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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Apontou a lua, esperando que só olhassem para o dedo dele

20/02/2019 by Autor Convidado

[Santana Castilho*]

Nenhuma das muitas greves acontecidas nos últimos tempos suscitou tanta polémica como a dos enfermeiros. Só porque afecta um dos mais importantes direitos dos cidadãos, o direito à saúde? Não creio. Com efeito, a greve dos médicos de 10 e 11 de Maio de 2017 terá adiado mais de oito mil cirurgias e cancelado mais de 180 mil consultas de especialidade e não suscitou discussão sequer parecida. Concedendo que não são únicas, tenho para mim que as causas principais estão aqui: a greve dos enfermeiros irritou como nenhuma outra António Costa; a greve dos enfermeiros foi decretada por dois sindicatos recentes que, por rejeitarem o controlo das organizações monopolistas do sindicalismo e terem estratégias diversas das correntes, acabaram apontados como inorgânicos, apesar de serem tão legítimos, identificados e estruturados como os outros; a greve dos enfermeiros foi rotulada de direita, embora ninguém possa saber como votam os enfermeiros (bastou que a bastonária seja militante do PSD, que a CGTP esteja de fora, que muita gente de esquerda se indigne e outros tantos de direita se regozijem).

Ao anterior acresce a decantada questão do crowdfunding. Sem prejuízo de esperarmos pela cabal clarificação da origem dos donativos (embora a informação que vai sendo conhecida sugira que nada há de reprovável), importa sublinhar que os fundos de greve são legais e bem antigos. E importa referir que não deixa de ser hipócrita ver dirigentes de partidos políticos, que promovem angariações de fundos sem identificação dos doadores e são responsáveis pela inoperacionalidade da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (criada para fiscalizar os financiamentos das campanhas eleitorais), questionarem tão lestamente o crowdfunding dos enfermeiros. Como não deixa de causar perplexidade ver a ASAE, denunciada por negligências grosseiras e graves pela TVI, ser tão diligente a verificar o cumprimento de uma lei … que ainda não está em vigor (sim, o normativo que regulará o crowdfunding, embora pronto há mais de um ano, aguarda regulamentação para entrar em vigor). Este uso de uma polícia criminal para investigar um contencioso político/sindical reconduz-me a tempos antigos, de má memória, ou, no mínimo e para ser generoso, aos tempos mais recentes de “quem se mete com o PS, leva!”

O PS apresentou há dois anos o programa “Ferrovia 2020”, um investimento total de 2,7 mil milhões de euros, que se propunha modernizar umas vias e construir outras, num total de 1193 quilómetros de intervenções. Pelo correspondente calendário, deveriam estar já em execução 528 quilómetros. Mas, de facto, só 79 (15% do anunciado) estão em obra (Público de 13.2.19). É apenas um exemplo de um padrão que se tornou norma: anunciar em torrente novas obras, apesar do imobilismo dos planos já apresentados. O mecanismo explicativo é simples: os défices históricos obrigam a cativações colossais e as cativações liquidam os investimentos e geram a degradação dos serviços públicos, de que a Saúde e a Educação são os casos mais visíveis. Com efeito, o investimento público de 2,8% do PIB, previsto em OE 2018, ficou-se por 2% (menos 1600 milhões) e significou o segundo valor mais baixo dos últimos 10 anos, em termos de taxa de execução.

A crescente denúncia destes factos tem destruído a narrativa da viragem da página da austeridade e começa agora a corroer o tino e a compostura de António Costa. Com efeito, não lhe foi nada favorável acusar de irresponsáveis os sindicatos da UGT
e apelidar de selvagem uma greve com que não concorda, ou usar o lápis azul para promover alterações cirúrgicas no relatório Economic Survey of Portugal, 2019, da OCDE, para adoçar referências à corrupção nascida na vigência de um Governo a que pertenceu.

Há pouco tempo, Costa tinha a maioria absoluta ao alcance. Hoje, começa a haver quem lhe vaticine a repetição do fracasso de 2015, porque aos professores, médicos, funcionários judiciais, juízes, magistrados do Ministério Público, investigadores criminais, guardas prisionais, estivadores e tantos outros, apontou a lua, esperando que só olhassem para o dedo dele.

*Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Entre as brumas da memória


Índia, religião e vacas

Posted: 19 Feb 2019 01:00 PM PST

O tipo de fundamentalismo religioso que existe na Índia sempre me horrorizou e me impediu de me sentir bem naquele país. Então esta história das vacas tira-me do sério!

Mas vacas nem são o pior. Varanasi, que é para muitos «o máximo» em termos de espiritualidade, ficou para mim como símbolo do horror. Numa cidade enorme e miserável, ao nascer do dia vêem-se velhos ex-leprosos estropiados a pedirem esmola, banhos de multidões na tal água indescritível, crematórios em pleno funcionamento (poupo a descrição dos cheiros…), eventualmente corpos de crianças mortas a boiarem – as crianças não são queimadas, mas sim atiradas ao rio sem que, por vezes, a pedra ao pescoço, que é suposto afundá-las, tenha sido devidamente colocada. Eu vi uma que deveria ter seis meses. Esta:

(Sobre a história das vacas, notícia aqui.)
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O privilégio da Universidade Católica

Posted: 19 Feb 2019 09:10 AM PST

A meses de eleições várias, ninguém vai querer pegar neste tema nem com pinças. Cairiam bispos, raios e coriscos e os votos são quem mais comanda. Mas espero que, em 2020, alguém, para além de Mariana Mortágua, não deixe cair isto em saco roto.

«Em 1971, foi publicado o decreto-lei que definiu o estatuto da Universidade Católica Portuguesa (UCP), sujeitando-a à regulamentação do Estado, em paralelo com os restantes estabelecimentos de ensino particular.

No entanto, nessa lei, o Estado Novo concedeu-lhe privilégios específicos, nomeadamente a isenção de quaisquer impostos, contribuições ou custas.

Em 1976, a Constituição determinou o princípio da arreligiosidade do Estado: o Estado não pode promover uma religião, discriminar ou privilegiar em função dela. Ou seja, a Igreja Católica é maioritária em Portugal, mas a sua relação com o Estado passou a ser regida pelas mesmas leis que enquadram as outras confissões.

Apesar disto, em 1990 é aprovado um decreto-lei que mantém o anterior regime de privilégio da UCP, aprofundando-o. Foi-lhe atribuída total autonomia, consagrado o princípio do apoio estatal, e foi prorrogado o regime de total isenção de impostos (sem que a lei tivesse ido ao Parlamento). Os responsáveis por este regime foram Cavaco Silva, Miguel Beleza e Roberto Carneiro, os três com ligações à UCP. Fizeram-no enquanto criavam as propinas nas universidades públicas.

Desde então, apesar da Lei da Liberdade Religiosa e da revisão da Concordata, a UCP tem beneficiado do desconhecimento de muitos e da cumplicidade de alguns para manter o seu privilégio. Cobra propinas de privada, mas não paga impostos como a privada. Exige ser pública, mas não é, porque é confessional e porque cobra propinas de privada.

Nada que demova o seu reitor, Braga da Cruz, de se desdobrar em declarações públicas, exigindo mais apoios. Em 2006 acusou o Estado de concorrência desleal por querer instalar um polo universitário público em Viseu. Em 2008 lamentou a falta de apoios à UCP, que presta um serviço de formação "apoiada em valores cristãos". Em 2012 afirmou que não podia ser o Estado a ter a "obrigação quase exclusiva de financiar a universidade [pública]" e elogiou o "corajoso aumento de propinas para o nível do custo real" do Reino Unido. Em 2011 admitiu fazer queixa à Comissão Europeia porque a oferta pública, a "concorrência", tinha subido 20% nos últimos 30 anos.

Não ponho em causa a qualidade desta universidade, nem o seu direito a ser católica. Não me surpreende que exija mais apoios e o aumento das propinas públicas está a proteger o seu negócio. Mas uma coisa é certa: a única concorrência desleal é em favor da UCP, beneficiária de um regime que não cumpre a Constituição (e a Concordata, já agora), e que a privilegia face aos outros estabelecimentos de ensino particular e cooperativo.»

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Matemáticas?

Posted: 19 Feb 2019 06:00 AM PST

Ver até ao fim.
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A 12 anos de uma potencial catástrofe climática - como recuar da beira do precipício?

Posted: 19 Feb 2019 03:15 AM PST

«No último ano centenas de fenómenos climáticos extremos - ondas de calor, inundações, secas e tempestades - afectaram centenas de milhões de pessoas em todas as regiões do mundo, incluindo Portugal e Reino Unido.

