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terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Reino Unido abre centros de vacinação em massa

De  euronews
Reino Unido abre centros de vacinação em massa
Direitos de autor  Euronews
TAMANHO DO TEXTOAaAa

O Reino Unido abriu esta segunda-feira sete centros regionais de vacinação em massa, para acelerar e alargar o programa de vacinação contra a Covid-19. O Governo quer vacinar 15 milhões de pessoas consideradas mais vulneráveis até meados de fevereiro e a restante população adulta até outubro.

Mas Mike Peddie, um britânico de 83 anos vacinado esta segunda-feira, teme que nem todos os cidadãos queiram ser vacinados: "Não adianta sermos vacinados, se eles não forem e eu realmente não entendo isso. Precisamos de nos unir e das vacinas para nos unirmos".

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Os lares enfrentam novos surtos, que estão a deixar os profissionais de saúde esgotados. Eva Koffi, que concilia o curso de Medicina com um part-time como cuidadora num lar, diz que tudo mudou de um momento para outro. "Eu fiz um turno no fim de semana e tudo estava bem. Na semana seguinte, quando regressei, todas os nomes no quadro tinham um autocolante a dizer que estavam com Covid. Eu fiquei literalmente apavorada", diz Koffi.

A Alemanha e a França devem receber esta segunda-feira os primeiros carregamentos da vacina da Moderna, a segunda a ser aprovada pela Agência Europeia do Medicamento. Portugal também deve receber esta semana as primeiras doses desta vacina.

No norte de França começou uma vasta campanha de testes para identificar casos da nova estirpe do Reino Unido. 

Começou corrida à destituição de Trump

De  Euronews
Começou corrida à destituição de Trump
Direitos de autor  David Zalubowski/Copyright 2021 The Associated Press. All rights reserved.
TAMANHO DO TEXTOAaAa

É ou não plausível a hipótese de afastar Donald Trump do poder antes da tomada de posse de Joe Biden, a 20 de janeiro? Para Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes, não só é plausível como é urgente, considerando Trump uma "ameaça" concreta à democracia americana.

Os Democratas prepararam uma resolução de destituição que pode ir a votos no Congresso já esta terça-feira. O vice-presidente, Mike Pence, tem depois 24 horas para invocar a 25ª Emenda e declarar o atual presidente incapaz de governar. Há, pelo menos, dois senadores republicanos a apoiar o impeachment. No entanto, o obstáculo pode vir de outro lado.

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O problema principal não está na Câmara, está no Senado. O Senado só volta a reunir a 19 de janeiro.
Brian C. Kalt 
Prof. de Direito Constitucional, Univ. do Michigan

"Há mecanismos parlamentares que a Câmara dos Representantes pode usar para resolver tudo numa questão de horas ou num par de dias. Mas é óbvio que isso iria asfixiar o diálogo e gerar críticas. O problema principal não está na Câmara, está no Senado. O Senado só volta a reunir a 19 de janeiro. E não há nada que os obrigue a agir antes disso", afirma Brian C. Kalt, professor de Direito Constitucional da Universidade do Michigan.

A insurreição que Trump é acusado de incitar pode ter ido muito mais longe do que inicialmente noticiado, com novos relatos a revelarem uma autêntica caça aos deputados no interior do Capitólio. Cinco pessoas morreram durante a invasão.

Se Trump for afastado, não mais se poderá candidatar à presidência dos Estados Unidos. 

Envelhecer assim

Posted: 11 Jan 2021 03:59 AM PST

 


«Os velhos estão a morrer. E nem todos de corona. Este final de ano levou mais uns tantos, entre eles o Carlos do Carmo, o príncipe na cidade. Sobra uma mágoa seca, tão seca como aquele fado sem música que o Carlos cantou junto ao caixão do José Cardoso Pires, há muitos anos, e que foi a comovente despedida. Na Biblioteca das Galveias, a biblioteca pública onde José Saramago se refugiava a ler os clássicos enquanto trabalhava num emprego diminutivo, sabendo que havia mais na vida do que gastar as horas sem pensar. A voz do Carlos do Carmo ecoou no silêncio, cantou o fado sem um tremor, num desgosto limpo. Houve quem abandonasse a sala para chorar fora dali. Aquela emoção não podia ser quebrada com choraminguice. Só com a voz. O heroísmo da voz. 

