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sexta-feira, 14 de junho de 2019

Entre as brumas da memória


A indignação de John Stewart

Posted: 13 Jun 2019 01:18 PM PDT

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A saga das PPPs na Saúde

Posted: 13 Jun 2019 11:15 AM PDT

Bastidores da lei de bases: BE entregou documento e deu garantias verbais ao PS.

Hoje é 5ªf., dia habitual de conversa ente PR e PM, mas não sei por onde andam e se o respeito por Santo António adiou a reunião. Mas, armada em Zandinga, creio que será esse diálogo que vai desfazer a meada em que o PS se enredou e não os Carlos Césares nem as Jamilas deste mundo. Em que sentido? Ah, isso não sei, já é pedir muito, mas não estou optimista!

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Santo António?

Posted: 13 Jun 2019 05:45 AM PDT

Isto do amor pelos turistas já vem de longe! Este cartaz é de 1949 e também existe uma versão em francês. (Em mandarim, será talvez em 2021.)

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Não nos querem nas cidades: a história de um divórcio sem retorno

Posted: 13 Jun 2019 03:09 AM PDT

«É necessário começarmos a acreditar que somos cada vez mais um “obstáculo” para quem nos governa, e não um “fim”. Já houve tempos em que nos mandaram emigrar porque não havia emprego, hoje obrigam-nos a deixar as cidades porque não temos rendimento para as habitar.

O que interessa é atrair o investimento e manter o fluxo turístico a todo o custo, repelindo no caminho o que se atravessar à frente, normalmente as pessoas, as suas vidas e as suas mobilidades. O mercado sempre em primeiro lugar! E o que é o mercado em primeiro lugar?

É a aparente miopia dos nossos governantes em contraste com as dificuldades de quem todos os dias é expulso da sua casa muitas vezes de forma coerciva, é a perda de 14.791 eleitores em Lisboa e de 5543 no Porto entre 2013-2017, ao mesmo tempo que se permite que em certos bairros do centro histórico a ocupação em regime de Alojamento Local atinja os 40%. É a cidade-palco das mil e uma festas e multidões onde todas as licenças são permitidas, deixando os moradores em estado de sítio sem conseguirem descansar.

É ser possível “perdoar”, em nosso nome, milhões de euros de impostos a fundos imobiliários e alienar património público quando 25.762 famílias estão sinalizadas como estando em situação habitacional claramente insatisfatória, 74% destas concentradas nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, conforme identificado no Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional.

O mercado em primeiro lugar é também ser legítimo limitar o acesso aos espaços públicos (praças e miradouros) ao mesmo tempo que se entrega de bandeja a sua exploração a grandes grupos privados. É obrigar a que aceitemos uma cidade onde os projectos urbanos são apresentados como factos consumados, é permitir a desregulação nos novos meios de mobilidade (Uber, trotinetes, bicicletas e tuk tuks), ao mesmo tempo que nos deixam apinhados (ou apeados) no trânsito ou num sistema de transporte público, mais barato é certo, mas que está longe de responder ao aumento da procura.

É consentir que se iniciem processos de demolição de bairros, de barracas ou de construções ilegais, em prol “da boa imagem dos concelhos metropolitanos”, sem assegurar a habitação condigna a todos os seus moradores. É, no fundo, esta festa de divórcio para a qual não queríamos ser convidados, mas em que fomos obrigados a participar. É o oposto da igualdade e inclusão que deveriam ser promovidos nas cidades.

Não interessa, pois, que esta “cativação urbana”, em prol do crescimento económico, arruíne o tecido social do território e comprometa os diferentes acessos capazes de lhe conferir diversidade e vitalidade. Não interessa que sem eleitores não haja votos e, por conseguinte, necessidade de representação – até a democracia pode submergir um pouco, para manter à tona o mercado. Este, sempre em posição de destaque, é o verdadeiro arquitecto das políticas urbanas, definindo quem tem “direito à cidade”, quem a pode aceder.

