Translate

quarta-feira, 1 de abril de 2020

O fémur curado

Rui Gustavo

Rui Gustavo

Jornalista de Sociedade

01 ABRIL 2020

Partilhar

Facebook
Twitter
Email
Facebook

Um dia, há muitos anos, um aluno perguntou à antropóloga Margaret Mead qual era, para ela, o primeiro vestígio de civilização humana. A antropóloga americana, autora de “Adolescência, sexo e cultura em Samoa”, respondeu: “Um fémur com 15 mil anos encontrado numa escavação arqueológica.”
O aluno esperava que a professora falasse de anzóis, ferramentas ou barro cozido, mas Mead continuou: “O fémur estava partido, mas tinha cicatrizado. É um dos maiores ossos do corpo humano (liga a anca ao joelho) e demora seis semanas a curar. Alguém tinha cuidado daquela pessoa. Abrigou-a e alimentou-a. Protegeu-a, ao invés de a abandonar à sua sorte”.
Na natureza, qualquer animal que parta uma perna está condenado. Se for um predador, não consegue caçar; se for uma presa, não consegue fugir. Está morto. Então, concluía Mead, que lutou pelos direitos das mulheres nos anos 50 e 60 e foi galardoada com a medalha da liberdade, o que nos distingue enquanto civilização é a empatia, a capacidade de nos preocuparmos com os outros.
Mead nunca enfrentou uma pandemia, mas fez a sua parte na II Guerra Mundial onde terá visto o pior e o melhor dos homens. Esta história, contada por um colunista da revista americana Forbes comovido com uma vizinha dos pais idosos e isolados pela covid que se disponibilizou para os ajudar no que fosse preciso, trouxe-me à cabeça uma imagem óbvia: partimos o fémur e vamos precisar de tomar conta uns dos outros. Durante bem mais de seis semanas. E cada um tem de fazer a sua parte. Para a maioria isso implica não fazer nada e ficar em casa.
Hoje, duas semanas depois de ter sido declarado o estado de emergência em Portugal – a primeira vez desde o 25 de abril – o Presidente da República vai decidir se o prologa durante mais 15 dias, até 17 de abril. Este “se” é retórico. É óbvio que vai, como deu a entender nas declarações que fez ontem depois de uma reunião com especialistas em saúde pública que foram unânimes sobre a necessidade da renovação das medidas de confinamento. "Impõem-se", frisou Marcelo, que puxou dos galões por ter decretado este estado de exceção mesmo contra a aparente falta de vontade do Governo e do primeiro-ministro António Costa, que via a medida como paralisadora da “vida” e da economia.
A decisão só será "revelada" amanhã, depois de o Presidente ouvir o Governo - que vai definir os termos exatos do confinamento - e da aprovação da Assembleia da República: Mas a única dúvida é saber se as medidas de contenção vão apertar ou se se mantêm na mesma.
Apesar de no mês que hoje começa se prever um continuo aumento do número de infetados e de mortos (a curva só vai começar a descer no final de maio, previsivelmente) o aparente sucesso das medidas tomadas durante o estado de emergência, pode levar a que o Governo se decida pela reabertura das escolas numa data próxima de 4 de maio. Seria o primeiro sinal de que o osso está a sarar.
A grande prova vai ter lugar na páscoa, que este ano se celebra a 12 de abril. O vírus não viaja sozinho e vamos mesmo ter de resistir a juntar a família e comer ovos de chocolate sozinhos. Para não ficarmos coxos.

terça-feira, 31 de março de 2020

Pandemia já causou perda de um milhão de postos de trabalho europeus

De  Isabel Marques da Silva  & Sandor Zsiros  •  Últimas notícias: 31/03/2020 - 14:54

Pandemia já causou perda de um milhão de postos de trabalho europeus

Direitos de autor Matthieu RONDEL/EU

Pelo menos um milhão de pessoas perderam os postos de trabalho, nas últimas duas semanas, na Europa, de acordo com os dados da Confederação Europeia de Sindicatos (CES) sobre o impacto da pandemia no mercado de trabalho, tema em destaque no programa 'Breves de Bruxelas".

