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sábado, 23 de março de 2019

Erdogan – o Irmão Muçulmano que deseja ser califa

por estatuadesal

(Por Carlos Esperança, 22/03/2019)


Não basta deplorar a conduta de um fascista australiano de 28 anos, ligado à extrema-direita, abertamente antimuçulmano e anti-imigração, que deixou 50 mortos e 48 feridos no ataque a duas mesquitas da Nova Zelândia.

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Há um submundo de raiva e desespero que encontra protagonistas para atos de violência que surgem um pouco por todo o mundo. Há apenas duas décadas ainda era impensável a frequência e intensidade de ataques terroristas que ora surgem com inaudita crueldade, em contexto religioso.

Os governos europeus têm desprezado a laicidade, cedendo aos dignitários das religiões maioritárias, em troca de um punhado de votos. É difícil combater a pregação do ódio transmitido pelos livros sagrados quando o Estado abandona a neutralidade religiosa a que a democracia e a decência obrigam.

Erdogan, dissimulado e devoto, chegou ao poder com a bênção da Nato e dos países que viam no seu partido um homólogo das democracias-cristãs europeias. Fingiram ignorar o seu percurso político, assumindo reiteradamente as posições ideológicas e religiosas da ‘Irmandade Muçulmana’ e do Hamas.

A Europa ignorou que foi dos poucos líderes, mesmo entre os regimes muçulmanos da região, que apoiou Moahmed Morsi, ex-PR egípcio, oriundo das fileiras da ‘Irmandade Muçulmana’ que, depois de eleito, logo alterou o quadro legal, numa deriva teocrática que impunha a sharia.

O ditador que dispõe das maiores Forças Armadas de um país da Nato, fora dos EUA, e das segundas mais poderosas, depois do Reino Unido, e que alberga no seu território um enorme arsenal nuclear, depois de perseguir, prender, matar e demitir os defensores da laicidade nos Tribunais, nas Universidades, na função pública e nas Forças Armadas, está a seguir as pisadas de todos os ditadores islâmicos, com a herança de Atatürk já sepultada, ostentando o record mundial de jornalistas presos.

Quem não foi sensível ao genocídio dos curdos e aos atropelos aos direitos humanos, há de agora surpreender-se por Erdogan exibir, em comícios eleitorais, trechos do vídeo do atentado na Nova Zelândia enquanto induz o medo contra o “terrorismo cristão”.

Já houve terrorismo cristão nas Cruzadas, na evangelização e na Inquisição, mas há dois séculos que não existe, apesar das crueldades cometidas por cristãos, desde a invasão do Iraque e de numerosas guerras provocadas, até às atrocidades de Duterte e outros.

Há quem não distinga terrorismo religioso de terrorismo feito por crentes. Não há hoje, entre cristãos, organizações homólogas da al-Qaeda, do Hamas ou do Isis, que praticam terrorismo organizado em nome da fé e para a sua dilatação.

Erdogan pode estar em vias de ensaiar um novo califado, o que justificaria as posições dúbias face ao Daesh. A atitude turca quando do combate em Kobani (Síria) foi bastante reveladora das intenções de Erdogan.

Enquanto a Europa ameaça desunir-se, para gáudio de EUA, Rússia, China e Turquia, pode nascer um projeto turco (otomano). Erdogan esperará de que sejam superadas as divisões entre xiitas e sunitas para se afirmar como o muçulmano capaz de enfrentar a UE e os EUA e dominar o Médio Oriente onde a política ocidental tem sido incoerente, ineficaz e frequentemente criminosa.

Deus é grande! E perigoso.

Um género de ideologia

por estatuadesal

(Por António Guerreiro, in Público, 22/03/2019)

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As reacções violentas e a cruzada contra o género e todas as questões teóricas e pragmáticas que ele envolve chegaram a Portugal e vão subindo de tom. Aproximamo-nos progressivamente de um debate público semelhante ao que se tem desenvolvido, em regime de guerra aberta, noutras latitudes, em que os termos da discussão acabam por ser definidos por quem tem uma compreensão mais limitada e preconceituosa do assunto. Está em curso um acting out colectivo daquilo a que Eve Kosofsky Sedgwich, a norte americana que está na origem da queer theory (um dos seus textos mais conhecidos intitula-se Epistemologia do Armário) chamou “o privilégio epistemológico da ignorância”. O Pontifício Conselho para a Família elaborou há alguns anos um Lexicon, onde se dizia que a teoria do género era um novo atentado à humanidade. Daí à mobilização total contra essa “ideologia diabólica” e contra a figura que, aos olhos destes novos inquisidores, a representa na sua máxima pureza, Judith Butler, foi apenas um pequeno passo de magnas consequências.

