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sexta-feira, 22 de março de 2019

Passes: esta é a “geringonça” de que gosto

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 21/03/2019)

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Não é eleitoralismo um governo tomar uma medida que o eleitorado aprecia. É eleitoralismo tomar uma medida que o eleitorado aprecia e se sabe estar errada. E é eleitoralismo mentir sobre uma medida para ganhar votos. Querem um exemplo de eleitoralismo? Criar, no Portal das Finanças, em véspera de eleições, um simulador de devolução da sobretaxa do IRS que se revelou totalmente enganador. Isso é eleitoralismo e foi o muito sisudo Passos Coelho que o fez.

Até se poderia falar de eleitoralismo se estivéssemos perante uma medida de última hora, determinada pelas eleições. Ora, toda a gente sabe que esta medida começou a ser preparada depois das autárquicas, tendo como principais impulsionadores os dois presidentes de Câmara de Lisboa e do Porto. Ou seja, o seu calendário foi o autárquico e bem longe de novo ato eleitoral. Sobra o facto de a sua entrada em vigor ser neste ano. Seguindo essa lógica, perante o impacto que tem na carteira de tantos portugueses, quanto mais cedo entrasse em vigor mais votos renderia.

Querem saber de uma medida tomada em véspera das eleições? A concessão a privados dos STCP e Carris. Isso sim, um negócio de última hora, que se não tivesse sido revertido seria ruinoso para o Estado, para uma política de transportes e para os cidadãos destas cidades. Como foi a privatização dos CTT e da ANA, por exemplo. A função não era eleitoralista, é verdade. Era bem pior do que isso. O que não faz sentido é tratar como eleitoralista tudo o que beneficia a maioria do povo, e sobretudo os mais pobres, e como corajoso tudo o que tem o sentido inverso, como reduções do IRC ou dos impostos dos escalões mais altos. Governar permanentemente contra as necessidades da maioria mais carente não é sinal de coragem, é desrespeito pela democracia.

A redução do preço dos passes faz mais pela justiça social do que qualquer devolução de rendimento ou redução de impostos. O rendimento indireto garantido pelo baixo preço de serviços públicos fundamentais faz mais pela redistribuição da riqueza do que todos os sistemas fiscais e apoios sociais. Com efeitos no ambiente, na qualidade de vida urbana, na economia e na habitação

O outro argumento contra a brutal redução dos passes sociais é o desequilíbrio territorial da medida. Sou sensível à crítica. Mas ela não pode ignorar que os custos de mobilidade diária nas áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto tinham atingido níveis proibitivos. Estamos a falar de políticas diferentes para realidades que não se comparam. E é por isso que ESTE editorial do “Público” poderia compreender-se se fosse assinado por um demagogo à caça de votos através da divisão do país, é incompreensível como posição de um jornal de referência. Sim, “os pensionistas de Macedo de Cavaleiros vão pagar os passes em Lisboa”, assim como um desempregado do Fogueteiro paga o médico em Macedo de Cavaleiros ou a viagem de um açoriano. O problema de algum jornalismo é achar que Lisboa e o Porto são os bairros simpáticos que conhecem e que o resto é paisagem.

Todos nós pagamos os problemas uns dos outros e por isso somos um país. O principal problema das ilhas é a sua distância em relação ao resto do país — e por isso pagam menos para andar de avião e têm benefícios fiscais. E muitíssimo bem. Um dos principais problemas do interior é a fixação de quadros, e por isso há um programa governamental que garante um extra de 40% no seu salário, mais tempo de férias e preferência pelo cônjuge na lista de ordenação final dos candidatos, em caso de igualdade de classificação na candidatura a um lugar no Estado. Há mais coisas assim, com investimentos públicos per capita naturalmente mais altos, a impossibilidade da região de Lisboa ser elegível para fundos de coesão, Lisboa e Porto serem contribuintes fiscais líquidos. E podemos discutir mais umas tantas a criar, não misturando alhos com bugalhos.