A safra deste ano dá-nos certeza de que uma geração ilustre não dobrou o cabo das tormentas. E viveu o último ano da vida numa clausura de pestíferos. Entramos em janeiro, um mês cruel para os velhos, um mês duro e metálico, um mês escarpado e que corta a pele como aço, um mês gelado e indiferente, com medo. Não há pior modo de entrar no ano novo. Toda a gente, naquela altura da vida a que se convenciona chamar “de certa idade”, tem medo. Pode não tomar todas as precauções, por incúria, por bravata, por desatenção ou por falso sentido de segurança, isto não me acontece a mim, mas o medo está lá, acoitado como um animal selvagem na caverna, à espera. Não há sentimento mais fácil de detetar do que o medo. Não são precisas palavras, o medo lê-se no corpo, e lê-se com clareza no corpo dos velhos. 

Esta semana, ao visitar um hospital encontrei uma sala de espera cheia de velhos, homens e mulheres, uns mais novos, nos setentas, outros mais velhos, depois dos setentas. Os mais novos estavam sozinhos, e pela posição do corpo nas cadeiras via-se que não estavam confortáveis. O corpo torcido, virado para dentro, procurando ocultar-se. O corpo desconfiado e obrigado a distância. Ninguém falava, agora não podemos falar, o vírus não gosta da mudez e temos de contrariar o vírus. Este e os outros, os do inverno, os da gripe, os rinovírus, esse cardápio de doenças do frio que foram remetidas para plano secundário. 

Os mais velhos estavam acompanhados. À minha frente, um homem muito velho seguia com uma mulher mais jovem, mas não jovem, que lhe segurava o braço e vigiava o passo. O velhote caminhava em passinhos trémulos, como uma criança a aprender a andar. Caminhava curvado, e notava-se que a altura do esplendor da vida não tinha sido aquela, tinha sido mais alto, a velhice obrigava-o a curvar-se como um prédio empenado. Os passos eram pequenos, um bocadinho de cada vez, e atravessar a sala tornava-se uma viagem de minutos. A mulher devia ser a filha, a criança que ele educou e da qual cuidou e que agora foi chamada a fazer o mesmo por aquele pai-criança, aquele pai destituído de poder ou controlo sobre o mundo. A inversão é clara, e inevitável. Um velho tem tantas coisas de criança, incluindo a impaciência e a lágrima fácil. Depois de anos de repressão das emoções por uma cultura que não as aprecia, os velhos choram com facilidade. Mesmo que finjam que não choram. Uma parte dessas lágrimas acresce ao conjunto de indignidades da velhice, o olho húmido perpétuo, outra parte deve ter a ver com a desinibição, e uma terceira com a certeza de que tudo se torna tão difícil com a idade, desde descascar uma laranja a desrolhar uma água das pedras. Os ossos perderam a força e a pele engelhada recusa ficar com tudo a cargo. O corpo deixa de responder às mais pequenas coisas, numa teimosia que obriga a pedir ajuda para atravessar dois metros quadrados. 

O poeta T. S. Eliot tem um poema enigmático, “The Love Song of J. Alfred Prufrock”, de 1917, poema do tempo da guerra e da peste, em que Prufrock pergunta se ousará perturbar o universo, se ousará comer um pêssego. E sabe que ao envelhecer enrolará a dobra das calças. “I grow old… I grow old…/ I shall wear the bottom of my trousers rolled.” Tantas interpretações críticas sobre esta “Canção de Amor de J. Alfred Prufrock”. Para mim, e este é o poema preferido, o que aprendi de cor desde que o li a primeira vez, nunca houve outra interpretação. O poema da despedida, o poema do fim das coisas, do fim do amor e do amor do corpo, o poema da memória dilatada pela lucidez, o poema da vida medida em colherinhas de café, a vida de alguém que ouviu o canto das sereias, que não foi o príncipe Hamlet nem estava destinado a ser, e que no monólogo da gloriosa introspeção consegue reduzir as perguntas a uma. Ousarei perturbar o universo? 

Ao contemplar os velhos do hospital, o medo dos corpos assustados com a novidade incompreensível da doença que gosta de atacar os velhos, os doentes, os pobres, os fracos, recitei o poema em pensamento. Os livros ainda dão consolo. O medo dos velhos, o medo daqueles olhinhos húmidos atrás das máscaras, analisando o espaço em volta e os perigos que o habitam, o medo dos monstros lunares e marcianos da ficção científica, o medo do que é estranho, é uma crueldade a acrescentar às outras. Não se trata já de enrolar as calças porque a altura diminui, ou de não conseguir comer um pêssego porque escorrega das mãos e os ossos não seguram os sólidos, trata-se de sobreviver à solidão a que este vírus condenou os velhos. A um terror vivido em solitário, atrás de vidros e de janelas e portas, atrás do escudo da proteção a que foram condenados. Conheço velhos que passaram a noite de Natal e a noite de fim de ano sozinhos nas casas. Muito pior do que ver um pêssego escapar das mãos. Pior quando a memória ainda segreda, foste em tempos uma pessoa inteira, tiveste poder sobre ti e sobre os outros, dominaste o mundo com a tua força, mediste a vida em colherinhas de café porque escolheste medi-la assim. E ouviste o canto das sereias. E sabes que não cantarão para ti, escreve Eliot. 