O número surge de uma compilação de dados de relatórios enviados por sindicatos de toda a Europa e inclui apenas trabalhadores com contrato por conta de outrem que solicitaram o subsídio de desemprego.

O número real de desempregados, que inclua os trabalhadores por conta própria e tarefeiros, poderá ser o dobro.

"Consegue imaginar o que acontecerá depois da Páscoa, se esta situação não for corrigida por algumas medidas de emergência? O risco é que número de desempregados triplique ou quadruplique", alertou Luca Visentini, secretário-geral da CES, em entrevista à euronews.

"Não é por acaso que a Organização Internacional do Trabalho diz que, potencialmente, esta crise poderá levar à perda de 24 milhões a 36 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. A Europa é, atualmente, o continente mais afetado por isso. Grande parte dessas perdas ocorrerão na Europa se não se tomarem decisões urgentes sobre como enfrentar esta emergência", acrescentou.

Na passada quinta-feira, os líderes dos 27 países da União Europeia pediram aos ministros das Finanças que elaborassem, em duas semanas, um plano de resposta à crise económica que se avoluma no horizonte.

Falta liquidez

Os sindicatos dizem que é preciso pensar em medias fortes, tais como sistemas de substituição de rendimento, o que exigirá entre 200 mil milhões a 400 mil milhões de euros.

"O problema é que não há dinheiro suficiente. Portanto, a única maneira de garantir que os sistemas existentes de apoio aos desempregados possam lidar com essa emergência, e que sistemas similares possam ser estabelecidos em países onde não existem, é que a União Europeia levanta o dinheiro para financiar um sistema europeu de subsídios de desemprego. É necessário encontrar algum instrumento de emissão de dívida comum, ao nível europeu, para criar maior disponibilidade de tesouraria na União que permita financiar esse tipo de sistema", afirmou o sindicalista.

A Comissão Europeia vai disponibilizar um pacote de investimentos de 37 mil milhões de euros, mas o comissário para a Economia, Paolo Gentiloni, admitiu, em entrevista à euronews, que é só um pequeno primeiro passo e que são necessários outros instrumentos de financiamento.

"Com certeza que um plano de recuperação económica forte exige mais dinheiro, esta primeira verba não será suficiente. Por isso, temos de identificar instrumentos específicos para financiar os objetivos de um plano geral de recuperação a nível europeu para os próximos meses", disse Gentiloni.

A próxima reunião extraordinária dos ministros das Finanças da União Europeia está marcada para 7 de abril.

Atualização - Falecimentos e contágios diários por coronavírus parecem ter estabilizado em Itália

De  Euronews  •  Últimas notícias: 31/03/2020 - 18:36

Virus Outbreak Spain

Virus Outbreak Spain   -   Direitos de autor Manu Fernandez/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved.

18h28 (CET) - Falecimentos e contágios diários por coronavírus parecem ter estabilizado em Itália

Os falecimentos em Itália, associados ao coronavírus, chegaram aos 12.428, depois de se registarem 837 óbitos (Ontem foram 812) nas últimas 24 horas, segundo dados da Proteção Civil.

Os novos contágios são 2.107, um crescimento ligeiramente superior ao dia anterior, mas mais de metade do que em recentes dias. O total de casos positivos são 77.635.

Desde que em fevereiro se detetou a 20 de fevereiro, o número total de contágios é de 105.792.

16H50 (CET) - Guterres defende estratégia mundial de combate para "uma crise humana"

O secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu hoje uma estratégia mundial concertada e coordenada para combater a propagação do novo coronavírus, alertando para as potenciais consequências trágicas desta pandemia que é, essencialmente, “uma crise humana”.

Os apelos e os alertas do secretário-geral da ONU sobre a pandemia da covid-19 foram feitos numa entrevista ao jornal digital português 7Margens (publicação exclusivamente dedicada a temas da religião e espiritualidade) hoje publicada.

Questionado sobre os esforços desenvolvidos pelos grandes atores internacionais no combate à pandemia, em especial na mais recente cimeira dos líderes do G20 (as 20 maiores economias do mundo), Guterres reconhece que foi dado um passo positivo, mas admite que a comunidade internacional ainda está muito longe de ter aquilo que é preciso.