Um exemplo mais recente desta tendência é o novo Programa de Arrendamento Acessível, já aprovado pelo Governo, e que pode ser consultado nesta portaria, publicada em Diário da República. O programa estabelece um apoio aos proprietários, sob a forma de benefícios fiscais (que recaem sobre o IRS e IRC) em troca de uma redução do valor das rendas praticadas. Desta forma procura facilitar o acesso à habitação por parte da classe média. Mas será mesmo uma medida destinada à classe média?

No âmbito do mesmo programa foram estabelecidos os tectos máximos de renda para Lisboa (e para todos concelhos do país). Vejamos os valores considerados para a capital: TO, 600 euros; T1, 900 euros; T2, 1150 euros. A fórmula utilizada para os estimar baseou-se valor do mercado de rendas praticado, considerando a sua redução em 20%. Se a intenção que este programa proclama fosse honesta, a fórmula para estimar os limites do valor da renda teria sido calculada de forma inversa, partindo do rendimento médio dos trabalhadores portugueses, de forma a estimar os tectos de renda máxima. Mas a fórmula parte do valor de mercado, e este, como sabemos, não reflecte de todo a realidade laboral do país.

Um casal que ganhe o salário médio (887 euros segundo o INE) não poderá pagar mais do que 532,2 euros de renda, uma vez que o programa limita a taxa de esforço a 35%. Para pagar um T1 a 900 euros teriam que ganhar cada um quase 1300 euros, longe dos 887 euros do rendimento médio. Isto não espelha um Estado preocupado em encontrar soluções para os problemas da cidade, mas sim em comparticipar, financiar e validar um projecto urbano onde o mercado (global) é o seu anfitrião principal. Não nos deixemos, por isso, enganar com medidas que mais não são do que um analgésico social, fabricadas para maquilhar o tal divórcio sem retorno.»

Sebastião Ferreira de Almeida

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Criar campeões, sacrificar a concorrência

por estatuadesal

(Alexandre Abreu, in Expresso Diário, 13/06/2019)

Alexandre Abreu

A concentração empresarial confere economias de escala, poder de mercado e acesso a lucros extraordinários, especialmente quando está em causa uma quota de mercado substancial a uma escala continental ou global. Muitas empresas estão dispostas a praticar preços abaixo do custo para conquistar quota de mercado, suportando perdas durante largos anos se necessário, na antecipação da fase em que o seu domínio do mercado lhes permitirá recuperar esse investimento. Outra via mais direta para a conquista de poder de mercado é a fusão entre empresas existentes, particularmente quando entre si já partilham uma parte importante do mercado. Seja qual for a via, a conquista de poder de mercado é uma dimensão central do capitalismo realmente existente: a concorrência perfeita dos manuais é bastante excecional.

Tradicionalmente, os governos das economias capitalistas avançadas têm tido uma atitude ambígua em relação a estas dinâmicas de concentração. Por um lado, a noção de que os lucros monopolísticos penalizam os consumidores, incluindo outras empresas a montante a a jusante, levou historicamente ao desenvolvimento de legislação antimonopolística, incluindo a imposição do desmantelamento de empresas com poder de mercado excessivo e a penalização de práticas de cartelização. É mais frequente, porém, que o poder político promova os interesses dos grandes grupos com aspirações monopolísticas, justificando-o com uma identificação entre os interesses destes e o interesse nacional, principalmente quando em confronto com empresas rivais de outros países.

Na União Europeia, vive-se atualmente um momento de charneira no que diz respeito à tensão entre estas duas tendências. A dinamarquesa Margrethe Vestager, Comissária Europeia para a Concorrência desde 2014, tornou-se famosa pela imposição de multas avultadas a empresas como a Apple ou a Google por abuso de poder de mercado, mas também pelos vetos impostos a vários planos de mega-fusões, incluindo, nos últimos meses, as intenções de fusão da Thyssenkrupp com a Tata (no sector do aço) e da Siemens com a Alstom (nos equipamentos ferroviários). Mas a sua atuação tem vindo a criar cada vez mais inimizades junto de vários governos europeus, que têm visto bloqueada a perspetiva de consolidação de empresas “campeãs europeias” com maior capacidade de competir no mercado global e, em particular, de enfrentar a concorrência das rivais chinesas e norte-americanas.