As questões do género e identitárias merecem sem dúvida discussão e não se pense que aceitar as suas premissas fundamentais (desde logo a de que o género implica uma interpretação cultural do sexo e a de que, por conseguinte, somos “construídos” por normas inculcadas como sendo “naturais”) é aceitá-las no seu todo e retirar delas um conjunto de consequências políticas e sociais que são sempre as mesmas. Longe disso, não estamos aqui num campo liso e homogéneo: há discussões acesas e, incompatibilidades. E até diferendos. Se nos referimos às teorias de Judith Butler, isso não é a mesma coisa que, por exemplo, tomar Rosi Braidotti como referência. Evidentemente, aos defensores de um biologismo atávico e da manutenção da ordem simbólica e social que ele legitima interessa a amálgama que classificam como “ideologia do género”. Nesta fórmula esconde-se sempre a vontade de disciplinar o acesso às “palavras que contam”. Porque, não tenhamos dúvidas, a ordem do discurso é muito importante. Aquilo que mais incomoda aqueles que até recentemente detinham o monopólio da nomeação e da objectivação dos outros é que passem eles a ser nomeados e objectivados.

A figura tradicional e emblemática do “maricas” da aldeia é uma versão extrema e paródico de tudo isto: colocado à margem da ordem do discurso, ele é aquele que pode ser nomeado por todos sem poder nomear ninguém. Curiosamente, essa figura pode ser vista como uma confirmação da pertinência explicativa do género e da sua dimensão performativa: o “maricas” é escandaloso para os seus conterrâneos precisamente enquanto insiste publicamente numa socialização masculina. Quando passa às performances femininas (no vestuário, na pose, na gestualidade), ele ganha a possibilidade de ser aceite e, até, de satisfazer mais facilmente os seus prazeres sexuais. A operação repressiva, mas necessária à sobrevivência, consistiu em mimetizar o género que os outros projectaram nele, oferecendo-lhes a aparência de uma ordem em que não há qualquer disjunção entre o género e o sexo. Uma vez salvas as aparências, tudo regressa à tranquilidade.

A cruzada atingiu tais proporções que Judith Butler, no passado mês de Janeiro, sentiu a necessidade de escrever num jornal americano um artigo, onde analisava os objectivos dessa escalada, ao serviço da qual está um argumento que, ainda recentemente, foi por cá utilizado por um deputado do PSD: o argumento da “doutrinação”, como se estivéssemos perante matéria de crença religiosa. Este argumento tem suscitado o contra-argumento de que “não há uma ideologia do género”. Talvez esta resposta seja demasiado defensiva e acabe por obliterar uma dimensão política que envolve de facto a questão.

Aos ideólogos que reduzem a questão do género a uma ideologia, apetece dar respostas radicais e entrar na política e ideológica das questões da sexualidade e do género. A quem insiste em ver monstros, anormalidades e porcarias, não apetece dizer “olhe que não, não é nada disso”. Apetece antes dizer: “Reivindiquemos um grau de monstruosidade e o vosso mundo nauseabundo vai soçobrar perante os efeitos da nossa porcaria”.

sexta-feira, 22 de março de 2019

O curioso é que

por estatuadesal

(Por Valupi, in Blog Aspirina B, 22/03/2019)

José Sócrates

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Não existe nenhum político nem jornalista, nenhuma celebridade ou a caminho, nenhum figurão ou gato-pingado na comunicação social que defenda Sócrates. É ao contrário, diariamente aparecem referências aviltantes e caluniosas na imprensa, na comunicação social e no Parlamento a Sócrates. Diariamente. Estes produtores logomaníacos de ataques a Sócrates, com vária motivação e díspar agenda, carimbam como “defensor de Sócrates” qualquer dos raros que se limitem a apontar eventuais falhas e evidentes abusos no modo como a Justiça e a sociedade têm tratado Sócrates nas fases da investigação e da acusação da Operação Marquês. E esses são raros porque muitos dos que igualmente constatam, de acordo com a sua consciência, que o regime lida com Sócrates como se fosse um réu político igualmente não lhe querem dar mais nenhuma manifestação de lealdade, sequer compaixão, ao sentirem-se traídos e confusos, arrependidos ou assustados. A factual responsabilidade moral de quem não evitou a histórica violência judicial e política que se abateu sobre ele, e sobre os seus, gera este acrescido linchamento colectivo em que se assiste ao uso da Justiça como mera liturgia de uma condenação já anunciada e imperativa. Só a integridade, coragem e liberdade de Ivo Rosa faz a diferença no que com Carlos Alexandre estaria agora a ser a continuação do auto-de-fé começado ao ser detido no aeroporto.

Se ninguém defende Sócrates, seria concebível alguém defender o Câmara Corporativa e o Miguel Abrantes? Nem aqui nem em metade dos infinitos universos paralelos. Pelo que a surpresa (ou falta dela) é simétrica, ver quem aparece a atacar esse blogue que está inactivo há mais de três anos. E que é um blogue. Um blogue.

Quando falam dos blogues de Sócrates, de promessas não cumpridas, de truques da oposição ou do governo, estão a falar de palha. Sim, de palha, que até pode servir para entreter um debate mas que não tem nada a ver com a realidade, nem com o que se pode passar de grave nestas eleições europeias. Os Abrantes do Sócrates não passavam da porta de nenhum site pró-russo nos Balcãs…

Ricardo Costa

Ricardo Costa sabe que Sócrates tinha “blogues”. Um plural indefinido e pasquineiro que cumpre a função de sugerir estarmos perante uma operação assustadora, a obra de um exército clandestino que por pouco não conseguiu hipnotizar a população inteira através do recurso aos bigbrotherianos e mefistofélicos “blogues”. Magnânimo e misericordioso, no acto mesmo de despejar o que tinha acabado de ler sobre “fake news” escrito na estranja, o mano Costa amnistia os “Abrantes de Sócrates” – mas só porque, na comparação, essa multidão não parece em condições de influenciar as próximas eleições europeias e porque, tecnicamente, é bandidagem que fica um pouco aquém do que conseguem actualmente fazer os russos. Um craque, este crânio com sabor a laranja que usa o império Balsemão para nos ajudar a entender a (sua) realidade.

