista político Jacques Sapir, “esta revolta é objectivamente contra o Euro”. Lá chegaremos.
O que acontece a um ministro que viola a lei?
Posted: 02 Dec 2018 11:14 AM PST
Há uma coisa que confunde neste caso da greve dos estivadores do porto de Setúbal. E essa perplexidade decorre da leitura de uma disposição do Código do Trabalho que está em vigor.
É sobre o direito à greve, constitucionalmente previsto.
Artigo 535.º
Proibição de substituição de grevistas
1 - O empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respetivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim.
2 - A tarefa a cargo de trabalhador em greve não pode, durante esta, ser realizada por empresa contratada para esse fim, salvo em caso de incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação das necessidades sociais impreteríveis ou à segurança e manutenção de equipamento e instalações e na estrita medida necessária à prestação desses serviços.
3 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos números anteriores.
No porto de Setúbal, a empresa contratou trabalhadores de fora da empresa para acudir a uma acumulação no porto de carros por embarcar, produzidos pela Autoeuropa, em consequência da greve dos trabalhadores dessa empresa. Essa era a sua força: jogar o poder da Autoeuropa e peso do Estado português contra uma empresa que comete ilegalidades ao contratar precariamente quem devia ter um contrato permanente. Em vez de acudir a esse fundo da questão, o Governo mobilizou recursos públicos para proteger a vinda e a entrada trabalhadores de fora, para realizar o trabalho que os trabalhadores, numa justa, legal e tempestiva greve, não queriam fazer. Mas ao fazê-lo caiu na ilegalidade.
Possivelmente, o governo deve ter recebido enormes pressões, a ponto de vários ministros terem concordado em violar a lei e a Constituição. Já nem se fala disso, porque ninguém vai aceitar falar sobre isso. Mas a lei não pode ser objecto para ser usado em real politik.
E nesse caso, é caso para perguntar: Já foi aplicada esta "contraordenação muito grave" no caso do Porto de Setúbal? Ao abrigo de que disposição legal não foi esta contraordenação ainda aplicada? Ao abrigo de que disposição legal foram os recursos públicos usados para proteger uma empresa que estava claramente - e com o apoio do Estado - a violar a lei de forma "muito grave"? E estas não foram as únicas violações à lei, como defende o advogado Garcia Pereira.
Estamos ainda à espera das respostas. Porque o Código do Trabalho não pode servir para fazer caducar convenções colectivas, enquanto se aceita que empresas poderosas actuam ou beneficiem de actuações à margem da lei.