O veto à fusão entre a alemã Siemens e a francesa Alstom no sector ferroviário, que teria dado origem à segunda maior empresa mundial de fabrico de comboios, terá irritado particularmente os governos francês e alemão. Levou também Angela Merkel e Emmanuel Macron a apelarem a uma alteração das regras europeias da concorrência no sentido de uma maior tolerância para com a concentração monopolística em nome da capacidade de concorrência face aos rivais extra-europeus. Já em fevereiro deste ano os ministros da economia francês e alemão, Bruno Lemaire e Peter Altmaier, haviam lançado um Manifesto Franco-Alemão para uma política industrial europeia para o século XXI, que incluía apelos no sentido do reforço substancial do investimento público na inovação, de maior proteção face a países terceiros e da revisão das regras da concorrência para torná-las mais permissivas. Todos pretendem que os governos nacionais, através do Conselho, possam ultrapassar os vetos da Comissão em nome do interesse nacional.

Este embate vai prosseguir nos próximos tempos e acentuar-se à medida que as empresas chinesas forem conquistando cada vez mais mercados a nível global, colidindo com as aspirações dos grupos empresariais europeus. E será surpreendente se neste contexto os mecanismos de salvaguarda da concorrência prevalecerem face às pressões crescentes no sentido da atuação política em apoio à concentração do capital. Este pode não ter pátria para algumas coisas, mas tem-na com certeza quando toca à mobilização do poder político para fazer avançar os seus interesses.

Ladrões de Bicicletas


Lesados da SIC?

Posted: 12 Jun 2019 09:08 AM PDT

A recém contratada apresentadora da SIC Cristina Ferreira, bem como outras figuras da estação televisiva, vai começar a vender aos espectadores da SIC obrigações SIC que prometem uma taxa de juro anual de 4,5%.
A frágil situação financeira da Impresa é conhecida e, por isso, é de questionar de que forma vai o grupo investir os 30 milhões de euros que se pretende obter, de forma a garantir esse rendimento. É que quando as taxas de juro prometidas se tornam elevadas, é caso para suspeitar.
Aconteceu isso em operações dos CTT (que roeram o capital dos investidores), na Caixa Económica Açoreana (e faliu), no BES (e viu-se no que deu), só para falar naqueles casos de que me lembro.
Só esperemos que o Estado não venha, mais tarde, a ser chamado a cobrir os eventuais prejuízos desta operação, em nome da defesa da comunicação social livre.

Entre as brumas da memória


Branco é...

Posted: 12 Jun 2019 01:00 PM PDT

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Ruben de Carvalho

Posted: 12 Jun 2019 10:30 AM PDT

Pode-se ouvir a partir DAQUI os 151 episódios do programa RADICAIS LIVRES, em que Ruben de Carvalho e Jaime Nogueira Pinto analisavam a atualidade nacional e internacional. O último data de 01.06.2019.

SIC? Cristina Ferreira?

Posted: 12 Jun 2019 07:37 AM PDT

- Alô, Cristina? Eu queria muito, já estou em Belém, mas para já não devo pronunciar-me.

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Uma lei de bases na chuva

Posted: 12 Jun 2019 02:56 AM PDT

«O debate sobre a nova Lei de Bases da Saúde tem sido vivo, intenso e clarificador. Vivo porque todos estão chamados à reflexão; intenso porque confronta diferentes mundividências e clarificador porque demonstra quem defende o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enquanto instrumento público de produção de saúde individual e coletiva – SNS com provas amplamente dadas em resultados de saúde!

