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domingo, 9 de dezembro de 2018

Entre as brumas da memória


A visita de Mr. Xi

Posted: 08 Dec 2018 01:08 PM PST

Expresso, 08.12.2018
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08.12.1980 – John Lennon

Posted: 08 Dec 2018 09:37 AM PST

John Lennon morreu há 38 anos, baleado à porta do edifício onde morava – o Dakota Building –, situado numa das esquinas do Central Park de Nova Iorque.

Primeiro um entre quatro, mais tarde a solo, «the smart Beatle», deixou uma marca que as três décadas e meia passadas sobre o dia em que foi estupidamente assassinado não apagaram.

Músico por excelência mas não só, activista também, ele que devolveu a medalha de Membro do Império Britânico à Rainha Isabel II, como forma de protesto pelo apoio do Reino Unido à guerra do Vietname e o envolvimento no conflito de Biafra. Já com Yoko, na década de 70, continuou a envolver-se numa série de iniciativas de luta pela paz, sobretudo e ainda por causa do Vietname. Tudo isto e o apoio explícito a organizações da extrema-esquerda, como os Panteras Negras, estiveram na origem de uma perseguição por parte do governo de Nixon com abertura de um processo para tentativa de extradição.

«Give peace a chance» (1969) e «Power to the people» (1971), entre outras, inscrevem-se expressamente nesta linha de actuação:

E «Imagine», sempre:
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Na posse de Bolsonaro

Posted: 08 Dec 2018 07:45 AM PST

Marcelo vai à posse de Jair Bolsonaro.

Claro que é normal que Portugal esteja presente, oficialmente, na tomada de posse do presidente do Brasil.

Mas o respeito pela democracia também é feito de actos simbólicos, como, por exemplo, não vermos lá o presidente da nossa República, mas um representante menos graduado. (Ou Cavaco Silva que já fez a rodagem no enterro de Bush.)

Pois, mas isso seria esperar demasiado.

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When Sócrates met Passos

Posted: 08 Dec 2018 04:03 AM PST

«Instalou-se uma narrativa para um ano que se adivinha de campanha eleitoral: a esquerda à esquerda dos socialistas voltou a mostrar que é irresponsável. A sua irresponsabilidade comprovou-se em alguns cruzamentos de votos com a direita para estourar o dinheiro dos contribuintes. Se não se puser fim à dependência do PS em relação a estes partidos, eles acabarão por destruir o equilíbrio virtuoso conseguido por Mário Centeno e levar-nos de novo para o colapso financeiro. Para a direita mediática que já percebeu que o PS vai continuar a governar, este é o argumento que sobra: deem maioria absoluta ao PS.

António Costa explicou como o BE e o PCP se estavam a aliar à direita para preparar uma “catástrofe orçamental” a que levariam as mil propostas de alteração na especialidade. Em contabilidade muito criativa, inventou a possibilidade de desvio de 5,7 mil milhões de euros. Houve votações na especialidade, o Orçamento foi aprovado e não vemos catástrofe alguma. Mas ficou dado o guião que vários comentadores agarraram com empenho.

Curiosamente, repetem-se, em novas circunstâncias, os dois argumentos que ignoraram a crise financeira internacional, o comportamento da União Europeia e a prioridade no resgate aos credores para responsabilizar Portugal pela intervenção da troika: a aliança da esquerda com o PSD no chumbo do enésimo PEC que só Sócrates ainda acredita que nos salvaria e o suposto despesismo público a que Passos atribuiu as culpas da crise interna. Para explicar os riscos da influência da esquerda no Governo para o nosso futuro financeiro e preparar o caminho para as vantagens de uma maioria absoluta do PS repetem-se os argumentos de 2011 que prepararam o caminho para a culpabilização nacional pela austeridade. Os de Sócrates e os de Passos.