Não podemos é discutir na base do que um paga coisas de que outros beneficiam. Se pensarmos assim nunca se faz nada que não tenha um efeito direto (isto tem um efeito indireto no conjunto do país) em toda a população. Há políticas específicas para os problemas da insularidade e outras para a interioridade e todos pagamos, e bem, por elas. São insuficientes e temos de ir mais longe. O principal problema das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, onde vive mais de metade dos portugueses, é a mobilidade quotidiana. E é um problema que atingiu proporções gravíssimas com efeitos sistémicos. Só Lisboa representa 40% dos movimentos pendulares de todo o país. Se juntarmos o Porto percebemos que é a esmagadora maioria. Ignorar a diferença de proporção do problema é pouco sério.

A crítica do dinheiro despendido é compreensível, mas não pode travar o avanço de uma medida que tem efeitos profundos na igualdade, no ambiente, na qualidade de vida urbana, na economia e até na política de habitação que afeta mais de metade dos portugueses. A convicção desta injustiça relativa deve levar a medidas urgentes de compensação na área dos transportes. Porque é disso que estamos a falar. Medidas como um verdadeiro programa de expansão e revitalização do ferroviário. Esse deve ser, aliás, um dos grandes compromissos do próximo governo.

O rendimento indireto garantido pelo baixo preço de serviços públicos fundamentais faz mais pela redistribuição da riqueza do que todos os sistemas fiscais e apoios sociais

Antes de avançar mais, é importante dizer que não houve apenas uma redução do preço dos passes. Houve a criação de dois passes únicos (metropolitano e municipal), que simplificam um sistema que tinha centenas de títulos e que tornam a redução de custos muito mais significativa para os que vivem mais longe do centro (mais penalizados e geralmente mais pobres) do que para os que vivem no centro (menos dependentes do transporte público e geralmente mais desafogados). A criação do passe metropolitano corresponde, para quem viva no Fogueteiro, a uma redução de quase 100 euros para 40 e, para quem viva em Mafra, de 154 para 40. Já o passe municipal, em Lisboa, representa uma descida de 36 para 30 euros. Na linha de Sintra as reduções vão de 40 a 100 euros, na Margem Sul de 50 a 120. Para os lisboetas, em que alguns editorialistas estão a pensar quando se dedicam a discursos demagógicos, a redução é mínima.

Esta medida faz mais pela justiça social do que qualquer devolução de rendimento e seguramente muitíssimo mais do que qualquer redução de imposto que, como sabemos, só marginalmente afeta a metade mais pobre do país. Tenho defendido que o maior erro da “geringonça” foi ter investido quase tudo na devolução do rendimento direto e ter descurado o rendimento indireto, garantido pelas funções sociais do Estado. É por isso que valorizo mais esta redução de tarifário dos passes, a redução das propinas ou os livros escolares gratuitos do que qualquer aumento salarial (não incluo aqui o aumento do salário mínimo nacional). Quem vier depois e quiser voltar a baixar os encargos fiscais dos que mais podem, reduzindo a solidariedade que a todos é exigida, terá muito mais dificuldade em fazê-lo. É mais fácil congelar salários do que duplicar o preço do passe social. O rendimento indireto garantido pelo baixo preço de serviços públicos fundamentais faz mais pela redistribuição da riqueza do que todos os sistemas fiscais e apoios sociais. Uma política de esquerda que ignore isto não é de esquerda. É normal que a direita ache isto eleitoralista. Mas é bom que a esquerda perceba que, pelo contrário, é apenas ser de esquerda.

Quanto ao ambiente, os efeitos são óbvios. Em 26 anos, o transporte público perdeu quase metade da sua quota e o uso do transporte individual subiu 35 pontos percentuais. Estamos a seguir o caminho inverso ao da maioria das cidades europeias. Todos os dias entram 370 mil carros em Lisboa, para além dos que já lá estão dentro. Aumentaram 20 mil em apenas três anos. No Porto o cenário é semelhante. A aposta nos transportes coletivos é condição para dificultar o uso do transporte individual sem tornar a vida das pessoas num inferno. Qualquer pessoa que conhece cidades mais avançadas na política de transportes públicos sabe como a qualidade de vida de todos melhora exponencialmente. E é condição para a utilização em massa dos transportes públicos eles serem bastante acessíveis. Sobretudo num país pobre e desigual. E é condição para o seu bom funcionamento haver menos carros nas ruas. E é condição para a sua viabilidade haver economia de escala, o que implica uma enorme adesão à sua utilização.

quinta-feira, 21 de março de 2019

CDS – A renúncia de Adolfo Mesquita Nunes

por estatuadesal

(Por Carlos Esperança, 21/03/2019)

Mesquita Nunes

Adolfo Mesquita Nunes, depois da notícia da aceitação do lugar de Administrador não executivo na Galp, anunciou a sua demissão de vice-presidente do CDS. Correu mal a notícia da nomeação, anterior a renúncia, quando, politicamente, convinha o contrário.