A direita tem mostrado a sua ausência de projeto para o SNS ao pretender fomentar o desmantelamento do único instrumento social e organizacional público que garante a liberdade de viver com confiança na proteção contra a doença. De facto, em continuidade com a Lei de 1990, a direita continua a promover as práticas: (i) da entrega da gestão de unidades públicas de saúde ao setor privado (PPP) e (ii) da tendente precarização das profissões de saúde exercidas no setor público.

Recorda-se que, aquando da votação final da Lei de 1990, as esquerdas parlamentares uniram-se para avocar diversas normas, tentando impedir, norma a norma, a “degradação e degenerescência” do SNS que António Arnaut e João Semedo caracterizaram.

Entre essas normas lesivas ao SNS encontravam-se as PPP que, salienta-se, o PS, o PCP e o PRD rejeitavam porque: “a entrega dos hospitais ou dos centros de saúde do serviço nacional de saúde à gestão ou exploração por entidades privadas, transforma a saúde dos portugueses num negócio gravemente nefasto, porque levará a uma diminuição da qualidade dos serviços prestados e a uma eventual perda do vínculo profissional dos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde ou, pelo contrário, ao aumento das despesas do Orçamento de Estado” [DAR, 13 Julho 1990, pp.3580].

Tudo se confirmou. As notícias recentes relatam casos de falseamento de dados clínicos; de internamentos em refeitórios e casas de banho; de aumento dos tempos de espera... a perda de vínculo e de dedicação profissional ao SNS... Ora, se a realidade atual veio confirmar os receios previstos e partilhados pelo PS em 1990, o que terá mudado na análise política do grupo parlamentar do PS para, hoje, hesitar nesta questão estruturante?

Se as recentes notícias sobre a desadequação das PPP de (ainda apenas) quatro hospitais não bastarem para demover a maioria do grupo parlamentar do PS para caminhar em direção à extinção tempestiva desta solução no SNS, restará pensar que os efeitos da Lei de 1990 foram bem mais profundos que aqueles inicialmente supostos. Restará pensar que abalaram as fundações do PS e que o “espírito do tempo” neoliberal, destrutivo do “Estado Social”, se entranhou preocupantemente no partido de Mário Soares e de António Arnaut.

Uma nova Lei de Bases da Saúde é importante se puder contrariar a estrutura fundamental da Lei de 1990. É importante se vier a marcar um rumo novo para o SNS. É importante se a sua aprovação refletir um compromisso de futuro para com as políticas públicas de saúde inabalável por conjunturas eleitoralistas, xadrez partidário ou putativa intromissão presidencial. Para isso o PS não pode claudicar na sua própria visão quanto ao SNS. Não pode afastar-se mais de Arnaut. Nem agora, nem no futuro.

“Saibamos unirmo-nos na construção do que sabemos querer, como temos sabido unirmo-nos na defesa do que queremos defender” (António Galhordas, 1989).»

Teresa Gago e Adelino Fortunato

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Lava Jato: uma justiça militante, promíscua e frágil

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 12/06/2019)

Daniel Oliveira

É sintomático que, num país onde o jornalismo não tem grandes pruridos éticos, tenha sido um órgão de comunicação social com base no exterior, o “The Intercept”, o escolhido por uma fonte para “vazar” as trocas de mensagens dos procuradores da Lava Jata e de Sérgio Moro. Mensagens bastante relevantes para a análise do processo que teve efeitos políticos devastadores e que por isso deveria ser escrutinado até ao mais ínfimo pormenor. Ele levou à prisão e ao afastamento das eleições do homem que, quando terminou o seu mandato, tinha 87% de aprovação popular e, mesmo depois de muitas das acusações, liderava as sondagens. É um enxovalho internacional que esta informação chegue a todo o mundo sem ter passado por nenhum dos jornais de referência brasileiros.

A “Intercept Brasil” decidiu publicar estas conversas privadas aplicando o que considera serem as regras usadas pelos jornais de referência nas democracias de todo mundo: divulgar apenas “as informações que revelam transgressões ou engodos por parte dos poderosos”, deixando de fora “as que são puramente privadas e infringiriam o direito legítimo à privacidade ou outros valores sociais devem ser preservadas”.