Já tivemos outras pestes. No tempo da tuberculose, os doentes refugiavam-se e pensavam em solidão enquanto o mundo lá fora continuava composto. A tuberculose produziu obras-primas da literatura, como “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, e produziu mestres da escrita como Albert Camus, que quando teve tuberculose em novo passou o tempo a ler e assim se fez escritor. Deste vírus, não sairá o génio das artes. A tecnologia instituiu outras formas de comunicação e de pensamento, ou aboliu o pensamento. O telemóvel de última geração não salvará os velhos. Já ninguém lê livros. E a idade não deixa ler. Na solidão das salas e das casas, a companhia que lhes resta, no cansaço do dia, é a televisão. No hospital, no consultório, na espera, lá está ela, a luz azul acesa com pessoas dentro que falam com uma felicidade fingida, infantil, para alegrar os velhos.» 

Clara Ferreira Alves 

O preço de sermos humanos por estatuadesal

 


O preço de sermos humanos

por estatuadesal

(Daniel Oliveira, in Expresso Diário, 11/01/2021)

Daniel Oliveira

O Governo decidiu não fechar o país no Natal e o apoio pareceu-me generalizado. Como diz Henrique Barros, “as pessoas foram visitar o pai, o velho tio ou um irmão doente ou um amigo. Fizeram-no, porque são seres humanos”. A decisão não foi tomada na ignorância. Sabíamos que o resultado seria um aumento de infetados em janeiro. Quem, como eu, a maioria das forças políticas e a maioria das pessoas, defendeu esta opção não pode vir agora bramar contra o confinamento. Assumo as minhas responsabilidades: quis a maior abertura no Natal. Isto é uma corrida demasiado longa e não é possível cortar com todos os domínios da vida em todo o momento. E sei, porque sou adulto, que isso tem um preço.

Tomámos coletivamente uma decisão. Ou melhor, o Governo tomou-a e o apoio pareceu-me bastante alargado. Claro que não tenho qualquer sondagem, mas foi pelo menos esta a perceção que tive. Eu e as forças políticas. Não quisemos fechar no Natal. A decisão foi tomada com base no conhecimento da nossa realidade cultural e social. Na convicção de que o encerramento seria não apenas pouco viável sem um aperto de fiscalização como ainda não tivemos, mas muito difícil de aceitar pela grande maioria das pessoas. O Natal não foi apenas um momento de descompressão. Foi um momento em que muitas famílias que vivem situações dramáticas de isolamento, esgotamento psicológico ou até doença puderam lamber as feridas. Numa data muito importante na nossa cultura. Isto é uma corrida demasiado longa e temos de cuidar das vidas de quem quer estar vivo.

Presto atenção às palavras de uma pessoa que me habituei a ouvir durante esta pandemia: Henrique Barros, especialista em saúde pública e epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Entrevistei-o em julho e aconselho a entrevista que deu recentemente ao Público: “Não é aceitável, nem moralmente, nem eticamente, não é decente dizermos que isto é culpa das pessoas. As pessoas têm de viver. O que é mais dramático e inaceitável é criarmos esta ideia de que isto foi culpa das pessoas que não ficaram sozinhas em casa. E foram visitar o pai, o velho tio ou um irmão doente ou um amigo. Fizeram-no, porque são seres humanos e tenho a certeza de que a imensa maioria teve a preocupação de se defender a si e aos outros.” E desdramatiza, na medida do possível: “É curioso verificar que, nos países onde se definiram regras muito precisas de como e quantas pessoas se podiam encontrar, o ricochete foi exatamente como nos portugueses ou, em alguns casos, pior ainda. Do ponto de vista das medidas, não havia mais nada a fazer. Quais seriam as medidas? Era impedir as pessoas de estarem umas com as outras. Não me parece bem.”