A temperatura média subiu 1°C desde a década de 1850, mas esse valor pode acelerar rapidamente para 1,5°C nos próximos 12 anos, o que poderia traduzir-se numa perda irreversível de glaciares, e uma subida de subida do nível do mar de vários metros.

Com um aquecimento acima de 2°C, tudo pode acontecer. Os recifes de coral morrerão, centenas de milhões de pessoas sofrerão mais do que com uma subida de 1,5°C, e haverá impactos inimagináveis na natureza e nos ecossistemas dos quais dependemos. A investigação científica indica que isso pode acontecer dentro dos próximos 12 anos e segundo a ONU, se continuarmos na trajectória actual, seriam precisas duas Terras para acompanhar o crescimento do consumo e da população.

Então o que devemos fazer de forma diferente? É essencial haver novas abordagens na política, na economia e na sociedade. Por um lado, as alterações climáticas são o desafio global mais complexo da história da humanidade. Mas por outro, também pode ser simples: "limpar" a economia mundial dará uma resposta a este problema, tornando-nos mais felizes, saudáveis e prósperos. Foi disso que falei com o Ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, em Lisboa na semana passada.

Energia, transportes, agricultura e indústria mais limpos e sustentáveis, traduzem-se em energia mais barata, mais e melhores empregos, ar mais limpo, melhor saúde e nutrição, e cidades mais habitáveis. O "Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050" de Portugal demonstra como o Governo Português está a levar esta questão muito a sério, à semelhança do Governo Britânico.

Todos têm um papel a desempenhar. As crianças estão a mostrar aos pais o caminho certo, reciclando e preocupando-se com os animais e o meio ambiente. Os cientistas devem comunicar eficazmente as provas que existem. A comunicação social deve noticiar o que está a acontecer. As empresas devem limpar as suas cadeias de abastecimento e abraçar uma economia circular de baixo desperdício. A sociedade civil deve ajudar as comunidades a envolver-se e a agir. Os governos devem criar estruturas que sustentem esses esforços.

Há muitos sinais encorajadores. Em 2018 o RU comemorou o 10º aniversário UK 2008 Climate Change Act - a primeira lei climática em todo o mundo - e reduziu as emissões de carbono "per capita" mais rapidamente do que qualquer país do G20. Celebrámos recentemente o nosso 1º dia sem energia à base de carvão, desde 1882. Portugal está na primeira linha das energias renováveis, tendo como objectivo produzir 80% da energia a partir de fontes renováveis até 2030. Partilhamos o interesse pela energia eólica offshore. O RU detém 40% da capacidade eólica offshore mundial, e Portugal está a construir o seu primeiro parque eólico offshore na costa norte do pais. O sector das tecnologias com baixa emissão de carbono no RU está a crescer a um ritmo quatro vezes superior do que o resto da economia. Mas há muito mais a fazer no RU e a nível internacional, juntamente com parceiros como Portugal.

Este é um desafio global que abrange finanças, saúde, educação, energia, agricultura, indústria, habitação e transportes. Temos de assumir os prejuízos que causámos, e a escala e a urgência do desafio. Mas também temos de ter energia para agir, para bem dos nossos filhos e das gerações futuras. Podemos e devemos passar de uma abordagem que destrói o nosso ecossistema, para outra que prospera dentro dele.»

Nick Bridge

O tudólogo d’Entre Douro e Minho

20/02/2019 by Autor Convidado

[maquinistas.org]

Chegou ao nosso conhecimento esta pérola do tudismo, actividade muito peculiar da cultura Portuguesa, onde alguém, que não percebe absolutamente nada de um determinado assunto, se põe a fazer opinações de fundo sobre o mesmo na imprensa. Não que ponhamos em causa o irrevogável direito de o fazer, que defendemos solenemente, mas sim a obrigação moral que quem está no mundo da política tem de se pautar como um exemplo ético para a sociedade (nem que seja de aparências!).