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O dirigente do CDS pode ter feito uma carreira beneficiado pela visibilidade política, mas tinha a formação que lhe permitiu trocar a política por cargos mais rendosos, que aguardam pessoas de direita, de preferência qualificadas. Mesquita Nunes não é a Celeste Cardona ou o Armando Vara da CGD, é um quadro político preparado para a advocacia e a gestão empresarial.

Era a face moderada do CDS, o conservador prudente, sem a estridência da Dr.ª Cristas, um homem delicado, e a exceção no conservadorismo beato do partido, que defendeu o “Sim” no referendo à despenalização do aborto, de 11 de fevereiro de 2007, e assumiu a sua homossexualidade sem complexos.

Era o único liberal nos costumes no partido de que era simultaneamente um ornamento liberal e a cabeça pensante que não insultava adversários. Agora ficam os neoliberais da economia e reacionários nos costumes sem a cobertura que este conservador lhes dava.

O CDS da D. Cristas e Nuno Melo fica mais perigoso e disponível para se coligar com o fascista André Ventura, escolha de Passos Coelho para liderar a lista autárquica do PSD à Câmara de Loures, que não conseguindo legalizar o seu partido – Chega –, por falta de assinaturas válidas, conseguiu que o PPM e outra excrescência legalizada o aceitassem como cabeça da “coligação Chega” às eleições europeias.

O neofascismo, puro e duro, começa a ter rostos em Portugal e, à semelhança de outros países, a contar com o patrocínio do enviado de Trump e financiamentos necessários.

Ao CDS não faltará outro Adolfo, menos recomendável, mais adequado à dupla Cristas e Nuno Melo. O regresso de Manuel Monteiro pode ser o Adolfo do partido que o PPE já expulsou uma vez e que só as necessidades da direita, a pedido de Durão Barroso, devolveram ao convívio dos partidos conservadores e democrata-cristãos europeus.

Sucedeu então ao CDS o que ontem foi decidido contra o partido húngaro Fidesz, de Orbán, no poder desde 2010. Foi suspenso, por tempo indefinido, do Partido Popular Europeu, que não continuou a pactuar com afrontas grosseiras aos direitos humanos e princípios democráticos dos Estados de direito.

A liberdade judicial, de expressão e de imprensa, assim como a liberdade académica e direitos das minorias e dos refugiados, têm sido gravemente restringidas na Hungria e o PPE decidiu regressar à matriz dos partidos conservadores do pós-guerra.

O CDS tem sido agora mais cauto, mas pode sempre fugir-lhe o pé para a chinela.

Ladrões de Bicicletas


Mais do que a dívida pública, a dívida externa

Posted: 20 Mar 2019 12:47 PM PDT

Acabaram de sair as estatísticas das contas externas portuguesas relativas a Janeiro. Mostram que a capacidade de financiamento da economia portuguesa face ao exterior está agora menos favorável do que no início de 2018 (que por sua vez era menos favorável do que no início de 2017). Não é de espantar, mas deve merecer atenção.
Todos sabíamos que à medida que a economia portuguesa recuperasse as contas externas iriam degradar-se. Mais crescimento económico significa mais consumo e mais investimento; dada a dependência energética e tecnológica do país, isto significa necessariamente um aumento mais que proporcional das importações. Além disso, aumenta também o repatriamento de lucros e juros para estrangeiros que têm comprado empresas e activos portugueses.
O problema é que a dívida externa portuguesa é uma das maiores do mundo e é uma das maiores fragilidades da economia nacional (e também da espanhola e da grega). Quem empresta dinheiro ao país (seja ao Estado ou ao sector privado) não gosta de ver Portugal a aumentar ainda mais a sua dívida externa em proporção do PIB. Podemos ter uma certeza: a partir do momento em que a dívida externa deixar de cair em percentagem do PIB (e é possível que isso aconteça em 2019, apesar da dívida pública continuar a cair) as dificuldades de financiamento de Portugal vão aumentar.
Muitos insistem em criticar o governo por não ter assegurado uma descida mais rápida da dívida pública. Eu há algum tempo que o critico por ter sido feito muito pouco ou quase nada para lidar com este enorme problema estrutural que é a dependência da economia nacional face ao exterior. Gostaria de não ter razão.