Defende que o necessário é “em primeiro lugar, uma estratégia concertada e coordenada de supressão da transmissão do vírus” a nível mundial "sob a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS)".

15h35 (CET) - UE diz que material comprado em grupo vai demorar a chegar a Estados-membros

Os equipamentos médicos comprados em grupo a nível europeu para fazer face à pandemia da covid-19 começarão a estar disponíveis apenas “dentro de algumas semanas” em vez de no início de abril, disse hoje um porta-voz da Comissão Europeia.

“Parte do equipamento, dependendo das especificações dos contratos, poderá estar disponível dentro de algumas semanas depois de os Estados-membros assinarem os contratos com os fornecedores”, disse, na conferência de imprensa diária, o porta-voz do executivo comunitário para a Saúde, Stefan de Keersmaecker.

O porta-voz não especificou que equipamentos estão em causa, nem quando está prevista a chegada do material comprado em grupo e que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tinha anunciado para início de abril.

13h30 (CET) - Sobe para 160 o número de mortes associadas ao coronavírus em Portugal

Portugal registou mais 20 mortes associadas por coronavírus nas últimas 24 horas, informação avançada pela Direção-Geral da Saúde. O número total de óbitos é agora de 160, o que corresponde a um aumento de 14,1% nas fatalidades.

O número de infetados subiu para 7443, um aumento de 16,1% (mais 1.035) face a segunda-feira

Na segunda-feira, os dados oficiais revelavam um total de 140 mortes e 6.408 casos.

12h17 (CET) - Ministro da Economia admite nacionalizações para assegurar "atividades estratégicas"

O ministro da Economia considera “muito difícil” que a TAP “mantenha todos os postos de trabalho funcionais” na atual conjuntura, mas garante que o Estado assegurará, nesta e noutras empresas estratégicas, “a preservação do valor” que representam para o país.

“Nós queremos preservar a continuidade do país e das atividades que sejam estratégicas. Seguramente vamos divergir, em comunidade, sobre o que são atividades estratégicas e quais são as empresas importantes, mas o Estado português tem ferramentas para nacionalizar empresas e usá-las-á se achar conveniente”, assegurou hoje Pedro Siza Vieira em entrevista à rádio TSF, quando questionado sobre se admitia a hipótese de o Estado português vir a avançar para nacionalizações na sequência da crise gerada pela pandemia de covid-19.

11h19 (CET) - Bélgica regista morte de menina de 12 anos, num total de 705

Uma menina de 12 anos morreu na segunda-feira devido à pandemia de covid-19, anunciaram hoje as autoridades de saúde da Bélgica, que classificaram o acontecimento como “muito raro e difícil”.

“É um caso muito raro, mas que nos afeta muito, é um momento emocionalmente muito difícil porque envolve uma criança”, disse o microbiologista Emmanuel André, na conferência de imprensa diária sobre a covid-19, em que o número de mortes aumentou para 705 na Bélgica (na véspera eram 513).

“Atravessamos esta epidemia de modo solidário e vamos ultrapassá-la”, salientou, numa altura em que a Bélgica regista 876 novos casos confirmados por testes de laboratório, num total de 12.760 desde os primeiros casos de infeção pelo novo coronavírus, no início de março.

As autoridades de saúde reportaram ainda mais 485 hospitalizações (4.920), com mais 94 pacientes nos cuidados intensivos (1.021) – estando agora as camas destinadas a pacientes da covid-19 com uma ocupação média de 53% - mas há três províncias, incluindo a de Bruxelas, em que o número de casos se aproxima do limite da capacidade dos hospitais.

10h57 (CET) - Espanha regista novo recorde com 849 mortos num só dia

Espanha registou, nas últimas 24 horas, 849 mortos com o novo coronavírus, um novo recorde de falecidos num só dia, elevando o balanço total para 8.189, segundo a última atualização das autoridades sanitárias.

Os números do Ministério da Saúde espanhol revelam ainda um aumento de 9.222 no número de infetados, um crescimento dos novos casos positivos, depois dos 6.398 anunciados na segunda-feira.

Desde o início da pandemia, o país registou um total de 94.417 casos de covid-19, dos quais 8.189 morreram e 19.259 tiveram alta e são considerados como curados.