Ricardo Santos, Engenheiro de Software, ex-líder da JSD Paredes, candidato vencido à concelhia de Paredes do seu partido, membro da Assembleia Municipal de Paredes e aparentemente tudólogo de serviço à coluna de opinião do Verdadeiro Olhar, emanou o seu parecer sobre o projecto da linha do Vale do Sousa através da referida publicação. E, do alto da sua sapiência de tudólogo, aparentemente não gostou…

Classificou o projecto como “Megalómano” – o que, na verdade, se compreende pois para o PSD linhas de caminho de ferro são para fechar, tendo em conta os desbastes que foram feitos à rede ferroviária nacional durante os seus governos. Logo, tudo o que envolve carris é “megalómano” ainda que haja um grande potencial de procura. Adiante, e em contradição consigo próprio, afiança que o projecto foi desenhado num guardanapo. É, no mínimo, estranho que algo considerado taxativamente como “megalómano” seja depois acusado de ter sido criado num mero “guardanapo”.

Não nos parece que cinco presidentes de câmara se juntem num qualquer tasco para jantar. Ao almoço, ainda vá, que a vida politica a isso obriga, mas o jantar é sempre mais formal e o tom usado dá a entender que os presidentes em questão são malta que se trata bem. Assim sendo, não cremos que nesse tal hipotético jantar os guardanapos fossem de papel, pelo que a insinuação do cavalheiro implica que há uma grande probabilidade do plano ter sido desenhado num guardanapo de pano… o que não é lá muito provável, uma vez que os cavalheiros em questão terão algo mais que um mínimo de educação (não se chega a presidente de câmara a ser mal educado).

Por outro lado, tendo em conta a informação pública disponível, não nos parece que este projecto preliminar de linha tenha sido feito num “guardanapo”. Apesar de todos sabermos que o vinho é um potente motor criativo, a verdade é que todas as ideias nascem nalgum lado e sofrem um processo de desenvolvimento. O corrente estado do projecto da Linha do Vale do Sousa é claramente preliminar, já bastante longe da fase do “guardanapo”, justificando que o mesmo seja inserido no PNI 2030. Assim, quer-nos parecer que o problema do “guardanapo” é o PSD não ter lá conseguido desenhar nada por não estar presente. Deve ser muito frustrante para o PSD Paredes perder mais 20% dos votos e passar duma maioria a minoria em apenas 8 anos.

Relativamente às criticas acerca do estado da Rede ferroviária nacional, são plenamente justificadas. É pena é esquecer-se da merd@ muito pior que os anteriores governos PSD fizeram. Aliás, ainda se dá ao luxo de escrever estas pérolas:

“Fosse um governo do PSD e talvez este país tivesse a coragem de parar e contestar o estado a que os comboios e a linha ferroviária chegaram.”
“Devo relembrar-lhe que esta nossa linha, a linha do Douro, simultaneamente serve dois mundos distintos. Um mundo em que temos comboios modernos e com uma elevada disponibilidade e outro onde fazer uma viagem de pouco mais de 100 km’s demora mais de 4 horas!”

Oh pá – isto é tão bom – o estimado cavalheiro, com os seus graves problemas de memória, dava um óptimo cómico de improviso (stand-up), pois, na nossa humilde opinião, é bastante dotado e versado na actividade!

Mas a frustração é de tal ordem, que nem as tais obras que o nosso tudólogo reclama que tanta falta fazem, escapam:

“Se tentar fazer uma viagem entre o Pocinho e São Bento, necessita de 4 horas e 38 minutos, mais precisamente, para chegar ao destino. E pelo meio ainda consegue usufruir de uma pequena troca entre comboio e autocarro.”

Obviamente, pode-se criticar a opção pelo modelo escolhido para as obras, mas deixar a ideia no ar que é uma situação habitual, ou permanente, não é moralmente correcto. Todos sabemos que os actuais tempos se devem à interrupção actual da Linha do Douro entre Livração e Marco de Canaveses a fim de ser renovada e que o tempo normal do percurso é cerca de metade do agora praticado. Ou seja: Um gajo é preso por ter cão e por não ter, desde que não seja do PSD!

Depois o disparate prossegue a bom ritmo:

“Então, uma Câmara com uma dívida de mais de 100 milhões e uma “má herança” herdada pelo atual executivo permite um investimento numa linha de comboio?”