CVM – O momento polémico do debate parlamentar desta semana foi introduzido pelo deputado Carlos Abreu Amorim do PSD, que invocou uma notícia recente da revista Sábado em que se dava conta de que o cabeça de lista do PS às próximas eleições europeias, o ex-ministro Pedro Marques, fez parte da rede de contactos daquele célebre blogue chamado Câmara Corporativa, alegadamente pago por José Sócrates para o defender publicamente. Este episódio parlamentar pareceu-lhe naquele contexto uma canelada política do PSD ao PS ou considera a questão pertinente, esta do blogue Câmara Corporativa?

PM – […] É evidente que o PS, como outros partidos de poder, já tem o seu historialzinho de desinformação, e desse tipo de blogues anónimos. Blogues anónimos que têm fontes obviamente bem colocadas, que têm acesso a documentos, a historiais das pessoas… A Câmara Corporativa não era um blogue de amadores, claramente. Era um blogue feito com pessoas que forneciam informações algumas das quais que não são de acesso fácil ou livre. […]

CVM – O curioso é que, tratando-se de um debate sobre desinformação, o representante do PS nesse debate, o deputado José Magalhães, acabou ele próprio por responder com uma informação falsa, dizendo que não respondia àquela questão levantada pelo PSD porque o assunto, disse José Magalhães, estaria em segredo de justiça, o que não corresponde à verdade dado que a acusação do Processo Marquês é pública.

Governo Sombra

Carlos Vaz Marques é jornalista e jornalista premiado. Porém, não é evidente que participe nesse estatuto profissional e com essa responsabilidade no Governo Sombra. Aliás, se formos a avaliar pelas evidências, o que temos é uma simulação de jornalismo que serve o propósito farsante de compor um boneco caricatural adentro de um espectáculo de entretenimento, política e calúnia. Acima temos um glorioso exemplo disso mesmo.

A pergunta lançada, e previamente combinada, omite que o caso judicial à volta do Câmara Corporativa só estabeleceu haver pagamentos suspeitos a partir de 2012. Essa omissão deixa na audiência a sugestão de que toda a actividade do blogue em causa, logo desde a sua concepção e início de actividade, está associada a pagamentos que, de alguma forma, se podem relacionar com Sócrates e com o período em que foi primeiro-ministro. Pedro Mexia, por tal ignorar ou por tal querer também esconder, não informou o público acerca dos factos. Em vez disso, regurgitou vacuidades com ar de quem sabe estar a falar para borregos. Começou pela mentira do anonimato, a cassete favorita da bronquite crónica. “Miguel Abrantes” é um pseudónimo, a pseudonímia não é equivalente ao anonimato, mas talvez o consultor do Presidente da República na área cultural não conheça autores, em desvairados campos de produção autoral, que tenham optado por assinarem as suas obras com pseudónimos. É uma hipótese, seguramente mais benévola do que a singular hipótese alternativa – a de Pedro Mexia ser um pulha, feliz da vida por ganhar dinheiro como caluniador profissional. Mesmo admitindo que o Mexia ignorava dados civis do indivíduo que assinava como “Miguel Abrantes”, tal não lhe permitia carimbar essa prática como anonimato a menos que tivesse tentado contactar o autor para recolher dele informação biográfica e civil sem sucesso, primeiro, e depois investigado se a pessoa em causa realmente se furtava à identificação pela sociedade. Ora, não era nada de nadinha disso que se passava, como a própria investigação do Ministério Público atesta. Pura e simplesmente, tratava-se de alguém que defendia a sua privacidade, escolhendo aqueles com quem estabelecia relações de proximidade comunicacional e vivencial – como consta que se pode fazer em liberdade. O Mexia não era um desses, pelos vistos. É disso que se queixa, de não ter privado com os happy few? E precisa de recorrer a um solecismo para tal, imitando a brigada dos estúpidos?