Duas palavras para Luís Aguiar-Conraria: causalidade reversa

Posted: 20 Mar 2019 12:49 PM PDT

Num artigo de opinião onde começa por puxar dos galões assinalando que é professor de economia monetária internacional, Luís Aguiar-Conraria vem afiançar que “[s]em poupança não há investimento e sem investimento não há crescimento”. Voltarei mais tarde, com mais tempo, a este assunto. Por agora, recordo ao professor Conraria que, além de outros, os professores Keynes e Schumpeter nos deixaram boas razões para pensarmos que a causalidade é reversa e deixo a tradução de um pequeno trecho de um estudo produzido com a chancela do Banco de Inglaterra por dois dos seus economistas.

“Primeiro discutimos a casualidade lógica. Considere-se o caso especial de um novo empréstimo destinado a investimento físico. O empréstimo e o depósito criado levam a investimento adicional que doutro modo não teria ocorrido porque o investidor não tinha acesso ao necessário poder de compra. Eles [empréstimo e depósito] têm de levar, por definição, a poupança adicional, especialmente enquanto resultado da identidade da contabilidade nacional entre poupança e investimento (numa economia fechada e a nível global) e não enquanto resultado de um equilíbrio entre poupança e investimento gerado por uma taxa de juro de equilíbrio. A direção da causalidade é, portanto, do financiamento para o investimento para a poupança. Por outras palavras, a poupança não financia investimento, é o financiamento que o faz.”

Entre as brumas da memória


Ela aí está

Posted: 20 Mar 2019 01:47 PM PDT

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Ajuda a Moçambique – é por aqui

Posted: 20 Mar 2019 12:22 PM PDT

Forma mais fácil: Pagamento de Serviços
Entidade: 20999
Referência: 999 999 999
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Nova Zelândia

Posted: 20 Mar 2019 10:08 AM PDT

Neozelandeses começam a entregar armas.

Não foi por acaso que eu gostei tanto deste país! Gente civilizada.

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E que tal uma outro «Abraço» a Moçambique?

Posted: 20 Mar 2019 08:01 AM PDT

Onde estão estes (e outros) cantautores que fizeram isto em 1985?

«Quando em 1984 as estrelas da música britânica uniram-se para gravar o tema "Do They Know It's Christmas" com o objectivo de angariar dinheiro para combater a fome em África, a ideia depressa estendeu-se a outros países, a começar nos Estados Unidos com o nada menos mítico "We Are The World" e no ano de 1985, parecia que cada país no Mundo Ocidental tinha o seu tema musical all-star visando a mesma causa.

Portugal não foi excepção e em 1985, sob iniciativa da RTP e da RDP, mais de trinta nomes da música portuguesa uniram esforços para gravar "Um Abraço A Moçambique", composto por Pedro Osório, José Mário Branco e José Fanha.»

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Como treinar um Bolsominion

Posted: 20 Mar 2019 04:04 AM PDT

«A estratégia Trump e a de Bolsonaro foram muito parecidas e não só na tecnologia da reprodução intensiva de mensagens robotizadas: o alvo é o mesmo (fanatizar alguns grupos dominantes, assustar o adversário, mobilizar os deserdados), a abordagem é semelhante (gerar bolsas de ódio) e até os temas são copiados (queremos andar armados, a família está sob ataque por uma “ideologia de género” e os imigrantes ficam com o nosso dinheiro). Desde há muito que eram evidentes estas conexões, que configuram a política suja, e que se nota que a direita portuguesa está fascinada pelo sucesso destas técnicas. Estão agora à vista os primeiros ensaios lusos desta estranha forma de política. Mais, não será André Ventura o mais destacado protagonista da aventura, mesmo que a queira representar, visto que os mais perigosos dos seus praticantes serão gente dos partidos tradicionais da direita.