Que se saiba, a construção de linhas de caminho de ferro cai sob a alçada do Governo e o que foi feito foi um estudo para tentar convencer o Governo da viabilidade de tal linha. Aliás, o estimado autor acaba por afirmar que:

“Mas, e talvez com o êxtase do momento, o concelho de Paredes foi promotor de uma conferência para discutir o projeto, convidando o Secretário de Estado a estar presente. Na sua intervenção anunciou, com pompa e circunstância, que a linha ferroviária do Vale do Sousa iria ser contemplada no Plano Nacional de Investimentos 2030… como um estudo!”

Será que o estimado não compreende sequer o que lê?

Mas afinal quem é que vai financiar a construção da linha? É que sendo o estudo preliminar, são necessários muitos mais estudos de custo avultado, em regra a cargo do promotor da mesma, para se determinar a sua efectiva viabilidade. O que o autor acaba por referir, com estas palavras, é que o estado chamou a si a responsabilidade da construção da linha se for viável, no próximo ciclo de investimentos públicos. Ou seja, o autor, mais uma vez, contradiz-se flagrantemente!

A sugestão de criação duma empresa de transportes públicos intermunicipal é extremamente interessante, em especial se tivermos em conta que há várias empresas privadas que sairiam prejudicadas por tal medida. Indicia ainda um possível desconhecimento acerca da especificidade da futura contratualização dos serviços públicos de transporte de passageiros, pelo que aconselhamos vivamente o estimado cavalheiro a visitar o site do Grupo de Trabalho para a Capacitação das Autoridades de Transportes, cujo sitio na internet não terá problemas em encontrar, pressupondo um correcto domínio das tecnologias de informação, que é certamente apanágio de qualquer profissional do ramo.

Resumindo:

Para a próxima, antes de mandar bitaites, informe-se! O Google é amigo e a Wikipedia é um óptimo recurso, se consultado com olhos críticos!

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O mundo está cada vez mais perigoso

por estatuadesal

(Por Carlos Esperança, 19/02/2019)

grito

O Estado democrático de direito está ameaçado e a existência de eleições, por sufrágio universal e secreto, sendo uma condição essencial, é cada vez menos fiável para eleger governos democráticos.

Sabemos da História que Hitler e Mussolini chegaram ao poder pela via eleitoral e só o tosco Salazar, o frio genocida Francisco Franco e alguns outros generais renunciaram à via democrática para atingirem o poder. Mas, depois de eleitos, sabe-se o que sucedeu.

Há quem pense, por ignorância, maldade ou ambas, que a democracia é apenas a forma, desprezando a substância, e é preciso ser demasiado cínico ou suficientemente estúpido para considerar democratas os líderes dos EUA, Brasil, Turquia, Polónia, Filipinas ou Hungria, pelo facto de terem sido sufragados pelos eleitores. Não são melhores do que o líder chinês ou o príncipe-herdeiro saudita.

A democracia não é apenas o governo das maiorias, é sobretudo o respeito das minorias, a defesa dos direitos humanos e a integração económica, política e social de todos os cidadãos. Não há democracia quando se discriminam mulheres, perduram gerações de pobres ou se acentuam as diferenças sociais. Hoje, à semelhança das religiões, há países que estabelecem os seus interesses, disfarçados de ideologia, e têm meios, tecnologia e obstinação para os impor a nível regional ou global.

A globalização da paz, da prosperidade e da solidariedade é substituída pela ditadura de países que detêm os meios de pagamento internacionais, os arsenais nucleares e até os algoritmos que condicionam o pensamento de multidões que se julgam livres.

Ainda há pouco, o exótico ditador da Coreia do Norte abria os noticiários mundiais para atrair o ódio, e bastou um gesto de Trump para desaparecerem da imprensa, de todos os órgãos, as imagens, as recriminações e a instilação do medo do biltre incontrolável.

A Arábia Saudita, alfobre do terrorismo, que abomina a democracia, a carne de porco e a paz, é uma monarquia teocrática, agressiva e sinistra, mas tem o apoio do nefasto PR dos EUA. Os genocídios do príncipe sanguinário são esquecidos com barris de petróleo e os seus crimes apenas denunciados por corajosos defensores dos direitos humanos, cada vez mais silenciados e ignorados.

O aquecimento global tornou-se uma emergência mundial, mas os interesses dos países hegemónicos ignoram a tragédia em curso, apesar de ser a única que liquidará, de forma igual, países ricos e pobres, tornando insustentável a vida em todos.