Veio de Carlos Vaz Marques, contudo, a surpresa de ter inventado uma inacreditável aberração informativa e deontológica. Ao pintar José Magalhães como mentiroso, o brilhante e bonacheirão jornalista anunciou ao povo que o blogue Câmara Corporativa e o autor Miguel Abrantes aparecem na acusação da Operação Marquês. Ora, disso ainda ninguém tinha ouvido falar, a começar pelos procuradores que redigiram a acusação e que se limitaram a previamente tirar uma certidão para futura investigação a respeito do tal celebérrimo e todo-poderoso blogue. Daí, como disse o mentiroso Magalhães, essa matéria estar em segredo de justiça. Por estar ainda a ser investigada, vejam só. Porém, o Sr. Marques, ladeado pelo erudito consultor presidencial para a Cultura, pelo impante presidente da comissão das comemorações do 10 de Junho e pelo mais adorado e antisocrático dos espoliados do BES, resolveu dar uma lição ao deputado (socialista logo mentiroso), de caminho pondo na ordem o Ministério Público que aparenta não conseguir lidar com a rapidez e facilidade com que no Governo Sombra se criam “verdades”. Numa próxima emissão surgirá a denunciar Ivo Rosa por ainda não ter convocado ninguém ligado ao Câmara Corporativa a prestar contas no tribunal, algo que com Carlos Alexandre teria sido das primeiras audiências a acontecer, é certinho. E, perguntam os ingénuos, o magnífico jornalista pediu desculpas públicas ao malandro do socialista, sequer admitiu no programa seguinte não fazer a mínima ideia do que se passa na Operação Marquês para além de achar aquilo maravilhoso como ganha-pão para explorar à doida e sem vestígios de decência? Pois, não sejam ingénuos, seus ingénuos.

RAP – […] É claro que tem graça, é bem lembrado, o PSD falar no blogue do Miguel Abracadabrantes e lembrar a capacidade de produção de fake news que Sócrates tinha, mas se calhar é preciso fazer uma arqueologia da produção de fake news e lembrar que quem produziu esse produtor de fake news foi também uma fake news, designadamente aquela que Santana Lopes tentou, na qual tentou insistir, dizendo que ele gostava era de outros colos, ele Sócrates. E essa foi uma fake news que depois serviu durante muito tempo de álibi a José Sócrates para “Oh, isso do Freeport… Também diziam aquilo dos colos!” E assim sucessivamente, durante muito tempo, mesmo. Já para não falar do caso Casa Pia, atenção. Já para não falar no modo como a direcção do PS foi, esteve debaixo de fogo, a propósito do caso Casa Pia. Aí, não sei exactamente, quer dizer, desconfio, mas não sei quem foram os produtores de fake news, mas toda a gente desconfia. E pronto, e é isso.

Governo Sombra

É muito difícil ser humorista, carreiras de desgaste rapidíssimo. Veja-se como a genialidade de Herman José só durou uma década, o resto sendo (salvo fogachos) a penosa repetição forçada do que foi no início pujante originalidade e relevância. O mesmo se poderia dizer do Raúl Solnado, de quem só aqueles com mais de 70 anos conseguem recordar o apogeu e quem tenha menos de 50 mal sabe quem foi. Ao Ricardo Araújo Pereira acontece o mesmo, tendo entrado em rápido processo de esgotamento da inspiração há uns bons anos. A saída do armário de José Diogo Quintela e Tiago Dores, agora vedetas na indústria da calúnia e no activismo político da direita do ódio, poderá também ajudar a entender a deriva daquele que se pinta como diletante eleitor do PCP num festim de cinismo e palhaçada.

Ora, o palhaço em causa teve tempo para preparar o número onde pela enésima vez se iria insultar e ofender Sócrates no Governo Sombra. Como podemos ler, o que lhe saiu é um jorro de verrina que abdica por completo da intenção humorística. Trata-se de uma colagem desconexa, ininteligível, bêbada, de referências canalhas. O desconchavo foi tal que até o extraordinário jornalista Carlos Vaz ficou embaraçado, sem perceber um boi do que se estava a passar na cabeça do inteligentíssimo Ricardo. Uma cabeça que usa o seu poder mediático para um certo tipo de combate político onde os assassinatos de carácter e a calúnia são a munição preferida. Que ele tenha lá chegado pela facilidade de se juntar à turba linchadora e pela motivação de vingança onde vê Sócrates como um alvo muito menos arriscado para atacar do que Ricardo Salgado, isso é absolutamente indiferente.

No fundo, e a toda a superfície, contemplarmos o alvoroço que um singelo blogue – cuja audiência seria de um punhado de milhares de leitores na melhor das hipóteses; metade deles, ou mais, que o liam para o poderem detestar, ou porque lhes dava muito jeito em ordem a poderem chafurdar na conspiracionite e na chicana para “fazerem política” e venderem-se na comunicação social como algozes dos “socráticos” (cujo caso mais notável, portanto mais vergonhoso, foi o do Pacheco Pereira) – causa na elite da direita partidária e seus impérios mediáticos ilumina o estado intelectual e moralmente putrefacto da direita decadente. E o facto de continuar a ser um alvo conspícuo para a pulhice fica como monumento à sua qualidade cívica.

O que deixava os direitolas fulos não eram as “mentiras” do Câmara Corporativa, quem lhes dera encontrarem lá uma que fosse. Precisamente ao contrário, o que não suportavam era a capacidade de um singelo blogue para desmontar as mentiras torrenciais de uma direita dominadora do espaço mediático. Uma direita que apostou tudo na baixa política e nas golpadas por se saberem uma real bosta incapaz de conquistar o poder apenas no páreo dos projectos políticos para a comunidade que somos. Curioso, né?