Na totalidade do país estão ou estiveram hospitalizadas 49.243 pessoas e, dessas, 5.607 estão ou já estiveram em unidades de cuidados intensivos.

A região com mais casos positivos de covid-19 é a de Madrid, com 27.509 infetados e 3.603 mortos, seguida pela da Catalunha (18.773 e 1.672), a de Castela-Mancha (6.424 e 708) e a do País Basco (6.320 e 325).

OMS defende estratégia de saúde pública além da quarentena

De  Euronews  •  Últimas notícias: 31/03/2020 - 11:57

OMS defende estratégia de saúde pública além da quarentena

Direitos de autor Jean-Francois Badias/Copyright 2020 The Associated Press. All rights reserved

Depois de Itália apresentar o menor número de novos casos de coronavírus em quase 2 semanas, a Organização Mundial de Saúde (OMS) admite que o país, assim como Espanha, possam estar a entrar numa fase de estabilização. Mas deixam o alerta: a quarentena vai ter de ser acompanhada por outras medidas.

O pedido foi reforçado, esta segunda-feira, pelo diretor do Programa de Emergências de Saúde da OMS, Michael Ryan, ao relembrar a necessidade de os países estabelecerem uma estratégia de saúde pública para fazerem o número de casos descer. "Reduzir os números, e não apenas estabilizar, exige um redobrar dos esforços de saúde pública para diminuir, porque [os números] não vão diminuir sozinhos", disse. De acordo com o responsável da OMS, as medidas são essenciais para suprimir o vírus e cuidar melhor de quem precisar de tratamentos hospitalares.

Depois de ver o número de infetados ultrapassar os 85 mil, Espanha aguarda o pico da covid-19 com regras de confinamento ainda mais restritivas.

Já em França, com a estabilização ainda longe a perspetiva é menos animadora. Após mais de 3 mil mortes associadas ao novo coronaviírus, os números continuam a aumentar.

No país, a automedicação também está a deixar as autoridades preocupadas. Um medicamento derivado da cloroquina tem sido testado como possível tratamento para a covid-19, mas recentemente, o governo francês restringiu a prescrição médica a casos graves da doença. Em causa estão os efeitos secundários já registados em vários pacientes.

Mais a Ocidente, Portugal recebeu, esta segunda-feira um milhão de máscaras e duas centenas de testes de diagnóstico provenientes da China. O material, destinado ao serviço nacional de saúde, chegou no mesmo dia em que o país registou a taxa de crescimento de casos mais baixa desde agravamento do surto

No Reino Unido, com mais de 22 mil infetados, o governo anunciou a criação de um fundo de 75 milhões de libras (o equivalente a mais de 84 milhões de euros), para o repatriamento de britânicos no estrangeiro.

Este artigo não é sobre a COVID-19, é sobre um crime bárbaro seguido de uma aberração

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 31/03/2020)

Daniel Oliveira

Foi em meados de março, ainda não havia estado de emergência mais já o país estava concentrado na epidemia. Um ucraniano a quem não foi permitida a entrada no país e esperava para embarcar para a Turquia, terá provocado distúrbios no Centro de Instalação Temporária (CIT) do Aeroporto de Lisboa. Faltam algumas peças no puzzle, mas sabe-se que a dada altura foi levado para uma sala de assistência médica por três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Segundo a TVI, os três homens terão espancado o imigrante até à morte, com recurso a pontapés, mesmo quando ele não podia resistir. Foi encontrado no dia 12, em agonia, algemado de barriga para baixo. Segundo a Policia Judiciária, os três suspeitos tentaram ocultar os factos. A autópsia foi conclusiva: o homem foi alvo de agressões que levaram à asfixia e provocaram a sua morte.

A gravidade deste caso é tal que levou à imediata demissão do diretor e subdiretor do SEF de Lisboa (Aeroporto) e à abertura de processos disciplinares aos dois dirigentes e, claro, aos envolvidos. Não fosse a COVID-19, este seria o tema de debate desta semana. O que me faz pensar em todos os abusos que nos estarão a escapar neste momento. Como a democracia pode mesmo estar suspensa por falta de atenção. Muito para lá do que estipula o estado de emergência.