Saberão as minhas enormes reticências em relação a tudo o que seja a violação da privacidade por parte dos jornalistas. Mas os jornalistas do “The Intercept” têm dois pontos a seu favor. O primeiro é que, estando em causa a violação grosseira das regras éticas e da lei por parte do sistema judicial, não resta muito a quem recorrer. O segundo é explicitado pelo próprio jornal online: “somos guiados pela mesma argumentação que levou boa parte da sociedade brasileira a aplaudir a publicidade determinada pelo então juiz Moro das conversas telefónicas privadas entre a presidente Dilma Rousseff e o seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva (em que discutiam a possibilidade do ex-presidente se tornar ministro da Casa Civil), logo reproduzidas por inúmeros veículos de mídia”. Recorde-se que essa divulgação foi fulcral para virar a opinião pública contra o PT, ajudando a preparar o terreno para o impeachment de Dilma. E teve uma diferença fundamental em relação a esta: não incluiu apenas revelações de interesse público, mas também comunicações privadas sem qualquer relevância para a sociedade.

Ler as mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato e o juiz Sérgio Moro é espreitar para a violação quotidiana das regras mais básicas de um processo judicial e deixar de ter dúvida sobre as motivações do atual ministro de Bolsonaro. Quem, depois de as ler, continuar a negar que houve um golpe não acredita no Estado de Direito e na democracia

As mensagens privadas que foram divulgadas foram trocadas entre procuradores da Lava Jata, em Curitiba, o seu líder, Deltan Dallagnol, e o juiz Sérgio Moro, na aplicação Telegram. E deixam três coisas evidentes: que houve uma forte militância e motivação política nos procuradores e no juiz, várias vezes explicitada; que os procuradores tinham consciência da enorme fragilidade das provas indiretas que apresentavam, sobretudo na relação entre a suposta propriedade do triplex de Guarujá e o suposto favorecimento da OAS em negócios com a Petrobras, único elemento que permitia retirar o processo de São Paulo (onde estava o triplex) e entregá-lo ao juiz Sérgio Moro, que tinha o caso da Petrobras; e, talvez o facto formalmente mais relevante, que houve uma total promiscuidade nas relações entre a acusação, dirigida pelo Ministério Público, e Sérgio Moro, o juiz que deveria acompanhar o processo sem ser parte. Ficou claro que o juiz que deveria acompanhar o processo foi quem, na prática, o dirigiu. Num Estado de Direito, todas estas revelações matariam um processo que já não tinha ponta por onde se lhe pegasse. Ler aquelas mensagens é espreitar para a violação quotidiana das regras mais básicas do de um processo judicial e deixar de ter qualquer dúvida sobre as motivações do atual ministro de Justiça de Jair Bolsonaro.

A MILITÂNCIA

Comecemos pela militância. Há um momento especialmente revelador. Quando, em setembro de 2018, um juiz do Supremo Tribunal Federal autoriza Lula a dar uma entrevista à “Folha de São Paulo”. Perante esta decisão, o procurador Dallagnol mostra a sua preocupação. Porque a entrevista pode perturbar o processo ou dar força ao acusado no confronto com o Ministério Público? Nada disso. Porque “uma coletiva (conferência de imprensa) antes do segundo turno pode eleger o Haddad”. Quem o escreve em privado é o mesmo homem que em público disse que “o trabalho do Ministério Público Federal na Lava Jato é técnico, imparcial e apartidário, buscando quem quer que tenha praticado crimes no contexto do megaesquema de corrupção na Petrobras”.