Fonte deste artigo aqui

Quando falar com um economista, tenha cuidado. Comentário a uma entrevista de Robert Barro

Ladrões de Bicicletas


Posted: 21 Mar 2019 07:06 PM PDT

Este artigo foi motivado pela leitura recente de uma entrevista de Robert Barro. Antes de se passar à análise da entrevista, contudo, é necessário um pouco de contextualização sobre o percurso deste autor e as características e relevância da escola de pensamento económico que representa.
Robert Barro é um dos mais distintos economistas da nova escola clássica e um dos economistas mais influentes da segunda metade do século XX. A nova escola clássica emergiu na década de 70 do século passado como contraponto intelectual à hegemonia do pensamento keynesiano. A sua ascensão foi meteórica: de mão dada com a escola dos ciclos económicos reais (real business cycles) – com quem partilha grande familiaridade de premissas e resultados - viria a triunfar, escassos anos depois, na década de 80, em alguns dos mais influentes departamentos de economia à escala global, embora o seu ascendente tenha sido mais vincado na academia americana e menos expressivo no continente europeu. Perdeu o seu lugar cimeiro ao longo da década de 90, com a consolidação do paradigma novo-keynesiano, mas ocupa ainda um lugar destacado no ensino e na investigação contemporâneas. Mesmo que parte dos seus resultados sejam hoje objeto de crítica, a sua vitória epistemológica é inegável: a teoria das expetativas racionais e os modelos de maximização com base no agente representativo subsistem como a formulação canónica dos modelos económicos convencionais, mesmo que existam esforços – sobretudo desde a crise financeira – para adicionar imperfeições ao modelo base, de modo a que reproduza mais fielmente a dinâmica efetiva do ciclo económico.
A nova escola clássica assenta o seu edifício teórico num triângulo de premissas que determinam as suas prescrições de política económica: igualdade contínua entre oferta e procura em todos os mercados, expetativas racionais e a validade de um agente maximizador representativo da economia agregada. Tomadas no seu conjunto, garantem alguns dos seus resultados mais célebres: a ineficácia da política orçamental (fruto da equivalência ricardiana com expetativas racionais), a ineficácia da política monetária (se antecipada pelos agentes) e o postulado de que as flutuações económicas se devem sobretudo a choques reais (este último resultado mais herdeiro dos seus companheiros dos ciclos económicos reais).
Porém, no que respeita à contextualização da entrevista, a dimensão mais importante a ter presente é a fundação teórica do mercado de trabalho feita pelos novos clássicos. Neste domínio, deve-se reter que a nova escola clássica não reconhece a existência de desemprego involuntário, já que assume que todos os mercados estão equilibrados, incluindo o mercado de trabalho. Todos os agentes que pretendem trabalhar pelo valor do salário real vigente são capazes de o fazer. O ato de trabalhar é, na verdade, apenas um ato de escolha voluntária entre o prazer (utilidade) do consumo do lazer e o sacrifício (desutilidade) da redução de trabalho. Assim, neste quadro, não existem pessoas desempregadas na aceção que comummente se costuma atribuir ao conceito. Existe apenas um conjunto de pessoas que pretende consumir lazer em vez de realizar trabalho, porque consideram que o salário real prevalecente não lhes permitirá comprar bens cuja utilidade supere a desutilidade que a escolha do trabalho implicaria. Mais: neste mundo alternativo, trabalhar ou não trabalhar não é uma decisão binária como na maioria das situações da vida real. Os agentes escolhem apenas trabalhar mais ou menos horas, não encontrando qualquer barreira institucional (nomeadamente a legal) a essa decisão.
As flutuações do emprego são explicadas por choques de produtividade. Tomemos o exemplo de um choque positivo de produtividade. O choque positivo causa um aumento do salário real, aumentando o custo de oportunidade de consumir lazer, fazendo com que os agentes aumentem o número de horas trabalhadas. Este mecanismo, defendem, é o que explica a flutuação do emprego ao longo da história.
De novo, todo o processo resulta da decisão livre de um agente maximizador: o desemprego não é um problema nem individual nem social.
Visto por qualquer cidadão não economista, esta teoria é surpreendentemente absurda: todos sabemos que o desemprego está historicamente associado a situações de pobreza e exclusão social; todos sabemos que as pessoas não escolhem, marginalmente, se pretendem trabalhar mais ou menos uma hora em função do salário real; e, evidentemente, todos sabemos que o desemprego involuntário existe e que a incapacidade de usar plenamente o fator trabalho é uma das mais salientes e regulares características das economias capitalistas.
Mas toda esta evidência não encontra relevância na discussão especializada de economia, porque o instrumentalismo é o critério epistemológico que, explícita ou implicitamente, enquadra a discussão. Isto significa que a validade de um modelo não depende da plausibilidade das suas premissas. O único critério de verificação tido como válido é a capacidade de gerar resultados que se ajustem ao comportamento das variáveis económicas na realidade. Isto é, a validade advém apenas da sua avaliação empírica.