O primeiro exemplo, mas dele não cuidarei hoje em detalhe, é Nuno Melo a verberar uma transposição de diretiva europeia que limita a posse de armas por particulares. Que alguém não possa ter mais do que 25 armas é uma “grave restrição à liberdade individual e ao direito de propriedade”, diz ele, acrescentando um vicioso e algo estranho ataque às polícias que, segundo o candidato do CDS, “sabem bem onde estão as armas ilegais” (e presumivelmente nada fazem para as capturar). Não é preciso um desenho para se perceber que quer namorar os caçadores para obter votos, mas a escolha de um timing tão funesto para esta defesa da multiplicação das armas – e já há um milhão e meio de armas nas mãos de particulares – só pode parecer de alto risco. O que querem é um tema Bolsonaro e ao candidato falta-lhe pimenta.

O meu segundo exemplo fala por si mas merece mais algum detalhe. É o de Bruno Vitorino, deputado do PSD, que seguiu a cartilha do tema “ideologia de género” como um perfeito Bolsominion, o carinhoso nome dado no Brasil a estas figuras. Primeiro passo: a provocação. Uma sessão de técnicos da Rede ExAequo a convite de uma escola do Barreiro, contra o bullying nas escolas, é uma “PORCARIA”, escreveu.

A coisa teria ficado pelas letras garrafais, mas teve a sorte de duas deputadas do Bloco terem caído na esparrela e, em vez de o criticarem usando o sarcasmo, terem anunciado uma queixa à Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género contra a ofensa.

Antes disso, tudo desfazia a tese da “porcaria”. Este programa de informação já vem do tempo do governo PSD-CDS, a associação em causa é apoiada pelo Conselho da Europa, a escola e os pais gostam das sessões e do cuidado da informação.

Mas haver alvos políticos permitiu ao Bolsominion passar à segunda etapa do plano e subir para o patamar superior, com a tese segundo a qual uma certa “ideologia de género”, uma misteriosa conspiração mundial que estabelece o predomínio das mulheres ou que quer transformar toda a gente em homossexual, segundo as versões (no Brasil, Bolsonaro chamava-lhe o “kit gay”), está a perseguir o coitado do Vitorino. A partir daí, foi descabelado: ele, que até tem amigos gays (não têm sempre?) estava a ser atacado por um “protofascismo”, tendo saído em sua defesa um surpreendentemente esbracejante Fernando Negrão, que chegou ao ponto de pedir uma conferência de líderes parlamentares para proteger a nação desta evidente “morte da democracia”.

Mesmo Pedro Duarte, normalmente elegante, foi a um programa de televisão ensaiar uma conversa sobre a “ideologia de género”, essa porcaria que, pelos vistos, contaminaria as nossas crianças com o vírus gay. Até um ex-diretor de jornal sério se misturou com a campanha acerca desta sinistra conspiração planetária da “ideologia de género”. No PSD, há uma espécie de corrida à “porcaria”, treinando os Bolsominions disponíveis para se porem na grelha de partida destes temas fascinantes. É que há um “ataque à família”, sentenciou aqui no Expresso o indignado Vitorino.

A agenda tem, no entanto, dois problemas. O primeiro é que é preciso que o povo e o eleitorado estejam dispostos a estes laivos de excitação. Se estivessem, esta agenda mudaria a política, e a direita precisa mesmo de deslocar a agenda, pois sabe que a discussão sobre pensões, salários, ajudas à banca, saúde e habitação não a leva a lado nenhum. Mas, se as pessoas não estiverem para estas trovoadas de medo, a conversa é só ridícula — e ser ridículo não convém nada a um candidato.

Depois, há ainda um segundo problema, o pior, que é o mal da precipitação e, aí, não perceberam a arte do mestre Bolsonaro. É que é preciso que o medo amadureça, é preciso meses, anos de medo, é preciso muito ódio para que o ódio se torne uma voz. E isto foi tudo feito à pressa, não foi? Esgrimir a “defesa da família” para tentar um voto religioso, sugerindo o missal e o confessionário para proteger a família em tempos em que Papa Francisco reúne os cardeais no Vaticano para combater a epidemia de casos de pedofilia na Igreja Católica, é simplesmente tosco. E inventar o perigo de uma “ideologia de género” para criminalizar o feminismo ou o combate à homofobia, logo depois de três semanas de show eletrizante de Neto de Moura, com a moca de pregos, a lapidação ancestral das mulheres indignas, os cem mil euros exigidos a cada humorista que o criticou e tudo o mais a impor-se no noticiário nacional e a revoltar Portugal, não é só tosco, é mesmo pateta.