Esta linha é coerente com uma estratégia de “desgeringoncização” do PS em que alguns sectores centristas e a direita inorgânica apostam. Para isso repetem todos os temores que Cavaco Silva apresentou a António Costa quando ele avançou para a liderança do Governo e que ele, num momento em que precisava do BE e do PCP para chegar ao poder, pôs de lado. Só que esta narrativa choca com um dado: como se pode ver por todas as sondagens, os portugueses gostam desta solução política e não a viram ou veem como um risco para as finanças e para economia do país. Só graças a esta satisfação geral é que António Costa pode sonhar com uma maioria absoluta. Se há prova que o PCP e o BE deram nestes três anos foi de responsabilidade política. Não será fácil, a quem queira apostar nesta conversa gasta, vender o seu peixe.»

Daniel Oliveira

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08.12.2018, Paris

Posted: 08 Dec 2018 03:36 AM PST

Cedo, esta manhã.

Um olho pequenino e outro grandalhão

Novo artigo em Aventar


por Ana Moreno

Mercosul, com a Argentina e o Brasil à cabeça, diz-se empenhado em „fechar“ acordo comercial com a UE. E vice-versa, é mais que sabido, se há coisa que está a funcionar na UE é a "política comercial e de investimento".  E aqui se vislumbra a cegueira destes governos e desta UE e a manta de retalhos esburacada que andam a produzir - porque ora abrem o olho pequenino e dão passinhos para diminuir as emissões de CO2, ora abrem o grandalhão e promovem a grande vapor exactamente o contrário.

Exemplo:

No âmbito da apresentação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica para 2050, o Ministro do Ambiente avançou a intenção de redução da produção nacional de bovinos entre 20% e 50% até 2015. Tanto a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) como a Confederação dos Agricultores (CAP) de Portugal reagiram:

Para a CAP, esta posição demonstra falta de conhecimento da realidade da agricultura portuguesa e só pode constituir uma intenção isolada do ministério do ambiente no conjunto do governo. Com efeito, a produção de bovinos em Portugal é sobretudo efetuada em regime extensivo, com uma contribuição para os gases com efeito de estufa substancialmente inferior à dos sistemas de produção intensivos praticados em outros países.

Acresce que uma redução da produção de bovinos teria um impacto muito significativo na produção de derivados de leite, queijo, iogurtes, entre outros produtos, os quais iriam também aumentar as importações nacionais e comprometer o nosso crescimento económico.

Para além de tudo isto, é naturalmente questionável, do ponto de vista ambiental, que cada país deixe de produzir o que em seguida irá importar de outros países, com uma pegada ecológica provavelmente superior. No caso da carne em concreto, os grandes produtores mundiais são o Brasil e a Argentina, o que implica um custo e uma pegada ecológica muito considerável só no que concerne ao transporte.”

Ora nem mais, aí está: O MERCOSUR abre as portas da UE a carne barata em massa. Barata? Vinda do outro lado do oceano? Pois, por um lado, devido ao uso de métodos intensivos de produção, utilização de hormonas proibidas na UE e (maior) exploração dos trabalhadores agrícolas. Nos países do Mercosul, o aumento da produção contribui também para que sejam expulsos pequenos agricultores e povos indígenas a fim de aumentar o espaço para as monoculturas do agronegócio e desmatadas áreas de floresta tropical (Bolsonaro esfrega as mãos de contente).

Por outro lado, os transportes continuam a não ter o custo que deveriam se fossem consideradas as externalidades negativas, ou seja, incluídos no preço todos os custos reais causados, como a poluição atmosférica.

Ou seja, o preço baratinho tem custos muito elevados mas os estados, em vez de impedirem ou inibirem a geração de externalidades negativas, incentivam e promovem-nas com todo o ímpeto.

Esta abominável casta de piratas com poder de decisão, quando avista negócio, já não pensa em mais nada, “comércio livre” é que é, à desenfreada.

As crianças agradecem.

P.S. – Nós, arraia miúda, também temos o nosso quinhão no contributo: comamos menos carne, compremos produtos locais - e muitas outras coisas, mas neste contexto, basta assim. E se vier agora alguém falar em politicamente correcto ou em liberdade individual, bem pode ficar a falar sozinho.

sábado, 8 de dezembro de 2018

Magistrados “Bailarinos”

  por estatuadesal

(Dieter Dellinger, 08/12/2018)

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A Maria José Morgado era uma defensora dos juízes justiceiros e combatentes contra a corrupção de alguns setores da política, mas não de todos, e no Brasil defendia o Moro.