Neste plano, os novos clássicos registaram a sua mais aclamada vitória na teoria da inflação. Mas também a teoria da determinação dos salários se transformou num palco do seu alegado sucesso: a sua teoria permitia fundamentar teoricamente a regularidade empírica segundo a qual a os salários reais evoluem de forma pró-cíclica. Ou seja, que os salários tendem a acompanhar o sentido da expansão ou da contração económica. Pelo contrário, o paradigma keynesiano (na sua versão da síntese neoclássica) assume que os salários reais são contra-cíclicos, resultado que decorre de assumir uma produtividade marginal do trabalho decrescente.
Terminado o enquadramento, chegamos finalmente ao objeto deste texto. No início da década de 90, Robert Barro concedeu uma entrevista aos autores do livro “A Modern Guide to Macroeconomics: An Introduction to Competing Schools of Thought”, Brian Snowdon, Howard Vane e Peter Wynarczyk. Nessa entrevista, pode encontrar-se o excerto reproduzido abaixo:
Muitos críticos da nova economia clássica argumentaram que existe uma falta de suporte empírico para a existência de fortes efeitos de substituição intertemporal na oferta de trabalho. Como reage a esta crítica?
Robert Barro: É difícil obter evidência direta disso, assim como é difícil obter evidência do quão sensível é o investimento ao custo de financiamento – é o mesmo tipo de problema. Assim como se pode ver que o investimento é muito sensível ao longo do ciclo económico, o fator trabalho também se move bastante. Se assumir uma perspetiva de equilíbrio e observar que o fator trabalho se está a mover, tem de pensar acerca de quais os incentivos que estão a fazer com que ele se mova. Mas conseguir evidência direta dos efeitos intertemporais é difícil, porque é difícil isolá-los O mesmo acontece com o consumo. É difícil destrinçar os efeitos intertemporais, mesmo que as pessoas estejam dispostas a acreditar que esses efeitos existem. Na verdade, isolar curvas de oferta e procura também é um exercício difícil. É um problema de identificação difícil.
Este excerto chamou-me a atenção por sintetizar num exemplo breve os enviesamentos que a comunicação com economistas pode gerar, quando trazida para o espaço público. A análise da pergunta e dos pressupostos e omissões da resposta permite guiar-nos pela forma como alguns economistas gostam de publicitar os seus resultados e opiniões sem submeter a escrutínio as suas premissas.
Em primeiro lugar, a pergunta tem a maior pertinência. Para que as flutuações agregadas do emprego pudessem ser explicadas exclusivamente por efeitos de substituição intertemporal entre trabalho e lazer, as elasticidades teriam de ser muito superiores às verificadas em sucessivos testes empíricos – e, mesmo esses testes, assentam em pressupostos questionáveis.
A resposta de Barro a esta questão é, no mínimo, surpreendente. A maior fonte de surpresa é o facto de Barro nem sequer responder diretamente à pergunta, escusando-se de contra-argumentar. Expurgada do acessório, Barro limitou-se a dizer duas coisas: i) o efeito de substituição intertemporal da oferta de trabalho é muito difícil de avaliar empiricamente; ii) se assumirmos uma perspetiva de equilíbrio, temos de pensar os incentivos que fazem o emprego mover-se.
Tudo nesta resposta é um problema. Quando alguém que assume que a veracidade dos resultados e não das premissas é o critério para avaliar o seu modelo e afirma que os aspetos empíricos do seu modelo são difíceis de medir, qual é o critério de validação que subsiste? No fundo, Barro escolhe desmerecer a evidência empírica que não lhe é conveniente (como o caso da taxa de substituição intertemporal da curva da oferta) e manter as demais que lhe convêm. Na verdade, nem parece que a sua opinião sobre a difícil estimação do conceito seja particularmente robusta – parece, sobretudo, um instrumento evasivo.
Mas é no segundo elemento da resposta que se encontra o fulcro do truque de comunicação. Barro afirma que se assumirmos uma perspetiva de equilíbrio temos de considerar quais os incentivos que o fazem mover. E, embora não o afirme explicitamente, o que deixa implícito é que o único mecanismo que vê como plausível para esse movimento é a escolha microeconómica entre trabalho e lazer.
O autor mantém-se inamovível na sua premissa de partida para justificar a utilização da escolha intertemporal do consumidor para explicar as flutuações de emprego. Mas, e se a premissa de partida estiver errada? Nesse caso, se a substituição intertemporal não pode ser sustentada empiricamente, toda a fundação teórica para afirmar os seus resultados se esfuma.
E haverá boas razões para suspeitar de que o mercado de trabalho não está sempre em equilíbrio? A resposta é sim. Como foi referido, a incapacidade de empregar plenamente o fator trabalho é uma das mais recorrentes características das economias de mercado. As possíveis explicações para essa incapacidade são variadas.