É importante perceber que o CIT é um espaço temporário onde, apesar do nome pomposo, ficam detidas pessoas que não têm qualquer possibilidade de defesa, invisíveis a todos e sem tempo ou conhecimentos para fazer valer os seus direitos. A Provedora de Justiça chamou-lhe “no man’s land contemporâneo”. Aquelas pessoas estão muito mais desprotegidas do que qualquer prisioneiro. Esses conseguem ter contacto com o exterior e com advogados. Estes imigrantes nem reclusos são. E, em violação das regras das Nações Unidas, até crianças ali são detidas, em condições totalmente desadequadas para menores. Se isto é assim em tempos normais, imaginem agora, com a arbitrariedade tolerada por quase todos e para quase todos. Imaginem o que estes três inspetores podem já ter feito a outros imigrantes.

Tudo isto é especialmente triste quando o governo decidiu, como medida extraordinária, regularizar a situação de todos os imigrantes que estavam à espera de autorização de residência. Medida que levou Roberto Saviano, o autor de “Gamorra” que vive com um alvo da mafia nas costas, a escrever que “em Lisboa nasce uma nova Europa”. Infelizmente, a velhíssima Europa nunca desiste.«

Como se a história não fosse suficientemente macabra, a decisão tomada pelo tribunal é ainda mais extraordinária: a juíza decidiu que os três suspeitos aguardariam o julgamento em casa. Em prisão domiciliária, que é como estamos todos neste momento. O argumento para esta decisão terá sido o de evitar qualquer tipo de infeção nas prisões. Compreendo, mas este caso tem uma gravidade que obrigaria a outro tipo de abordagem, com uma quarentena em estabelecimento prisional, no hospital-prisão ou noutro espaço qualquer. Não estamos a falar de um crime comum, mas de um homicídio de violência extraordinária. Não estamos sequer a falar de criminosos comuns, mas de pessoas que terão matado ao serviço do Estado. O facto dos alegados homicidas serem agentes da autoridade e a vítima ser alguém incapaz de se defender torna o crime muitíssimo mais grave, pondo em causa a segurança do Estado e a confiança nas instituições e na lei.

Há guardas prisionais que entram e saem todos os dias das prisões e sempre houve presos com especial proteção. Ex-polícias, por exemplo. É difícil acreditar que era impossível prender estes três suspeitos de um crime bárbaro, mantendo-os distantes dos restantes reclusos durante o período de quarentena. O que parece é que a juíza tratou este caso como trataria um outro crime qualquer. E isto está longe de ser um crime banal.

O país não aceitaria, e com toda a razão, que três cidadãos com fortíssimas suspeitas de ter espancado a pontapé até à morte um polícia fossem mandados para casa. A gravidade é a mesma, por envolver um homicídio de extrema violência e pôr em causa o respeito dos cidadãos pela autoridade do Estado.

As prisões são uma bomba relógio. Graças às inaceitáveis condições em que estão presos milhares de cidadãos (sim, são cidadãos), esta pandemia pode levar à prda de muitas vidas. Sou obviamente sensível a isso. Mas, perante este perigo, a ministra da Justiça recusou, por agora, libertar alguns reclusos, como recomenda a ONU. Poderíamos estar a falar de presos em fim de pena ou com crimes de menor gravidade. Espanha colocou em casa autores de crimes com penas inferiores a dois anos.

A ministra vai decidir esta semana o que fazer, mas explicou que “é importante considerar a natureza dos crimes praticados” e o “sentimento de insegurança que uma medida destas pode eventualmente causar ao nível da população”. Não me ocorrem muitas coisas mais graves do que três agentes da autoridade pontapearem até à morte um homem indefeso em instalações do Estado. Se estes suspeitos (com fortíssimos indícios, como diz a PJ) estarem em liberdade – que é como estão, realmente, neste momento – não cria alarme social, quer dizer que estamos mesmo preparados para tudo. E isto não é estado de emergência, é estado de anarquia e arbitrariedade. Com a decisão desta juíza, foi dado o pior sinal às autoridades num momento em que aceitámos reforçar-lhes os poderes e limitar as nossas liberdades.