Até teria razão se os juízes não quisessem fazer do seu trabalho - que devia ser sério - um espectáculo televisivo e jornalístico sem investigarem nada mesmo a sério. Não fossem pois uma espécie de "bailarinos".

Agora ficou desiludida com o Moro e acaba o seu artigo no Expresso com a seguinte frase: "Adeus Sérgio Moro, com a noite lá longe a cobrir o rio onde não resta nada, a tua partida deixa-nos vazios".

Antes escreveu que "tinha pensado que o único caminho do reforço do combate à corrupção era a verdadeira independência dos magistrados, implicando a proibição de participarem em cargos políticos, e olha também em cargos no futebol".

Claro, a Morgado sabe que se um governo da extrema direita convidar o juiz Alexandre ou o procurador Guerra para ministros, eles vão a correr e deixam a toga no chão sem a pendurarem num cabide ...

A Justiça portuguesa sofreu uma enorme DERROTA com a eleição de Tomás Correia para a Associação Mutualista proprietária do Banco Montepio 19.928 votos (42,4%), seguido pela lista C com 35,6% e lista B com 20%.

Tomás Correia é acusado vagamente de vários delitos, mas a justiça não foi capaz de atuar a tempo e horas e não goza de qualquer prestígio nem credibilidade junto do povo, pelo que ninguém quis saber de mais umas acusações no meio de tantas em que nunca mais se chega a qualquer prova concreta.

Portugal tem 3.863 magistrados e 7.762 oficiais de justiça mais 2.261 agentes da Polícia Judiciária. Enfim, são 13.886 mil pessoas a trabalharem contra o crime e para pouco mais de uma dúzia de processos complicados de corrupção sem chegarem a nada e isto sem contar com o pessoal das finanças que faz investigação financeira e abre processos administrativos como o do ex-PM Eng. J. Sócrates iniciado há uma data de anos atrás.

Até agora esse e outros processos serviram para magistrados "bailarinos" andarem a dar show, julgando os portugueses tão estúpidos que acreditam em tudo o que eles mandam para o pasquim CM/CMTV.

O Isaltino saiu da prisão e foi eleito de novo presidente da C. M. de Oeiras. Foi mais uma derrota da magistratura em que os eleitores não ligaram ao julgamento e prisão do autarca.

As últimas sondagens já não trazem a opinião dos portugueses a respeito dos procuradores e juízes, tão negativas que eram.

Os magistrados não estão sujeitos a eleições, pelo que não têm a necessidade de bailarem perante o povo. Mas, enquanto não cortarem com o Correio da Manha e a sua televisão não serão respeitados pela sociedade portuguesa.

Não devemos esquecer que o dono do pasquim foi apenas admoestado por a sua empresa, a Celtejo, ter poluído o Tejo, o que levou os contribuintes a gastarem uma pipa de massa através do Estado que teve de mandar fazer a limpeza.

Inexplicavelmente, as finanças aceitam calmamente que se mantenha a dívida de mais de 12 milhões euros do pasquim sem o penhorar.