Os novos keynesianos, apesar de manterem as hipóteses do agente maximizador e das expetativas racionais, avançam um conjunto de fatores que poderiam explicar a rigidez de salários e preços e impediriam o mercado de trabalho de atingir o equilíbrio. Esses fatores vão desde o custo associado à mudança contínua de preços (menu costs), passando pelos custos de procura de trabalhadores com características específicas até à fixação de salários acima do equilíbrio, de modo a aumentar o custo de oportunidade de perder o emprego e assim estimular os trabalhadores a serem mais produtivos (salários de eficiência).
Outros autores, mais próximos do pós-keynesianismo, rejeitam as expetativas racionais e o agente maximizador. Na sua perspetiva, a flexibilidade de salários e preços não garante o pleno emprego, porque despoleta efeitos que contrariam o caminho para o equilíbrio. A diminuição dos salários pode ter efeitos nocivos para a procura e despoletar efeitos perversos associados ao aumento do valor real da dívida dos agentes económicos. A taxa de juro – sendo muito influenciada pela preferência pela liquidez – não é suficiente para equilibrar o mercado de bens. Ambos os fatores podem ter um efeito colateral nas expetativas, afastando ainda mais a economia do equilíbrio. Na sua opinião, como as economias de mercado resultam da ação descentralizada de vários agentes com expetativas voláteis, é muito improvável que consigam gerar o pleno emprego dos seus recursos. Por isso, deve ser o Estado a regular a procura agregada, de modo a assegurar o pleno aproveitamento dos recursos.
Para o nosso argumento o ponto relevante é que assumir que o mercado de trabalho se equilibra continuamente é uma hipótese muito pouco razoável. Assentar toda uma teoria num pressuposto tão evidentemente falso deveria ser considerado um caminho muito pouco sensato.
Mas é a aí que surge a singularidade dos economistas. Em todas as ciências sociais é possível que os autores guiem o autor até um conjunto de conclusões que dependem, em grande medida, das premissas fixadas à partida, as quais, por sua vez, dependem muito do posicionamento político e moral do autor. Não há nenhum mal nisto: desde que seja mantida uma argumentação fundamentada e séria, o exercício é legítimo. Perigoso é negar que existe essa influência à partida de crenças e convicções.
Na economia, porém, tudo é muito menos transparente. Tal como noutras ciências sociais, os pressupostos de partida decorrem de convicções e valores à partida dos seus autores. Contudo, ao contrário de outras ciências sociais, os economistas utilizam um exercício dedutivo formalizado – a matemática – que permite obscurecer a relação entre pressupostos e resultados. Quanto maior a complexidade da matemática utilizada, menor a capacidade de escrutínio dos passos lógicos que são dados. Muitos economistas usam o subterfúgio de pedirem aos seus ouvintes que ignorem as premissas e se foquem nos resultados que, garantem, foram extraídos a partir das mais sofisticas e inatacáveis técnicas de modelação. Tal ação permite-lhes comunicar resultados favoráveis aos seus valores com a aparência de uma falsa neutralidade científica.
O processo de ação comunicacional de muitos economistas, descrito no parágrafo anterior de forma abstrata, é cabalmente replicado no caso concreto da resposta de Robert Barro. Todos os autores da nova escola clássica eram acérrimos liberais. Na sua visão do mundo, os mercados tendem para o equilíbrio e a ação de uma autoridade central – orçamental ou monetária – é mais nociva do que virtuosa. Refletindo estas convicções, os seus modelos começam por assumir a hipótese totalmente irrealista de que os mercados estão sempre em equilíbrio, o que, a par de uma paleta de premissas já referidas anteriormente, garantem resultados que vão ao encontro das suas convicções. Tal não significa desmerecer as capacidades intelectuais destes autores. Pelo contrário: os autores mais destacados da nova escola clássica são dotados de brilhantes capacidades de modelação matemática da economia. O problema é usarem o seu brilhantismo para ofuscarem a clareza do debate, negando-se a reconhecer que, aparte o sofisticado exercício de modelação, os seus resultados dependem em larga medida dos seus pressupostos e dos seus valores.
Robert Barro responde implicitamente que se assumirmos que os mercados estão em equilíbrio a substituição intertemporal da oferta de trabalho é uma boa explicação, porque nem concebe abandonar o seu pressuposto de que os mercados não estão sempre em equilíbrio. Para ele, os seus valores e pressupostos não se discutem. Se a evidência empírica está contra ele, é porque está mal estimada. A realidade é que tem de se adaptar à sua conceptualização da economia e do mundo.
Escolhi trazer o exemplo da resposta de Robert Barro para este artigo, porque o que podemos aprender com ela continua muito atual. Todos os dias vemos economistas em órgãos de comunicação a darem opiniões sobre temas sociais, reclamando para si um manto diáfano de grande ascetismo e neutralidade científica. Essa neutralidade pura não existe, nem é qualquer modelo matemático ou econométrico que a confere. Todos os pressupostos merecem ser discutidos e, raramente, poderá ser dada uma resposta unívoca às questões. Não existem resultados incontestáveis em ciências sociais.
Por isso, da próxima vez que falar com um economista, tenha cuidado. Depois não diga que não o avisei.