O Bolsominion Vitorino estava treinado no tema, sabia a música e decorou o refrão, estudou como se faz, os comparsas até tentaram salvar o roteiro, mas quanto mais fizeram mais demonstraram o descompasso entre a gritaria e a total indiferença do país perante esta “porcaria”. No entanto, a quem se ri com este fracasso, deixo o alerta: isto vai voltar, com Bolsominions mais habilidosos, mais persistentes, com patranhas mais saborosas, com medos mais medrosos. Bruno Vitorino só mostrou a excitação que vai naquela gente e pôs-se demasiado em bicos de pés. Virão outros e serão mais perigosos.»

Francisco Louçã

Bolsonaro envergonha, na visita aos EUA, e constrangimento é mundial


Isac Nóbrega

Várias lideranças políticas do país estão atônitas com a visita de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Numa postura de total submissão, o presidente aceita abrir mãos de vistos aos norte-americanos sem reciprocidade para os brasileiros, faz discursos toscos e piadinhas homofóbicas. Uma postura bem diferente dos presidentes que lhe antecederam nas viagens àquele país.

A líder da Minoria na Câmara dos Deputados, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), diz que o sentimento é de vergonha pela “absoluta subserviência e deslumbre infantil” que a comitiva brasileira demonstra nos Estados Unidos.

Um presidente que chega sem proposta, sem discurso e fazendo um discurso ideológico idiota, de confronto com o comunismo, socialismo, confronto com ideologias de gênero, com piadinhas sobre homofobia e colocando o Brasil à venda, sem nenhum projeto concreto”.

Jandira Feghali

Num encontro com investidores, Bolsonaro falou de improviso dizendo que “a grande transformação do Brasil vem pelas mãos de Deus”. Criticou os governos petistas e falou que quando conheceu Paulo Guedes (ministro da Economia) foi “basicamente um amor à primeira vista”. E completou: “Na questão econômica, obviamente”.

Feghali lembrou que nos governos anteriores, sejam eles do PSDB ou do PT, haviam viagens com projetos e algum nível de respeito. “No período de Lula o Obama o chamou de o cara. Lula chegou lá com altivez”.

Para a líder, Bolsonaro usou o verbo descontruir e não de construção pelos interesses do Brasil. “Colocou aberto a biodiversidade na Amazônia, à venda de nossas riquezas naturais e não reciprocidade numa questão básica que é o visto para viagem”, disse a deputada.

Numa total subserviência, segundo ela, Bolsonaro reforçou a ideia de intervenção e não autodeterminação dos povos como é o caso da Venezuela, ajudou na deportação dos brasileiros com alguma ilegalidade naquele país, a política antiimingrante e abriu o território brasileiro para os norte-americanos como no caso da Base de Alcântara, no Maranhão.

Base de Alcântara

No caso de Alcântara, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) diz que a decisão vai colocar em risco a soberania brasileira e a continuidade do Programa Espacial Brasileiro.

Inacreditável a superveniência desse governo aos americanos”.

Carlos Zarattini

“O Brasil está sendo exposto ao ridículo nos EUA, com repercussões em todo o mundo. Um presidente que se excede em vassalagem, ausência de autoestima nacional, patetices, bizarrices. Um festival de absurdos”, criticou o deputado federal Márcio Jerry (PCdoB-MA).

Sobre o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), Márcio Jerry disse que no acordo anterior existia uma cláusula que previa a expansão da área no entorno do Centro. “Isso é inadmissível. Não vamos admitir que se adentre ainda mais no território quilombola que está no entorno do centro de lançamento”, afirmou.

Comportamento vexatório

O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), lembrou que a o canal de tevê norte-americano Fox News destacou o comportamento homofóbico vexatório de Bolsonaro e ligação da família dele com milicianos e assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Vai ser difícil comentar todas as besteiras que Bolsonaro está fazendo e falando nos EUA. Caramba, que vergonha tanto despreparo e tanta vontade de entregar o Brasil para os americanos”,

André Figueiredo

Disse o líder do PDT na Câmara dos Deputados, André Figueiredo (CE)