Ao contrário do que ouvi de um matemático, no sábado, na televisão, o preço de confinamentos prolongados não é apenas a crise económica. É tudo. São as outras doenças, são os dramas sociais, é o isolamento e os seus efeitos profundos, são os problemas psicólogos e psiquiátricos. É a saúde pública que não cabe em alguns cálculos pouco interdisciplinares. Repito o que tenho dito: defendo a ponderação de valores. Por isso, evito tanto os negacionistas como os engenheiros das almas, que julgam ser possível anular a vida das pessoas durante mais de um ano e as coisas não cederem por algum lado. Felizmente, não decidem eles. A muitos, falta a humildade que também se lê na entrevista de Henrique Barros: “Eu sou um cientista, epidemiologista e médico. Se a pergunta for ‘se nós confinarmos a infecção diminui?’ Sim. E deve-se fazer? Não me pergunte a mim. Como técnico, tenho de dizer aquilo que, no estado actual do conhecimento, se sabe que funciona. Mas há uma parte de ciência e uma parte de arte na tomada de decisões em termos de saúde pública. Do ponto de vista da saúde pública, o confinamento resolve o problema, naquele momento diminui a infeção, mas cria toda uma série de outros problemas, nomeadamente de natureza social. Se confinarmos todos, a sociedade pára. O balanço destas coisas é que tem de ser feito.”

A decisão em vésperas de Natal não foi tomada na ignorância. Estamos nisto há um ano. Foi dito expressamente que o resultado seria um aumento de infetados em janeiro. Até foi dito que uma pequena abertura teria logo um efeito de mola. Veremos, com mais tempo, como se compara com o que está a acontecer no resto da Europa, incluindo nos países que impuseram restrições maiores. Só há uma coisa que ninguém pode dizer: que não sabia que isto sucederia. Sabíamos todos e todos os que tinham espaço no espaço público o disseram e escreveram. Incluindo os que, como eu, defenderam esta opção. Poderão dizer que o Governo tinha o dever de nos contrariar. Isso seria verdade se nos faltasse informação. Não era o caso.

Esta escolha tem um preço: estarmos disponíveis para um aperto mais severo das próximas semanas. Quem defendeu este caminho, como eu, a maioria das forças políticas e, estou convencido, a maioria das pessoas, não pode vir agora bramar contra o confinamento – que espero que ainda possa excluir escolas. Por mim, assumo as minhas responsabilidades: quis a maior abertura no Natal, estou disponível para limitar a minha liberdade nos próximos tempos. Não é possível cortar com todos os domínios da vida em todo o momento. E sei, porque sou adulto, que isso tem um preço.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Saudade e zaragatoas

Posted: 10 Jan 2021 03:55 AM PST



 

«É uma mulher antiga. Queixa-se da manhã glacial em morno amarume, "Ai,senhor António, até sinto o frio a entrar nos ossos." Fosse António um operário a quem o fiscal de obras perguntasse "O que fazes, aqui?", não responderia "Estou a construir uma catedral". Diria, quem sabe, "Trabalho para ganhar o meu pão". A resignação diligente habilitou-o com razoável destreza a tirar um café quase perfeito e a discorrer sobre a forma ideal da chávena ou a desejável temperatura da máquina. Vai-se-lhe o olhar adiante do verbo, aconchegando a mulher que se despede em ângulo agudo, devido às cruzes, "O pior é a saudade dos abraços e das coisas boas que perdemos; se ao menos nos deixassem tirar o açaime...". 

A saudade de que ela fala não é a "realidade essencial" erguida "à altura duma religião", como a definiu Pascoaes, mas a soma de perdas, de pequenos prazeres escoados, a raspadinha de tantas privações. Poderia ordenar um cadáver esquisito das suas paciências em solitude com as palavras que correram no ecrã enquanto o vocabulário lhe minguava: discriminação, covid-19, pandemia, sem-abrigo, infodemia, zaragatoa, saudade. 

Saudade, a palavra do ano na votação promovida pela Porto Editora, alinha, em letra minúscula, os eclipses da alegria que legendam o rosto da mulher devolvida, em ângulo agudo, à invernada. Se, ao menos, pudesse "tirar o açaime". 

Já a palavra máscara nem sequer foi a votos mas é-lhe tão afrontosa, espécie de zaragatoa ao pensamento, aflição em folha-de-flandres como a dos atavios de escravidão descritos por Machado de Assis, no início do conto "Pai contra Mãe", nas Relíquias da Casa Velha: "Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham, penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras." 

Um século depois, Bia Bulcão, a atleta brasileira que estagiou em Portugal à espera de vaga nas Olimpíadas de Tóquio, entrevistada pelo jornal O Globo, fala com ironia das regras apertadas. "Na esgrima", diz ela, "já estamos acostumados, é sempre de máscara." 

E a mulher antiga, em ângulo agudo, a vida inteira sem aulas de esgrima: "Todos os dias agradeço a Deus esta depressão que me anima."» 

Fernando Alves