Do vício de pensar em modo austeridade

Posted: 21 Mar 2019 06:27 AM PDT

Há uns dias, o Público noticiava que, «de acordo com um relatório do Governo que acompanha a descida do IVA no sector da restauração para 13%, nos 18 meses que se sucederam à descida da taxa, a receita de IVA totalizou 619,1 milhões de euros, menos 38,4%, correspondentes a 385,3 milhões de euros, que a receita dos 18 meses anteriores». Perante a constatação, o jornal não vai de modas e puxa para título a ideia de que, com a descida da taxa de 23 para 13% em 2016, o «Estado perde» cerca de 385 milhões de euros nas receitas dos dezoito meses seguintes.

Avançando para o miolo da notícia, a história que se conta é contudo um pouco diferente. Refere-se, desde logo, o aumento do emprego no setor do alojamento e da restauração em 9,9% (mais 21 mil postos de trabalho) no segundo semestre de 2017, face ao semestre homólogo de 2016 (num ritmo que supera o do crescimento global do emprego no mesmo período, de 5,1%). Assinala-se, por outro lado, que esse aumento do emprego gerou uma receita de 289,5 milhões de euros mesmo semestre de 2017 (+14,1% face a 2016) nas contribuições para a Segurança Social e dá-se conta, por último, da quebra da despesa em prestações de desemprego, a rondar os -11,2%. Se a tudo isto se juntar o efeito no aumento do consumo, e portanto o impacto na economia, mais difícil se torna afirmar - como sugere o título da notícia - que o «Estado perdeu» com a decisão de reduzir o IVA da restauração.

Entre as brumas da memória


A sério?O Bloco esquerdizou o PS?

Posted: 21 Mar 2019 01:30 PM PDT

Antes de mais e para que fique claro: eu levo a sério este Movimento 5 de Julho, venha ou não a ter efeitos práticos, a curto ou médio prazo.

Mas já ganhei a tarde, e ri-me com gosto, ao ouvir isto da boca do principal impulsionador do dito Movimento: «Nós tivemos uma aceleração da ascensão cultural do BE, que é inegável. (…) O BE, que iniciou uma guerra cultural contra o PS moderado dos anos 80, venceu essa guerra, houve uma esquerdização do PS.»

Ouvir / ler AQUI.

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Astana? Já não, já não

Posted: 21 Mar 2019 09:45 AM PDT

Cazaquistão rebatiza capital em homenagem a ex-presidente.

Isto só num país como o Cazaquistão ou alguns vizinhos! A bela cidade de Astana, palavra que significa pura e simplesmente «Capital», e que passou a ter este nome precisamente quando assumiu tal função no país, vai agora chamar-se «Nursultan», em honra do ex-presidente que ficou 30 anos no cargo.

(Também podemos substituir «Lisboa» por «Afonso Henriques», antes que alguma próxima futura all-right se lembre de «Salazar»…)

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Dia da Poesia - Moçambique

Posted: 21 Mar 2019 06:56 AM PDT

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21 de março o que é?

Posted: 21 Mar 2019 03:50 AM PDT

«Em Portugal a esmagadora maioria das pessoas não sabe o que se comemora no dia 21 de março. Essa ignorância reflete a atenção que, como sociedade, damos ao tema que nessa data se assinala. As autoridades centrais e locais não lhe dão centralidade, os principais partidos e organizações da sociedade civil ignoram-no e apenas os próprios interessados o tentam puxar para a discussão pública perante as barreiras que parte da comunicação social ergue à abordagem do assunto.

Nos idos 1960 na África do Sul, então ainda sob o regime do apartheid, milhares de negros manifestaram-se pacificamente, no dia 21 de março, contra a Lei do Passe que lhes impedia a liberdade de movimentos na sua própria terra e lhes impunha a necessidade de ter uma autorização especial para entrar na zona exclusiva dos brancos. A polícia abriu fogo matando dezenas de pessoas e ferindo centenas. Este acontecimento ficou conhecido por Massacre de Sharpeville.

Em 1966 a Organização das Nações Unidas (ONU), recordando o massacre instituiu o 21 de março como o Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial. Hoje é celebrado em todo o mundo. Todo o mundo? Não. Um pequeno país no ocidente europeu, resiste a reconhecer o racismo no seu território e a combatê-lo com denodo. Adivinham então qual será esse país? Uma pista. Fica mesmo ao lado da Espanha.

Contudo um ainda tímido, multifacetado e desorganizado movimento dos direitos cívicos das comunidades racializadas começa a emergir com força em Portugal, clamando justiça e o fim do racismo institucional no nosso país. O tempo de agir é agora.

Urge abandonar o negacionismo e encetar um diálogo social com as organizações antirracistas que leve à criação de políticas de ação afirmativa e anti discriminação em Portugal.

Para que não continue a ser a comunidade a que se pertence a definir a posição social no nosso país, para que os negros e ciganos não sejam condenados ao insucesso escolar, para que não sejam empurrados para bairros segregados e sem condições, para que a polícia trate todos por igual e nenhum com violência, para que o sistema de estatísticas nacionais permita detetar os problemas e delinear políticas públicas, para que a nacionalidade não seja negada a quem nasce no nosso país, para que os manuais escolares não reproduzam errados estereótipos negativos de certos grupos, para que toda uma agenda antirracista possa ser discutida e aprovada.

Este ano um grupo muito alargado de organizações, coletivos e indivíduos, entre eles o SOS Racismo, a Consciência Negra, a Femafro, e outras, convocou para as 18 horas no Largo de São Domingos em Lisboa uma concentração para assinalar o dia 21 de março.

Trata-se de mais um passo na afirmação desse movimento de direitos cívicos que emerge com energia da sociedade civil. Todos podem participar. Eu lá estarei.»

Jorge Fonseca de Almeida