Vivemos num tempo de alucinante progresso tecnológico com líderes medíocres a nível internacional e com os mais insensatos e perigosos a serem sucessivamente sufragados por povos que perderam a bússola dos seus interesses e o sentido do futuro.

A pedagogia democrática é cada vez mais difícil, e o mundo mais perigoso.

Ladrões de Bicicletas


Exit, Brexit, Lexit

Posted: 19 Feb 2019 12:30 AM PST

Aquilo que de forma manipuladora se apoda de “hard Brexit” (Brexit duro), ou seja, o Brexit, pode começar a tornar-se um daqueles casos em que o impensável se torna inevitável. Wolfgang Munchau, no Financial Times, tem acompanhado este movimento. Curiosamente, o tom do seu último artigo é de alguém que começa a aclimatar-se a este cenário: o Reino Unido deve mobilizar todos os instrumentos de um Estado soberano para lidar com o “choque”: “a crise financeira, ensinou-nos que as economias modernas são relativamente robustas se fizermos as coisas certas”, ou seja, usar o poder monetário ao serviço de uma política orçamental expansionista, incluindo a desvalorização cambial.
Para lá da conjuntura, Munchau sublinha que o regime comercial é muito menos importante do que a estratégia económica baseada na inovação, que deve estar no centro das preocupações. As duas coisas não são separáveis, na realidade, o que não implica, antes pelo contrário, aceitar a lógica do mercado interno. Fica implícito que o Estado terá neste cenário muito mais margem de manobra, até porque não está limitado pelos constrangimentos do mercado interno, por exemplo, em matérias de ajudas e de regimes de propriedade. Munchau enfatiza a necessidade de redução das desigualdades, o que pressupõe uma mudança do “modelo de negócios rentista” de matriz financeira. Uma vez mais, quebrar o poder da City é mais fácil fora da UE.
No fim, Munchau assinala: “Os economistas políticos sabem há muito que os interesses instalados impedem que os países transformem as suas estruturas industriais. É necessário um choque para que tal aconteça, o que explica porque é que a Alemanha e o Japão prosperaram a seguir à Segunda Guerra Mundial. Não há razões para pensar que o Reino Unido não pode prosperar, mesmo depois de um Brexit duro”.
Infelizmente, acrescenta: “Ninguém no seu juízo perfeito, justificaria a Segunda Guerra Mundial pelos efeitos económicos do pós-guerra. E seria errado justificar um Brexit sem acordo porque daria ao Reino Unido a oportunidade de fazer as mudanças que de outra forma não ocorreriam”. A Segunda Guerra funciona mal como analogia. Até parece o equivalente económico do argumento Ad Hitlerum, em contracorrente com o resto do artigo.
Um Brexit sem acordo e um governo trabalhista que leve o seu programa a sério, disposto a usar a soberania reconquistada, seriam a melhor combinação, uma ainda improvável oportunidade para fazer as mudanças necessárias em paz. Em última instância, quem disse que a chamada doutrina do choque tem de ter sempre implicações neoliberais?

Zona Euro: política monetária sem governo ... e contra os governos

Posted: 19 Feb 2019 12:23 AM PST

Neste vídeo descrevo o procedimento genérico de fixação da taxa de juro num país com soberania monetária onde a articulação entre o tesouro e o banco central (mesmo que envolvendo alguma tensão) conduz a uma taxa de juro que tem em conta os objectivos da inflação e do emprego. Evidentemente, por todo o lado o neoliberalismo impôs normativos que impedem (formalmente) os bancos centrais de comprarem dívida pública ao Tesouro. Mas, na prática, quando a soberania monetária existe, os procedimentos realmente adoptados acabam, como no caso dos EUA, por chegar ao mesmo resultado (ver aqui).

Na Zona Euro, a inflação é o único objectivo e não há um governo que se articule com o BCE, embora todos saibamos que os grande países exercem pressão sobre a condução da política monetária. Ao contrário dos EUA, as reuniões do BCE têm actas que são confidenciais. Pior ainda, o BCE não só não financia os países com dificuldades de tesouraria, tornando-os reféns dos mercados financeiros, como interfere directamente na sua política económica impondo metas orçamentais e reformas institucionais como condição para o fornecimento de liquidez aos bancos. O que o BCE fez na Grécia, na Irlanda e na Itália devia fazer pensar todos aqueles que ainda esperam por uma UE democrática.