Houvesse dúvidas sobre as motivações eleitorais para a enorme preocupação com a entrevista, e as conversas sobre a forma de a sabotar são esclarecedoras. O procurador Athayde Costa recorda que a decisão do Supremo não define uma data – “É só a Polícia Federal agendar para depois das eleições, estará cumprindo a decisão”. Já o procurador Júlio Noronha propõe que se transforme aquilo numa entrevista coletiva “com a chance de, com a possível confusão, não acontecer”. Mais parece perante estarmos perante uma direção de crise de uma campanha eleitoral do que num grupo de procuradores. Como escreve o “The Interspect”, “esse grupo de Telegram, ativo por meses, sugere que esse tipo de cálculo político era rotineiro nas decisões da força-tarefa” (grupo que dirigia a Lava Jato). Quando a decisão do Supremo é revertida, graças a um recurso do Partido Novo (de direita), o procurador Januário Paludo escreve: “Devemos agradecer à nossa PGR: Partido Novo!!!”

Há uma conversa de uma procuradora com Deltan Dallagnol em que esta lhe diz, a propósito do processo: “Ando muito preocupada com uma possível volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar a nossa população para que um milagre nos salve” A resposta do procurador responsável pela acusação de Lula foi: “Reza sim, precisamos como país”. Mas, não deixando tudo na mão de Deus, Dallagnol foi fazendo a sua parte.

Sérgio Moro, a que irei mais à frente, também não esconde os seus objetivos. A 13 de março de 2016, quando as manifestações contra Dilma tomaram as ruas, Dallagnol dá os parabéns a Sérgio Moro por ter dado sinais que “conduzirão multidões”. Moro diz que os parabéns são para todos eles (juiz e acusação) e conclui, com receio: “ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso”. Hoje trabalha com corruptos no governo. Como costuma acontecer com justiceiros que se propõem limpar a política em vez de se limitarem a julgar os casos que lhes são apresentados.

A FRAGILIDADE

A segunda coisa evidente na leitura destas mensagens é a consciência da fragilidade das provas existentes. Sobretudo das que encaminhavam o processo para um juiz aliado – político e processual –, retirando-o das mãos de magistrados mais rigorosos ou menos motivados. Era o próprio Deltan Dallagnol que mostrava enorme ansiedade com elemento chave: que Lula tinha recebido um apartamento triplex na praia do Guarujá após favorecer a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras. Não é, como já disse, um pormenor. O processo do triplex teria de ficar em São Paulo. E em São Paulo não havia Sérgio Moro.

Como sabe quem tem acompanhado este processo, a base para envolver Lula da Silva no processo da Petrobras seria um apartamento triplex que ele teria recebido da OAS, na praia de Guarujá, em São Paulo. Sem que Lula seja proprietário ou usurário do apartamento, a base para a acusação foi uma notícia da Globo, que foram desenterrar de 2010. Escrevia o procurador aos seus colegas: “tesão demais essa matéria do O GLOBO de 2010, vou dar um beijo em quem de vocês achou isso”. A peça atribuía a Lula a propriedade de um apartamento naquele complexo. Na realidade, a reportagem que foi usada como prova usava a declaração do então candidato à reeleição, que apenas referia uma cota naquela Cooperativa Habitacional Apartamento. Eka existia, foi paga e poderia ser usada para qualquer apartamento – a defesa de alegaria que se tratava de uma unidade simples. A reportagem dizia que Lula era dono do triplex mas a única confirmação que tinha era uma resposta da assessoria do PT que, de facto, confirmou que o presidente tinha um imóvel no local, não aquele. E o Ministério Público nem sequer acertou no triplex, já que a reportagem falava da torre B e a acusação referiu a torre A, que nem sequer existia em 2010, quando a reportagem foi publicada. Ou seja, a reportagem foi usada para provar a propriedade do apartamento que ela não referia.

Se as provas sobre a propriedade do apartamento eram uma mão cheia de nada, a relação dessa suposta propriedade com favores à construtora em empreitadas para a Petrobras era uma mão cheia de coisa nenhuma. Perante a miséria do que tinham para mostrar, percebe-se o nervosismo de Deltan Dallagnol: “Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram estou com receio da história do apartamento… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”. Se falhassem isto perderiam Moro. Como se percebe pela assombrosa proximidade entre a acusação e o atual ministro, não era perda pequena. E a ligação foi, como sabe qualquer pessoa que tenha lido a acusação, forçadíssima. O melhor resumo de tudo o que era preciso para fazer andar a coisa foi mesmo feito pelo procurador Dallagnol a Sérgio Moro: “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incólume pelo mensalão”. Tudo resumido, era isto: ganhar o julgamento popular com a ajuda de um juiz ambicioso.