Preocupações soberanas

Ladrões de Bicicletas


Posted: 07 Dec 2018 02:20 PM PST

No Público, de Vicente Jorge Silva a Manuel Carvalho, notou-se nos últimos dias uma surpreendente preocupação com a soberania nacional na relação dita assimétrica com a China. Trata-se de uma preocupação assaz selectiva. Afinal de contas, estamos perante apoiantes da mais significativa perda de soberania democrática, a que esteve e está associada a uma integração europeia que também fragilizou brutalmente as possibilidades de uma política externa digna de um Estado a sério num mundo felizmente mais multipolar. Basta pensar, e só para dar um exemplo, nas privatizações impostas pela troika e no reforço do controlo estrangeiro de recursos estratégicos, incluindo por parte do Estado chinês.
Entretanto, alguns intelectuais do eixo político euro-atlântico têm-se manifestado preocupados com o potencial desalinhamento com Washington e com Bruxelas que se pode gerar num contexto de ascensão da China e de aumento da sua influência. Em Portugal, uma certa reflexão sobre as relações internacionais parece ser feita a partir do que se imagina ser o centro e os seus interesses.
A multiplicação das dependências económicas, e logo políticas, externas é o melhor que as elites nacionais conseguem fazer, com alguma venalidade à mistura. Só consigo lembrar-me de uma analogia impertinente: é uma espécie de versão suave da política de porta aberta que a China desgraçadamente conheceu tão bem no seu século de humilhações, algures entre a primeira guerra do ópio e a fundação da República Popular. Diz que os comunistas chineses são nacionalistas. Pudera. Mao bem dizia que “em última análise, a luta nacional é uma questão de luta de classes”.
Enfim, no campo exclusivo do controlo nacional, ou seja, público, de sectores económicos estratégicos e de instrumentos de política económica relevantes, é caso para dizer, atirando barro à muralha: aprendamos e façamos o que o regime chinês ainda faz em domínios como o sistema financeiro ou a electricidade. Esta seria a base material, o ponto de partida popular, para a saudável reciprocidade, de que tanto se tem falado, nas necessárias relações.

Entre as brumas da memória


Recordações de gente crescida

Posted: 07 Dec 2018 01:45 PM PST

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Cada pessoa que insultava um gilet jaune insultava o meu pai

Posted: 07 Dec 2018 07:58 AM PST

Já ontem fiz referência a este texto do escritor Edouard Louis. Mas foi entretanto traduziado pela Ana Cristina Pereira Leonardo no Facebook, já que é cada vez menor o número de portugueses capazes de ler um texto em francês... Aqui fica a tradução.

«Há já alguns dias que tento escrever um texto sobre e para os gilets jaunes, mas não consigo. Porque, de certo modo, me sinto pessoalmente visado, algo na extrema violência e no desprezo de classe que se abatem sobre esse movimento me paralisa.

Tenho dificuldade em descrever a sensação de choque quando vi aparecerem as primeiras imagens dos gilets jaunes. Nas fotografias que acompanhavam os artigos via corpos que raramente aparecem no espaço público e mediático, corpos em sofrimento, arruinados pelo trabalho, pelo cansaço, pela fome, pela humilhação permanente dos dominadores em relação aos dominados, pela exclusão social e geográfica, via corpos cansados, mãos cansadas, costas alquebradas, olhares exaustos.

A razão porque ficava tão perturbado estava evidentemente na minha aversão à violência do mundo social e das desigualdades, mas também, e talvez antes de mais, porque aqueles corpos que eu via nas fotografias eram semelhantes aos corpos do meu pai, do meu irmão, da minha tia… Assemelhavam-se aos corpos da minha família, dos habitantes da vila onde vivi durante a infância, gente com a saúde corroída pela miséria e pela pobreza e que repetiam sempre, todos os dias da minha infância, “não contamos para ninguém, ninguém fala de nós” – daí que me sentisse pessoalmente visado pelo desprezo e violência da burguesia que logo se abateram sobre o movimento. Porque para mim, em mim, cada pessoa que insultava um gilet jaune insultava o meu pai.

De imediato, desde o nascimento do movimento, vimos nos media “especialistas” e “políticos” a diminuir, condenar, troçar dos gilets jaunes e da revolta que estes encarnam. Via desfilar nas redes sociais as palavras “bárbaros”, “brutamontes”, “labregos”, “irresponsáveis”. Os media falavam do grunhir dos gilets jaunes: as classes populares não se revoltam, não, elas grunhem como as bestas. Ouvia falar da “violência do movimento” quando um carro era incendiado ou uma montra partida, uma estátua danificada. Fenómeno habitual da percepção diferenciada da violência: grande parte do mundo político e mediático queria fazer-nos acreditar que a violência não são milhares de vidas destruídas e reduzidas à miséria pela política, mas algumas viaturas incendiadas. É realmente preciso nunca ter conhecido a miséria para poder pensar que uma tag num monumento histórico é mais grave do que a impossibilidade de sonhar, de viver, de se alimentar ou de alimentar a família.