As coisas tinham mesmo de ser exageradas. O coordenador da Lava Jato explicou a Moro porque usou a expressão “líder máximo” de um esquema de corrupção para se referir a Lula: para conseguir vincular o ex-presidente aos 87 milhões de reais pagos em luvas, pela OAS, em contratos para obras em duas refinarias da Petrobras. Admitiu que não tinha qualquer prova dessa acusação. Perante a chacota de muitos à apresentação que foi feita da acusação, Moro descansou o procurador: “Definitivamente, as críticas à exposição de vocês são desproporcionais. Siga firme.” Este tom marca o terceiro pecado deste processo: o da promiscuidade.

A PROMISCUIDADE

Esta é a parte mais sensível para o processo. As outras são graves, esta fere tudo o que se fez. Como em Portugal, o juiz que acompanha uma acusação não é acusador. O ideal é pôr o próprio Sérgio Moro a explicá-lo. Disse, numa palestra, em março de 2016: “Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma. Quem investiga ou quem decide o que vai fazer e tal é o Ministério Público e a Polícia. O juiz é reativo. A gente fala que o juiz normalmente deve cultivar essas virtudes passivas. E eu até me irrito às vezes, vejo crítica um pouco infundada ao meu trabalho, dizendo que sou juiz investigador”. O que se lê nestas trocas de mensagens é oposto das “virtudes passivas”. Não há nada que Moro não faça: passa informações ao Ministério Público que recebe de fontes, dá indicações de conteúdo, técnicas e de estilo, chega quase a dar ordens aos investigadores, numa relação que parece umas vezes hierárquica, outras de camaradagem, nunca as que se esperam de um juiz com a acusação.

Há um momento em que Moro dá indicações para reverter a ordem das investigações: “Diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem das duas planejadas”. Queixa-se da perda de ritmo das prisões e apreensões: “Não é muito tempo sem operação?” E passa informações: “fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sida ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é seria”.

No sentido oposto, o procurador chega a avisar que há uma diligência que Moro “pode indeferir”, já que é apenas “estratégia”. Moro responde que esteja “tranquilo” e que, de facto, indeferirá. São anos de sã colaboração, com alguns raspanetes no meio, entre o árbitro e o jogador, que atinge o zénite no momento em que Sérgio Moro faz um pedido ao procurador: “A colega Laura Tessler de vocês é excelente profissional, mas para a inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada esta mensagem”. Um juiz a dar indicações táticas à acusação para o que se passará em tribunal é coisa nunca vista. Ou talvez sim, na Lava Jato. A promiscuidade é tal que, a dado momento, o juiz usa a primeira pessoa do plural para falar do que a acusação deve fazer: “O que acha dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater oficialmente?”

Este é só o começo da investigação que a comunicação social brasileira, genericamente tão independente e ciosa dos seus deveres como o juiz Sérgio Moro, não fez. A aliança que se estabeleceu entre a direita brasileira, os oligopólios mediáticos, procuradores com uma agenda política e um juiz com uma agenda pessoal que foi premiada conseguiu determinar o futuro político do Brasil. Quem, depois de ler estas mensagens, continuar a negar que houve um golpe, não acredita na democracia. A tudo isto, o juiz-ministro a respondeu indignado com a “invasão criminosa do celulares de procuradores”. Longe vão os tempos em que, depois de tornar públicas as escutas das conversas entre Dilma Rousseff e Lula da Silva, em vésperas de manifestações contra o PT, disse: “o povo tem direito a saber o que fazem os poderosos”. Se os poderosos forem os outros, claro.