Os gilets jaunes falam de fome, de precariedade, de vida e de morte. Os “políticos” e uma parte dos jornalistas respondem: “símbolos da nossa República foram aviltados”. Mas de que fala esta gente? Como ousam? De onde vêm? Os media falam também de racismo e de homofobia nos gilets jaunes. Estão a troçar de quem? Não quero falar dos meus livros, mas é interessante assinalar que, sempre que publiquei um romance, fui acusado de estigmatizar a França pobre e rural precisamente porque referia a homofobia e o racismo presentes na vila da minha infância. Jornalistas que nunca haviam feito nada pelas classes populares indignavam-se e punham-se de repente a representar o papel de defensores das classes populares.

Para os dominadores, as classes populares representam a classe-objecto por excelência, para retomar a expressão de Pierre Bourdieu; objecto manipulável do discurso: um dia os bons pobres autênticos, racistas e homofóbicos no dia seguinte. Nos dois casos, a vontade subjacente é a mesma: impedir a emergência da palavra das classes populares, sobre as classes populares. Se temos que nos contradizer de um dia para o outro, que se lixe, desde que eles se calem.

Claro que há expressões e gestos homofóbicos e racistas no seio dos gilets jaunes, mas desde quando esses media e esses “políticos” se preocupam com o racismo e a homofobia? Desde quando? O que é que eles fizeram contra o racismo? Será que utilizam o poder de que dispõem para falar de Adama Traoré ou do Comité Adama? Será que falam da violência policial que se abate todos os dias sobre os negros e os árabes em França? Não deram uma tribuna a Frigide Barjot a ao Monsenhor-não-sei-quantos na altura do casamento para todos, e, ao fazê-lo, não tornaram a homofobia possível e normal nos programas de televisão? Quando as classes dominantes e certos media falam de homofobia e de racismo no movimento dos gilets jaunes, não falam nem de homofobia nem de racismo. Dizem: “Pobres, calados!” Por outro lado, o movimento dos gilets jaunes é ainda um movimento em construção, a sua linguagem não está fixada: se existe homofobia e racismo entre os gilets jaunes, é da nossa responsabilidade transformar essa linguagem.

Há diferentes maneiras de dizer: “Sofro”: um movimento social é precisamente esse momento em que se abre a possibilidade de que aqueles que sofrem deixem de dizer: “Sofro por causa da emigração e da minha vizinha que recebe ajudas do Estado” e passem a dizer: “Sofro por causa daquelas e daquelas que governam. Sofro por causa do sistema de classe, por causa de Emmanuel Macron e Edouard Philippe”. O movimento social é um movimento de subversão da linguagem, um momento em que as velhas linguagens podem vacilar. É o que se passa actualmente: assiste-se desde há alguns dias a uma reformulação do vocabulário dos gilets jaunes. No início, ouvia-se apenas falar de gasolina e por vezes de palavras desagradáveis como “os assistidos”. Ouvem-se agora as palavras desigualdade, aumento de salários, injustiça.

Este movimento deve continuar porque ele encarna algo de justo, de urgente, de profundamente radical, porque os rostos e as vozes que estão habitualmente sujeitos à invisibilidade são finalmente visíveis e audíveis. O combate não será fácil: os gilets jaunes representam uma espécie de teste de Rorschach para uma grande parte da burguesia: eles obrigam-na a exprimir o seu desprezo e violência de classe, expresso habitualmente apenas de forma dissimulada, desprezo que destruiu tantas vidas à minha volta, que continua a destruir e cada vez mais, um desprezo que reduz ao silêncio e que me paralisa ao ponto de não conseguir escrever o texto que queria escrever, de exprimir o que queria exprimir.

Mas temos de ganhar: somos muitos, e muitos a dizer que não podemos sofrer mais uma derrota para a esquerda, logo, para aquelas e aqueles que sofrem.»

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França: da humilhação

Posted: 07 Dec 2018 06:34 AM PST

Ontem, em França, mais de 300 liceus juntaram-se à revolta dos «coletes amarelos» e protestaram contra a reforma no secundário e no acesso à universidade.

Foram reprimidos e, em Mantes-la-Jolie, um polícia fez o que se vê no vídeo. Estes adolescentes nunca mais esquecerão a humilhação a que foram submetidos. Depois queixem-se!

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Alterações climáticas chumbadas na rua

Posted: 07 Dec 2018 02:56 AM PST

«França mostra o que se segue: a luta contra as alterações climáticas cai em cima de todos mas é particularmente dura na classe média-baixa, a base do que ainda se pode designar genericamente por trabalhadores mal remunerados, desempregados e o restante conjunto difuso dos excluídos do "sucesso".

Trata-se de um segmento enorme onde há muita ira acumulada e capacidade de atuação social pela violência. Estas pessoas têm de ser tratadas com particular proteção porque merecem essa dignidade. Mas, igualmente, porque serão o primeiro pelotão de combate às políticas de transformação contra as alterações climáticas, questão tão crucial que não pode ser adiada.

Trump e as eleições nos Estados Unidos provam como se pode manipular este eleitorado. O planeta pode vir a ser um lugar inabitável "amanhã" mas, para quem a sobrevivência é já hoje um esforço desmedido, se tudo acabar daqui a uns anos, acabou. Hoje é que já não aguentam mais. Por isso o Presidente dos Estados Unidos não quer saber dessa conversa que custa votos. François Macron quis e quase se afundou.

Parar as emissões de carbono tem um preço social altíssimo. O gasóleo continua socialmente "barato" porque a conta é paga noutros departamentos da sociedade (hospitais sobretudo). Mudar de um automóvel a gasóleo para um elétrico só se faz por fé na humanidade e status social - ainda não há conta que o justifique na maioria dos casos. Além disso, todos os centros de negócio da indústria do petróleo e automóvel ajudam na manutenção do paradigma carbónico - ninguém deixa morrer um negócio desta escala épica sem dar luta.

Ainda por cima, o transporte individual é quase a única opção fora dos grandes centros, tornando a vida dura e cara. Não ter acesso a transportes públicos - numa era de custos crescentes por emissões de carbono - é uma forma importante de pobreza que deve ser reconhecida.

A crise ambiental é transversal a todos os países que acreditem na ciência. Mário Centeno também é dos que acha que as emissões são globais. O que pensou o ministro sobre o tema quando apresentou o orçamento de Estado em Outubro? Propôs baixar o imposto sobre a gasolina, tornando-o mais próximo do gasóleo. É uma medida idêntica à de Macron mas inversa: em vez de querer somar mais impostos, diminuiu receita. Por isso o Presidente francês foi acusado de demagogia - embora todos saibamos que a solução não passa apenas por se ir transferindo o consumo do gasóleo para gasolina por razões ambientais. É preciso diminuí-las a todas. E a única forma é subir o preço. Portanto, Macron está certo no diagnóstico. Mas fazê-lo sem um tecido social que consiga ir trabalhar sem automóvel não é ainda realista.

Como se viu em Paris, as alterações climáticas são já um tema presente em todos os grandes dossiers da política e da economia. Se forem a preocupação de apenas uma certa geração, ou de gente com visão política "verde", então não há dúvida que o planeta vai arder. E por esta altura já não estamos em lume brando - veja-se o caso dos incêndios florestais este ano na Califórnia e no ano passado em Portugal. E a subida do nível do mar. E a perda de biodiversidade. E os prejuízos agrícolas. E as novas doenças do clima. E os oceanos. Etc...

O que vem aí é de uma escala transcendente se comparada aos (duríssimos) acontecimentos de Paris. Citando uma frase que terá sido verdadeira a partir de 2012 e nunca mais mudou: já há mais refugiados climáticos do que de guerra. A questão é que somos todos cada vez mais refugiados de alguma coisa, aqui, em Paris ou em África. E não há recursos para todos se continuarmos como estamos.»

Daniel Deusdado